Viagens de
Lula são um risco para o Brasil
Decididamente,
o presidente da República Federativa do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva,
eleito em 30 de outubro de 2022 com 60.345.999 votos, mais de 2,1 milhões sobre
o então presidente Jair Bolsonaro, não pode exercer plenamente as funções de
seu mandato, o que inclui viajar pelo Brasil e pelo exterior, para representar
o Brasil em viagens de Chefe de Estado ou em fóruns mundiais, como a reunião do
G-7 na Itália. Um exame recente das crises políticas do governo no Congresso –
onde Lula foi eleito sem correspondente maioria na Câmara dos Deputados e no
Senado Federal, ficando sujeito à manifestação sólida de sua fluida base de
apoio nas duas casas – mostra que ao contrário do governo de José Sarney,
quando a “crise viajava com o presidente”, como diziam os cronistas políticos à
época, no governo Lula III, mal seu avião viaja acima das nuvens, as nuvens
densas da instabilidade se instalam nas duas casas do Congresso.
Já
diziam os antigos cronistas políticos que uma das grandes armas da política
brasileira era a tocaia. Nos estados brasileiros, em especial no Nordeste e em
Minas Gerais, nos tempos em que o trem era um dos principais meios de locomoção
e as notícias entre as tramas no centro do Poder federal (então no Rio de
Janeiro) demoravam a chegar aos rincões dos estados dos chefes políticos (os
“coronéis” de outrora), a tocaia se fazia à bala ou na traição a acordos
políticos anteriores. A tradição da tocaia era tão grande em Minas Gerais, que
a sobrevivência de antigas lideranças quando Getúlio Vargas desfez a política
do café (São Paulo) com leite (MG), com a criação do PTB em auxílio ao já
fluido PSD, acabou levando à multiplicação dos municípios (uma liderança do PSD
governista ficava no Poder e um político da oposição ficava na UDN, mas com a
divisão do município em dois – tudo bancado pela redistribuição dos impostos
federais arrecadados em cada área). Hoje, Minas tem 853 municípios, sendo que
10 deles têm menos de 1.700 habitantes. Serra da Saudade, com 833 moradores, é
o menor do Brasil, secundado pelo município paulista de Borá (903 moradores). O
país tem 5.570 municípios. São Paulo possui 645 unidades administrativas (todas
com prefeitura e Câmara municipal). O Rio Grande do Sul, estado onde desde a
Revolução Farroupilha opôs “maragatos” e “castilhistas”, tem 497 municípios,
dos quais mais de 400 foram arrasados pelas enchentes.
• Os novos currais eleitorais
O
espírito da política brasileira, como mostra a campanha para as eleições
municipais de 6 de outubro, continua a ser pautado pelos humores dos cidadãos
municipais. Entretanto, no país urbanizado deste 3º milênio, com 85% da
população nas cidades grandes e médias, os currais eleitorais saíram do
controle dos velhos “coronéis” que mantinham sob seu controle político o atraso
do interior (dependente do seu poder para obter benesses do governo do estado
ou do governo federal). Agora que as comunicações são rápidas no transporte,
mas sobretudo via instrumentos da internet, ganharam espaço os novos currais
eleitorais urbanos. Neste cenário, pontificam, em cultos realizados duas a três
vezes por semana (mais assíduos que os semanais nas igrejas católicas),
pastores de variadas seitas evangélicas, que fazem mais política do que
pregação, apostando no “avanço da agenda conservadora”, vale dizer, no
retrocesso da pauta de costumes e da agenda social.
Um
destes pastores evangélicos, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), instalado
na estratégica 2ª vice-presidência da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados,
presidida por Arthur Lira (PP-AL), é o autor da última tocaia ao governo Lula,
o Projeto de Lei 1904/24, aprovado nesta quarta-feira, 12 de junho) a regime de
urgência na Câmara. O regime de urgência foi requerido pelo coordenador da
Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO), com apoio de outros
32 parlamentares. Embora fosse uma minoria da minoria numa casa com 513
parlamentares, a tocaia foi bem articulada pela bancada evangélica, pois os
projetos “com urgência” podem ser votados diretamente no Plenário, sem passar
antes pelas comissões da Câmara. Pelo projeto, o aborto de gestação acima de 22
semanas (154 dias) é equiparado ao homicídio. A Constituição brasileira
autoriza o aborto em casos especiais até 12 semanas de gestação (84 dias). Pelo
artigo 128, não se pune o aborto quando praticado por médico: I - se não há
outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro
e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal.
Sóstenes
Cavalcanti, nascido em Maceió-AL, embora conterrâneo de Arhur Lira, fez
carreira evangélica na Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, Ministério
Madureira, comandada pelo pastor Manuel Ferreira. Do púlpito, passou à carreira
política, quando se transferiu para a dissidência criada em 2010 pelo pastor
Silas Malafaia, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Sóstenes foi eleito
pela primeira vez como deputado federal pelo PSD-RJ em 2014 com 104.697 votos.
Na ocasião, era ligado ao então presidente da Câmara, e ex-deputado Eduardo
Cunha, que o filiou ao DEM, por onde foi reeleito em 2018 pelo Rio de Janeiro,
com 94.203 votos. Mas na eleição de 2022, filiado ao PL e apoiando francamente
a reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, como aliado político de Silas
Malafaia, viu sua colheita de votos minguar para apenas 65.443 votos, uma
redução de 38% em relação à estreia na Câmara. Entretanto, mais desenvolto e
com mais poder a bordo da 2ª vice-presidência da casa, tem feito manobras
agressivas contra o governo, como a derrubada da Medida Provisória que limitava
a desoneração trabalhista de 17 setores e agora a tocaia do PL 1904/24. No caso
deste PL, chegou a confessar que estava só “testando a disposição do presidente
Lula em relação ao aborto”, tema que está definido na Constituição.
A
derrota do governo, que não esperava uma manobra de tocaia, gerou uma falsa
impressão de desarticulação total do esquema político no Congresso porque no
mesmo dia 12, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, rejeitou a Medida
Provisória baixada por inspiração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que
limitava a compensação dos créditos do PIS/Cofins. Apelidada de MP do “fim do
mundo”, a medida contrariava os interesses do agronegócio e dos setores
exportadores. A última rejeição de Medida Provisória ocorreu no governo
Bolsonaro, em 2021. As duas derrotas e o sinal de enfraquecimento do ministro
Haddad geraram forte especulação com o dólar (havia forte tensão na Argentina
contra o risco de derrota total do pacote econômico do governo Milei, aprovado,
menos contundente que a proposta original após voto de desempate no Senado pela
vice-presidente, Victoria Villaruel); o dólar atingiu a cotação recorde de R$
5,42, caindo na sexta-feira a menos de R$ 5,38. Na sexta anterior estava em R$
5,27.
• Semana nervosa na economia
Se
as águas baixarem na política, podem ainda ocorrer sequelas na seara econômica
esta semana, quando o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se
reúne nos dias 18 e 19 (quarta-feira) para definir o cenário da política
monetária dos próximos meses. Se continuar a turbulência que agita os mercados
de moedas (e de ativos cotados em dólar) pelo descompasso entre a baixa já em
curso nos juros no mercado do euro e em alguns países do G-7, enquanto o
Federal Reserve ainda aguarda sinais mais fortes de desaceleração nos Estados
Unidos para anunciar quando dá início à baixa dos juros (se não ocorrer até
setembro, prejudica a reeleição, já difícil, de Joe Biden frente a Donald
Trump).
Assim,
há forte risco de o Copom encerrar o ciclo de baixa dos juros, iniciado em
agosto de 2023, quando a Selic estava em 13,75%, em 10,50%. A inflação do
consumidor nos EUA foi de 0,16% em maio, abaixo das expectativas de mercado de
0,30%. Em 12 meses, o núcleo do CPI caiu de 3,6% para 3,4%. Apesar da surpresa
baixista, o Fed manteve os juros básicos inalterados entre 5,25% e 5,50% e
sinalizou, em suas projeções, que a maioria do comitê antevê apenas um corte de
juros este ano, frente à indicação de março, de três cortes. Com isso, o Fed
comunica que precisa de mais evidências consistentes da queda da inflação para
iniciar o ciclo de flexibilização monetária. O Itaú, que prevê a Selic estável
em 10,50%, espera apenas um corte de 0,25% nos juros americanos para 5,00% a
5,25% este ano. Ou seja, sem espaço para alívio nos juros no Brasil.
A
trajetória original nos Estados Unidos previa queda de 0,75 ponto percentual
nos juros do Fed (para 4,50% a 4,75% e a Selic cairia a 9,00% este ano. Cada
ponto de queda ou alta da Selic implica, após 12 meses, em economia ou aumento
de despesas de R$ 51 bilhões para o Tesouro Nacional. Esse desvio para cima de
1,50 ponto percentual geraria gasto extra de R$ 227 bilhões até dezembro de
2025, se os cálculos do Itaú e da parte mais conservadora do mercado estiverem
certos. Isto mais de três vezes o pior do déficit público primário (receitas
menos despesas, sem considerar os juros) previstos para 2024 e 2025. Ou seja,
se os juros não baixam e a economia não cresce para gerar mais arrecadação.
Resta o pior dos mundos (cortar gastos sociais para bancar o pagamento dos
juros (eternamente rolados) à camada mais rica da sociedade, ou ampliar a
tributação (com um Congresso resistente).
Por
isso, o tema que vai avançar este mês, quando o Conselho Monetário Nacional
define, dia 26 de junho, a meta de inflação de 2027 (presidido pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, o CMN tem presença da ministra do Planejamento,
Simone Tebet, e do presidente do Banco Central, Roberto de Oliveira Campos – a
meta de inflação está em 3,00%+1,50% de tolerância desde 2024 - é a própria
substituição de Campos Neto no comando do BC. Como o mandato expira em 31 de
dezembro, com dois dos oito diretores do colegiado do Copom, restariam dois
indicados por Bolsonaro até dezembro de 2025. Para haver tempo de os agentes
econômicos se habituarem com o pensamento do novo presidente, Campos Neto já
defendeu a antecipação da indicação ainda para este semestre. Com o recesso do
Congresso em 18 de junho e a campanha municipal em 6 de outubro, há pouco
espaço para tramitação das indicações no 2º semestre.
Antes
cedo do que tarde.
Fonte:
Por Gilberto Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil
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