Casa onde Marighella viveu em Salvador será
transformada em instituto
A casa onde o
político, guerrilheiro e poeta Carlos Marighella e uma de suas companheiras de
vida e luta, Elza Sento Sé, viveram, no bairro de Nazaré, em Salvador, será a
sede do Instituto Carlos Marighella, espaço de realização de atividades
culturais e formação política. A transformação do local foi anunciada nesta
segunda-feira (4), durante um ato que o homenageou no endereço em que foi
assassinado, na Alameda Casa Branca, região central de São Paulo, por agentes
da ditadura militar.
O projeto é pleiteado,
há anos, por militantes e entidades representativas da sociedade civil, como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O ato ocorreu no Armazém do
Campo, no bairro Campos Elíseos, na capital paulista.
Nascido em Salvador,
Carlos Marighella fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN), que também comandou
como dirigente nacional. Foi a principal liderança da luta armada contra a
ditadura militar, que o submeteu a torturas, ao encarceramento e ao exílio. Iniciou
sua militância, quando ainda era estudante de engenharia, pelo Partido
Comunista Brasileiro (PCB), conforme destaca o Memorial da Resistência.
Cofundador da ALN, ao
lado de Marighella e outras lideranças, o radialista e político José Luiz Del
Roio acabou incumbido de zelar pela memória dos acontecimentos que ele e seus
companheiros de luta viveram e testemunharam. Ele, que também se filiou cedo ao
PCB, se tornou um dos responsáveis pela recuperação de parte do acervo do
partido, tirando-a das vistas dos órgãos de repressão militar. Teve sucesso,
com a ajuda da sigla, enviando o acervo para Milão, na Itália, onde fundou o
Archivio Storico del Movimento Operaio Brasilliano. Atualmente, os documentos
originais encontram-se sob guarda da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Presente no ato e em
entrevista à Agência Brasil, Del Roio conta que arquiva na mente uma infinidade
de lembranças, a maioria vinculada ao que predominou em sua vida: a militância.
“O que volta mais,
realmente, são momentos extremos. Extremos de vitória e extremos, sobretudo, de
quedas e de mortes de companheiros e companheiras. A questão da morte dos
companheiros, os tombados, sempre deixa uma marca, porque você não sabe se você
teve uma responsabilidade direta ou indireta e não pode cometer a injustiça de
esquecê-los”, diz.
Salientando a
trajetória de radialista, função que o permitiu realizar um grande número de
entrevistas, e a de responsável por cuidar de arquivos da classe operária, Del
Roio se autodeclara “um operador da memória”. “Estou muito feliz assim. Claro,
a idade me preocupa, a memória começa a ter lapsos. Mas isso faz parte. Gosto
de ter lapsos. Se não tivesse os lapsos, estaria morto”, afirma.
“Agora, a memória não
tem que ser individual, mas coletiva. Você tem que transformar a tua memória,
os grandes momentos, que ajudam na construção da sociedade, ela tem que ser
coletivizada. Todos esses de cabelos brancos que estão aqui, eu os conheço há 60,
75 anos. Uns foram presos, outros, não. A nossa memória é coletiva, totalmente
coletiva, algo bastante impressionante. Não é possível passar tudo isso para
frente porque tem a vivência, mas, pelo menos, a experiência tem que se passar
para frente para a construção da grande memória da sociedade do Brasil. Senão,
você não tem Brasil, não tem memórias. Você tem bandeira, mas não tem Brasil”,
declara.
• Quem foi Carlos Marighella
Marighella foi
torturado pela primeira vez no ano de 1936, aos 24 anos de idade, tendo seus
pés queimados por maçarico. Permaneceu um ano preso, até que recebeu anistia.
Então, mudou-se para São Paulo. Depois disso, ficou preso por seis anos e, com
o fim da ditadura da Era Vargas, foi anistiado e eleito deputado à Assembleia
Nacional Constituinte de 1946, mas, em seguida, cassado, como outros
parlamentares do PCB. Em 1952, passou a integrar a Comissão Executiva do Comitê
Central do PCB, e, no ano seguinte, foi enviado à China.
Em 1964, ano do golpe
que depôs o presidente João Goulart e instaurou a ditadura civil-militar,
Marighella foi encontrado por policiais em um cinema no bairro da Tijuca, no
Rio de Janeiro, e resistiu à prisão, sendo baleado à queima-roupa. Na época, já
estava em curso seu distanciamento da direção do PCB e o que o arrematou foi
sua participação na 1° Conferência da Organização Latino-Americana de
Solidariedade (OLAS), ao lado de lideranças como Ernesto Che Guevara, usada
como justificativa para sua expulsão do partido.
Por meio do documento
“Pronunciamento do Agrupamento Comunista e São Paulo”, de fevereiro de 1968,
anunciou o surgimento de uma organização favorável à luta armada como
instrumento de combate às arbitrariedades da ditadura. Assim, em julho daquele
ano, surgia a Ação Libertadora Nacional (ALN), que nos próximos meses já
registraria as primeiras operações de guerrilha urbana no Brasil.
Uma das referências
mais associadas a Marighella é o sequestro do embaixador dos Estados Unidos,
idealizado pela Dissidência Comunista da Guanabara (que deu origem ao Movimento
Revolucionário 8 de Outubro – MR-8), que pediu apoio da ALN. Ele foi executado
na noite de 4 de novembro de 1969, por agentes do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS/SP), após uma emboscada, na qual não teve possibilidade
de se defender. Contudo, a versão oficial conta que houve um tiroteio entre o
militante comunista e policiais do DOPS/ SP.
Fonte: Agencia Brasil
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