quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Cannabis medicinal: médica desvenda 10 mitos sobre seu uso

A cannabis medicinal tem ganhado destaque nos últimos anos, mas ainda pairam muitas dúvidas e preconceitos sobre seu uso, apesar do seu grande potencial para melhorar a qualidade de vida de muitos pacientes.

Compreender os mitos e verdades que cercam a planta é essencial para que mais pessoas possam se beneficiar de seus efeitos positivos. O diálogo aberto e informado é fundamental para desmistificar e promover o uso seguro e eficaz na medicina brasileira.

Neste artigo, vamos esclarecer alguns dos principais mitos e verdades sobre essa planta, que, uma vez indicada por um profissional médico especializado, pode melhorar muito a qualidade de vida de pacientes em vários contextos.

1. Cannabis é a mesma coisa que maconha

Embora a cannabis e a maconha sejam termos frequentemente usados como sinônimos, a cannabis se refere à planta em geral, enquanto a maconha é uma de suas variedades, geralmente associada ao uso recreativo. A cannabis medicinal é uma forma da planta que é cultivada e processada especificamente para fins medicinais.

2. Cannabis medicinal é apenas para quem tem doenças graves ou terminais

A cannabis é benéfica para uma variedade de condições, não apenas para doenças graves e terminais. No Brasil, ela é usada para tratar dores crônicas, ansiedade, epilepsia, esclerose múltipla, depressão, sequelas de AVC, câncer e, até mesmo, efeitos colaterais de tratamentos como a quimioterapia. Muitos pacientes encontram na substância alívio em sintomas que impactam diretamente sua qualidade de vida.

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3. Usar cannabis medicinal é perigoso

Quando usada sob supervisão médica, a cannabis é segura e eficaz. No Brasil, médicos prescritores, através de consultas médicas, podem orientar sobre dosagens e formas de uso, minimizando os riscos. É fundamental que o paciente tenha acompanhamento médico para garantir que a terapia seja adequada para suas necessidades.

4. Cannabis é sempre viciante

Embora algumas pessoas possam desenvolver dependência, a maioria dos usuários de cannabis medicinal não apresenta problemas relacionados ao vício. Estudos indicam que a taxa de dependência é menor do que a observada em outras substâncias, como álcool, cigarros e opioides.

5. Cannabis medicinal não é eficaz

Há um crescente corpo de evidências científicas que apoiam a eficácia da cannabis no tratamento de diversas condições. Muitos pacientes relatam, em estudos publicados em importantes revistas científicas, melhoras significativas em seus sintomas após iniciar o uso de produtos à base de cannabis.

6. Usar cannabis medicinal significa ficar “alto”

Nem todos os produtos de cannabis causam efeitos psicoativos. Existem variedades que são baixas em THC (o componente responsável pelo “alto”) e altas em CBD, que é conhecido por suas propriedades terapêuticas sem os efeitos psicoativos. No Brasil, muitos dos produtos disponíveis são focados no CBD.

7. Cannabis medicinal é uma cura milagrosa para todas as doenças

Embora a cannabis medicinal tenha mostrado resultados promissores no tratamento de várias condições, não é uma cura milagrosa para todas as doenças. Como qualquer tratamento médico, sua eficácia pode variar de pessoa para pessoa e depende da condição específica sendo tratada. Médicos prescrevem cannabis medicinal como parte de um plano de tratamento abrangente, muitas vezes em conjunto com outras terapias e medicamentos.

8. Cannabis medicinal legalizada levará automaticamente à legalização do uso recreativo

A regulamentação da cannabis medicinal e a legalização do uso recreativo são questões distintas. No Brasil, como em muitos outros países, a aprovação do uso medicinal não implica necessariamente na liberação e ou legalização do uso recreativo. São debates separados, com considerações legais, sociais e de saúde pública importantes, porém diferentes. 

9. Qualquer médico pode prescrever cannabis medicinal

No Brasil, embora não haja uma especialização requerida, os médicos precisam seguir as regulamentações da ANVISA e do Conselho Federal de Medicina (CFM) para prescrever produtos à base de cannabis. É necessário, portanto, buscar treinamento adicional para se familiarizar com as indicações, dosagens e formas de uso apropriadas, como qualquer medicamento.

10. Cannabis medicinal é sempre coberta pelos planos de saúde no Brasil

A cobertura de produtos à base de cannabis pelos planos de saúde no Brasil ainda é limitada. Muitos pacientes precisam arcar com os custos do tratamento, que podem ser significativos. Alguns pacientes têm conseguido cobertura através de decisões judiciais, mas isso não é garantido para todos os casos.

Lembre-se de que o uso deve ser sempre feito sob orientação médica e de acordo com as regulamentações vigentes no país.

 

•        Cannabis medicinal no autismo: entenda indicações e potenciais benefícios

Desde que a cannabis medicinal foi regulamentada no Brasil pela Agência Nacional de Saúde (Anvisa), em 2015, ela vem sendo utilizada no tratamento de uma série de doenças, como epilepsia refratária, Alzheimer, Parkinson e ansiedade. Nos últimos anos, estudos têm analisado os potenciais efeitos benéficos da planta para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O TEA é um conjunto de distúrbios relacionados ao neurodesenvolvimento, que causam alterações na forma como uma pessoa interage com o mundo e se expressa. Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma a cada 44 pessoas no mundo têm autismo, atingindo de 1% a 2% da população mundial.

O transtorno pode se manifestar de diferentes formas, cada pessoa com autismo tem características únicas e, por isso, o distúrbio faz parte de um “espectro”. Além dos sintomas mais conhecidos— como dificuldade de interação social, inflexibilidade a mudanças de rotina e interesses fixos –, alguns indivíduos com TEA podem apresentar insônia, convulsões, ansiedade, estresse, compulsões e obsessões.

É nesse cenário que o uso da cannabis medicinal pode ser analisado e inserido, segundo Juliana Bogado, médica especialista em canabinoides e coordenadora acadêmica da EndoPure Academy, plataforma de educação para profissionais de saúde.

<><> O que é cannabis medicinal?

A cannabis é uma planta nativa do centro e do sul da Ásia e é chamada popularmente de maconha. Existem três espécies de planta do gênero Cannabis: a sativa, a indica e a ruderalis, sendo as duas primeiras as mais estudadas e conhecidas.

A cannabis medicinal é um produto obtido através da extração dos canabinoides, substâncias presentes na cannabis, que agem em vários lugares do corpo, incluindo o cérebro. Ao todo, já foram identificados cerca de 120 canabinoides na Cannabis sativa, mas os mais amplamente estudados são o canabidiol (CBD) e o tetraidrocanabinol (THC).

•        CBD: é responsável pelo efeito relaxante e, por isso, é muito utilizado na medicina e na farmacêutica como analgésico, sedativo e anticonvulsivo;

•        THC: está associado ao efeito de “euforia” da cannabis e também pode ser utilizado de forma terapêutica, como antidepressivo, estimulante de apetite e anticonvulsivo.

“A principal diferença entre eles é o efeito euforizante: o THC é conhecido pela euforia consequente do uso recreativo da cannabis, enquanto o CBD não tem efeito euforizante”, explica Bogado. “Além disso, o CBD tem uma característica ansiolítica, enquanto o THC é ansiogênico; o CBD pode inibir o apetite, podendo ser usado no tratamento da obesidade, enquanto o THC tem efeito de aumentar o apetite, podendo ser utilizado em pacientes com transtornos como anorexia”, acrescenta.

Atualmente, existem três tipos de produtos à base de cannabis medicinal: o CBD isolado, o full spectrum (inclui CBD, THC e outros canabinoides) e broad spectrum (tudo o que há na cannabis, menos THC). Nas farmácias brasileiras, são encontrados o CBD isolado e o full spectrum.

<><> Regulamentação da cannabis medicinal

Em 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu as propriedades terapêuticas da cannabis e a retirou da lista de substâncias perigosas. Diversas pesquisas clínicas atestam a eficácia da planta para o tratamento de doenças como esclerose múltipla, epilepsia, Parkinson, esquizofrenia, Alzheimer e dores crônicas.

No Brasil, a importação de produtos derivados de cannabis para fins terapêuticos foi aprovada em 2015 pela Anvisa. No mesmo ano, a agência removeu o THC da lista de substâncias proibidas. Em 2019, a Anvisa regulamentou a venda de produtos derivados de cannabis nas farmácias, a partir de receita preenchida e assinada pelo médico.

Em 2023, os medicamentos a base da planta passaram a ser distribuídos de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado de São Paulo. Outras 24 unidades federativas possuem leis em vigor ou em tramitação para garantir o fornecimento do composto pelo SUS.

<><> Como a cannabis medicinal poderia atuar no tratamento de autismo?

De acordo com Bogado, a cannabis medicinal pode ser utilizada para aliviar sintomas associados ao autismo, como ansiedade, dificuldade de interação social, insônia e agressividade. “A maioria dos pacientes no transtorno do espectro autista é ansiosa e, nesse caso, podem ser usados medicamentos com CBD. Outros pacientes podem apresentar agressividade e conseguimos controlar isso com um pouco de THC”, exemplifica a especialista.

Em 2018, um estudo publicado na revista Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry, reuniu dados pré-clínicos e clínicos disponíveis sobre a segurança e eficácia da cannabis medicinal em pacientes jovens com TEA. A pesquisa observou uma melhora na interação social, além de redução de sintomas como insônia e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), porém, os autores ressaltam que ainda faltam testes clínicos para atestar a segurança e eficácia do tratamento.

Outro estudo, publicado na Nature, acompanhou 188 pacientes com TEA tratados com cannabis medicinal entre 2015 e 2017, e mostrou que 28 pacientes relataram uma melhora significa nos sintomas do autismo. Os autores afirmaram que a cannabis “parece ser uma opção bem tolerada, segura e eficaz para aliviar os sintomas associados ao TEA”.

<><> Quando a cannabis medicinal deve ser indicada para o autismo?

O neurologista infantil e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, Erasmo Casella, ressalta que a cannabis medicinal só deve ser usada em casos em que medicações habituais para o tratamento de agressividade, irritabilidade, eventuais alterações de sono, não trouxeram resultados eficazes.

Segundo o especialista, ainda são poucos os estudos que evidenciam a eficácia e segurança dos canabinoides no tratamento da TEA e, por isso, sua indicação médica deve ser feita com cautela. “Deve ser considerado como exceção, quando as medicações bem estabelecidas para diferentes sintomas não dão certo, e não como indicação para todo mundo com TEA”.

Além disso, o tipo de produto à base de cannabis medicinal a ser usado no tratamento do autismo vai depender de cada caso. “São muitas variáveis e a escolha vai depender do quadro de cada paciente. A definição é feita dentro do contexto terapêutico do paciente”, afirma Bogado.

<><> Desafios a serem enfrentados e avanços já conquistados

Para Casella, o principal desafio a ser enfrentado para o uso da cannabis medicinal no tratamento do autismo é a realização de mais estudos científicos do tipo duplo-cego randomizado com evidências sólidas da eficácia e segurança da planta para os pacientes. Nesse tipo de estudo, os participantes são designados, aleatoriamente, a receberem cannabis medicinal ou placebo, de forma que nem eles, nem os pesquisadores, saibam o que cada um recebeu.

“Nós já tivemos muitos avanços desde a regulamentação da cannabis medicinal. No início, era algo muito burocrático e pouco conhecido e havia muito preconceito tanto por parte dos médicos quanto da sociedade no geral”, acrescenta Bogado. “Hoje em dia, as pessoas já conhecem mais sobre a planta e os médicos estão mais abertos a essa terapia. Porém, ainda há muitos médicos reticentes e que ainda buscam evidências científicas mais bem embasadas”, afirma.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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