quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Brasil na Rota da Seda e as sinergias possíveis

Às vésperas do G20 e da vinda do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil, ganhou intensidade a discussão sobre se o governo Lula aceitará ou não incluir o Brasil como um dos países participantes da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), também referida como Nova Rota da Seda – carro-chefe da política externa chinesa lançada em 2013 que tem no investimento em infraestrutura dos atuais 150 países participantes a sua coluna vertebral.

Em entrevistas recentes, tanto a ex-presidenta Dilma Rousseff quanto o ex-Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim – dois dos maiores quadros políticos do governo Lula para as relações internacionais – expressaram a opinião de que o Brasil deve aproveitar as oportunidades que a ICR pode oferecer para o PAC e outros programas de reindustrialização. Celso Amorim fala em “sinergias”. As declarações são receptivas aos investimentos chineses e ao incremento das parcerias com a China. O Brasil não repudia a ICR, mas tampouco sinaliza que irá assinar, por exemplo, um Memorando de Entendimento declarando ser participante da ICR.

Caberá ao governo brasileiro e à burocracia do MRE, qualificada para executar a política governamental para as relações internacionais, encontrar e negociar aquela frase ou expressão – a “terceira coisa”, diria Philip Allott – que nenhuma das partes envolvidas realmente quer, mas acabam aceitando. O objetivo, aqui, é fazer com que os chineses não “percam a face”. Diplomatas devem dominar a chamada “ambiguidade construtiva”. Entre o sim e o não está, muitas vezes, o lugar que preserva a coerência de uma ação posterior aparentemente contraditória com uma ação anterior.

Desde que foi lançada, a ICR encontrou resistências no Brasil. E é notória a enfática oposição dos EUA a este projeto chinês. Há quem defenda que o melhor lugar para se estar diante das circunstâncias internacionais atuais onde uma guerra mundial já está em curso na sua fase inicial, é em cima do muro. Getúlio Vargas fez isto com muita maestria. E ele não era tucano, vale a ressalva. E nem poderia ser, claro. Depois ele desceu do muro ao obter a indústria siderúrgica nacional. Porque uma coisa é estar em cima do muro de maneira construtiva e com uma estratégia em mente; outra é estar em cima do muro na esperança apenas de se esquivar de balas cruzadas porque os lados em conflito (no caso em questão, China e EUA) o perceberiam como “neutro”. É hora de discutir o que é estar “em cima do muro”. Entre Vargas e o estilo tucano pode haver outros equilíbrios e estratégias de ação. Qual é a do governo do Lula? Uma “terceira coisa”? A ver.

Os chineses são bons na arte dos implícitos. Dominam esta arte como ninguém. Leem o que ninguém vê. É por este motivo que sou da opinião que se pode fazer a ginástica frasal que quiser; mas, no plano do significado, o Brasil está pronunciando um sonoro “não” para a ICR. Quem afirma o contrário me faz lembrar aquela canção que certo dia cantou um Ministro do Supremo: “vou negando as aparências, disfarçando as evidências”. E talvez a própria China, paciente e com pós-doutorado em resiliência, cante junto com o Brasil. “É o que tem para hoje”, deverá pensar a China. E segue o jogo.

Não há absolutamente nada de surpreendente em não querer participar da ICR. Desde Dilma 2, Temer, Bolsonaro e, agora, Lula, o Brasil manteve uma distância regulamentar em relação a este assunto. Nos três Fóruns Cinturão e Rota para Cooperação Internacional que ocorreram em 2017, 2019 e 2023, em Beijing, o Brasil nunca se fez presente com seu Chefe de Estado. Argentina e Chile, sim. E com presidentes de governos de direita e de esquerda: Michelle Bachelet, Sebastian Piñera, Gabriel Boric, Mauricio Macri e Alberto Fernandez.

A China tem sido a única grande economia neste século XXI a propor e executar uma política externa que promove um novo tipo de integração econômica. A ICR não é baseada em um tratado multilateral que o Brasil deveria aderir ou não. A participação de um país na ICR é negociada com a China de acordo com as prioridades e características do país participante. Em 10 anos de existência, já foram investidos mais de 1 trilhão de dólares em projetos de infraestrutura no âmbito da ICR. 

A ICR é um projeto com amplo escopo e que pode contemplar inúmeros itens da agenda bilateral que foram elencados na Declaração Conjunta entre o Brasil e a China sobre o Aprofundamento da Parceria Estratégica Global, assinada em 14 de abril de 2023[1], por ocasião da visita de Lula à China. Basta o leitor ou a leitora ler para perceber que tem jogo a ser jogado nesta relação bilateral. Por ser um tema central da política externa do nosso maior parceiro comercial desde 2009 e que nos dá um superávit de 50 bilhões de dólares, o Brasil poderia substituir o seu “não” vacilante por um “sim” sincero e seguro, sem “melindrar alguém cujo apoio é importante”, como diria uma triste figura, que está situado na América do Norte.

Vamos aos exemplos.

O Brasil poderia, ao menos, negociar a sua participação na Rota da Seda da Saúde. E por razões muito justificadas. A parceria da China durante a pandemia foi essencial para o enfrentamento da Covid-19 no Brasil. Cooperações já foram estabelecidas com a Fiocruz e o Instituto Butantã. Diversos governadores dos estados da federação tiveram apoio da China no período mais crítico da pandemia. Há uma relação de confiança e parceria bem estabelecida neste setor da saúde. Indo além, poderíamos negociar a instalação de indústria de equipamentos médicos, de parcerias no campo da genômica e – por que, não? – um centro de formação em medicina tradicional chinesa no Brasil. Estas iniciativas poderiam ser localizadas no Nordeste ou Norte do Brasil. Propus isto ao ser procurado por especialistas da área de saúde e por integrantes do Ministério da Saúde e do Ministério de Ciência e Tecnologia. Gostaram. Tentaram avançar esta proposta dentro do governo. 

No ano passado, por ocasião de uma conferência na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, propus uma Rota da Seda da Língua Portuguesa para engajar o Forum Macau em uma agenda de promoção do idioma português, do turismo e da cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) junto aos 150 países participantes da ICR. Esta Rota da Seda da Língua Portuguesa poderia impulsionar os projetos de cooperação entre Brasil e China nos países de língua portuguesa no continente africano. Ademais, o Brasil poderia apresentar como parte fundamental da agenda desta Rota a defesa do idioma português como sétimo idioma oficial da Organização das Nações Unidas. A China aceitaria? A condição brasileira estaria posta à mesa.

A ICR é mais do que investimento em portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, infraestrutura digital etc. É óbvio que a buscada sinergia entre os dois países deve se concentrar nestes setores. Mas vale a pena lembrar que a ICR é também uma proposta de um intercâmbio intenso de ciência e cultura no âmbito do eixo voltado para o intercâmbio de pessoas – dimensões essenciais em um momento em que o Ocidente flerta abertamente com o discurso anticiência, com o obscurantismo e com o extremismo político.

No 3º Fórum Cinturão e Rota de Cooperação Internacional o presidente Xi Jinping anunciou a Aliança Internacional de Turismo das Cidades da Rota da Seda que se somará à Liga Internacional de Teatros da Rota da Seda, à Aliança Internacional de Museus da Rota da Seda, à Aliança Internacional de Museus de Arte da Rota da Seda e à Aliança Internacional de Bibliotecas da Rota da Seda. Não seria uma boa ocasião negociar apoio à restauração do Museu Nacional – cujo incêndio em 2018 queimou a maior parte dos 20 milhões de itens que abrigava – no contexto destas Alianças?

O momento exige muita disposição para derrubarmos os muros que outros países insistem em levantar para nos dividir. Ficar em cima do muro não basta. Às vezes a ambiguidade pode ser destrutiva. O desafio é maior. Assim, no que diz respeito à relação sino-brasileira, participar da Rota da Seda da Saúde, propor uma Rota da Seda da Língua Portuguesa, ingressar na Aliança Internacional de Museus da Rota da Seda seriam exemplos de formas soberanamente criativas de dizer um sonoro “sim” ao menos a certas iniciativas que estão inseridas na ICR.

 

¨      China processa UE na OMC por taxa sobre veículos elétricos

China apresentou nesta segunda-feira (04/11) uma queixa na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a União Europeia (UE), em decorrência das novas tarifas impostas pelo bloco aos veículos elétricos chineses, que entraram em vigor na semana passada.

O Ministério do Comércio da China disse que a ação busca "salvaguardar os interesses do desenvolvimento da indústria de veículos elétricos e a cooperação global na 'transformação verde''.

"É lamentável ver o lado europeu anunciar a sua decisão final, apesar das inúmeras objeções de atores relevantes, como estados-membros, indústrias e opinião pública", destacou a pasta chinesa.

<><> Preço dos veículos chineses pode subir até 45,3%

As novas tarifas europeias entraram em vigor em 30 de outubro, data em que a China já havia anunciado que "não concorda nem aceita" a decisão de Bruxelas. O bloco aprovou um novo imposto que varia de 7,8% a 35,3% sobre veículos elétricos chineses, que se soma à taxa padrão de importação de carros da UE, de 10%.

As tarifas incidem pelos próximos cinco anos e foram definidas após uma longa investigação apontar que fabricantes chinesas teriam recebido subsídios ilegais. A regra estabelece um imposto gradual para cada empresa, como forma de compensar os subsídios que cada uma teria recebido. As gigantes Saic, Geely e BYD, por exemplo, foram afetadas.

A medida também incide sobre as fabricantes ocidentais que produzem na China e receberam subsídios, como a norte-americana Tesla, que estará sujeita a uma tarifa de 7,8%. Outras empresas que cooperaram com a investigação da Comissão Europeia serão taxadas em 20,7%.

Para o governo chinês, a barreira tarifária que eleva a até 45,3% o custo do veículo elétrico produzido na China fere "gravemente" as regras da OMC.

<><> UE diz que competição deve ser justa

O Vice-Presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, disse na terça-feira que "ao adotar essas medidas proporcionais e direcionadas após uma investigação rigorosa, estamos defendendo práticas de mercado justas e a indústria europeia".

"Acolhemos a concorrência, inclusive no setor de veículos elétricos, mas ela deve ser sustentada pela justiça e pela igualdade de condições", afirmou.

A Comissão argumenta que as tarifas são necessárias para proteger as automobilísticas europeias da concorrência desleal. Os Estados Unidos e o Canadá anunciaram taxas de 100% sobre os veículos elétricos chineses, o que tornou a UE um mercado lucrativo para esses automóveis.

A Comissão Europeia ainda garantiu que suspenderá as tarifas caso consiga chegar a um acordo com a China nos próximos cinco anos.

<><> Decisão não foi unanime

A decisão de estabelecer novas tarifas, puxada pela França, não foi unânime. Cinco países europeus se opuseram à medida, dez apoiaram e 12 se abstiveram.

Países como a Alemanha e a Hungria votaram contra, sob o temor de se instalar "um conflito comercial de longo alcance" com a China que se estenda para outros setores.

As maiores montadoras da Europa, incluindo a Volkswagen, também criticaram a abordagem da UE e pediram a Bruxelas que resolvesse a questão por meio de negociações. A Associação Alemã da Indústria Automotiva entende que as tarifas são "um retrocesso para o livre comércio global e, portanto, para a prosperidade, a preservação do emprego e o crescimento na Europa".

A Volkswagen, que foi duramente atingida pela crescente concorrência na China, já havia dito anteriormente que as tarifas não melhoram a competitividade da indústria automotiva europeia.

A China já havia recorrido ao mecanismo de disputa da OMC em agosto devido a outras medidas preliminares tomadas pela UE.

Em retaliação, o país asiático vem anunciando investigações sobre as importações de whisky, produtos lácteos e carne suína da UE. Esse último poderia ser particularmente prejudicial para a Espanha, principal fornecedora destes produtos para a China.

¨      Empresas solares chinesas vão aonde as tarifas dos EUA não alcançam, diz mídia

China reduz a atividade de uma de suas maiores fábricas de painéis solares no Vietnã para instalar nos países vizinhos Indonésia e Laos uma série de novas fábricas, fora do alcance da expansão das tarifas e do protecionismo norte-americanas.

De acordo com a Reuters, as empresas chinesas têm repetidamente reduzido a produção de componentes para painéis solares em polos existentes enquanto constroem novas fábricas em outros países, permitindo que elas contornem as tarifas e continuem dominando os mercados, mesmo com as tentativas norte-americanas para controlá-las.

"É um enorme jogo de gato e rato", disse William A. Reinsch, ex-funcionário comercial do governo Clinton e consultor sênior do Center for Strategic and International Studies à mídia, afirmando ainda que "os EUA geralmente estão um passo atrás".

A China responde por cerca de 80% das remessas de células fotovoltaicas do mundo, um setor que há 20 anos era dominado pelos EUA.

No entanto, segundo dados federais dos EUA, as importações de suprimentos solares triplicaram desde que Washington começou a impor suas tarifas em 2012, atingindo um recorde de US$ 15 bilhões (cerca de R$ 87,3 bilhões) no ano passado. O que chama atenção é que, embora quase nenhum componente tenha vindo diretamente da China em 2023, cerca de 80% vieram de Vietnã, Tailândia, Malásia e Camboja — lar de fábricas de empresas chinesas.

Em função disso, Washington aplicou tarifas sobre exportações solares dessas quatro nações do Sudeste Asiático no ano passado e as expandiu em outubro após reclamações de fabricantes nos Estados Unidos que afirmam não poder competir com produtos chineses baratos que, segundo eles, são injustamente apoiados por subsídios do governo chinês.

Nos últimos 18 meses, pelo menos quatro projetos chineses ou vinculados à China começaram a operar na Indonésia e no Laos, e outros dois foram anunciados. Juntos, os projetos totalizam 22,9 gigawatts (GW) em capacidade de células ou painéis solares e grande parte dessa produção será vendida nos Estados Unidos, o segundo maior mercado solar do mundo depois da China e um dos mais lucrativos.

 

Fonte: Por Evandro Menezes de Carvalho, na Fórum/DW Brasil/Sputnik Brasil

 

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