Economia:
o financismo segue no comando
As
notícias divulgadas ao longo do mês de março a respeito da política econômica
infelizmente confirmam uma tendência que já vinha se manifestando antes mesmo
da posse de Lula, em 1º de janeiro de 2023. Caminhando na direção contrária das
expectativas geradas pela importante vitória em outubro de 2022 na disputa
eleitoral contra Jair Bolsonaro, a delegação conferida a Fernando Haddad para
conduzir a economia tem se revelado um desastre.
O
Ministro da Fazenda parece ter incorporado o espírito do bom mocismo desde o
início de sua missão, sempre em articulação com os interesses da Febraban e das
instituições do sistema financeiro. Assim foi com a sugestão de que não fosse
simplesmente revogado o teto de gastos, que havia sido introduzido por Michel
Temer lá atrás em 2106. Haddad propôs a Lula que a emenda constitucional da
austeridade absoluta só tivesse sua vigência interrompida quando o Congresso
Nacional aprovasse uma lei complementar tratando do Novo Arcabouço Fiscal. E aí
estamos sofrendo com as amarras da Lei Complementar nº 200/2023.
Além
disso, Haddad conseguiu transformar sua obsessão com a redução das despesas
orçamentárias em estratégia central do governo, colocando obstáculos para a
retomada de políticas públicas nos níveis necessários para a maioria da
população e impedindo a construção de um programa de desenvolvimento social,
econômico e ambiental para o País. A meta de zerar o déficit primário e a
tentativa de obter até mesmo saldo positivo nas contas públicas compromete
qualquer projeto de mudar a qualidade do processo de crescimento da economia.
No que
se refere à política monetária, a segunda reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom) sob a presidência de Gabriel Galípolo sacramentou um novo
aumento de 1% na SELIC. Sob a desculpa de ser obrigado a obedecer a “guidance”
recomendada por Roberto Campos Neto em sua despedida do cargo, a nova direção
do Banco Central (BC) nada mais faz do que dar continuidade ao arrocho da
gestão anterior. O ex-Secretário Executivo de Haddad mantém, no comando do BC,
o ritmo de elevação da taxa oficial de juros. Com a elevação para 14,25%, o
país segue oferecendo aos operadores do financismo global uma das maiores
rentabilidades reais no planeta.
- Juros na
estratosfera!
A
decisão do Copom nada mais significa do que referendar os desejos da elite do
sistema financeiro, que se manifesta semanalmente por meio da pesquisa Focus
realizada pelo próprio BC. A enquete é realizada junto a pouco mais de uma
centena de dirigentes de instituições do universo das finanças e funciona como
uma espécie de profecia autorrealizada. O Copom sempre justifica suas decisões
de promover elevações descabidas na Selic com base na necessidade de atender às
expectativas do chamado “mercado”. Ocorre que tais informações são obtidas
neste seleto grupo de empresários, cujo perfil pertence exclusivamente ao
universo do parasitismo rentista.
Outra
informação divulgada pelo BC refere-se ao volume de despesas realizadas pelo
governo com o pagamento de juros da dívida pública. Por se tratar de gasto
financeiro, ele é classificado como “não primário”. Assim não existe limite,
corte ou contingenciamento para tais despesas. Ao contrário do esforço fiscal
para reduzir as rubricas orçamentárias que recebem o carimbo de primárias, o
dispêndio com o pagamento de juros tem crescido de forma sistemática e em
valores e percentagens muito acima das demais despesas.
O ano
de 2024 foi encerrado com um volume de gastos de R$ 950 bilhões a esse título.
Com a divulgação dos dados relativos a janeiro de 2025, o total dos últimos 12
meses sofreu uma pequena redução para R$ 910 bi. De qualquer maneira, o total
dos juros pagos cresceu 32% na comparação com 2023. Trata-se da rubrica do
Orçamento que recebeu o maior aumento de um exercício para outro. Curiosamente,
em nenhum momento se menciona nas declarações oficiais a necessidade de reduzir
esse tipo de gasto para ajudar na responsabilidade fiscal. Todo o foco do
ajuste permanece sobre contas de natureza social, a exemplo de saúde,
previdência social, educação, assistência social, salários de servidores,
segurança pública e outras.
Outro
aspecto que confirma a hipótese de que o financismo segue no comando da agenda
política econômica do governo pode ser identificado na recente divulgação do
modelo de crédito consignado para os trabalhadores com carteira assinada. Ao se
inspirar na prática já existente para os aposentados e pensionistas do INSS e
para os servidores públicos, a equipe de Haddad construiu uma proposta também
para os assalariados no regime da CLT. Com a desculpa de um elevado grau de
endividamento existente no interior da maioria das famílias brasileiras, o
sistema mantém o grau de dependência e vinculação dos indivíduos em relação ao
sistema bancário e financeiro.
- Crédito
consignado: armadilha do financismo.
De
acordo com o modelo proposto, será possível que os endividados deste novo
universo negociem novos empréstimos com taxas de juros de juros mais baixas.
Afinal, a proposta do Ministério da Fazenda oferece como garantia de eventual
inadimplência os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Assim, trata-se da mais completa deturpação dos propósitos iniciais do referido
fundo. Ele foi concebido para operar como financiador da habitação para
população de baixa renda e para atuar como refúgio temporário para os
trabalhadores que tenham sido demitidos de seus empregos.
Apesar
do flagrante baixo risco envolvido, o governo se recusou em estabelecer um teto
para os juros a serem aplicados aos empréstimos desta nova modalidade. Assim,
segue-se o mesmo modelito de favorecimento dos bancos, uma vez que a prática
espoliadora também se verifica em empréstimo de risco ainda mais reduzido,
quase inexistente. Esse é o caso de aposentados e servidores públicos, quando
os bancos cobram um spread injustificável para tais modalidade.
Enfim,
trata-se apenas de três exemplos recentes que comprovam a importância que o
governo confere para as demandas do sistema financeiro quando da definição das
políticas públicas no domínio da economia.
¨ No Japão, Lula
critica protecionismo: 'Não queremos mais muros'
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aproveitou a viagem ao Japão na rara condição de
visita de Estado para
discursar contra o protecionismo, no momento em que o tarifaço de Donald Trump promete abalar
o comércio internacional.
Sem
anúncios muito práticos, foram as falas em defesa do livre comércio num momento
delicado da geopolítica que marcaram a visita a Tóquio, que aconteceu para
comemorar os 130 anos de relação entre os dois países.
Lula
não mencionou diretamente as novas tarifas de Trump, mas citou o país
quando disse que, no momento, "ouvimos falar outra vez de uma nova guerra
fria entre Estados Unidos e China".
O
presidente disse, ainda, que o protecionismo voltou "a ser debatido em
países importantes".
"Vamos
continuar defendendo com muita força o livre comércio, que é a possibilidade
maior da parceria entre países e do desenvolvimento mútuo", disse o
presidente em reunião com o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, e
ministros brasileiros e japoneses no Palácio Akasaka, em Tóquio.
No
evento, que teve apenas um trecho aberto à imprensa, Lula disse ainda que
"o negacionismo toma conta da democracia" e que "o
multilateralismo perde força para o autoritarismo".
Ishiba,
primeiro-ministro do Japão, disse em declaração
à imprensa após o encontro que a relação com o Brasil "torna-se
fundamental" num momento em que o mundo "mergulha em conflitos e
divisões".
Os dois
líderes deram uma declaração à imprensa no Palácio Akasaka, sem que perguntas
pudessem ser feitas, após a assinatura de diversos acordos.
Shiba
também falou sobre elevar a discussão sobre o acordo entre Japão e Mercosul a
"patamares ainda mais altos" e aprofundar as relações comerciais, mas
não detalhou como isso seria feito.
Esse
era um dos temas em que o governo
brasileiro buscava avanço durante a visita de Lula.
Outro
pleito do governo e do agronegócio brasileiro é a liberação da venda de carne
brasileira ao Japão. Ishiba mencionou que enviará especialistas sanitários para
avançar para a próxima etapa [do processo de liberação].
Na
declaração, contudo, ele não se comprometeu com uma data para a inspeção
ocorrer.
O
Brasil e o Japão assinaram 10 acordos bilaterais e 80 cooperações nas áreas de
agricultura, indústria, meio ambiente e ciência e tecnologia.
O
governo e a Embraer anunciaram nesta quarta a venda de até 20 jatos E-190 para
a empresa japonesa All Nippon Airways (ANA) – são 15 jatos confirmados e a
possibilidade de aquisição de mais cinco. O contrato soma o equivalente a R$ 10
bilhões.
Ao
mencionar a compra no discurso, Lula disse, ao lado do primeiro-ministro:
"Quem compra 20 pode comprar um pouco mais, e quem sabe todas as empresas
japonesas podem voar de avião da Embraer".
O
presidente fez a declaração durante o Fórum Brasil-Japão, também em Tóquio, que
reuniu empresas japonesas e brasileiras – como Vale, JBS, BRF e Raizen, fora a
Embraer –, além de autoridades dos dois países.
Os
investimentos japoneses no Brasil aumentaram 31,6% entre 2014 e 2023, com um
estoque de US$ 35,2 bilhões em 2023, colocando o Japão em nono lugar entre os
maiores investidores estrangeiros no país, segundo dados da Confederação
Nacional da Indústria (CNI).
Nesse
evento, Lula fez um discurso de quase 20 minutos a uma plateia de empresários e
autoridades brasileiros e japoneses.
Lá, ele
também aproveitou a oportunidade – também ao lado do primeiro-ministro japonês
– para discursar pelo livre comércio e o multilateralismo.
"A
democracia corre risco no planeta, com eleição de uma extrema-direita
negacionista que não reconhece sequer vacina, não reconhece sequer a
instabilidade climática e não reconhece sequer partidos políticos, sindicatos e
outras coisas", afirmou o presidente.
Sobre o
livre comércio, disse: "não podemos voltar a defender o
protecionismo".
"Nós
não queremos uma segunda Guerra Fria. O que queremos é comércio livre para que
a gente possa definitivamente fazer com que nossos países se estabeleçam no
movimento da democracia, no crescimento econômico e na distribuição de
riqueza", disse.
Sobre o
multilateralismo, afirmou: "Não queremos mais muros. Nós não queremos mais
Guerra Fria"
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Qual é o interesse do Japão no Brasil?
Lula
viajou ao Japão na rara condição de visita de Estado - a última tinha ocorrido
em 2019, com Donald Trump.
O
último presidente brasileiro recebido nessa categoria foi Fernando Henrique
Cardoso, em 1996. Antes dele, Ernesto Geisel e João Figueiredo tinham sido
recebidos nas décadas de 1970 e 1980.
Para o
Brasil, é uma oportunidade de fortalecer e intensificar relações comerciais e
diplomáticas com outros países, além dos gigantes China e Estados Unidos.
E para
o Japão? A BBC News Brasil ouviu especialistas japoneses para entender o
interesse do Japão no Brasil neste momento.
A
resposta mora no contexto de tensões na Europa e na Ásia e na busca por limitar
o espaço que a China ocupa.
Shuichiro
Masukata, professor associado da Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio
(Japão), que estuda a relação do Japão com o Brasil, diz que o Japão deu menos
atenção à América Latina nos últimos anos, perdendo espaço para a China.
"Com
o declínio da influência ocidental e a expansão da influência da China na
América Latina, a vantagem relativa do Japão na América Latina também se
perdeu, e o Japão precisa aproveitar essa oportunidade única em uma década para
reavaliar seu relacionamento com o Brasil", disse.
Ele
disse que o mundo enfrenta "riscos cada vez maiores" com "a
ordem internacional liberal liderada pelos EUA abalada e a China em
ascensão".
"O
G7 tem se mostrado disposto demais a colocar valores, democracia e direitos
humanos na esteira dos países emergentes e em desenvolvimento. Isso teve o
efeito oposto. A narrativa da China de que 'o Ocidente pressiona e prega a
democracia, mas o foco da China está primeiro na solução da pobreza e na
estabilização da ordem internacional' se espalhou de forma persuasiva",
disse.
Para
Tomoyuki Yoshida, diretor-executivo do Japan Institute of International Affairs
(Instituto Japonês de Relações Internacionais), "as empresas japonesas
estão muito preocupadas se podem ou não continuar a se envolver com seus
negócios" na China.
"Isso
não é apenas por causa de sua tensão econômica, mas também por sua
desaceleração econômica na China. Portanto, não apenas o Japão, mas também
outros países nas regiões, incluindo os parceiros europeus, estão
diversificando o destino do investimento e das atividades comerciais",
disse.
Ele
fala em alteração da ordem global existente, com tensões geopolíticas e a
disputa entre China e Estados Unidos.
"Portanto,
o Brasil é considerado um dos melhores parceiros do Japão, para aprofundar
nossa parceria para manter a atual ordem internacional baseada em regras",
diz ele, que foi diretor-geral para América Latina e Caribe do Ministério de
Relações Exteriores do Japão.
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Lula no Vietnã, Janja na França
Lula
está desde segunda-feira (24/3) em Tóquio, e na terça-feira (25/3) participou
de uma recepção e um jantar com o Imperador Naruhito e a Imperatriz Masako no
Palácio Imperial. Na quinta-feira (27/3), ele embarca para o Vietnã.
É a
primeira viagem internacional de longa distância após complicações do acidente
doméstico que sofreu em outubro.
A
primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, não acompanhará o presidente no
restante da viagem. A previsão dela era de partir na quarta-feira (26/3) para a
França, onde vai discursar no evento Nutrition for Growth sobre desnutrição
infantil, a convite do presidente francês, Emmanuel Macron.
Janja
chegou ao Japão uma semana antes de Lula, sem que a ida fosse divulgada, e
virou alvo de críticas da oposição.
Em entrevista à BBC News Brasil, Janja disse que
"nunca houve falta de transparência" e afirmou que economizou em
passagem aérea e hospedagem.
"Obviamente,
eu vim com a equipe precursora, inclusive, para economizar passagem aérea. Vim
um pouco antes, fiquei hospedada na residência do embaixador", afirmou.
Janja
disse ainda que Lula afirma que será candidato em 2026 se estiver bem de saúde
– e complementou dizendo que a saúde dele está "muito forte".
"Não
sei [se Lula será candidato]. Você sabe que ele fala sempre que… ele não gosta
de antecipar as coisas, né? Mas ele será candidato se tudo estiver bem com a
saúde dele. Ele sempre coloca essa questão da saúde. Eu tô vendo ele muito
forte de saúde, então… É isso", afirmou.
Fonte:
Por Paulo Kliass, em Outras Palavras/BBC News Brasil
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