sábado, 9 de novembro de 2024

"Trump não tem condição para ser presidente de nada", afirma politólogo americano

O politólogo e economista nipo-americano Francis Fukuyama é famoso por traçar, em suas análises, vastas linhas históricas, com conclusões que beiram a predição profética. Sua obra mais popular, O fim da história e o último homem, publicado em 1992, portanto no ano seguinte à dissolução da União Soviética, exemplifica bem a amplitude de sua visão.

Com base na filosofia de Friedrich Hegel e Karl Marx, ele postula que naquele momento se alcançava "o fim da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como forma final de governo humano". Nos anos seguintes, Fukuyama foi também associado à ascensão do movimento neoconservador, do qual se distanciaria mais tarde.

A DW entrevistou o pesquisador de 72 anos sobre as eleições presidenciais de 5 de novembro de 2024 nos Estados Unidos, quando ele ainda acompanhava com seus estudantes o anúncio dos resultados oficiais. Na ocasião, Fukuyama já dava como praticamente certa a vitória do republicano Donald Trump – que acabou se concretizando –, resultando num preocupante impulso para o populismo de direita no mundo.

"Essa vitória vai mudar tudo. Trump não gosta de aliados, não gosta de ter que apoiá-los. Acho que ele vai conseguir um acordo de paz com Putin à custa da Ucrânia. Isso vai estabelecer um péssimo precedente para o resto da Europa."

LEIA A ENTREVISTA:

·        A eleição presidencial americana foi um dos eventos mais esperados no mundo em 2024; na Europa e na Alemanha, decisões importantes foram adiadas até após o resultado. Parece que chegamos a um ponto de inflexão, o começo de uma nova história. O senhor concorda?

Francis Fukuyama: Quanto a uma nova história, não sei, mas é certamente uma mudança importante para os Estados Unidos, e devido à influência que têm, acho que [uma vitória de Trump] vai afetar o mundo de modo negativo.

·        Na sua opinião, os americanos querem algumas mudanças?

Ainda é extraordinário quanta gente está disposta a votar em Donald Trump depois de tudo o que sabe sobre ele. Para mim é bem decepcionante, porque ele realmente não parece ter condição para ser presidente de nada. E acho que isso vai ter grandes consequências para o resto do mundo, pois encoraja todos os partidos populistas da Europa e de outros lugares.

·        Estamos vendo um alto nível de polarização na sociedade americana, mas ao mesmo tempo isso resultou numa participação eleitoral marcante. O número dos que votaram antecipadamente é fora do comum. Isso não é bom?

Bem, é bom se você não prestar a menor atenção nos resultados concretos que vão sair dessa votação. Penso que a participação pública não é a única coisa a se considerar, a gente também quer que as pessoas façam escolhas sábias quando votam. Acho que elas estão votando por causa de questões de curto prazo, como a inflação, sem atentar para outras, de longo prazo, muito mais importantes, como a sobrevivência do Estado de direito nos EUA.

·        Nós vemos certas semelhanças aqui na Alemanha, em termos do crescimento do populismo e da incapacidade dos partidos convencionais de se oporem a esse processo. Então, a verdade não vale?

Acho que os EUA permanecem muito influentes, a gente vai copiar o que acontece aqui, e me parece que isso vai provavelmente ocorrer na Alemanha. Então estou seguro de que a [sigla populista de direita Alternativa para a Alemanha] AfD vai se sair melhor, devido ao que acontece nos EUA.

·        De volta aos americanos e sua sociedade: parece que Trump apostou numa emoção, a de que o país deveria se concentrar mais em si mesmo, nos americanos, não no mundo inteiro. Isso vai resultar em mudanças no papel que os EUA vão desempenhar na ordem global, e na própria ordem, em si?

Vai mudar. Vai mudar tudo. Trump não gosta de aliados, não quer ter que apoiar aliados. Ele não gosta da Ucrânia, acho que vai conseguir um acordo de paz com [presidente da Rússia Vladimir] Putin à custa dela. Vai ser um precedente péssimo para o resto da Europa. No Extremo Oriente, não está claro que ele vá se dispor a defender os aliados dos EUA contra a China.

Então, esses riscos políticos em que estamos entrando agora são realmente de grande porte, e não só no setor de segurança. Afinal, ele quer impor uma tarifa aduaneira de 20% contra todos os outros países. E isso resultará numa depressão econômica global, pois vamos estar de volta ao tipo de situação dos anos 1930, depois que foi aprovada a lei de taxação Smoot-Hawley.

·        No tocante à interferência russa nas eleições americanas: a imprensa relatou diversos casos de manipulação, o jornal The New York Times noticiou sobre ingerências da Rússia, China e Irã. A influência foi tão grande assim?

Não sabemos. Não sabemos se houve interferência. Trump venceu. Não sei se algum dia vamos saber se houve aí uma relação causa e efeito forte, porque é muito difícil julgar essas coisas. Mas certamente a intenção estava lá. Acho que, para Putin, a principal esperança para uma vitória na Ucrânia era ter Trump como presidente.

·        Porque ele vai cortar o apoio à Ucrânia?

Isso.

·        Os principais tópicos da campanha presidencial foram as restrições à imigração e às importações, a economia e o acesso ao aborto. Tudo indica que os americanos estão se desviando dos valores liberais, em direção a posturas mais conservadoras, fechando o país e a sociedade. Isso é um movimento? Vai durar muito tempo?

Muito difícil dizer. O fato de Trump ter vencido duas eleições, apesar de tudo o que todo mundo sabe sobre ele, indica que há uma insatisfação real com o estado dos EUA. Não acho que as medidas políticas dele vão funcionar, acho que vão gerar inflação, recessão econômica, mais desemprego.

Então pode ser que daqui a quatro anos todo mundo vá ver que foi um grande erro reelegê-lo, e nesse caso as consequências de longo prazo serão muito diferentes. Mas no momento, eu simplesmente não considero um bom sinal que tantos americanos estejam dispostos a votar em alguém que é tão profundamente lesado.

 

¨      Novo mandato de Trump pode repercutir forte no Oriente Médio

Enquanto Israel e Egito, aliados de longa data dos americanos, celebraram a futura volta de Donald Trump à Casa Branca, o Catar, Irã e outros membros do autoproclamado "Eixo de Resistência" – que se opõe Estados Unidos e Israel, sob liderança iraniana – comunicaram diplomaticamente sua "indiferença política".

Certos observadores políticos não têm a menor dúvida de que o presidente eleito está decidido a continuar tratando das políticas para o Oriente Médio do seu jeito peculiar. "Trump gosta de se apresentar como dealmaker, um grande mediador de acordos", comenta Neil Quilliam, especialista em Oriente Médio e Norte da África do think tank londrino Chatham House. "Ele vai querer continuar onde parou."

Seriam três seus principais planos políticos para a região: em primeiro lugar, dar fim aos conflitos de Israel com o Hamas na Faixa de Gaza e com o Hezbollah no Líbano. Porém as metas de estabelecer uma administração para Gaza e potencialmente criar um Estado palestino estão muito provavelmente entrelaçadas com o segundo plano trumpista para o Oriente Médio.

<><> Oriente Médio não é o mesmo depois do 7 de Outubro

"Trump vai querer insuflar nova vida aos Acordos de Abraão e aumentar o número de nações que normalizaram suas relações com Israel", prossegue Quilliam. "A Arábia Saudita é seu alvo principal, mas Riad resistirá, a menos que Trump se comprometa com um projeto de longo prazo de criar um Estado palestino."

Os Acordos de Abraão foram uma série de pactos entre Estados árabes e Tel Aviv, cuja mediação pelos EUA começou durante o primeiro mandato do magnata nova-iorquino. Em 2020 e 2021, os israelenses normalizaram relações diplomáticas com Marrocos, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Sudão.

A Arábia Saudita também estava prestes a dar esse passo em 2023, mas as negociações ficaram congeladas a partir dos ataques terroristas do 7 de Outubro, pelo Hamas contra Israel, os quais desencadearam a guerra em Gaza e, no ano seguinte, o conflito com o Hezbollah no Líbano.

Para a especialista em análise de risco geopolítico e segurança no Oriente Médio Burcu Ozcelik, do Royal United Services Institute, sediado em Londres, Trump vai tentar projetar poder americano e demonstrar sua "vantagem distintiva" de mediador, porém "muito provavelmente descobrirá que o desafio é muito maior agora, no Oriente Médio pós-7 de Outubro".

<><> Personalidade de Trump é trunfo junto a liderança árabe

A guerra em Gaza e os milhares de civis palestinos e libaneses mortos nas atuais campanhas militares israelenses – que, para muitos cidadãos do Golfo Pérsico teriam o apoio do atual governo de Joe Biden – esfriaram o entusiasmo pelos EUA nos Emirados Árabes, afirmou, num comentário recente, Kristin Smith Diwan, pesquisadora chefe do Arab Gulf States Institute, de Washington.

Enquanto em 2016 Riad saudou a vitória do Partido Republicano, em 2024 "a reação popular no Golfo é equivalente a um dar de ombros". No entanto é possível que a personalidade de Trump vire a maré, quando ele ocupar a Casa Branca, em janeiro: "A popularidade de Trump junto a muitos árabes do Golfo deriva não só da política externa dele, mas também da sua persona: sua projeção de força e disposição para 'dizer as coisas como elas são'."

Por sua vez, o analista egípcio Ashraf El-Ashari, conta "testemunhar mais prosperidade entre Trump e os países árabes como Egito, Arábia Saudita, Emirados e Jordânia, devido à química política entre ele e os dirigentes árabes".

Essa "química política", entretanto, não se estende nem ao inimigo regional dos EUA, o Irã, nem às facções do Eixo da Resistência que este apoia, entre as quais o Hamas na Faixa de Gaza, o Hezbollah no Líbanos, os houthis no Iêmen e outros grupos xiitas no Iraque.

"Trump adotou linha-dura contra os grupos armados que o Irã apoia, e provavelmente ameaçará uma punição pesada, caso o pessoal ou os interesses americanos na região sejam atingidos", prediz Ozcelik. Contudo, ela não crê que ele esteja inclinado a arrastar os EUA para uma confrontação direta com o Irã, justo num momento em que se agrava a situação de xeque militar israelo-iraniana.

Além disso, na avaliação do especialista da Chatham House Quilliam, fechar um acordo com Teerã seria a terceira grande meta do presidente eleito para o Oriente Médio: "Para tal, Trump vai impor pressão máxima, sabendo que o Irã está debilitado no momento, e que o espectro de uma ofensiva israelense em grande escala contra sua liderança e seu programa nuclear o tornarão mais maleável e disposto a fazer uma grande barganha."

Ozcelik ecoa esse ponto de vista: "Os republicanos são mais afeitos a uma postura militar, de 'gavião', ofensiva, inclusive o respaldo aos ataques militares israelenses contra alvos iranianos sensíveis, como instalações nucleares ou infraestrutura de energia."

Mas a especialista em risco geopolítico também crê que Trump "pode considerar conversações com Teerã para promover desescalada, se ele pode aparecer como aquele que conseguiu o impensável, aquilo que nenhum presidente americano obteve até hoje: alcançar a paz no Oriente Médio".

 

¨      EUA desmantelam suposto complô iraniano para matar Trump

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos informou nesta sexta-feira (08/11) que seus investigadores desmantelaram um suposto complô iraniano para assassinar o presidente eleito, Donald Trump.

Segundo os investigadores, o suspeito teria sido encarregado por um funcionário do governo do Irã antes das eleições presidenciais americanas, realizadas nesta terça-feira, de planejar o assassinato do republicano. O objetivo seria vingar a morte do general iraniano Qassem Soleimani em 2020 em um ataque dos EUA ordenado por Trump em seu primeiro mandato na Casa Branca, informou o Departamento de Justiça.

Os investigadores souberam do plano para matar Trump através de Farhad Shakeri, um suposto agente do governo iraniano que esteve detido durante anos  em prisões americanas. Segundo as autoridades, ele mantém uma rede de criminosa encarregada de cumprir planos de assassinatos de Teerã.

Shakeri disse aos investigadores que um contato na Guarda Revolucionária do Irã o instruiu em setembro passado a montar um plano em sete dias para vigiar e matar Trump, segundo um documento tornado público por um tribunal federal em Manhattan.

<><> Rede criminosa criada na prisão

O funcionário do regime iraniano teria dito a Shakeri que "dinheiro não é um problema" e que uma enorme soma já teria sido gasta. Segundo o relato, o agente do governo disse que, se Shakeri não conseguisse montar um plano dentro de sete dias, a conspiração seria suspensa até após as eleições. Ele teria presumido que Trump perderia a votação e que, dessa forma, seria mas fácil matá-lo. 

Shakeri, de 51 anos, está foragido e se encontra provavelmente no Irã. Ele migrou para os Estados Unidos quando criança e foi deportado em 2008 após cumprir 14 anos de prisão por roubo.

"Nos últimos meses, Shakeri usou uma rede de associados criminosos que conheceu na prisão nos Estados Unidos para fornecer à Guarda Republicana iraniana agentes para conduzir vigilância e assassinatos", disse o Departamento de Justiça.

Nesta sexta-feira foram presos outros dois suspeitos, Carlisle Rivera e Jonathon Loadholt, ambos de Nova York. Segundo as autoridades, eles teriam sido recrutados para participar de outros assassinatos, incluindo um atentado a um proeminente jornalista iraniano-americano dissidente do regime em Teerã.

Loadholt e Riveram teriam agido sob a direção de Shakeri. Eles passaram meses vigiando um cidadão dos EUA de origem iraniana que é um crítico declarado do regime de Teerã e foi alvo de vários planos de assassinato.

A pessoa não foi identificada, mas as acusações vêm menos de três semanas após um general da Guarda Revolucionária ser acusado em Nova York por associação a um suposto complô para assassinar o jornalista dissidente Masih Alinejad, que vive em Nova York.

<><> Maior ameaça à segurança dos EUA

"As acusações anunciadas hoje expõem as contínuas tentativas descaradas do Irã de atingir cidadãos dos EUA, incluindo o presidente eleito Donald Trump, líderes do governo e dissidentes que criticam o regime em Teerã", afirmou o diretor do FBI, Christopher Wray.

"Existem poucos atores no mundo que representam uma ameaça tão grave à segurança nacional dos Estados Unidos quanto o Irã", disse o procurador-geral Merrick Garland, em nota.

A conspiração, com as acusações reveladas poucos dias após vitória de Trump nas eleições, reflete o que autoridades federais descrevem como esforços contínuos do Irã para atingir autoridades do governo dos EUA em solo americano. Há poucos meses, o Departamento de Justiça acusou um paquistanês com ligações com o Irã de envolvimento em um plano de assassinato visando autoridades americanas.

O Departamento de Estado anunciou uma recompensa de 20 milhões de dólares (R$ 114 milhões) por informações que levem à prisão do suposto mentor iraniano por trás de um complô para assassinar o ex-embaixador e conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca John Bolton.

<><> Tensões entre Washington e Teerã

Agentes iranianos também conduziram uma operação para hackear e vazar emails de pessoas associadas à campanha de Trump, naquilo que as autoridades avaliaram como um esforço para interferir nas eleições presidenciais.

As autoridades de inteligência disseram que o Irã se opunha à reeleição de Trump por considerar que sua volta ao poder teria potencial para aumentar as tensões entre Washington e Teerã.

Em seu primeiro mandato, Trump encerrou um acordo nuclear com o Irã, reimpôs sanções e ordenou a morte de Soleimani, o que levou os líderes iranianos a prometer vingança.

 

Fonte: DW Brasil 

 

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