Segurança: O preço das duas décadas de
atraso
Há 21 anos, Lula
propunha um projeto audacioso de Segurança Pública mais cidadã. Agora, o
resgata em reunião com governadores. Mas contexto mudou: aliança entre direita
e corporações policiais tornou-se ativo político na guerra contra a democracia
e direitos humanos
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Na quinta-feira
passada (31/10), deu-se uma reunião marcada há 21 anos. A convite de Lula,
governadores e o ministro da Justiça encontraram-se no Planalto para discutir a
Segurança Pública. Essa reunião foi agendada e postergada, depois cancelada, no
início do primeiro mandato de Lula, em 2003. O atraso de 21 anos diz muito
sobre as dificuldades de enfrentar o problema.
Em 2001, Lula presidia
o Instituto Cidadania e era pré-candidato a presidente. Um grupo de trabalho
formulou, então, seu programa de Segurança Pública. Profissionais de origens,
experiências e perspectivas variadas debateram em audiências públicas, visitas
e seminários. A proposição resultante foi entregue por Lula às casas
congressuais e ao ministro da Justiça em 27 de fevereiro de 2002.
No ambiente ouriçado
de hoje, é difícil imaginar que o então líder da oposição ao governo FHC fosse
respeitosamente recebido por dirigentes da situação, todos valorizando a
qualidade da proposta.
A edição de O Globo
(em 28/2/2002) destacava: “Tucanos elogiam plano anticrime do PT”. O ministro
da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, admitiu adotar medidas. “Não posso deixar
de louvar essa iniciativa”, afirmou o presidente do Senado, Ramez Tebet. “Este
documento é até agora o mais sério e completo sobre segurança pública já
elaborado e apresentado à sociedade”, disse Aécio Neves, presidente da Câmara.
Com debilidades
decorrentes, sobretudo, da falta de dados internos às corporações, a iniciativa
mudou o debate. Descartou clichês e bordões puídos. Agentes públicos não mais
arguiriam o “sempre foi assim”. Parecia chegar ao cabo a reatividade inercial e
a falta de crítica aos padrões estabelecidos. Tornar-se-iam necessários
diagnósticos e planejamento para a ação pública, que passaria a ser avaliada
para que erros fossem monitorados e corrigidos.
O Plano não idealizava
a racionalidade técnica e apontava para ajustes de instituições públicas às
determinações constitucionais. A democracia seria reforçada. Visava-se o
controle da chamada criminalidade, da brutalidade letal das polícias e do
sistema de Justiça criminal, do racismo e do viés de classe que encarcera
jovens pobres e negros, reproduzindo iniquidades e violências. Instituições
refratárias à soberania popular seriam contidas.
Lula venceu as
eleições. Em janeiro de 2003, o novo secretário nacional de Segurança Públicai
e seus colegas tocariam o programa – aperfeiçoado com a ajuda de voluntários de
distintas especializações e regiões, graças ao apoio da Firjan.
Era fundamental a
adesão dos 27 governadores à tese central, a criação do SUSP, sistema único de
segurança pública, inspirado na arquitetura do SUS. Em junho, o endosso unânime
foi obtido. O presidente convidou os governadores para celebrar o “pacto pela
paz”, como o projeto foi batizado, perante autoridades dos três poderes. A
proposta seria entregue ao Congresso, posto que demandava alteração
constitucional. Havia otimismo. Lula detinha respaldo popular e o consenso dos
governadores fortalecia a proposta.
Os governadores não
acataram por entusiasmo com uma segurança cidadã, afinada com os direitos
humanos. A negociação individualizada mostrara que lhes interessava dividir o
desgaste político com o governo federal. Uma reestruturação que importasse em
compartilhamentos e deslocamento de autoridade para a União seria bem-vinda. A
insegurança era fonte inesgotável de fragilização política. O acatamento era
pragmático e lógico.
Paralelamente, o
governo federal encarava o dilema: valeria a pena assumir mais
responsabilidades em área tão desgastante? Dizia Brizola: chamar para si a
segurança é abraçar afogado. Por que, então, o secretário nacional de segurança
visitaria todos os governadores? A missão espinhosa foi testemunhada pelas
mídias locais. Talvez porque não fosse crível o êxito da jornada quixotesca.
O governo federal
viu-se subitamente com a batata quente na mão. Como deter a iniciativa evitando
constrangimentos? A resposta fica para outro momento. O gabinete presidencial
estipulara data para a reunião que seria suspensa. O passar do tempo silenciaria
o “pacto pela paz”. O secretário foi afastado e o plano, engavetado. O governo
investiu em prisões matutinas espetaculares de suspeitos de colarinho branco.
Mas a semente do SUSP
fora lançada. Cedo ou tarde, por exigência histórica, resultaria em algo.
Diante de crises, projetos embolorados, devidamente lustrados, circulariam na
praça. O SUSP renasceu com sotaque diferente e inegáveis legitimidade e
coerência quando Tarso Genro foi ministro da Justiça. Seu projeto nacional de
segurança com cidadania (PRONASCI) incorporava elementos do SUSP, especialmente
sua face preventiva. Mas Tarso passou, assim como a reativação indireta do
SUSP.
Veio o golpe
parlamentar contra Dilma. A dramaticidade da insegurança pública crescia e a
história aprontou ironia oblíqua, típica das tragédias: coube a Temer
ressuscitar o SUSP e criar o Ministério da Segurança previsto no plano
original, de 2002 (por sugestão de Lula, então candidato, foi convertido em
secretaria com status ministerial).
Mas a repetição deu-se
como farsa: o SUSP, aprovado pelo Congresso em 2018, foi promulgado para não
funcionar. Baseava-se em legislação infraconstitucional. Destinava-se a fazer
crer em comprometimento dos governantes com mudanças profundas na Segurança. As
novas regras jamais seriam aplicadas porque gerariam conflitos federativos;
calculadamente, não tratavam de processos decisórios, de definição da
autoridade coordenadora de ações. Tampouco foi casual que a ouvidoria fosse
estabelecida como uma agência desprovida de poder.
A vida prosseguiu e o
país foi empurrado à beira do abismo neofascista. Os golpistas
instrumentalizaram as instituições armadas. A gigantesca e ativa “família
militar” açambarcou os contingentes policiais de todas as esferas da União.
Escapamos por um triz com a vitória de Lula, em 2022.
Retornando ao
Planalto, Lula encontrou-se novamente com a dramática insegurança pública.
Durante meses, flertou com o SUSP, reinscrevendo a necessidade de coordenação
nacional no centro da agenda. Mas temeu mostrar a nudez do rei: o SUSP
infraconstitucional colidiria com a Carta. Só fazia sentido ressuscitá-lo se
figurasse na Constituição.
Finalmente, o ministro
Lewandowski, intimorato, pronunciou palavras banidas do léxico governamental:
afirmou que para tratar da Segurança Pública caberia reformar a Carta.
Realizou-se, enfim, a reunião marcada há 21 anos.
Neste interregno,
regredimos de uma democracia limitada e contraditória para uma
institucionalidade deteriorada. A sociedade viu-se acossada pela difusão de
valores antidemocráticos, pelo ativismo reacionário de organismos do Estado e
por organizações à margem da lei.
A PEC apresentada por
Lewandowski, embora menos ambiciosa, contém elementos fundamentais da proposta
original. Aponta para o estabelecimento de uma coordenação nacional das
estratégias da Segurança. Pressupõe uma linha de autoridade indispensável,
mesmo que isso não seja enfatizado no discurso público. Enfrenta problema real:
a refratariedade das corporações policiais, verdadeiros enclaves
institucionais, à autoridade civil e política.
Mesmo que a aparência
sugira o contrário, especialmente quando governadores de direita aplaudem
práticas policiais condenáveis, o fato é que os executivos estaduais não
comandam as organizações policiais. A ampla autonomia viabilizou-se com a
omissão do Ministério Público, que deveria exercer o controle externo das
polícias, e ameaça o Estado democrático, como demonstramos insistentemente em
artigos, livros e entrevistas.
Integrantes de
corporações armadas se alinham ostensivamente à extrema direita. Firmam-se como
atores independentes, negando a hierarquia e as determinações constitucionais.
Os enclaves corporativos instauram poderes rebeldes na medida em que se
atribuem autoridade alheia à soberania popular e às mediações institucionais.
Esse quadro ruinoso é
mais visível nas Forças Armadas. Comandantes se apresentam impunemente como
representantes de um “poder moderador” e condicionam autoridades constituídas.
Buscam respaldo no que nomeiam “família militar”, cuja composição inclui componentes
das corporações policiais.
A PEC do ministro
Lewandowski possibilita restringir a disfuncionalidade da segurança pública;
oferece amparo mínimo para o enfrentamento da criminalidade e da corrosão da
autoridade fundada nos princípios democráticos. Propondo a coordenação
nacional, enseja a possibilidade de reduzir o insulamento dos baronatos
armados, organizados com ou sem máscara institucional (sob a forma de
milícias).
O ministro e o
presidente devem saber que a proposta não será aprovada. Mas enseja sinalização
importante: tira o governo da defensiva e, pela primeira vez em muitos anos,
aponta rumo para deter a barafunda institucional que impede o Estado de
garantir segurança à cidadania. Livra a autoridade federal de exibir impotência
e de absorver pautas conservadoras de governadores. No mais, deixa com a
oposição o ônus da defesa do status quo.
A reação dos
governadores tende a ser inversa a de 21 atrás anos porque a luta ideológica se
interpôs ao velho cálculo de utilidade. Se a Segurança era somente causa de
desgaste político e valia a pena sacrificar parte do suposto poder em benefício
da divisão de responsabilidades com a União, hoje, associar-se ao discurso
hegemônico e às práticas usuais das corporações policiais tornou-se um ativo
político na guerra contra a democracia e os direitos humanos.
Há muito a ponderar.
Por exemplo: a omissão na iniciativa governamental quanto à ouvidoria e ao
papel do MP. Mas cabe saudar a coragem política, mesmo moderada, quando ela
retorna à cena.
Falta aplicar essa
disposição à Defesa Nacional. As Forças Armadas persistem essencialmente
voltadas para o controle da sociedade e nunca abdicaram de se imiscuir na
Segurança Pública.
¨ Caiado defendeu confisco de vacinas na pandemia. Por Paulo
Henrique Arantes
O governador de Goiás,
Ronaldo Caiado, é nosso velho conhecido. Nada apaga da memória o candidato a
presidente que foi em 1989, quando personificava os propósitos da UDR, União de
Democrática Ruralista, que nada tinha de democrática, dedicando-se diuturnamente
a criminalizar o MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e a impedir
qualquer avanço da reforma agrária.
Hoje, governador,
despreza a iniciativa do Governo Federal de unir esforços com os Estados para
aprimoramento da segurança pública, num momento em que o crime organizado ganha
tentáculos empresariais e políticos. A segurança vai muito bem em Goiás, afirma.
Um pacto nacional nessa área, portanto, pouco lhe interessa.
Caiado poderia
compartilhar a receita goiana anticrime com as demais unidades da Federação,
mas prefere as bravatas. Não é um conservador civilizado, como tenta parecer,
mas um oportunista de direita.
No ápice da pandemia,
o governador e médico (!) Ronaldo Caiado alinhou-se com o general que
atravancava o Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello, na busca de um fato ou
factoide que referendasse a argumentação fajuta de que todos os Estados
deveriam ter isonomia na vacinação contra a Covid-19.
Cogitava-se, então,
que o governo baixasse uma Medida Provisória determinando o confisco de toda e
qualquer vacina disponível em solo brasileiro, em nome de uma suposta
imunização territorialmente igualitária – algo que obviamente seria derrubado
pelo Judiciário. A intenção era subtrair do então governador paulista,
João Doria, a condição de deflagrador da vacinação no país, com a Coronavac.
Caiado lançou a ideia
na mídia. Dias depois, o Governo Federal negou a intenção.
Numa guerra pandêmica,
cabe aos governadores, diante da inação federal, usar as armas de que dispõem
para preservar a vida de suas respectivas populações, por isso Doria agiu bem.
Caiado não honrou essa prerrogativa, ou pior, atuou contra ela.
De todo modo, a ideia
que golpeava a ciência e a vida nascera morta. Não por vontade do governador de
Goiás, que quer ser presidente do Brasil.
¨
Policial destrói fala
de Caiado sobre "segurança plena" em Goiás
O policial e
vereador Fabrício Rosa, do PT de Goiânia (GO), divulgou um vídeo neste
domingo (3) nas redes sociais em que destrói por completo a
declaração do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, de que não haveria criminalidade no seu
estado.
Na última semana,
durante uma reunião no Palácio do Planalto convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para
discutir a PEC da Segurança Pública que será apresentada ao Congresso Nacional pelo governo,
Caiado criticou a proposta e afirmou que "acabou com o crime" em
Goiás.
"Inadmissível
qualquer invasão nas posições que os estados têm em termos de poder de sua
polícia civil, militar e penal, que realmente são as estruturas que sustentam a
segurança nesse país, com total parceria com a PF e a PRF [...] em Goiás eu
acabei com ele [o crime]", disparou o governador.
Ao responder, Lula ironizou Caiado, arrancando risadas de outros presentes na reunião.
"Eu tive a
oportunidade de conhecer hoje o único estado que não tem problema de segurança,
que é o estado de Goiás. Que eu peço pro Lewandowski [ministro da Justiça] ir
lá levantar, que pode ser referência para os outros governadores. Em vez de eu
ter chamado, era o Caiado que tinha que ter chamado a reunião para orientar
como é que se comporta, pra gente acabar com o problema da segurança em cada
estado", ironizou o mandatário.
Depois da reunião, em
coletiva de imprensa, Caiado voltou a afirmar que "acabou com o
crime" em Goiás e foi além: disse que, eu seu estado, há uma situação
de "segurança plena".
"Eu deixei claro
que no meu estado de Goiás ninguém reclama de segurança pública. É segurança
plena, total. Nunca teve um assalto a banco, um sequestro, novo cangaço,
invasão de propriedade...", disparou o governador.
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Não é bem assim
O policial e vereador
Fabrício Rosa desmentiu Ronaldo Caiado trazendo números oficiais sobre a
criminalidade no estado de Goiás.
"A principal
forma de aferir violência e criminalidade é pela taxa de homicídio. E a
taxa de homicídios aqui em Goiás, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, é de 23 mortes para cada 100 mil habitantes. Essa taxa é maior do que
estados governados tanto pela esquerda quanto pela direita. A taxa no
Piauí, governado pelo PT, é de 22 mortes para cada 100 mil habitantes. A mesma
do Mato Grosso do Sul, governada pelo PSDB. Já do Rio Grande do Sul,
governado pelo PSDB, a taxa é de 18. E aqui no Distrito Federal, do ladinho de
Goiás, governado pelo Ibaneis do MDB, a taxa é de 11 mortes. Para de
mentir, Caiado", inicia Fabrício Rosa.
"Segundo ponto,
quando nós falamos de feminicídio e violência contra a mulher, a situação fica
pior para o Caiado. Olha só, de 2018 para 2023, houve uma ampliação de 52% dos
casos de feminicídio. Só no ano passado foram mais de 20 mil casos de violência
doméstica contra a mulher. Se você olhar os casos de estupro, de 2018 até 2023,
manteve-se estável, não houve redução. Diz que acabou com o crime, mas quem
mora em Goiás sabe que não é verdade. Terceiro ponto, somos o líder nacional de
casos de trabalho escravo. Foram 739 casos no ano passado", destaca ainda
o policial.
Fonte: Por Manuel
Domingos Neto e Luiz Eduardo Soares, em Jornal GGN/Brasil 247/Fórum
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