Bárbara
Madeloni: Tempo é tudo o que temos. Não podemos deixar o capitalismo tirá-lo de
nós.
Quando
Frank Carrico fala sobre por que ele e seus colegas de trabalho na Heaven Hill
Distillery entraram em greve, ele fala sobre a família. “Eu perdi as atividades
dos meus filhos” por causa dos turnos forçados de fim de semana, ele diz.
“Perdi muita coisa, e não quero que os jovens que vêm depois de mim passem por
isso.”
Quando
conversamos, os trabalhadores da destilaria tinham acabado de sair de uma greve
de seis semanas, exigindo manter uma semana de trabalho de quarenta horas, de
segunda a sexta-feira, com pagamento de horas extras para além disso.
Os
trabalhadores da Frito-Lay entraram em greve neste verão para acabar com os
“turnos suicidas”: turnos de doze horas consecutivas com apenas oito horas de
intervalo entre eles. Mais tempo entre turnos extra longos também estava entre
as demandas que levaram membros de equipes de filmagem e TV a autorizar uma
greve. Trabalhadores têxteis na Itália entraram em greve para acabar com
semanas de trabalho de oitenta e quatro horas (e tiveram uma grande vitória).
Um
meme popular nas redes sociais nos faz lembrar: “Tem um fim de semana? Agradeça
aos sindicatos!” Mas muitos trabalhadores, sindicalizados ou não, não têm fim
de semana — e certamente não têm o que os grevistas de Haymarket em 1886
exigiam: “Oito horas para trabalhar, oito horas para descansar, oito horas para
o que quisermos.”
Greves
e a pandemia estão expondo como muitos de nós, desde fábricas da Nabisco até
sets de filmagem, estamos trabalhando turnos de doze horas, às vezes por dias
consecutivos. Essas horas extras cobram seu preço. Estudo após estudo tem
mostrado que jornadas de trabalho mais longas levam a vidas mais curtas e a um
risco maior de doenças cardíacas. Horas mais longas também levam a vidas mais
restritas — com menos tempo para a família, lazer e o que quisermos.
Ao
longo de décadas de luta, os sindicatos conquistaram a jornada de oito horas.
E, ao longo de décadas de negociação, muitas vezes a devolveram ao concordar
com esquemas de horas extras que associam o aumento de salário ao aumento de
trabalho. Isto (combinado com a estagnação ou queda dos salários reais) faz com
que os trabalhadores estejam sempre se esforçando para recuperar o atraso. As
horas extras podem ser “voluntárias”, mas se tornam necessárias para fazer as
contas fecharem — ou muito tentadoras para serem ignoradas.
Um
ex-presidente do sindicato de professores me disse que teve que exigir que a
equipe do sindicato não oferecesse tempo por dinheiro nas negociações. “Os
representantes sindicais só queriam obter o aumento percentual”, disse ele.
“Mas nós queríamos controle sobre nossa jornada de trabalho.”
As
equipes de filmagem e TV conquistaram um acordo onde a gerência agora tem que
pagar multas adicionais por longas jornadas ou intervalos curtos entre turnos.
Mas, embora uma multa possa ser pensada como um dissuasor, o cálculo da
gerência diz: “Eu ganho dinheiro suficiente com o seu tempo para pagar essa
multa.” Carteiros e motoristas da UPS sabem como essa rotina funciona — os
representantes sindicais reclamam, a gerência paga, e na próxima semana isso se
repete.
• Uma vez que você trocou tempo por
dinheiro, o chefe vai atrás do dinheiro também.
A
gerência da Nabisco estava tentando retirar os prêmios de fim de semana e o
pagamento de horas extras após oito horas. Eles queriam um Horário de Trabalho
Alternativo, onde todos trabalham doze horas por dia, incluindo fins de semana,
com o pagamento regular.
O
acordo final cria um cronograma de dois níveis. Os trabalhadores atuais mantêm
sua semana de segunda a sexta-feira, mas o Terrível Horário de Trabalho se
aplica aos novos contratados. Muitos trabalhadores podem querer o pagamento de
horas extras e o que isso lhes permite comprar. Mas aceitamos uma falsa
escolha: você tem tempo ou dinheiro, mas não os dois. As nossas vidas acabam
circunscritas pelas demandas do trabalho. A nossa imaginação para “o que
quisermos” se reduz a dormir e fazer um lanche rápido.
Em
vez de lutar dentro do quadro que os chefes nos dão, devemos lutar pela vida
que podemos criar além desse quadro. Uma vida que nos permita nos conhecer como
mais do que trabalhadores — como membros da família, amigos, aliados políticos,
atletas, artistas, músicos, ou até mesmo desocupados.
O
chefe sabe disso: seu tempo é a mercadoria mais preciosa que existe.
• Os escombros negacionistas. Por Tarso
Genro
Ambiente,
exclusão, renda, insegurança, são os problemas mais graves que, com suas
especificidades regionais, ofendem as possibilidades de uma vida ecologicamente
saudável e socialmente solidária, na ampla maioria dos países do mundo. A
perseverança desses problemas ou sua “eternidade” –como queiram – não encontra
prioridade que mereceria nos partidos democráticos (de esquerda ou não), cujos
“propósitos” estão em regra soterrados pelos identitarismos que venceram a
inércia burocrática das políticas tradicionais: a democracia é lerda para
resolver problemas, os partidos envelheceram, os centros de poder do capital
financeiro comandam as “reformas” e o fascismo avança.
Os
negacionistas acham que o mundo é eterno, que eles são eternos e que vão durar
para sempre, fixados num passado imaginário. Por isso mesmo dispensam formular
quaisquer propósitos que estejam mais além da sua mesquinha ancoragem no mundo,
onde os preconceitos e as políticas de morte, ligam uns aos outros e a fixação
no presente deve ser sempre preservada. Sua forma mais imediata é a dogmática
da violência, que dissolve os laços afetivos da vida comum e gera, não um
programa político para o futuro, mas uma associação de forças dos violentos
dominantes. Não uma comunidade de destino nacional.
Os
negacionistas na área da saúde, os negacionistas climáticos, os fascistas
preconceituosos e demais espécimes do bolsonarismo homicida, que tomou conta do
país nas eleições presidenciais que precederam à terceira eleição de Lula, se
creem donos da eternidade. E como são despidos de propósitos que dignifiquem a
própria política tradicional, dentro de um Estado democrático de direito,
apelam para os métodos que trouxeram à lume a extrema direita europeia do
século passado: apodrecer a democracia social por dentro e aproveitar as
maiorias parlamentares para enfraquecer o ethos da democracia política.
Seus
dois cardápios políticos são claros: aproveitar a crise da insegurança pública
que grassa em várias partes das grandes regiões metropolitanas do país, para
retomar discurso da morte e do autoritarismo, como solução nacional para
qualquer crise; e consolidar um programa de reformas bafejado pelas religiões
do dinheiro, para especular com o sentimento da população a respeito de temas
que podem dominar – através dos seus pastores do nada – enjambrados por
propagandas televisivas e redes criminosas da extrema direita mundial.
O
que mais preocupa nestes dois temas – insegurança pública e reformas
conservadoras nos “costumes” – é a ausência de respostas estratégicas do
governo federal, um governo democrático que ascendeu ao poder resistindo a um
golpe de Estado de onde saiu fortalecido no exterior e no interior do país –
(inclusive no seio das classes dominantes) pela figura redimida do Presidente
Lula.
É
que a simples repetição não basta mais, para arquitetar um “novo bloco
histórico” para governar, nos limites de uma época que finda e de outra que
ainda se esclareceu: a estabilidade para governar fazendo reformas
progressistas para gerar e distribuir renda, enfrentar a crise ambiental e
retomar a sensação de segurança não se casam mais “naturalmente”.
As
grandes políticas sociais que foram a característica central dos dois governos
anteriores do Presidente Lula não são suficientes para soldar um novo boco de
poder, cujos fragmentos nas boas políticas setoriais – por si só – não criam a
ideia de uma nação justa num projeto ambicioso de destino comum. De diferentes
textos absurdos de Jorge Luis Borges no seu História da eternidade, captei duas
joias da sua literatura que – ao contrário de muitas das suas metáforas
evasivas – nos fazem encarar o mundo real como um suplício e as linguagens
deste mundo como escárnio.
Na
primeira fórmula borgiana está lá a definição da “eternidade”, como “um
artifício esplêndido que nos liberta, nem que seja fugazmente, da intolerável
opressão do sucessivo.” Na segunda hipótese, ao definir um personagem que
denomina Lane, Jorge Luis Borges assenta que ele é de uma “fidelidade admirável
(pois) carece de propósitos, o que é positivamente uma vantagem.” É necessário
compreender que “eternidade”, vida comum, cotidiano, “propósitos” que dão
sentido à vida imediata, são novas categorias dominantes que fundam, tanto uma
política democrática como uma reação fascista, mas – uma má notícia – elas são
controláveis pelos cálculos logarítmicos que vem de fora da vida real das
massas e podem submetê-las a quaisquer “propósitos”.
Ora,
é na intolerável “opressão do sucessivo” que os seres humanos fazem e aprendem
a sua história; ou – se não querem aprender – sofrem-na de forma embrutecida na
sua carne, com os desastres de governos, desastres climáticos, violência sem
controle e endemias terríveis. A fidelidade “admirável” na linha borgiana,
sobre aqueles que não têm propósitos, já é um propósito épico da direita
fascista: devolver a sociedade ao seu estado natural e permitir que os seres
humanos se devorem. Num mundo em crise, no ambiente doentio de um cotidiano de
miséria e dor.
Checadas
no mundo real, as palavras de Jorge Luis Borges são joias evasivas, pois o
conceito de eternidade não nos liberta da “opressão do sucessivo”, mas
reforça-o; e a “carência de propósitos”, por seu turno, só é uma vantagem para
quem faz da dispensa dos propósitos um projeto anárquico de eliminação dos que
sofrem as suas consequências despropositadas. Este é o projeto de Javier Milei,
não de Lula da Silva. Este é o projeto do fascismo, não da democracia: este é
projeto da perversão que começa aceitando a apologia da tortura e termina nas
mãos do Dr. Mengele.
É
preciso explicar antes de seguir: a “eternidade” não nos liberta da “opressão
do sucessivo”, porque onde pessoas são escravas elas não lidam com conceitos,
mas com necessidades e a eternidade, para elas, não existe. E ainda: onde “a
fidelidade carece de propósitos” não existem vantagens compreendidas, mas
comportamentos programados pela biologia, como na vida animal ou vontades
aniquiladas pela repressão, como na pura ideia fascista de uma vida cercada
pelos mitos.
Num
antigo livro de Jorge Luis Borges e José Eduardo Clemente, publicado pela
primeira vez em 1952 (El linguaje de Buenos Aires) parece estar uma resposta
antecipada de Clemente às aventuras de linguagem do velho Borges: “Somente o
cotidiano nos dá a profunda dimensão do tempo; esse morrer repetido de todos os
dias cujo nome é a vida. Uma das tantas ruas da eternidade”.
A
eternidade que não existe é a eternidade que pensa em repetir sempre a mesma
humanidade ou a que julga ser impossível a extinção dos humanos. Todas as
fidelidades, na outra parte da história que lida com as humanidades reais –
quando não apresentam claramente os seus propósitos, só tem um objetivo:
extinguir as barreiras de resistência à dominação, para dizerem que ninguém
deve ter propósitos de redenção, propósitos de igualdade, propósitos radicais
de liberdade.
Nem
Borges nem Clemente foram teóricos da política, nem eu sou filólogo e filósofo,
mas nada me impede de trazer para o debate cotidiano uma ideia sobre os
propósitos, que nos envolvem – à esquerda – na tragédia gaúcha. Esta é uma
pequena ponta de um desajuste ambiental global e de um ajuste local brutal,
feito pelos governos – mais ou menos próximos do bolsonarismo – que ainda nos
assolam. O desajuste ambiental e econômico é universal, mas as formas
particulares de enfrentar as suas consequências são sempre locais.
O
“ajuste” na redução das funções públicas do Estado é um propósito perverso e o
tratamento do Estado, como o lugar privilegiado da corrupção e dos privilégios,
é sempre uma sucessão feita para eternizar políticas dos mais privilegiados,
“de fora” do Estado. Tudo para melhor explorá-lo para os seus negócios
privados, depois de demonizar o Estado por longo período de cumplicidade com a
maior parte da mídia tradicional.
Penso
que a assistência humanitária imediata (primeira fase) que uniu sociedade civil
e estado, pelos três entes da União, na solidariedade possível aos atingidos
pela catástrofe climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul está
funcionando. Creio que a reconstrução (segunda fase) da infraestrutura e o
apoio de reconstrução da vida civil, comercial, empresarial e das habitações,
superados os naturais desajustes de ordem política normais em qualquer
democracia vai demorar mais do que sugerem os governos envolvidos, mas vai
funcionar razoavelmente. Mas algo nos falta planejar, como sociedade civil de
todas as classes e como estado de todos os níveis. E este algo é o essencial.
É
iniciar imediatamente, por dentro desta segunda fase, uma terceira fase: do
planejamento estratégico para começarmos, em face da tragédia que se abateu
sobre o Rio Grande do Sul, a construção – a partir daqui, de um novo modelo
socioambiental e de desenvolvimento com e crescimento acelerado, capaz de
servir de exemplo para todo o território nacional.
A
produção de energia limpa, novas tecnologia de controle ambiental e de previsão
de desastres, estímulo estatais a “startups” ambientalmente corretas, canais de
irrigação e de dispersão de águas nas bacias hídricas e, ao longo dos “muros”
refeitos e renovados, parques ambientais e zonas de absorção e amortecimento
das águas, escolas ousadas de educação ambiental e moradias decentes –
ecologicamente adequadas a estes novos tempos – para as populações deslocáveis
das zonas de perigo, nos eventos climáticos que vão se repetir.
Este
planejamento concertado só pode partir do governo federal através de uma
Autoridade Superior a ser instalada em definitivo a partir de janeiro do
próximo ano, que fique fora do contencioso eleitoral, assim como quem
representar o governo do estado nesta relação. Assim se poderá contornar,
inspirando o país, a eternidade do desastre. O governo federal, seja ele qual
for, poderá vincular-se, nos próximos dez anos ao propósito de construir a
nação junto com o Rio Grande do Sul. Afinal, quem canta no seu hino ser um
“modelo a toda terra” pode começar inspirando seu próprio país.
Fonte:
Tradução de Sofia Schurig para Jacobin Brasil/A Terra é Redonda
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