Comuna de
Paris: 154 anos do primeiro governo proletário
Há 154 anos, em 18 de março de 1871, tinha
início a Comuna de Paris — o governo revolucionário socialista instaurado após
a eclosão de uma insurreição popular na capital francesa.
Criada no rescaldo do governo de Napoleão
III, que havia colapsado durante a Guerra Franco-Prussiana, a Comuna de Paris
se estendeu por 72 dias. Durante esse período, os revolucionários instituíram
uma série de reformas avançadas, que vão da separação entre Estado e igreja à
autogestão operária das fábricas.
Embora tenha tido uma curta duração, a Comuna
de Paris é um dos grandes marcos históricos do socialismo, uma vez que foi o
primeiro governo proletário a lograr êxito, tornando-se um referencial e fonte
de inspiração para as revoluções socialistas posteriores.
- Burguesia x Proletariado
Desde a Revolução Francesa iniciada em 1789,
a França se convertera no núcleo fundador do incipiente modelo de Estado
burguês. Em que pese as profundas agitações sociais que marcaram esse processo,
as mudanças privilegiariam quase que exclusivamente a burguesia, alijando a
classe operária do poder político.
O processo de organização política do
proletariado somente teria início a partir da década de 1820. A publicação do
Manifesto do Partido Comunista, elaborado por Karl Marx e Friedrich Engels, e
as Revoluções de 1848 intensificaram o processo de conscientização da classe
trabalhadora, levando à expansão do movimento operário nas grandes cidades
europeias — nomeadamente em Paris.
Em 1864, foi fundada a Associação
Internacional dos Trabalhadores, ou Primeira Internacional — organização
pioneira do movimento operário transnacional. Diante da organização dos
trabalhadores, a burguesia reagiu abandonando suas características progressistas,
reforçando sua natureza conservadora e reacionária e assumindo o papel de
antagonista da classe operária.
- Paris após a Guerra Franco-Prussiana
Foi nesse contexto de crescente politização
da classe trabalhadora que irrompeu a Guerra Franco-Prussiana em 1870. A França
foi decisivamente derrotada na Batalha de Sedan e o imperador Napoleão III foi
capturado pelas tropas inimigas.
Em setembro de 1870, fundou-se um governo
provisório presidido por Adolphe Thiers, dando origem à Terceira República
Francesa. Diante do avanço das tropas prussianas, o novo governo e a elite
francesa abandonaram Paris, refugiando-se em Versalhes. O exército francês
também se retirou da cidade, recuando até Le Bourget.
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Os parisienses exigiram a instalação da
Guarda Nacional para proteger a capital francesa dos invasores e criaram um
destacamento formado por cidadãos oriundos das classes populares. A Guarda
Nacional passou a ocupar a Câmara Municipal junto com representantes civis e
funcionários do governo provisório. Nos meses seguintes, parte da população
parisiense foi dizimada em função dos constantes bombardeios prussianos, da
fome e das epidemias.
Em janeiro de 1870, Jules Favre assinou um
humilhante armistício com a Prússia, comprometendo-se a ceder os territórios
franceses de Alsácia e Lorena. Paralelamente, Thiers convocou a eleição de uma
Assembleia Nacional para administrar as condições de paz exigidas pelo
primeiro-ministro prussiano, Otto von Bismarck.
O pleito consagrou a vitória dos deputados
monarquistas e conservadores, mas Paris, ressentida do abandono do governo
provisório e influenciada pelo movimento operário, votou massivamente em
deputados progressistas e republicanos. Os parisienses se negaram a largar as
armas e rejeitaram o acordo com a Prússia.
- O levante em Paris
Subserviente às exigências prussianas, Thiers
tentou suprimir a resistência de Paris, abolindo o salário dos guardas
nacionais e a moratória dos aluguéis. Como as medidas não surtiram efeito,
Thiers enviou, em 18 de março de 1871, tropas do exército francês com a
incumbência de desarmarem Paris e confiscarem os canhões da cidade.
Os trabalhadores, entretanto, se uniram à
Guarda Nacional para debelar a investida do exército francês, expulsando os
soldados e assegurando a continuidade do governo proletário em Paris.
Burgueses, nobres e representantes do alto escalão do governo provisório
deixaram a capital francesa, buscando refúgio em Versalhes.
Com o fracasso do golpe, guardas e
proletários confraternizaram e criaram um Comitê Central para ocupar a Câmara
Municipal e as repartições públicas. Rompendo com o governo de Versalhes, Paris
tornou-se sede de uma democracia proletária e os trabalhadores começaram a
controlar os clubes, as associações, os jornais e a Câmara Sindical. Também
instalaram na cidade uma seção local da Primeira Internacional.
O novo poder foi legitimado pelas eleições
universais de 26 de março, que estabeleceram na Câmara Municipal um Conselho
Comunal — batizado de Comuna de Paris, para evocar a assembleia revolucionária
homônima de 1793.
A Comuna de Paris era composta por 85 membros
divididos entre republicanos moderados (grupo denominado “partido dos
prefeitos”), blanquistas (Raoul Rigault, Théophile Ferré), jacobinos (Louis
Charles Delescluze, Félix Pyat), internacionalistas (Eugène Varlin, Léo
Frankel) e revolucionários independentes (Jacques Leon Clément-Thomas, Jules
Vallès, Auguste Vermorel).
- As reformas da Comuna de Paris
Sob a vigência do governo popular
revolucionário, a Comuna de Paris efetuou uma política social e democrática
avançada. A burocracia estatal foi substituída por um sistema de autogestão
social coletiva.
O novo governo congelou os aluguéis, decretou
a separação entre igreja e Estado, aboliu o trabalho noturno, suprimiu os
exércitos permanentes, criou sociedades cooperativas, instituiu a reforma do
ensino primário e profissional e criou um sistema de previdência social.
Imóveis vazios ou abandonados foram
desapropriados e cedidos para famílias sem-teto. A jornada de trabalho foi
reduzida para 8 horas diárias e os sindicatos foram legalizados. Estabeleceu-se
a igualdade formal entre homens e mulheres. A pena de morte foi abolida.
Outras medidas tomadas incluem instituição da
educação gratuita, laica e compulsória; a criação de escolas noturnas e de sexo
misto; a elaboração de um projeto de gestão operária das fábricas; a adoção da
bandeira vermelha como estandarte da Comuna de Paris, tornando-se, por
extensão, um símbolo universal do socialismo.
- A repressão à Comuna
Apesar dos avanços, a instalação da Comuna de
Paris teve pouca ressonância no interior, ainda que tenham sido registradas
sublevações e manifestações de apoio em localidades como Lyon, Saint-Étienne,
Le Creuzot, Narbonne e Marselha.
Paralelamente, o governo Thiers começou a
organizar um gigantesco exército de 130.000 homens em Versalhes, que se
juntaram às tropas prussianas para derrubar a Comuna de Paris.
Após se apoderaram dos fortes de Issy e
Vanves, as tropas francesas ingressaram em Paris em 21 de maio, atravessando a
porta de Saint-Cloud. Os membros da Comuna, ditos communardes, impuseram uma
resistência heroica, mas foram subjugados pela superioridade bélica e numérica
das tropas de Versalhes, sendo aniquilados em suas barricadas após alguns dias
de batalha.
A Comuna de Paris respondeu às atrocidades
cometidas pelos versalheses ordenando a execução dos reféns, incluindo o
monsenhor Georges Darboy, arcebispo da cidade.
O governo francês conseguiu debelar os focos
derradeiros de resistência, esmagados durante a “Semana Sangrenta”. A Comuna de
Paris chegou ao fim em 27 de maio de 1871, quando os communardes foram
fuzilados no Cemitério de Père-Lachaise.
A repressão do governo francês foi
extremamente violenta e caracterizada pelo uso generalizado da força contra
combatentes e civis. Estima-se que entre 20.000 e 30.000 pessoas foram mortas
durante os combates. Cerca de 13.500 cidadãos foram condenados após a tomada de
Paris — 95 sentenciados à morte e os demais à prisão, deportação ou trabalhos
forçados. Dezenas de milhares de civis viram-se forçados a deixar a cidade,
devastada pela guerra e pelas ações do governo francês.
Alarmados pela experiência revolucionária da
Comuna de Paris, os governos de toda a Europa recrudesceram as ações de
repressão contra o proletariado organizado, registrando-se a criação de
alianças entre republicanos e monarquistas, liberais e conservadores para
combater a Primeira Internacional e as organizações socialistas.
A Comuna de Paris segue até hoje como uma das
referências mais perduráveis para o socialismo internacional, por ter sido a
primeira experiência a comprovar que é possível realizar uma transição de um
regime capitalista para uma democracia operária efetiva e por permitir a
análise acerca das limitações do processo de instituição de tal sistema sobre
as bases do Estado burguês.
A Comuna de Paris influencia até hoje o
ideário das esquerdas mundiais. O levante também serviu de inspiração para as
táticas e medidas adotadas pelos revolucionários russos que lideraram a
Revolução de Outubro de 1917, para a subsequente fundação da União Soviética, e
para outras revoluções socialistas registradas ao longo do século XX.
Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi
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