“Não é pelo batom”: Pena de 14 anos a
bolsonarista se funda em crimes graves
Críticas ao voto de Alexandre de Moraes
ignoram iter criminis que vai além do vandalismo na estátua da Justiça.
Em 1972, um homem comum – sem armas, sem
explosivos – escalou o altar da Basílica de São Pedro, em Roma, e desferiu
quinze marteladas na escultura Pietà, de Michelangelo. Laszlo Toth gritou: “Eu
sou Jesus Cristo!”, enquanto destruía parte do rosto e do braço da Virgem
Maria.
O martelo era pequeno, mas o estrago não foi
medido em centímetros de mármore: foi simbólico, espiritual, civilizacional.
Não importava que a escultura fosse restaurável. Importava o que ela
representava. Era o sagrado profanado – e, com ele, toda uma ideia de ordem,
beleza e transcendência.
Mais de cinquenta anos depois, em outro
continente, uma mulher se aproximou de outra estátua e, com batom vermelho,
escreveu a frase “perdeu, mané”, em “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti, que
está diante do STF.
Agora, Débora Rodrigues dos Santos está sendo
julgada pelo STF. O relator, ministro Alexandre de Moraes, acompanhado, até o
momento, pelo ministro Flávio Dino, votou pela condenação de Débora a 14 anos
de prisão.
Desde que o voto do relator foi divulgado,
comentários de “tudo isso por pichar uma estátua?” ecoam nas mídias
sociais.
Porém, é preciso lembrar que o objeto
danificado é um detalhe, perto do envolvimento amplo da mulher com o pacto pelo
desmonte do Estado Democrático de Direito. O verdadeiro desvario dos que
estiveram no “dia da Infâmia”, levados a crer que estariam acobertados pelo
manto da verdade.
<><> Iter criminis
Na linguagem do Direito Penal, existe um
conceito-chave: iter criminis – o “caminho do crime”. Ele descreve a progressão
entre a ideia criminosa e a concretização, passando por etapas como cogitação,
preparação, execução e, se consumado, o resultado final.
No caso de Débora, o gesto com o batom foi
apenas o último passo de um trajeto longo, consciente e articulado, como
detalhado no voto do ministro Alexandre de Moraes.
Segundo o relator, Débora aderiu, desde o
final das eleições de 2022, a movimentos que negavam a legitimidade do processo
eleitoral.
Participou de acampamentos diante de
quartéis, onde se pregava insistentemente uma intervenção militar, apoiou
publicamente a ruptura da ordem constitucional e, no dia 8 de janeiro de 2023,
integrou o grupo que invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
A frase na estátua foi a assinatura final de
uma narrativa golpista escrita ao longo de meses.
“A denunciada […] concorreu para a prática
dos crimes, somando sua conduta, em comunhão de esforços com os demais autores,
objetivando a prática das figuras típicas imputadas”, escreveu Moraes.
Para o ministro, Débora não apenas participou
do ato, mas “revelou desprezo para com as instituições republicanas” ao apagar
registros do próprio celular, em tentativa de ocultar provas de sua
participação nos atos.
<><> Não foi só pela estátua – e
nem poderia ser
Um dos equívocos mais comuns nas críticas ao
julgamento é ignorar o conjunto de crimes imputados à ré.
Débora não está sendo processada “por pichar
uma estátua”. Se fosse apenas por isso, a pena seria simbólica: o crime de
deterioração de patrimônio tombado tem pena máxima de três anos, e permitiria
inclusive sanção alternativa à prisão.
Na realidade, ela responde por cinco crimes:
- Abolição
violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP);
- Tentativa
de golpe de Estado (art. 359-M);
- Dano
qualificado com violência (art. 163, parágrafo único, I, III e IV);
- Associação
criminosa armada (art. 288, parágrafo único); e
- Deterioração
de patrimônio tombado (art. 62, I da lei 9.605/98).
A pena sugerida – 14 anos – decorre do
concurso material entre esses delitos, todos descritos como resultantes de uma
“obra comum”.
Segundo Moraes, “o desencadeamento violento
da empreitada criminosa afasta a possibilidade de que a denunciada tenha
ingressado na Praça dos Três Poderes de maneira incauta”.
A conclusão não se baseia apenas no gesto com
o batom, mas em laudos, imagens, mensagens apagadas e no depoimento da própria
ré, que admitiu o vandalismo.
<><> A força do símbolo e a
denúncia contra o arbítrio
O episódio também lembra, em outro contexto
histórico, o ambiente de paranoia e distorção que marcou o Caso Dreyfus, no fim
do século XIX, na França.
Na época, o capitão Alfred Dreyfus foi
falsamente acusado de traição, em processo conduzido sob pressão de setores do
Exército e da opinião pública, alimentados por preconceito e por teorias
conspiratórias.
Contra as evidências e contra a razão,
formou-se uma crença coletiva de que Dreyfus era culpado – porque assim parecia
servir melhor a determinados interesses políticos e ideológicos.
O escritor Émile Zola, ao publicar o célebre
artigo “J’accuse.!”, desafiou esse pacto de ilusão com uma denúncia frontal: o
Estado estava disposto a sacrificar a verdade para manter intacta uma versão
conveniente da realidade.
É justamente esse tipo de delírio que
ressurge em parte dos discursos que tentam justificar os atos do 8 de janeiro.
Na tentativa de reescrever os fatos, multiplicam-se versões alternativas – ora
negando o vandalismo, ora alegando que tudo foi uma encenação, ora tratando os
réus como vítimas de perseguição.
A frase escrita por Débora na estátua –
“perdeu, mané” – foi mais do que deboche. Foi a tentativa de afirmar uma
mentira como se fosse verdade: a de que o resultado das eleições seria
ilegítimo, e de que uma nova ordem se impunha, pela força, contra a Constituição.
No Caso Dreyfus, o erro estava na condenação
injusta. No 8 de janeiro, está na negação coletiva dos próprios crimes. Em
ambos os casos, o pano de fundo é o mesmo: quando a verdade se torna incômoda
demais, tenta-se apagá-la com versões inventadas.
O STF hoje se debruça sobre um julgamento
que, embora envolva pessoas comuns e atos aparentemente pontuais, representa
algo muito maior: o enfrentamento direto à legalidade democrática. O batom
vermelho em “A Justiça” é só o gesto visível de uma intenção muito mais
profunda – e perigosa.
A democracia, como a escultura de
Michelangelo, também pode ser restaurada. Mas isso não significa que se deva
tratar com leveza aqueles que tentaram destruí-la.
A pena proposta a Débora Rodrigues dos
Santos, ainda em julgamento, não responde à cor do batom, mas ao conteúdo
político do gesto. Não se pune a frase, mas a tentativa de rasgar com ela o
pacto constitucional.
¨
Todos os crimes, mais
além do batom na estátua do STF. Por Jeferson Miola
A extrema-direita constrói uma versão
simplória e enganadora sobre a sentença de 14 anos de prisão de Débora
Rodrigues dos Santos, a golpista multi-criminosa do 8 de janeiro que ficou
conhecida por ter pichado com batom a escultura A justiça, do STF.
Os extremistas alegam que foi um ato de pouca
relevância para uma condenação tão severa e, por isso, desproporcional. Querem
fazer crer que Débora teria praticado uma espécie de intervenção artística, no
que seria um ato único e sem vínculo com a ação criminosa principal.
Ocultam, dessa maneira, que na realidade a
pichação da Débora significou o clímax dos atentados daquele dia contra o
Estado de Direito e os poderes da República.
Foi, portanto, a celebração do que ela
presumia ser a conquista do poder, ou seja, o êxito do golpe de Estado.
A inscrição “perdeu, mané”, uma paródia do
ministro do STF Luís Roberto Barroso, exaltava o que Débora presumivelmente
considerava como o desfecho vitorioso do empreendimento golpista.
Significava, em outras palavras, a vingança
dos manés que não aceitaram a derrota nas urnas em 2022 e então decidiram
acampar durante meses no Quartel General do Exército, onde eram preparados os
atentados antidemocráticos e de onde os integrantes da “organização criminosa
armada” –civis e militares– marcharam rumo à Praça dos Três Poderes para
virarem a mesa por meios violentos e depois entregarem o poder aos fardados.
Com base na denúncia da Procuradoria-Geral da
República, o ministro Alexandre de Moraes votou pela condenação de Débora a 14
anos de prisão não pelo batom na estátua, mas devido à participação dela em
cinco crimes: [i] abolição violenta do Estado de Direito; [ii] tentativa de
golpe de Estado; [iii] dano qualificado ao patrimônio público; [iv]
deterioração do patrimônio tombado; e [v] associação criminosa armada.
Assim como o criminoso Antônio Cláudio Alves
Ferreira, o golpista que participou de toda empreitada criminosa mas ficou
conhecido por quebrar o relógio do século XVII do Palácio do Planalto, Débora
se notabilizou como a autora da pichação na estátua do STF, ainda que tenha
participado do conjunto dos atos antidemocráticos.
A
extrema-direita instrumentaliza a vitimização e o coitadismo da Débora para
impulsionar a mobilização pela anistia que, no
fundo, não é para anistiar os presos do 8/1, mas para deixar impunes Bolsonaro,
seus comparsas e os altos oficiais das Forças Armadas.
É o
mesmo truque diversionista que usam com as fantasiosas “senhorinhas inocentes
presas com a bíblia debaixo do braço”.
Neste contexto de duro enfrentamento do
fascismo em todas suas dimensões no Brasil, é lamentável e inaceitável que
setores da mídia, bem como alguns juristas, reverberem essa versão delirante da
extrema-direita e enfraqueçam as decisões corretas da Suprema Corte.
Titubear no combate ao fascismo é um erro que
pode trazer consequências fatais para a democracia.
¨
Com pedido de vista, Fux
adia julgamento de bolsonarista que pichou estátua do STF
O
ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez um pedido de vista
nesta segunda (24) e adiou o julgamento de Débora Rodrigues dos Santos,
bolsonarista que pichou a frase “Perdeu, mané” na estátua “A
Justiça”, que fica em frente ao prédio da Corte. O julgamento começou na última
sexta (21) e o placar era de 2 votos a 0 para condená-la.
O
magistrado pediu mais prazo para analisar o caso e disse a colegas que vai
estudar melhor a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os votos
para condenar a bolsonarista foram dados pelos ministros Alexandre de Moraes,
relator, e Flávio Dino.
O
julgamento terminaria nesta sexta (28), mas a nova data para a conclusão da
análise ainda será definida após o pedido de vista de Fux. O relator fixou a
pena em 14 anos de prisão, inicialmente em regime fechado, e uma indenização de
R$ 30 milhões por danos morais.
“Conforme
vasta fundamentação previamente exposta, a ré dolosamente aderiu a propósitos
criminosos direcionados a uma tentativa de ruptura institucional, que
acarretaria a abolição do Estado Democrático de Direito e a deposição do
governo legitimamente eleito”, afirmou Moraes em seu voto.
Débora não foi acusada apenas pela pichação,
mas por ter aderido ao ataque golpista. Segundo a PGR, ela reconheceu que estava
acampada em frente ao quartel-general do Exército em Brasília junto de um grupo
que pedia intervenção militar.
A PGR
acusa a bolsonarista de cometer os crimes de tentativa de abolição violenta do
Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, associação criminosa armada,
dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Ela
está presa desde março de 2023 em Paulínia, no interior de São Paulo. Sua
defesa alega que o caso não deve ser analisado pelo STF, considera que a
denúncia deve ser rejeitada por falta de justa casa e defende que ela deve ser
absolvida, dizendo que a conduta não configuraria crime.
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Nunes Marques pede vista e adia julgamento de Zambelli no
STF
O
ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vistas e adiou
a definição do julgamento da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). A
parlamentar está a dois votos de ser condenada a 5 anos e 3 meses de prisão,
além da perda de mandato, por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento
ilegal.
O
pedido de vistas ocorreu na manhã desta segunda-feira (24), suspendendo
temporariamente a decisão. O julgamento teve início no Plenário Virtual do STF
na sexta-feira (21), às 11h, e está previsto para encerrar na próxima
sexta-feira (28), às 23h59.
A
Suprema Corte abriu ação penal contra Zambelli em agosto de 2023, após
aceitação da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A
deputada bolsonarista é acusada de perseguir, armada, o jornalista Luan Araújo,
identificado como apoiador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O
episódio ocorreu em outubro de 2022, nas ruas do bairro dos Jardins, região
nobre de São Paulo.
O
advogado da parlamentar, Daniel Bialski, manifestou insatisfação quanto à
impossibilidade de defesa oral no julgamento virtual. Em nota, destacou que a
apresentação de argumentos em vídeo não garante a atenção de todos os
ministros.
“Essa
seria a melhor oportunidade de evidenciar que as premissas colocadas no voto
proferido estão equivocadas. Esse direito do advogado não pode ser substituído
por vídeo enviado — cuja certeza de visualização pelos julgadores inexiste.
Mas, apesar desse cerceamento da defesa, foram ainda enviados e despachados
memoriais com os ministros para motivá-los a ter vistas e examinar
minuciosamente os autos”, afirmou o representante de Carla Zambelli.
Fonte: Migalhas/Brasil 247/DCM
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