terça-feira, 25 de março de 2025

Comuna de Paris: 154 anos do primeiro governo proletário

Há 154 anos, em 18 de março de 1871, tinha início a Comuna de Paris — o governo revolucionário socialista instaurado após a eclosão de uma insurreição popular na capital francesa.

Criada no rescaldo do governo de Napoleão III, que havia colapsado durante a Guerra Franco-Prussiana, a Comuna de Paris se estendeu por 72 dias. Durante esse período, os revolucionários instituíram uma série de reformas avançadas, que vão da separação entre Estado e igreja à autogestão operária das fábricas.

Embora tenha tido uma curta duração, a Comuna de Paris é um dos grandes marcos históricos do socialismo, uma vez que foi o primeiro governo proletário a lograr êxito, tornando-se um referencial e fonte de inspiração para as revoluções socialistas posteriores.

  • Burguesia x Proletariado

Desde a Revolução Francesa iniciada em 1789, a França se convertera no núcleo fundador do incipiente modelo de Estado burguês. Em que pese as profundas agitações sociais que marcaram esse processo, as mudanças privilegiariam quase que exclusivamente a burguesia, alijando a classe operária do poder político.

O processo de organização política do proletariado somente teria início a partir da década de 1820. A publicação do Manifesto do Partido Comunista, elaborado por Karl Marx e Friedrich Engels, e as Revoluções de 1848 intensificaram o processo de conscientização da classe trabalhadora, levando à expansão do movimento operário nas grandes cidades europeias — nomeadamente em Paris.

Em 1864, foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores, ou Primeira Internacional — organização pioneira do movimento operário transnacional. Diante da organização dos trabalhadores, a burguesia reagiu abandonando suas características progressistas, reforçando sua natureza conservadora e reacionária e assumindo o papel de antagonista da classe operária.

  • Paris após a Guerra Franco-Prussiana

Foi nesse contexto de crescente politização da classe trabalhadora que irrompeu a Guerra Franco-Prussiana em 1870. A França foi decisivamente derrotada na Batalha de Sedan e o imperador Napoleão III foi capturado pelas tropas inimigas.

Em setembro de 1870, fundou-se um governo provisório presidido por Adolphe Thiers, dando origem à Terceira República Francesa. Diante do avanço das tropas prussianas, o novo governo e a elite francesa abandonaram Paris, refugiando-se em Versalhes. O exército francês também se retirou da cidade, recuando até Le Bourget.

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Os parisienses exigiram a instalação da Guarda Nacional para proteger a capital francesa dos invasores e criaram um destacamento formado por cidadãos oriundos das classes populares. A Guarda Nacional passou a ocupar a Câmara Municipal junto com representantes civis e funcionários do governo provisório. Nos meses seguintes, parte da população parisiense foi dizimada em função dos constantes bombardeios prussianos, da fome e das epidemias.

Em janeiro de 1870, Jules Favre assinou um humilhante armistício com a Prússia, comprometendo-se a ceder os territórios franceses de Alsácia e Lorena. Paralelamente, Thiers convocou a eleição de uma Assembleia Nacional para administrar as condições de paz exigidas pelo primeiro-ministro prussiano, Otto von Bismarck.

O pleito consagrou a vitória dos deputados monarquistas e conservadores, mas Paris, ressentida do abandono do governo provisório e influenciada pelo movimento operário, votou massivamente em deputados progressistas e republicanos. Os parisienses se negaram a largar as armas e rejeitaram o acordo com a Prússia.

  • O levante em Paris

Subserviente às exigências prussianas, Thiers tentou suprimir a resistência de Paris, abolindo o salário dos guardas nacionais e a moratória dos aluguéis. Como as medidas não surtiram efeito, Thiers enviou, em 18 de março de 1871, tropas do exército francês com a incumbência de desarmarem Paris e confiscarem os canhões da cidade.

Os trabalhadores, entretanto, se uniram à Guarda Nacional para debelar a investida do exército francês, expulsando os soldados e assegurando a continuidade do governo proletário em Paris. Burgueses, nobres e representantes do alto escalão do governo provisório deixaram a capital francesa, buscando refúgio em Versalhes.

Com o fracasso do golpe, guardas e proletários confraternizaram e criaram um Comitê Central para ocupar a Câmara Municipal e as repartições públicas. Rompendo com o governo de Versalhes, Paris tornou-se sede de uma democracia proletária e os trabalhadores começaram a controlar os clubes, as associações, os jornais e a Câmara Sindical. Também instalaram na cidade uma seção local da Primeira Internacional.

O novo poder foi legitimado pelas eleições universais de 26 de março, que estabeleceram na Câmara Municipal um Conselho Comunal — batizado de Comuna de Paris, para evocar a assembleia revolucionária homônima de 1793.

A Comuna de Paris era composta por 85 membros divididos entre republicanos moderados (grupo denominado “partido dos prefeitos”), blanquistas (Raoul Rigault, Théophile Ferré), jacobinos (Louis Charles Delescluze, Félix Pyat), internacionalistas (Eugène Varlin, Léo Frankel) e revolucionários independentes (Jacques Leon Clément-Thomas, Jules Vallès, Auguste Vermorel).

  • As reformas da Comuna de Paris

Sob a vigência do governo popular revolucionário, a Comuna de Paris efetuou uma política social e democrática avançada. A burocracia estatal foi substituída por um sistema de autogestão social coletiva.

O novo governo congelou os aluguéis, decretou a separação entre igreja e Estado, aboliu o trabalho noturno, suprimiu os exércitos permanentes, criou sociedades cooperativas, instituiu a reforma do ensino primário e profissional e criou um sistema de previdência social.

Imóveis vazios ou abandonados foram desapropriados e cedidos para famílias sem-teto. A jornada de trabalho foi reduzida para 8 horas diárias e os sindicatos foram legalizados. Estabeleceu-se a igualdade formal entre homens e mulheres. A pena de morte foi abolida.

Outras medidas tomadas incluem instituição da educação gratuita, laica e compulsória; a criação de escolas noturnas e de sexo misto; a elaboração de um projeto de gestão operária das fábricas; a adoção da bandeira vermelha como estandarte da Comuna de Paris, tornando-se, por extensão, um símbolo universal do socialismo.

  • A repressão à Comuna

Apesar dos avanços, a instalação da Comuna de Paris teve pouca ressonância no interior, ainda que tenham sido registradas sublevações e manifestações de apoio em localidades como Lyon, Saint-Étienne, Le Creuzot, Narbonne e Marselha.

Paralelamente, o governo Thiers começou a organizar um gigantesco exército de 130.000 homens em Versalhes, que se juntaram às tropas prussianas para derrubar a Comuna de Paris.

Após se apoderaram dos fortes de Issy e Vanves, as tropas francesas ingressaram em Paris em 21 de maio, atravessando a porta de Saint-Cloud. Os membros da Comuna, ditos communardes, impuseram uma resistência heroica, mas foram subjugados pela superioridade bélica e numérica das tropas de Versalhes, sendo aniquilados em suas barricadas após alguns dias de batalha.

A Comuna de Paris respondeu às atrocidades cometidas pelos versalheses ordenando a execução dos reféns, incluindo o monsenhor Georges Darboy, arcebispo da cidade.

O governo francês conseguiu debelar os focos derradeiros de resistência, esmagados durante a “Semana Sangrenta”. A Comuna de Paris chegou ao fim em 27 de maio de 1871, quando os communardes foram fuzilados no Cemitério de Père-Lachaise.

A repressão do governo francês foi extremamente violenta e caracterizada pelo uso generalizado da força contra combatentes e civis. Estima-se que entre 20.000 e 30.000 pessoas foram mortas durante os combates. Cerca de 13.500 cidadãos foram condenados após a tomada de Paris — 95 sentenciados à morte e os demais à prisão, deportação ou trabalhos forçados. Dezenas de milhares de civis viram-se forçados a deixar a cidade, devastada pela guerra e pelas ações do governo francês.

Alarmados pela experiência revolucionária da Comuna de Paris, os governos de toda a Europa recrudesceram as ações de repressão contra o proletariado organizado, registrando-se a criação de alianças entre republicanos e monarquistas, liberais e conservadores para combater a Primeira Internacional e as organizações socialistas.

A Comuna de Paris segue até hoje como uma das referências mais perduráveis para o socialismo internacional, por ter sido a primeira experiência a comprovar que é possível realizar uma transição de um regime capitalista para uma democracia operária efetiva e por permitir a análise acerca das limitações do processo de instituição de tal sistema sobre as bases do Estado burguês.

A Comuna de Paris influencia até hoje o ideário das esquerdas mundiais. O levante também serviu de inspiração para as táticas e medidas adotadas pelos revolucionários russos que lideraram a Revolução de Outubro de 1917, para a subsequente fundação da União Soviética, e para outras revoluções socialistas registradas ao longo do século XX.

 

Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi

 

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