terça-feira, 18 de junho de 2024

Viagens de Lula são um risco para o Brasil

Decididamente, o presidente da República Federativa do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, eleito em 30 de outubro de 2022 com 60.345.999 votos, mais de 2,1 milhões sobre o então presidente Jair Bolsonaro, não pode exercer plenamente as funções de seu mandato, o que inclui viajar pelo Brasil e pelo exterior, para representar o Brasil em viagens de Chefe de Estado ou em fóruns mundiais, como a reunião do G-7 na Itália. Um exame recente das crises políticas do governo no Congresso – onde Lula foi eleito sem correspondente maioria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, ficando sujeito à manifestação sólida de sua fluida base de apoio nas duas casas – mostra que ao contrário do governo de José Sarney, quando a “crise viajava com o presidente”, como diziam os cronistas políticos à época, no governo Lula III, mal seu avião viaja acima das nuvens, as nuvens densas da instabilidade se instalam nas duas casas do Congresso.

Já diziam os antigos cronistas políticos que uma das grandes armas da política brasileira era a tocaia. Nos estados brasileiros, em especial no Nordeste e em Minas Gerais, nos tempos em que o trem era um dos principais meios de locomoção e as notícias entre as tramas no centro do Poder federal (então no Rio de Janeiro) demoravam a chegar aos rincões dos estados dos chefes políticos (os “coronéis” de outrora), a tocaia se fazia à bala ou na traição a acordos políticos anteriores. A tradição da tocaia era tão grande em Minas Gerais, que a sobrevivência de antigas lideranças quando Getúlio Vargas desfez a política do café (São Paulo) com leite (MG), com a criação do PTB em auxílio ao já fluido PSD, acabou levando à multiplicação dos municípios (uma liderança do PSD governista ficava no Poder e um político da oposição ficava na UDN, mas com a divisão do município em dois – tudo bancado pela redistribuição dos impostos federais arrecadados em cada área). Hoje, Minas tem 853 municípios, sendo que 10 deles têm menos de 1.700 habitantes. Serra da Saudade, com 833 moradores, é o menor do Brasil, secundado pelo município paulista de Borá (903 moradores). O país tem 5.570 municípios. São Paulo possui 645 unidades administrativas (todas com prefeitura e Câmara municipal). O Rio Grande do Sul, estado onde desde a Revolução Farroupilha opôs “maragatos” e “castilhistas”, tem 497 municípios, dos quais mais de 400 foram arrasados pelas enchentes.

•           Os novos currais eleitorais

O espírito da política brasileira, como mostra a campanha para as eleições municipais de 6 de outubro, continua a ser pautado pelos humores dos cidadãos municipais. Entretanto, no país urbanizado deste 3º milênio, com 85% da população nas cidades grandes e médias, os currais eleitorais saíram do controle dos velhos “coronéis” que mantinham sob seu controle político o atraso do interior (dependente do seu poder para obter benesses do governo do estado ou do governo federal). Agora que as comunicações são rápidas no transporte, mas sobretudo via instrumentos da internet, ganharam espaço os novos currais eleitorais urbanos. Neste cenário, pontificam, em cultos realizados duas a três vezes por semana (mais assíduos que os semanais nas igrejas católicas), pastores de variadas seitas evangélicas, que fazem mais política do que pregação, apostando no “avanço da agenda conservadora”, vale dizer, no retrocesso da pauta de costumes e da agenda social.

Um destes pastores evangélicos, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), instalado na estratégica 2ª vice-presidência da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (PP-AL), é o autor da última tocaia ao governo Lula, o Projeto de Lei 1904/24, aprovado nesta quarta-feira, 12 de junho) a regime de urgência na Câmara. O regime de urgência foi requerido pelo coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO), com apoio de outros 32 parlamentares. Embora fosse uma minoria da minoria numa casa com 513 parlamentares, a tocaia foi bem articulada pela bancada evangélica, pois os projetos “com urgência” podem ser votados diretamente no Plenário, sem passar antes pelas comissões da Câmara. Pelo projeto, o aborto de gestação acima de 22 semanas (154 dias) é equiparado ao homicídio. A Constituição brasileira autoriza o aborto em casos especiais até 12 semanas de gestação (84 dias). Pelo artigo 128, não se pune o aborto quando praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Sóstenes Cavalcanti, nascido em Maceió-AL, embora conterrâneo de Arhur Lira, fez carreira evangélica na Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, Ministério Madureira, comandada pelo pastor Manuel Ferreira. Do púlpito, passou à carreira política, quando se transferiu para a dissidência criada em 2010 pelo pastor Silas Malafaia, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Sóstenes foi eleito pela primeira vez como deputado federal pelo PSD-RJ em 2014 com 104.697 votos. Na ocasião, era ligado ao então presidente da Câmara, e ex-deputado Eduardo Cunha, que o filiou ao DEM, por onde foi reeleito em 2018 pelo Rio de Janeiro, com 94.203 votos. Mas na eleição de 2022, filiado ao PL e apoiando francamente a reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, como aliado político de Silas Malafaia, viu sua colheita de votos minguar para apenas 65.443 votos, uma redução de 38% em relação à estreia na Câmara. Entretanto, mais desenvolto e com mais poder a bordo da 2ª vice-presidência da casa, tem feito manobras agressivas contra o governo, como a derrubada da Medida Provisória que limitava a desoneração trabalhista de 17 setores e agora a tocaia do PL 1904/24. No caso deste PL, chegou a confessar que estava só “testando a disposição do presidente Lula em relação ao aborto”, tema que está definido na Constituição.

A derrota do governo, que não esperava uma manobra de tocaia, gerou uma falsa impressão de desarticulação total do esquema político no Congresso porque no mesmo dia 12, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, rejeitou a Medida Provisória baixada por inspiração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que limitava a compensação dos créditos do PIS/Cofins. Apelidada de MP do “fim do mundo”, a medida contrariava os interesses do agronegócio e dos setores exportadores. A última rejeição de Medida Provisória ocorreu no governo Bolsonaro, em 2021. As duas derrotas e o sinal de enfraquecimento do ministro Haddad geraram forte especulação com o dólar (havia forte tensão na Argentina contra o risco de derrota total do pacote econômico do governo Milei, aprovado, menos contundente que a proposta original após voto de desempate no Senado pela vice-presidente, Victoria Villaruel); o dólar atingiu a cotação recorde de R$ 5,42, caindo na sexta-feira a menos de R$ 5,38. Na sexta anterior estava em R$ 5,27.

•           Semana nervosa na economia

Se as águas baixarem na política, podem ainda ocorrer sequelas na seara econômica esta semana, quando o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reúne nos dias 18 e 19 (quarta-feira) para definir o cenário da política monetária dos próximos meses. Se continuar a turbulência que agita os mercados de moedas (e de ativos cotados em dólar) pelo descompasso entre a baixa já em curso nos juros no mercado do euro e em alguns países do G-7, enquanto o Federal Reserve ainda aguarda sinais mais fortes de desaceleração nos Estados Unidos para anunciar quando dá início à baixa dos juros (se não ocorrer até setembro, prejudica a reeleição, já difícil, de Joe Biden frente a Donald Trump).

Assim, há forte risco de o Copom encerrar o ciclo de baixa dos juros, iniciado em agosto de 2023, quando a Selic estava em 13,75%, em 10,50%. A inflação do consumidor nos EUA foi de 0,16% em maio, abaixo das expectativas de mercado de 0,30%. Em 12 meses, o núcleo do CPI caiu de 3,6% para 3,4%. Apesar da surpresa baixista, o Fed manteve os juros básicos inalterados entre 5,25% e 5,50% e sinalizou, em suas projeções, que a maioria do comitê antevê apenas um corte de juros este ano, frente à indicação de março, de três cortes. Com isso, o Fed comunica que precisa de mais evidências consistentes da queda da inflação para iniciar o ciclo de flexibilização monetária. O Itaú, que prevê a Selic estável em 10,50%, espera apenas um corte de 0,25% nos juros americanos para 5,00% a 5,25% este ano. Ou seja, sem espaço para alívio nos juros no Brasil.

A trajetória original nos Estados Unidos previa queda de 0,75 ponto percentual nos juros do Fed (para 4,50% a 4,75% e a Selic cairia a 9,00% este ano. Cada ponto de queda ou alta da Selic implica, após 12 meses, em economia ou aumento de despesas de R$ 51 bilhões para o Tesouro Nacional. Esse desvio para cima de 1,50 ponto percentual geraria gasto extra de R$ 227 bilhões até dezembro de 2025, se os cálculos do Itaú e da parte mais conservadora do mercado estiverem certos. Isto mais de três vezes o pior do déficit público primário (receitas menos despesas, sem considerar os juros) previstos para 2024 e 2025. Ou seja, se os juros não baixam e a economia não cresce para gerar mais arrecadação. Resta o pior dos mundos (cortar gastos sociais para bancar o pagamento dos juros (eternamente rolados) à camada mais rica da sociedade, ou ampliar a tributação (com um Congresso resistente).

Por isso, o tema que vai avançar este mês, quando o Conselho Monetário Nacional define, dia 26 de junho, a meta de inflação de 2027 (presidido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o CMN tem presença da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e do presidente do Banco Central, Roberto de Oliveira Campos – a meta de inflação está em 3,00%+1,50% de tolerância desde 2024 - é a própria substituição de Campos Neto no comando do BC. Como o mandato expira em 31 de dezembro, com dois dos oito diretores do colegiado do Copom, restariam dois indicados por Bolsonaro até dezembro de 2025. Para haver tempo de os agentes econômicos se habituarem com o pensamento do novo presidente, Campos Neto já defendeu a antecipação da indicação ainda para este semestre. Com o recesso do Congresso em 18 de junho e a campanha municipal em 6 de outubro, há pouco espaço para tramitação das indicações no 2º semestre.

Antes cedo do que tarde.

 

Fonte: Por Gilberto Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil

 

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