quinta-feira, 27 de março de 2025

Expulsão, honra, pensões: o que acontece com militares se condenados pelo golpe?

início do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe revela diferenças no tratamento a civis e a militares envolvidos no caso.

Além do risco de prisão, os oficiais das Forças Armadas denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) podem ter de enfrentar um tribunal de honra militar que os penaliza à chamada “morte ficta”, uma “morte fictícia” dos militares que os exclui das Forças Armadas. Até aqui, 24 oficiais da ativa e da reserva do Exército e da Marinha foram denunciados por suposto envolvimento na trama.

Mas, mesmo em caso da imposição da “morte ficta”, familiares dos militares ainda receberão pensões do governo – calculadas com base nos vencimentos de cada oficial condenado e considerado “indigno” para as Forças.

Atualmente, as pensões nos casos de “morte ficta” se restringem a 70% do valor integral recebido pelo militar antes de sua expulsão das Forças Armadas – dinheiro esse a ser repassado aos familiares.

Tome como exemplo o caso do general Estevam Cals Theophilo, ex-comandante de Operações Terrestres e ex-membro do Alto Comando, um dos “kids pretos” denunciados na trama do golpe: segundo o portal da Transparência, ele recebeu R$24,7 mil de salário após deduções em janeiro passado. Se condenado à “morte ficta”, seus familiares receberiam R$17,3 mil de pensão.

Obtida pela Agência Pública, uma representação do Subprocurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, aponta que as Forças Armadas gastam R$43 milhões por ano com pensões desse tipo para familiares de militares. O gasto foi revelado inicialmente em dezembro de 2024 pelo portal Metrópoles.

  • Expulsão de militares depende do Procurador-Geral da Justiça Militar

Cabe apenas à Justiça Militar, por meio do Superior Tribunal Militar (STM), julgar a exclusão de oficiais dos quadros das Forças Armadas. Em recente entrevista à Pública, a presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha, explicou como funciona esse tipo de processo.

“Se a pena à qual o oficial for condenado superar dois anos, cabe uma representação de indignidade para com o oficialato. Se for inferior a dois anos, cabe a instalação de um Conselho de Justificação. São tribunais de honra. Ao fim, decidem se o oficial tem condições de permanecer nas fileiras do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. Caso decida-se que não, o oficial é excluído da Força, perde seu posto e a sua patente”, disse a presidente do STM.

No caso dos oficiais ligados à trama golpista, são esperadas representações de indignidade contra os que forem condenados, pois as penas dos crimes em julgamento no STF superam dois anos de prisão.

Tais ações devem ser propostas pela Procuradoria-Geral da Justiça Militar (PGJM), atualmente sob o comando do procurador-geral Clauro Roberto de Bortolli. A PGJM não tem investigado crimes militares ligados à trama golpista, aguardando o resultado dos julgamentos no STF – como já destacado pela reportagem anteriormente.

À Pública, a PGJM disse que “toma ciência das condenações dos oficiais por notificações dos tribunais ou mesmo pelas próprias Forças”, sendo um “pressuposto constitucional dessa medida a existência de condenação a pena privativa de liberdade superior a dois anos transitada em julgado”.

A PGJM também afirmou que toda representação de indignidade deve ser instaurada em menos de seis anos após o trânsito em julgado. Caso contrário, o processo de exclusão do oficial das Forças Armadas perde sua validade, segundo decisão do próprio STM em 2021. 

  • Tribunal de honra

Por outro lado, se houver militares condenados com penas inferiores a dois anos, serão abertos Conselhos de Justificação para avaliar sua expulsão das Forças Armadas. Regulamentados desde 1972, os conselhos são uma espécie de “tribunal de honra e corte moral”, como define o ministro do STM Péricles Aurélio Lima de Queiroz.

Os comandantes das Forças às quais os condenados pertencem são responsáveis por nomearem os conselhos de justificação, que são formados por três militares de patente superior à de quem está sendo julgado.

No caso de generais da ativa, a lei ordena que devem ser nomeados outros oficiais-generais, “da ativa ou na inatividade, mais antigos” que aquele sob julgamento.

Já nos casos de oficiais “da reserva remunerada ou reformado”, como o general da reserva Augusto Heleno, o ex-presidente e capitão da reserva Jair Bolsonaro e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, ao menos “um dos membros do conselho de Justificação também pode ser da reserva” da respectiva Força.

Ou seja: nos casos em que as penas forem menores que dois anos de prisão, caberá ao general Tomás Miné Paiva nomear os membros de conselhos de justificação para analisar os casos de militares do Exército. No caso do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, se ele for condenado a uma pena menor que dois anos, sua expulsão deve ser analisada por um conselho nomeado pelo atual comandante da Força, o almirante Marcos Sampaio Olsen.

  • Julgamento no STF em andamento 

A 1ª Turma do STF formada por 5 ministros do colegiado — Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino — vão analisar os argumentos preliminares das defesas sobre o recebimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) para decidir se há indícios de crime para justificar o início de uma ação penal contra 33 pessoas — 24 são oficiais da ativa e da reserva do Exército e da Marinha foram denunciados pela PGR. 

A denúncia envolve os crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, liderança de organização criminosa armada; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, essas duas últimas relacionadas à invasão de Brasília de 8 de janeiro. Ela é baseada na investigação da Polícia Federal (PF) que apontou uma trama golpista envolvendo o ex-presidente e militares após a vitória de Lula nas eleições de 2022. 

¨      Bolsonaro: “Se tivesse aqui no 8 de Janeiro, estaria preso até agora”

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se pronunciou nesta quarta-feira (26/3) após a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir torná-lo réu, junto a sete aliados.

“Fui para os EUA, graças a Deus, porque se tivesse aqui no 8 de Janeiro, estaria preso até hoje. Ou morto, que eu sei que é o sonho de alguns aí. Eu preso vou dar trabalho”, afirmou a jornalistas.

O ex-presidente acompanhou o segundo dia de julgamento no gabinete do filho Flávio Bolsonaro, no Senado Federal, ao lado de aliados políticos.

Relator do processo que investiga a trama golpista, o ministro Alexandre de Moraes aceitou na íntegra a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

Além de Bolsonaro, também viraram réus no mesmo julgamento Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Torres, general Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Souza Braga Netto.

Pronunciamento do ex-presidente

Durante o pronunciamento feito no Congresso Nacional, Bolsonaro tentou rebater as acusações a ele atribuídas pela denúncia da Procuradoria-Geral da República. Citou um pronunciamento lido em 2 de novembro de 2022, depois das eleições presidenciais. “Os caminhoneiros fizeram manifestações, mas, atendendo a um pedido meu, resolvemos essa questão”, lembrou.

Também destacou ter se reunido com o atual ministro da Defesa, José Mucio. “Se tivesse qualquer objetivo, não deixaria os indicados do presidente Lula assumirem”, continuou o ex-presidente.

Bolsonaro também citou a contestação das eleições presidenciais feitas em 2014 pelo PSDB. O ex-presidente voltou a reforçar a defesa pelo voto impresso e falou da Venezuela e do ditador Nicolás Maduro.

<><> Próximas etapas

Os investigados foram denunciados por participar de uma suposta trama golpista para manter Bolsonaro no poder após as eleições de 2022. A denúncia começou a ser analisada na terça-feira (25/3), e a sessão foi retomada nesta quarta com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.

Como o Supremo aceitou a denúncia, uma fase de instrução processual se iniciará. Nela, haverá a coleta dos depoimentos de testemunhas e acusados, bem como a apresentação de provas.

Encerrada essa etapa, o Supremo Tribunal Federal realizará um novo julgamento para decidir se os envolvidos são culpados ou inocentes.

<><> “Covarde, tem que ser preso”: homem protesta em coletiva de Bolsonaro

Um homem protestou contra Jair Bolsonaro (PL) durante a coletiva do ex-presidente nesta quarta-feira (26/3). Bolsonaro realizou uma coletiva de imprensa na saída do

“Você é um covarde! Você tem que ser preso, você e sua raça”, gritou o manifestante.

“Seu filho está nos Estados Unidos agora, deixou você na mão, seu filho é outro bandido. Assassino, ajudou a matar um monte de gente nesse Brasil”, continuou o homem.

¨      Caiado diverge de Bolsonaro e nega haver “ditadura do STF” no Brasil

Apontado como um dos nomes da direita para a disputa presidencial de 2026, Ronaldo Caiado discorda de Jair Bolsonaro sobre a existência de uma “ditadura do STF” no Brasil. Em entrevista à coluna, o governador de Goiás, que pretende realizar o pré-lançamento de sua pré-candidatura à Presidência em abril, avaliou que Bolsonaro deverá ter um julgamento transparente no Supremo Tribunal Federal.

“Tentar rotular um poder, de maneira alguma, como democrata que sou, rotularei. Existe um descontentamento por parte do ex-presidente [Bolsonaro] em relação à maneira como está sendo conduzido o processo. Mas, até aí, ser dito ‘ditadura’, não acredito que seja uma ditadura. Acho que deverá ser dada a oportunidade de fazer uma ampla defesa”, afirmou Caiado.

Para o governador, Bolsonaro, mesmo com sua inelegibilidade decidida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não está “fora do jogo” de 2026. “Ele está respondendo a um processo, mas ainda tem todo o período de testemunhas e, da mesma maneira como o ex-presidente Lula pôde competir, o que vai acontecer em 2026, também os advogados dele provavelmente vão exercer tudo aquilo que o Judiciário dá condições de poder reverter uma decisão”, afirmou Caiado.

“Então, depois de julgado, há embargos de declaração. Às vezes alguém acolhe, então é muito cedo para dizer que ele estaria fora desse processo. Eu acho que o Bolsonaro é uma peça importante nesse processo e eu tenho certeza absoluta de que o Supremo terá que dar a ele toda a tramitação, em todos os níveis, como se exige em um julgamento extremamente transparente”, disse o governador de Goiás.

Nesta quarta-feira (26/3), no mesmo dia em que o STF tornou Bolsonaro réu no inquérito que apura a suposta tentativa de golpe de Estado em 2022, Ronaldo Caiado participou, em Brasília, do Fórum de Segurança Pública. O governador proferiu uma palestra no evento, organizado pelo PP do senador Ciro Nogueira.

 

Fonte: Por Caio de Freitas, da Agencia Pública/Metrópoles

 

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