quinta-feira, 27 de março de 2025

Economia: o financismo segue no comando

As notícias divulgadas ao longo do mês de março a respeito da política econômica infelizmente confirmam uma tendência que já vinha se manifestando antes mesmo da posse de Lula, em 1º de janeiro de 2023. Caminhando na direção contrária das expectativas geradas pela importante vitória em outubro de 2022 na disputa eleitoral contra Jair Bolsonaro, a delegação conferida a Fernando Haddad para conduzir a economia tem se revelado um desastre.

O Ministro da Fazenda parece ter incorporado o espírito do bom mocismo desde o início de sua missão, sempre em articulação com os interesses da Febraban e das instituições do sistema financeiro. Assim foi com a sugestão de que não fosse simplesmente revogado o teto de gastos, que havia sido introduzido por Michel Temer lá atrás em 2106. Haddad propôs a Lula que a emenda constitucional da austeridade absoluta só tivesse sua vigência interrompida quando o Congresso Nacional aprovasse uma lei complementar tratando do Novo Arcabouço Fiscal. E aí estamos sofrendo com as amarras da Lei Complementar nº 200/2023.

Além disso, Haddad conseguiu transformar sua obsessão com a redução das despesas orçamentárias em estratégia central do governo, colocando obstáculos para a retomada de políticas públicas nos níveis necessários para a maioria da população e impedindo a construção de um programa de desenvolvimento social, econômico e ambiental para o País. A meta de zerar o déficit primário e a tentativa de obter até mesmo saldo positivo nas contas públicas compromete qualquer projeto de mudar a qualidade do processo de crescimento da economia.

No que se refere à política monetária, a segunda reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sob a presidência de Gabriel Galípolo sacramentou um novo aumento de 1% na SELIC. Sob a desculpa de ser obrigado a obedecer a “guidance” recomendada por Roberto Campos Neto em sua despedida do cargo, a nova direção do Banco Central (BC) nada mais faz do que dar continuidade ao arrocho da gestão anterior. O ex-Secretário Executivo de Haddad mantém, no comando do BC, o ritmo de elevação da taxa oficial de juros. Com a elevação para 14,25%, o país segue oferecendo aos operadores do financismo global uma das maiores rentabilidades reais no planeta.

  • Juros na estratosfera!

A decisão do Copom nada mais significa do que referendar os desejos da elite do sistema financeiro, que se manifesta semanalmente por meio da pesquisa Focus realizada pelo próprio BC. A enquete é realizada junto a pouco mais de uma centena de dirigentes de instituições do universo das finanças e funciona como uma espécie de profecia autorrealizada. O Copom sempre justifica suas decisões de promover elevações descabidas na Selic com base na necessidade de atender às expectativas do chamado “mercado”. Ocorre que tais informações são obtidas neste seleto grupo de empresários, cujo perfil pertence exclusivamente ao universo do parasitismo rentista.

Outra informação divulgada pelo BC refere-se ao volume de despesas realizadas pelo governo com o pagamento de juros da dívida pública. Por se tratar de gasto financeiro, ele é classificado como “não primário”. Assim não existe limite, corte ou contingenciamento para tais despesas. Ao contrário do esforço fiscal para reduzir as rubricas orçamentárias que recebem o carimbo de primárias, o dispêndio com o pagamento de juros tem crescido de forma sistemática e em valores e percentagens muito acima das demais despesas.

O ano de 2024 foi encerrado com um volume de gastos de R$ 950 bilhões a esse título. Com a divulgação dos dados relativos a janeiro de 2025, o total dos últimos 12 meses sofreu uma pequena redução para R$ 910 bi. De qualquer maneira, o total dos juros pagos cresceu 32% na comparação com 2023. Trata-se da rubrica do Orçamento que recebeu o maior aumento de um exercício para outro. Curiosamente, em nenhum momento se menciona nas declarações oficiais a necessidade de reduzir esse tipo de gasto para ajudar na responsabilidade fiscal. Todo o foco do ajuste permanece sobre contas de natureza social, a exemplo de saúde, previdência social, educação, assistência social, salários de servidores, segurança pública e outras.

Outro aspecto que confirma a hipótese de que o financismo segue no comando da agenda política econômica do governo pode ser identificado na recente divulgação do modelo de crédito consignado para os trabalhadores com carteira assinada. Ao se inspirar na prática já existente para os aposentados e pensionistas do INSS e para os servidores públicos, a equipe de Haddad construiu uma proposta também para os assalariados no regime da CLT. Com a desculpa de um elevado grau de endividamento existente no interior da maioria das famílias brasileiras, o sistema mantém o grau de dependência e vinculação dos indivíduos em relação ao sistema bancário e financeiro.

  • Crédito consignado: armadilha do financismo.

De acordo com o modelo proposto, será possível que os endividados deste novo universo negociem novos empréstimos com taxas de juros de juros mais baixas. Afinal, a proposta do Ministério da Fazenda oferece como garantia de eventual inadimplência os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Assim, trata-se da mais completa deturpação dos propósitos iniciais do referido fundo. Ele foi concebido para operar como financiador da habitação para população de baixa renda e para atuar como refúgio temporário para os trabalhadores que tenham sido demitidos de seus empregos.

Apesar do flagrante baixo risco envolvido, o governo se recusou em estabelecer um teto para os juros a serem aplicados aos empréstimos desta nova modalidade. Assim, segue-se o mesmo modelito de favorecimento dos bancos, uma vez que a prática espoliadora também se verifica em empréstimo de risco ainda mais reduzido, quase inexistente. Esse é o caso de aposentados e servidores públicos, quando os bancos cobram um spread injustificável para tais modalidade.

Enfim, trata-se apenas de três exemplos recentes que comprovam a importância que o governo confere para as demandas do sistema financeiro quando da definição das políticas públicas no domínio da economia.

¨      No Japão, Lula critica protecionismo: 'Não queremos mais muros'

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aproveitou a viagem ao Japão na rara condição de visita de Estado para discursar contra o protecionismo, no momento em que o tarifaço de Donald Trump promete abalar o comércio internacional.

Sem anúncios muito práticos, foram as falas em defesa do livre comércio num momento delicado da geopolítica que marcaram a visita a Tóquio, que aconteceu para comemorar os 130 anos de relação entre os dois países.

Lula não mencionou diretamente as novas tarifas de Trump, mas citou o país quando disse que, no momento, "ouvimos falar outra vez de uma nova guerra fria entre Estados Unidos e China".

O presidente disse, ainda, que o protecionismo voltou "a ser debatido em países importantes".

"Vamos continuar defendendo com muita força o livre comércio, que é a possibilidade maior da parceria entre países e do desenvolvimento mútuo", disse o presidente em reunião com o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, e ministros brasileiros e japoneses no Palácio Akasaka, em Tóquio.

No evento, que teve apenas um trecho aberto à imprensa, Lula disse ainda que "o negacionismo toma conta da democracia" e que "o multilateralismo perde força para o autoritarismo".

Ishiba, primeiro-ministro do Japão, disse em declaração à imprensa após o encontro que a relação com o Brasil "torna-se fundamental" num momento em que o mundo "mergulha em conflitos e divisões".

Os dois líderes deram uma declaração à imprensa no Palácio Akasaka, sem que perguntas pudessem ser feitas, após a assinatura de diversos acordos.

Shiba também falou sobre elevar a discussão sobre o acordo entre Japão e Mercosul a "patamares ainda mais altos" e aprofundar as relações comerciais, mas não detalhou como isso seria feito.

Esse era um dos temas em que o governo brasileiro buscava avanço durante a visita de Lula.

Outro pleito do governo e do agronegócio brasileiro é a liberação da venda de carne brasileira ao Japão. Ishiba mencionou que enviará especialistas sanitários para avançar para a próxima etapa [do processo de liberação].

Na declaração, contudo, ele não se comprometeu com uma data para a inspeção ocorrer.

O Brasil e o Japão assinaram 10 acordos bilaterais e 80 cooperações nas áreas de agricultura, indústria, meio ambiente e ciência e tecnologia.

O governo e a Embraer anunciaram nesta quarta a venda de até 20 jatos E-190 para a empresa japonesa All Nippon Airways (ANA) – são 15 jatos confirmados e a possibilidade de aquisição de mais cinco. O contrato soma o equivalente a R$ 10 bilhões.

Ao mencionar a compra no discurso, Lula disse, ao lado do primeiro-ministro: "Quem compra 20 pode comprar um pouco mais, e quem sabe todas as empresas japonesas podem voar de avião da Embraer".

O presidente fez a declaração durante o Fórum Brasil-Japão, também em Tóquio, que reuniu empresas japonesas e brasileiras – como Vale, JBS, BRF e Raizen, fora a Embraer –, além de autoridades dos dois países.

Os investimentos japoneses no Brasil aumentaram 31,6% entre 2014 e 2023, com um estoque de US$ 35,2 bilhões em 2023, colocando o Japão em nono lugar entre os maiores investidores estrangeiros no país, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Nesse evento, Lula fez um discurso de quase 20 minutos a uma plateia de empresários e autoridades brasileiros e japoneses.

Lá, ele também aproveitou a oportunidade – também ao lado do primeiro-ministro japonês – para discursar pelo livre comércio e o multilateralismo.

"A democracia corre risco no planeta, com eleição de uma extrema-direita negacionista que não reconhece sequer vacina, não reconhece sequer a instabilidade climática e não reconhece sequer partidos políticos, sindicatos e outras coisas", afirmou o presidente.

Sobre o livre comércio, disse: "não podemos voltar a defender o protecionismo".

"Nós não queremos uma segunda Guerra Fria. O que queremos é comércio livre para que a gente possa definitivamente fazer com que nossos países se estabeleçam no movimento da democracia, no crescimento econômico e na distribuição de riqueza", disse.

Sobre o multilateralismo, afirmou: "Não queremos mais muros. Nós não queremos mais Guerra Fria"

<><> Qual é o interesse do Japão no Brasil?

Lula viajou ao Japão na rara condição de visita de Estado - a última tinha ocorrido em 2019, com Donald Trump.

O último presidente brasileiro recebido nessa categoria foi Fernando Henrique Cardoso, em 1996. Antes dele, Ernesto Geisel e João Figueiredo tinham sido recebidos nas décadas de 1970 e 1980.

Para o Brasil, é uma oportunidade de fortalecer e intensificar relações comerciais e diplomáticas com outros países, além dos gigantes China e Estados Unidos.

E para o Japão? A BBC News Brasil ouviu especialistas japoneses para entender o interesse do Japão no Brasil neste momento.

A resposta mora no contexto de tensões na Europa e na Ásia e na busca por limitar o espaço que a China ocupa.

Shuichiro Masukata, professor associado da Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio (Japão), que estuda a relação do Japão com o Brasil, diz que o Japão deu menos atenção à América Latina nos últimos anos, perdendo espaço para a China.

"Com o declínio da influência ocidental e a expansão da influência da China na América Latina, a vantagem relativa do Japão na América Latina também se perdeu, e o Japão precisa aproveitar essa oportunidade única em uma década para reavaliar seu relacionamento com o Brasil", disse.

Ele disse que o mundo enfrenta "riscos cada vez maiores" com "a ordem internacional liberal liderada pelos EUA abalada e a China em ascensão".

"O G7 tem se mostrado disposto demais a colocar valores, democracia e direitos humanos na esteira dos países emergentes e em desenvolvimento. Isso teve o efeito oposto. A narrativa da China de que 'o Ocidente pressiona e prega a democracia, mas o foco da China está primeiro na solução da pobreza e na estabilização da ordem internacional' se espalhou de forma persuasiva", disse.

Para Tomoyuki Yoshida, diretor-executivo do Japan Institute of International Affairs (Instituto Japonês de Relações Internacionais), "as empresas japonesas estão muito preocupadas se podem ou não continuar a se envolver com seus negócios" na China.

"Isso não é apenas por causa de sua tensão econômica, mas também por sua desaceleração econômica na China. Portanto, não apenas o Japão, mas também outros países nas regiões, incluindo os parceiros europeus, estão diversificando o destino do investimento e das atividades comerciais", disse.

Ele fala em alteração da ordem global existente, com tensões geopolíticas e a disputa entre China e Estados Unidos.

"Portanto, o Brasil é considerado um dos melhores parceiros do Japão, para aprofundar nossa parceria para manter a atual ordem internacional baseada em regras", diz ele, que foi diretor-geral para América Latina e Caribe do Ministério de Relações Exteriores do Japão.

<><> Lula no Vietnã, Janja na França

Lula está desde segunda-feira (24/3) em Tóquio, e na terça-feira (25/3) participou de uma recepção e um jantar com o Imperador Naruhito e a Imperatriz Masako no Palácio Imperial. Na quinta-feira (27/3), ele embarca para o Vietnã.

É a primeira viagem internacional de longa distância após complicações do acidente doméstico que sofreu em outubro.

A primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, não acompanhará o presidente no restante da viagem. A previsão dela era de partir na quarta-feira (26/3) para a França, onde vai discursar no evento Nutrition for Growth sobre desnutrição infantil, a convite do presidente francês, Emmanuel Macron.

Janja chegou ao Japão uma semana antes de Lula, sem que a ida fosse divulgada, e virou alvo de críticas da oposição.

Em entrevista à BBC News Brasil, Janja disse que "nunca houve falta de transparência" e afirmou que economizou em passagem aérea e hospedagem.

"Obviamente, eu vim com a equipe precursora, inclusive, para economizar passagem aérea. Vim um pouco antes, fiquei hospedada na residência do embaixador", afirmou.

Janja disse ainda que Lula afirma que será candidato em 2026 se estiver bem de saúde – e complementou dizendo que a saúde dele está "muito forte".

"Não sei [se Lula será candidato]. Você sabe que ele fala sempre que… ele não gosta de antecipar as coisas, né? Mas ele será candidato se tudo estiver bem com a saúde dele. Ele sempre coloca essa questão da saúde. Eu tô vendo ele muito forte de saúde, então… É isso", afirmou.

 

Fonte: Por Paulo Kliass, em Outras Palavras/BBC News Brasil

 

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