Tarcísio emerge como “vencedor” das
eleições e buscará construir frente contra Lula, diz Singer
Em entrevista ao
jornal Estado de S. Paulo, o cientista político André Singer, professor titular
do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP)
compartilhou suas impressões sobre o cenário político desenhado pelas eleições
municipais de 2024. Singer destaca que o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), emerge como o grande vencedor no campo bolsonarista,
mas com uma compreensão diferente da tradicional abordagem ideológica.
“Tarcísio se apresenta como um líder bolsonarista, mas enfatiza que sem unidade
não é possível vencer”, afirmou o professor. No entanto, Singer pondera:
“Agora, se ele conseguirá alcançar essa unidade, não sei”.
Em vez de se ater
estritamente ao bolsonarismo clássico, Tarcísio demonstra, segundo Singer, uma
inclinação para unir diversas vertentes da direita. Essa postura se manifestou
no apoio ao prefeito reeleito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo, que contou com
uma ampla coligação do centro à direita. “Ele se projeta como um líder
bolsonarista para a corrida ao Planalto, mas, ao contrário do bolsonarismo
tradicional, Tarcísio entende que precisará criar uma unidade em torno de seu
nome para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026”, avalia o
cientista político.
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Desempenho da esquerda e os desafios de Lula
A análise de Singer
também incluiu o desempenho do campo da esquerda, que, segundo ele, não teve
bons resultados nas principais capitais do país, como Porto Alegre, Belo
Horizonte e São Paulo. Para o professor, a avaliação apenas regular do governo
federal até o momento reflete uma aceitação moderada entre os eleitores e
levanta a necessidade de uma estratégia mais sólida para a esquerda. “Para
Lula, a eleição de 2026 exigirá uma melhora na avaliação do governo para
garantir a reeleição. O desempenho de agora não foi suficiente para gerar uma
onda positiva como em 2012”, explica Singer, lembrando que o cenário político e
econômico atual impõe desafios diferentes dos enfrentados anteriormente.
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Mudanças na base popular e os desafios do discurso da esquerda
Singer sugere que pode
estar em curso uma transformação entre setores populares, que, embora ainda
sejam base de apoio do lulismo, apresentam novas demandas que vão além da
tradicional política de assistência social. Segundo ele, o fenômeno observado
tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos aponta que, apesar de bons
indicadores econômicos, há um distanciamento entre governo e eleitores,
especialmente entre as camadas de renda intermediária. “Esse fenômeno estranho,
em que emprego e bons índices econômicos não se traduzem em apoio eleitoral,
aponta para uma possível mudança estrutural”, diz Singer.
Quando questionado
sobre a adaptação do discurso da esquerda a esse novo contexto, Singer adverte
que adotar a “ideologia do empreendedorismo”, que ele considera
fundamentalmente anti-esquerda, seria um erro. No entanto, ele propõe que a
esquerda explore maneiras de adaptar suas políticas para incluir trabalhadores
informais e de plataformas digitais, por exemplo, criando centros de apoio
voltados a esses setores. “A esquerda não deve abandonar o Estado como um
agente de apoio, mas pode pensar em novas formas de atender as demandas de uma
classe trabalhadora que está em uma nova condição”, sugere.
<><> A
divisão da direita e a ascensão de novas lideranças
Outro ponto relevante
observado por Singer é a divisão do campo da direita, especialmente com o
surgimento de lideranças da extrema direita que questionam a figura de Jair
Bolsonaro. A candidatura de Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo foi um exemplo
dessa fragmentação. Segundo Singer, esse cenário indica o fortalecimento de uma
nova geração de lideranças de extrema direita, que pode representar um desafio
tanto para a esquerda quanto para a direita moderada. “O bolsonarismo, que
parecia ser um fenômeno limitado à figura de Bolsonaro, agora se estende a
novas lideranças que defendem o que eu chamaria de ‘bolsonarismo sem
Bolsonaro’”, afirma Singer.
Para o cientista
político, essa renovação da direita representa um fenômeno geracional que se
manifesta como uma reação ao longo ciclo de governos de centro e de esquerda no
Brasil desde a redemocratização. A extrema direita emergente, segundo ele,
encontra ressonância nas camadas mais jovens, o que pode ter reflexos
duradouros no cenário político.
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Perspectivas para 2026
Singer conclui que,
para o presidente Lula, a estratégia de coalizão ampla, mantida desde 2022, é
fundamental para enfrentar a nova realidade política, mas não garante um
cenário confortável para 2026. “A escolha de Lula de apoiar alianças amplas é
coerente com sua visão de 2026, mas ele precisará trabalhar para melhorar a
avaliação de seu governo nos próximos dois anos se quiser garantir a
reeleição”, pondera. Enquanto isso, Tarcísio de Freitas se destaca como uma
figura de unidade no campo da direita, embora enfrente o desafio de consolidar
uma aliança coesa que vá além do bolsonarismo tradicional.
• “O governador Tarcísio sabia do alcance
de suas palavras. Foi uma manobra calculada”, diz Walber Agra
Durante as eleições
municipais de 2024 em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas
(Republicanos) fez uma declaração polêmica, associando o Primeiro Comando da
Capital (PCC) ao candidato à Prefeitura, Guilherme Boulos (PSOL). A fala de
Tarcísio, realizada durante uma coletiva de imprensa no dia da eleição, lançou
dúvidas sobre a imparcialidade do processo eleitoral e gerou uma reação
imediata tanto no meio jurídico quanto no campo político. Segundo as
informações do Brasil 247, essa acusação rapidamente se espalhou pelas redes
sociais, intensificando o impacto sobre os eleitores indecisos.
O governador afirmou
ter "informações" de que o PCC estaria incentivando seus membros a
votarem em Boulos, sem apresentar provas. A viralização das declarações
aconteceu antes que muitos eleitores fossem às urnas, levantando a suspeita de
que essa manobra possa ter influenciado os resultados. A equipe de Boulos
entrou com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acusando Tarcísio de
abuso de poder político e desinformação.
<><> O
papel de Marçal e a legitimidade conferida por Boulos
Esse episódio não é o
único que envolveu ataques a Boulos ao longo da campanha. Marçal, um candidato
alinhado à extrema direita, fez vários ataques difamatórios contra o político
do PSOL durante o período eleitoral. Marçal chegou a espalhar informações falsas,
afirmando que Boulos era dependente químico e apresentando um atestado médico
falsificado, visando desestabilizar a imagem do candidato.
O episódio se agravou
quando Guilherme Boulos participou de uma live ao lado de Marçal, legitimando
indiretamente sua presença na corrida eleitoral. Apesar da tentativa de
dialogar e se contrapor às ideias de Marçal, a decisão de Boulos foi vista por
muitos como um erro estratégico, pois acabou dando visibilidade a um personagem
que espalhava fake news. Walber Agra, advogado e especialista em direito
eleitoral, comentou o caso em entrevista na TV 247: "Foi um momento
crucial que fragilizou a campanha de Boulos. Ao legitimar a presença de Marçal,
ele abriu espaço para que mais ataques e desinformação ganhassem força, mesmo
que a intenção fosse se defender".
A legitimidade
conferida a Marçal, tanto pelo debate público quanto pela presença nas redes
sociais, criou um cenário fértil para que informações falsas circulassem. Nesse
contexto, a fala de Tarcísio sobre a suposta conexão entre o PCC e Boulos foi
um golpe ainda mais forte. A velocidade com que essas declarações se espalharam
e o envolvimento de figuras como Marçal aprofundaram a crise de desinformação
nas eleições de São Paulo.
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Precedentes jurídicos e possíveis consequências
Walber Agra explicou
que esse caso remete a precedentes recentes da política brasileira, como o
episódio que resultou na inelegibilidade de Jair Bolsonaro, após a famosa live
com embaixadores. "Temos dois crimes bem configurados aqui: desordem informacional
e abuso de poder político", destacou Agra. Ele acredita que, dada a
gravidade das acusações feitas no dia da eleição, a possibilidade de
inelegibilidade de Tarcísio por até oito anos é real. "Acredito que, além
da ação penal, o mais indicado seria uma Ação de Investigação Judicial
Eleitoral (AIJE), que pode resultar na inelegibilidade não só do governador,
mas também do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que foi o principal
beneficiado", afirmou.
Agra também chamou a
atenção para o papel das redes sociais na amplificação da desinformação,
especialmente em contextos eleitorais. “O governador sabia do alcance de suas
palavras e da forma como isso poderia influenciar eleitores indecisos. Foi uma
manobra calculada, que utilizou as redes sociais para disseminar a
desinformação de maneira viral”, comentou o advogado.
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Desinformação e consequências políticas
A campanha de Boulos,
que se baseou fortemente em sua presença nas periferias e na defesa de
políticas públicas progressistas, foi alvo constante de ataques infundados. Os
episódios envolvendo Marçal e Tarcísio mostraram como a desinformação e o uso
estratégico das redes sociais podem afetar profundamente uma eleição. O impacto
dessas mentiras foi amplificado por grupos bolsonaristas que, de forma
coordenada, atacaram Boulos em diversos canais.
Em resposta às ações
de Tarcísio e Marçal, Boulos afirmou em entrevista que as acusações de ligação
com o PCC eram "desesperadas" e que a estratégia da extrema direita
estava calcada na "desmoralização de quem luta pelo povo". No entanto,
a decisão de aparecer ao lado de Marçal em uma tentativa de debater acabou
sendo vista como um erro por parte de seus apoiadores mais próximos. A equipe
jurídica de Boulos agora busca que a justiça eleitoral responsabilize Tarcísio
e Nunes, enquanto Marçal segue impune por suas difamações.
<><> Um
precedente para 2026?
O caso envolvendo
Tarcísio de Freitas, Ricardo Nunes e Marçal pode ser um divisor de águas no que
diz respeito à judicialização das eleições no Brasil. Se a ação for
bem-sucedida, poderá estabelecer um precedente importante para as eleições
presidenciais de 2026, onde a desinformação e o abuso de poder tendem a ser
novamente elementos centrais. Com a possibilidade de inelegibilidade de
Tarcísio e as crescentes denúncias sobre o uso de fake news por candidatos de
extrema direita, o cenário político de São Paulo e do Brasil segue em uma
direção de maior fiscalização e responsabilidade sobre a conduta de seus
líderes.
• Tarcísio cometeu crime eleitoral no 2º
turno: "Abuso de poder político", aponta jurista
Em uma participação na
TV 247, o jurista Arnóbio Rocha afirmou que o governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas, cometeu um crime eleitoral ao utilizar sua posição para fazer
graves acusações, sem provas, contra o candidato à prefeitura Guilherme Boulos.
Segundo Rocha, a conduta do governador configurou "abuso de poder
político" e interferiu diretamente no processo eleitoral em pleno 2º
turno. "Ele fez uma acusação gravíssima, sem provas, numa coletiva, usando
do seu cargo de governador. Isso é um ato claro de interferência no processo
eleitoral", enfatizou o jurista.
Durante o programa,
Arnóbio Rocha comparou a situação ao caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que
foi condenado à inelegibilidade por oito anos após ter utilizado seu cargo em
2022 para questionar a integridade das urnas eleitorais diante de embaixadores
estrangeiros. Para Rocha, a situação de Tarcísio é semelhante: "O que pode
acontecer com Tarcísio é muito similar ao que aconteceu com Bolsonaro. Usar a
máquina pública para alegações infundadas e sem provas é uma interferência
inaceitável e com consequências legais graves."
Rocha pontuou que o
grupo jurídico Prerrogativas, do qual faz parte, apresentou ao Ministério
Público Eleitoral uma representação que aponta dois crimes: abuso de poder
político e uso indevido dos meios de comunicação. Ele detalha que a conduta de
Tarcísio, ao sugerir que o Primeiro Comando da Capital (PCC) estaria
interferindo no resultado das eleições em favor de Boulos, “rompe com o caráter
democrático da eleição”, acrescentando que tais declarações, sem embasamento,
geram um clima de medo e insegurança entre os eleitores. “No dia em que as
pessoas estão indo às urnas, o governador afirma que uma facção criminosa apoia
o adversário. É uma interferência eleitoral absurda e inaceitável”, disse
Rocha.
O jurista ainda
destacou o uso das palavras de Tarcísio para conferir legitimidade ao PCC, algo
incomum para um governante e que ele vê como uma ameaça velada ao processo
eleitoral. Rocha alerta para a gravidade de dar publicidade à sigla em plena
campanha: "Quase nenhum governador, até então, se referiu ao PCC por
sigla, e Tarcísio fez isso, dando um status de organização de grande porte a
essa facção criminosa, o que acaba prejudicando o pleito e, pior, intimidando o
eleitor.”
Além da representação
feita pelo Prerrogativas, a campanha de Boulos entrou com uma Ação de
Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), buscando responsabilizar Tarcísio pela
suposta interferência indevida. De acordo com Rocha, "uma das condutas
mais danosas no Código Eleitoral é a ameaça, direta ou indireta, que visa
constranger o eleitor a votar de determinada forma, algo que, segundo ele, está
subentendido nas falas do governador".
Para finalizar, Rocha
defendeu que o episódio não passe despercebido: “É importante que essas
questões sejam investigadas para que a justiça eleitoral não permita que tais
abusos sejam normalizados. Isso que ocorreu é inédito e sem precedentes no
Brasil.”
• De olho em 2026, direita oferece
'formação básica' para 'mulheres conservadoras' se lançarem na política
As eleições municipais
de 2024 consolidaram uma nova estratégia dos partidos de direita e centro no
Brasil: incentivar a participação de mulheres com perfil conservador na
política. Enquanto a esquerda enfrenta desafios para emplacar lideranças
femininas, os partidos da direita destacaram-se ao eleger a maior parte das 728
prefeitas do país. A liderança no número de mulheres eleitas está com MDB
(129), PSD (102), PP (89), União Brasil (88), PL (60) e Republicanos (51),
enquanto o PT, partido historicamente associado aos movimentos feministas,
elegeu 41 prefeitas, relata o jornal O Globo.
A ampliação da
presença feminina conservadora nas prefeituras é resultado de um projeto de
'capacitação' liderado por figuras como a senadora Damares Alves
(Republicanos-DF), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) e a
vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP). As três percorreram
diversas cidades pelo país, promovendo um tipo de “formação básica” para
mulheres interessadas em ingressar na política. O trabalho incluiu palestras
sobre comunicação pública, como se portar e se vestir, além de definição de
pautas voltadas a temas populares e familiares.
Damares Alves observa
que muitas mulheres relutavam em se envolver na política por associarem o
espaço a pautas exclusivamente focadas em aborto e igualdade de gênero. Segundo
ela, o objetivo do programa foi aproximar as mulheres de temas considerados mais
atrativos para a base conservadora. “Começamos a trazer pautas, como mães
atípicas, empreendedorismo feminino, invisibilidade de mulheres de comunidades
tradicionais, como quilombolas e marisqueiras”, explicou Damares. O foco foi
capacitar essas mulheres para que tenham uma atuação política enraizada em
vivências e necessidades locais.
O movimento atraiu até
mesmo mulheres trans, como Thalyta Baronne, que se candidatou à vereadora pelo
Republicanos em Sento Sé, Bahia. Embora não tenha sido eleita, Thalyta relata
que o apoio do partido foi essencial para sua jornada. "Para mim é o partido
que mais luta pelos direitos e pela defesa das mulheres e crianças. Por eu ser
uma mulher trans e de direita isso traz uma perspectiva única e potencial para
desafiar estereótipos e romper bolhas políticas,” afirma Thalyta.
Para 2026, nomes como
Cristina Graeml, candidata pelo PMB derrotada no segundo turno em Curitiba, e
Emília Corrêa, eleita pelo PL em Aracaju, despontam como potenciais candidatas
a cargos de maior projeção, com o apoio de figuras influentes do campo bolsonarista.
Michelle Bolsonaro também é cotada para uma possível candidatura ao Senado pelo
Distrito Federal, enquanto Emília Corrêa é vista como nome forte para concorrer
ao governo de Sergipe. Esses novos nomes vêm sendo promovidos por Jair
Bolsonaro (PL) e por líderes partidários como parte de uma estratégia de
expansão conservadora.
No outro lado do
espectro político, o PT e a esquerda em geral ainda enfrentam desafios para
desenvolver lideranças femininas. Anne Moura, secretária Nacional de Mulheres
do PT, acredita que o desempenho modesto em 2024 deve-se ao fato de muitas
lideranças femininas do partido estarem ocupadas com funções no governo.
“Muitos quadros, mulheres que poderiam estar nessa linha de frente também,
estão ajudando no governo. Isso tira alguns nomes que poderiam disputar na
ponta”, pondera Anne. Apesar do menor número de prefeitas eleitas, ela afirma
que o PT continua avançando na pauta de gênero, sendo hoje o partido com a
maior bancada feminina no Congresso e liderado por uma mulher.
Ainda assim, a
ausência de figuras como Lula e a primeira-dama Janja nas campanhas das
principais candidatas do PT, como Marília Campos, reeleita em Contagem, e
Margarida Salomão, em Juiz de Fora, foi percebida. A deputada Maria do Rosário,
candidata do PT em Porto Alegre, defende que o trabalho de inclusão feminina no
partido é contínuo e não se limita aos períodos eleitorais, ressaltando que a
maior bancada de mulheres no Congresso hoje é do PT.
A professora Flávia
Biroli, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB),
observa que o interesse da direita em promover mulheres na política é,
paradoxalmente, um reflexo dos avanços obtidos pelos movimentos feministas nos
últimos anos. Segundo Biroli, o aumento da presença feminina nos partidos
conservadores é impulsionado, em parte, pela cota de gênero do fundo eleitoral.
Ela destaca que Michelle Bolsonaro, embora se apresente como uma figura
antifeminista, deve sua posição à luta por direitos das mulheres ao longo das
décadas.
Fonte: Brasil 247
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