Brasil na Rota da Seda e as sinergias
possíveis
Às vésperas do G20 e
da vinda do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil, ganhou intensidade a
discussão sobre se o governo Lula aceitará ou não incluir o Brasil como um dos
países participantes da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), também referida como
Nova Rota da Seda – carro-chefe da política externa chinesa lançada em 2013 que
tem no investimento em infraestrutura dos atuais 150 países participantes a sua
coluna vertebral.
Em entrevistas
recentes, tanto a ex-presidenta Dilma Rousseff quanto o ex-Ministro de Relações
Exteriores, Celso Amorim – dois dos maiores quadros políticos do governo Lula
para as relações internacionais – expressaram a opinião de que o Brasil deve
aproveitar as oportunidades que a ICR pode oferecer para o PAC e outros
programas de reindustrialização. Celso Amorim fala em “sinergias”. As
declarações são receptivas aos investimentos chineses e ao incremento das
parcerias com a China. O Brasil não repudia a ICR, mas tampouco sinaliza que
irá assinar, por exemplo, um Memorando de Entendimento declarando ser
participante da ICR.
Caberá ao governo
brasileiro e à burocracia do MRE, qualificada para executar a política
governamental para as relações internacionais, encontrar e negociar aquela
frase ou expressão – a “terceira coisa”, diria Philip Allott – que nenhuma das
partes envolvidas realmente quer, mas acabam aceitando. O objetivo, aqui, é
fazer com que os chineses não “percam a face”. Diplomatas devem dominar a
chamada “ambiguidade construtiva”. Entre o sim e o não está, muitas vezes, o
lugar que preserva a coerência de uma ação posterior aparentemente
contraditória com uma ação anterior.
Desde que foi lançada,
a ICR encontrou resistências no Brasil. E é notória a enfática oposição dos EUA
a este projeto chinês. Há quem defenda que o melhor lugar para se estar diante
das circunstâncias internacionais atuais onde uma guerra mundial já está em
curso na sua fase inicial, é em cima do muro. Getúlio Vargas fez isto com muita
maestria. E ele não era tucano, vale a ressalva. E nem poderia ser, claro.
Depois ele desceu do muro ao obter a indústria siderúrgica nacional. Porque uma
coisa é estar em cima do muro de maneira construtiva e com uma estratégia em
mente; outra é estar em cima do muro na esperança apenas de se esquivar de
balas cruzadas porque os lados em conflito (no caso em questão, China e EUA) o
perceberiam como “neutro”. É hora de discutir o que é estar “em cima do muro”.
Entre Vargas e o estilo tucano pode haver outros equilíbrios e estratégias de
ação. Qual é a do governo do Lula? Uma “terceira coisa”? A ver.
Os chineses são bons
na arte dos implícitos. Dominam esta arte como ninguém. Leem o que ninguém vê.
É por este motivo que sou da opinião que se pode fazer a ginástica frasal que
quiser; mas, no plano do significado, o Brasil está pronunciando um sonoro “não”
para a ICR. Quem afirma o contrário me faz lembrar aquela canção que certo dia
cantou um Ministro do Supremo: “vou negando as aparências, disfarçando as
evidências”. E talvez a própria China, paciente e com pós-doutorado em
resiliência, cante junto com o Brasil. “É o que tem para hoje”, deverá pensar a
China. E segue o jogo.
Não há absolutamente
nada de surpreendente em não querer participar da ICR. Desde Dilma 2, Temer,
Bolsonaro e, agora, Lula, o Brasil manteve uma distância regulamentar em
relação a este assunto. Nos três Fóruns Cinturão e Rota para Cooperação
Internacional que ocorreram em 2017, 2019 e 2023, em Beijing, o Brasil nunca se
fez presente com seu Chefe de Estado. Argentina e Chile, sim. E com presidentes
de governos de direita e de esquerda: Michelle Bachelet, Sebastian Piñera,
Gabriel Boric, Mauricio Macri e Alberto Fernandez.
A China tem sido a
única grande economia neste século XXI a propor e executar uma política externa
que promove um novo tipo de integração econômica. A ICR não é baseada em um
tratado multilateral que o Brasil deveria aderir ou não. A participação de um país
na ICR é negociada com a China de acordo com as prioridades e características
do país participante. Em 10 anos de existência, já foram investidos mais de 1
trilhão de dólares em projetos de infraestrutura no âmbito da ICR.
A ICR é um projeto com
amplo escopo e que pode contemplar inúmeros itens da agenda bilateral que foram
elencados na Declaração Conjunta entre o Brasil e a China sobre o
Aprofundamento da Parceria Estratégica Global, assinada em 14 de abril de
2023[1], por ocasião da visita de Lula à China. Basta o leitor ou a leitora ler
para perceber que tem jogo a ser jogado nesta relação bilateral. Por ser um
tema central da política externa do nosso maior parceiro comercial desde 2009 e
que nos dá um superávit de 50 bilhões de dólares, o Brasil poderia substituir o
seu “não” vacilante por um “sim” sincero e seguro, sem “melindrar alguém cujo
apoio é importante”, como diria uma triste figura, que está situado na América
do Norte.
Vamos aos exemplos.
O Brasil poderia, ao
menos, negociar a sua participação na Rota da Seda da Saúde. E por razões muito
justificadas. A parceria da China durante a pandemia foi essencial para o
enfrentamento da Covid-19 no Brasil. Cooperações já foram estabelecidas com a Fiocruz
e o Instituto Butantã. Diversos governadores dos estados da federação tiveram
apoio da China no período mais crítico da pandemia. Há uma relação de confiança
e parceria bem estabelecida neste setor da saúde. Indo além, poderíamos
negociar a instalação de indústria de equipamentos médicos, de parcerias no
campo da genômica e – por que, não? – um centro de formação em medicina
tradicional chinesa no Brasil. Estas iniciativas poderiam ser localizadas no
Nordeste ou Norte do Brasil. Propus isto ao ser procurado por especialistas da
área de saúde e por integrantes do Ministério da Saúde e do Ministério de
Ciência e Tecnologia. Gostaram. Tentaram avançar esta proposta dentro do
governo.
No ano passado, por
ocasião de uma conferência na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau,
propus uma Rota da Seda da Língua Portuguesa para engajar o Forum Macau em uma
agenda de promoção do idioma português, do turismo e da cultura da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP) junto aos 150 países participantes da ICR.
Esta Rota da Seda da Língua Portuguesa poderia impulsionar os projetos de
cooperação entre Brasil e China nos países de língua portuguesa no continente
africano. Ademais, o Brasil poderia apresentar como parte fundamental da agenda
desta Rota a defesa do idioma português como sétimo idioma oficial da
Organização das Nações Unidas. A China aceitaria? A condição brasileira estaria
posta à mesa.
A ICR é mais do que
investimento em portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, infraestrutura digital
etc. É óbvio que a buscada sinergia entre os dois países deve se concentrar
nestes setores. Mas vale a pena lembrar que a ICR é também uma proposta de um intercâmbio
intenso de ciência e cultura no âmbito do eixo voltado para o intercâmbio de
pessoas – dimensões essenciais em um momento em que o Ocidente flerta
abertamente com o discurso anticiência, com o obscurantismo e com o extremismo
político.
No 3º Fórum Cinturão e
Rota de Cooperação Internacional o presidente Xi Jinping anunciou a Aliança
Internacional de Turismo das Cidades da Rota da Seda que se somará à Liga
Internacional de Teatros da Rota da Seda, à Aliança Internacional de Museus da
Rota da Seda, à Aliança Internacional de Museus de Arte da Rota da Seda e à
Aliança Internacional de Bibliotecas da Rota da Seda. Não seria uma boa ocasião
negociar apoio à restauração do Museu Nacional – cujo incêndio em 2018 queimou
a maior parte dos 20 milhões de itens que abrigava – no contexto destas
Alianças?
O momento exige muita
disposição para derrubarmos os muros que outros países insistem em levantar
para nos dividir. Ficar em cima do muro não basta. Às vezes a ambiguidade pode
ser destrutiva. O desafio é maior. Assim, no que diz respeito à relação sino-brasileira,
participar da Rota da Seda da Saúde, propor uma Rota da Seda da Língua
Portuguesa, ingressar na Aliança Internacional de Museus da Rota da Seda seriam
exemplos de formas soberanamente criativas de dizer um sonoro “sim” ao menos a
certas iniciativas que estão inseridas na ICR.
¨
China processa UE na
OMC por taxa sobre veículos elétricos
A China apresentou nesta segunda-feira (04/11) uma queixa na
Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a União Europeia (UE), em
decorrência das novas tarifas impostas pelo bloco aos veículos elétricos
chineses, que entraram em vigor na semana passada.
O Ministério do
Comércio da China disse que a ação busca "salvaguardar os interesses do
desenvolvimento da indústria de veículos elétricos e a cooperação global na
'transformação verde''.
"É lamentável ver
o lado europeu anunciar a sua decisão final, apesar das inúmeras objeções de
atores relevantes, como estados-membros, indústrias e opinião pública",
destacou a pasta chinesa.
<><> Preço
dos veículos chineses pode subir até 45,3%
As novas tarifas
europeias entraram em vigor em 30 de outubro, data em que a China já havia
anunciado que "não concorda nem aceita" a decisão de Bruxelas. O
bloco aprovou um novo imposto que varia de 7,8% a 35,3% sobre veículos elétricos chineses,
que se soma à taxa padrão de importação de carros da UE, de 10%.
As tarifas incidem
pelos próximos cinco anos e foram definidas após uma longa investigação apontar
que fabricantes chinesas teriam recebido subsídios ilegais. A regra estabelece
um imposto gradual para cada empresa, como forma de compensar os subsídios que
cada uma teria recebido. As gigantes Saic, Geely e BYD, por exemplo, foram
afetadas.
A medida também incide
sobre as fabricantes ocidentais que produzem na China e receberam subsídios,
como a norte-americana Tesla, que estará sujeita a uma tarifa de 7,8%. Outras
empresas que cooperaram com a investigação da Comissão Europeia serão taxadas
em 20,7%.
Para o governo chinês,
a barreira tarifária que eleva a até 45,3% o custo do veículo elétrico
produzido na China fere "gravemente" as regras da OMC.
<><> UE
diz que competição deve ser justa
O Vice-Presidente da
Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, disse na terça-feira que "ao adotar
essas medidas proporcionais e direcionadas após uma investigação rigorosa,
estamos defendendo práticas de mercado justas e a indústria europeia".
"Acolhemos a
concorrência, inclusive no setor de veículos elétricos, mas ela deve ser
sustentada pela justiça e pela igualdade de condições", afirmou.
A Comissão argumenta
que as tarifas são necessárias para proteger as automobilísticas europeias da
concorrência desleal. Os Estados Unidos e o Canadá anunciaram taxas de 100%
sobre os veículos elétricos chineses, o que tornou a UE um mercado lucrativo para
esses automóveis.
A Comissão Europeia
ainda garantiu que suspenderá as tarifas caso consiga chegar a um acordo com a
China nos próximos cinco anos.
<><>
Decisão não foi unanime
A decisão de
estabelecer novas tarifas, puxada pela França, não foi unânime. Cinco países
europeus se opuseram à medida, dez apoiaram e 12 se abstiveram.
Países como a Alemanha
e a Hungria votaram contra, sob o temor de se instalar "um conflito
comercial de longo alcance" com a China que se estenda para outros
setores.
As maiores montadoras
da Europa, incluindo a Volkswagen, também criticaram a abordagem da UE e
pediram a Bruxelas que resolvesse a questão por meio de negociações. A
Associação Alemã da Indústria Automotiva entende que as tarifas são "um
retrocesso para o livre comércio global e, portanto, para a prosperidade, a
preservação do emprego e o crescimento na Europa".
A Volkswagen, que foi
duramente atingida pela crescente concorrência na China, já havia dito
anteriormente que as tarifas não melhoram a competitividade da indústria
automotiva europeia.
A China já havia
recorrido ao mecanismo de disputa da OMC em agosto devido a outras medidas
preliminares tomadas pela UE.
Em retaliação, o
país asiático vem anunciando investigações sobre as importações de whisky,
produtos lácteos e carne suína da UE. Esse último poderia ser particularmente
prejudicial para a Espanha, principal fornecedora destes produtos para a China.
¨
Empresas solares
chinesas vão aonde as tarifas dos EUA não alcançam, diz mídia
China reduz a
atividade de uma de suas maiores fábricas de painéis solares no Vietnã para
instalar nos países vizinhos Indonésia e Laos uma série de novas fábricas, fora
do alcance da expansão das tarifas e do protecionismo norte-americanas.
De acordo com a
Reuters, as empresas chinesas têm repetidamente reduzido a produção de
componentes para painéis solares em polos existentes enquanto constroem novas
fábricas em outros países, permitindo que elas contornem as tarifas e continuem
dominando os mercados, mesmo com as tentativas norte-americanas para
controlá-las.
"É um enorme jogo
de gato e rato", disse William A. Reinsch, ex-funcionário comercial do
governo Clinton e consultor sênior do Center for Strategic and International
Studies à mídia, afirmando ainda que "os EUA geralmente estão um passo atrás".
A China responde por
cerca de 80% das remessas de células fotovoltaicas do mundo, um setor que há 20
anos era dominado pelos EUA.
No entanto, segundo
dados federais dos EUA, as importações de suprimentos solares triplicaram desde
que Washington começou a impor suas tarifas em 2012, atingindo um recorde de
US$ 15 bilhões (cerca de R$ 87,3 bilhões) no ano passado. O que chama atenção é
que, embora quase nenhum componente tenha vindo diretamente da China em 2023,
cerca de 80% vieram de Vietnã, Tailândia, Malásia e Camboja — lar de fábricas
de empresas chinesas.
Em função disso,
Washington aplicou tarifas sobre exportações solares dessas quatro nações do
Sudeste Asiático no ano passado e as expandiu em outubro após reclamações de
fabricantes nos Estados Unidos que afirmam não poder competir com produtos
chineses baratos que, segundo eles, são injustamente apoiados por subsídios do
governo chinês.
Nos últimos 18 meses,
pelo menos quatro projetos chineses ou vinculados à China começaram a operar na
Indonésia e no Laos, e outros dois foram anunciados. Juntos, os projetos
totalizam 22,9 gigawatts (GW) em capacidade de células ou painéis solares e grande
parte dessa produção será vendida nos Estados Unidos, o segundo maior mercado
solar do mundo depois da China e um dos mais lucrativos.
Fonte: Por Evandro
Menezes de Carvalho, na Fórum/DW Brasil/Sputnik Brasil
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