Pablo Marçal e o elo perdido com o
populismo paulista
Após o término das
eleições municipais em São Paulo, está claro o grande vencedor do pleito. Na
verdade, ainda que à primeira vista pareça uma contradição, ele nem sequer foi
à decisão no segundo turno. O candidato oficialista, Ricardo Nunes (MDB), conseguiu
ser reeleito com folga, mas o grande vencedor do pleito paulistano foi sem
dúvida o coach e influencer Pablo Marçal.
Sem horário de
televisão e máquina partidária por detrás – candidatando-se pelo minúsculo e
irrelevante PRTB –, Pablo Marçal conseguiu ascensão meteórica, chegando à marca
de mais de 1,7 milhão de votos na capital paulista. O candidato ficou
aproximadamente 56 mil votos atrás do segundo colocado no pleito, Guilherme
Boulos (PSOL), diferença que o deixou fora do segundo turno. Tais logros o
posicionam não somente como candidato forte para o legislativo, mas até mesmo
como possível competidor à presidência da República em 2026.
Pese o aparente
ineditismo de tal personalidade, os métodos pouco usuais de Pablo Marçal – para
não dizer inescrupulosos e desonestos – renderam recentes comparações com
personalidades históricas da política paulista e nacional. Em recente
entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, Maria Hermínia
Tavares relembrou que do mesmo modo que se mira atualmente com consternação e
surpresa Pablo Marçal, na década de 1950 e 1960, se via a ascensão meteórica de
outra figura igualmente histriônica e performática, um professor do ensino
primário saído do sindicalismo católico, cujo nome – Jânio da Silva Quadros –
ficaria marcado na história nacional.
Popularmente, a
excentricidade e modus operandi político pouco ortodoxo de
ambos lhes rendeu o rótulo de populista. De fato, na política paulista, tal
alcunha não é incomum e viu muitas de suas figuras históricas caracterizadas do
mesmo modo. O populismo paulista, para além do já citado Jânio Quadros, teve
nomes de singular importância na história política recente – como os
ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta – e longínqua – como o ex-governador e
interventor federal Adhemar de Barros. No entanto, tendo em vista esse
histórico e a aparição de Pablo Marçal a pergunta se impõe: seria Pablo Marçal
um herdeiro da tradição do populismo paulista? Apesar de sua aparente novidade,
estaríamos nós apenas diante de uma manifestação atualizada de um fenômeno
político já há muito conhecido e debatido?
Para responder tal
enigma, primeiramente, é inevitável tentar buscar o que há de comum em nomes
tão diversos como os citados acima – alguns deles, como Jânio Quadros e Adhemar
de Barros, adversários políticos em seu tempo. Em outras palavras, o que chamamos
aqui de populismo paulista?
Para tal, parece-nos
imprescindível retomar os textos de Francisco Weffort. Neles o conceito de
populismo aparece como uma forma de caracterizar os impactos da entrada inédita
das “massas populares” na vida política brasileira, na sequência da democratização
de 1945. De forma geral, naquele momento teriam sido estabelecidas, por meio da
ampliação do sufrágio, as condições institucionais que permitiram às camadas
populares exercer, através do voto, uma pressão efetiva, ainda que de forma
limitada e indireta, sobre as relações de poder entre as elites econômicas e
políticas.
No entanto, a
participação popular continuava a ser, de maneira fundamental, distante dos
partidos e organizações tradicionais, como sindicatos e entidades estudantis.
Diante dessa incapacidade de penetração popular dos partidos e associações, a
participação das massas na política democrática se manifestava como uma relação
direta entre eleitores e candidatos, o que se expressava pela emergência
periódica de políticos demagogos. No caso de São Paulo, destacam-se figuras
como Adhemar de Barros e Jânio Quadros, que, embora adversários políticos,
deveriam ser compreendidos como manifestação de um mesmo fenômeno de base.
Embora as teses de
Francisco Weffort tenham sido revistas ao longo das últimas décadas, com
destaque para os trabalhos de Jorge Ferreira, Antônio Lavareda, Angela de
Castro Gomes e Daniel Aarão Reis Filho, nos parece que o falecido professor da
USP continua a nos dar algumas pistas sobre o funcionamento da política
eleitoral da cidade de São Paulo.
A dizer, sua fórmula,
que combina a fragilidade de um sistema partidário impermeável à participação
popular e o aparecimento de figuras sui generis que
estabelecem um vínculo carismático com a população, parece mais do que viva
quando nos deparamos com alguém como Pablo Marçal: um político “anti-política”,
candidato por um partido inexpressivo (em um terreno onde a ordem político
partidária da Nova República parece já morta e enterrada), e que tem como
trunfo sua conexão direta com o eleitorado.
Entretanto, as
semelhanças de Pablo Marçal com os “populistas históricos” de São Paulo param
por aí. Em estudos posteriores sobre o adhemarismo e o janismo, como os de
Paulo Fontes e Adriano Duarte, demonstrou-se que o fenômeno populista daquele
período se baseava em uma complexa rede de sociabilidades e relações
interpessoais a nível local, nos vários bairros da capital paulista,
manifestando-se na formação de redes de trocas de favores e benefícios.
Dessa forma, para além
de uma relação construída apenas mediante o carisma dessas figuras e de sua
conexão direta com as massas, o que era mais significante e garantia o sucesso
de lideranças políticas como Jânio e Adhemar – e posteriormente Maluf – era a
vasta e densa rede de relações estabelecida em espaços como as subdelegacias,
entre os inspetores de quarteirão, nos clubes de futebol, nas organizações de
dança, nas associações culturais e nas sociedades de amigos de bairro, entre
outros. Posteriormente, uma vez que as eleições fossem ganhas, essas relações
locais se traduziam em um acesso privilegiado ao poder e ao Estado e na
retribuição do voto através do direcionamento de políticas públicas para essas
regiões.
O nosso ponto é que o
populismo do século XX se baseia não só em uma relação entre líderes
carismáticos e público votante em um ambiente de partidos e instituições
políticas frágeis, mas, antes de tudo, em uma relação que se estabelece entre a
população, líder e o aparelho do Estado. Este era utilizado na formação e
consolidação de redes de troca de favores e apadrinhamento político,
traduzindo, na prática política, um ambiente ideológico de “fé” no Estado; ou o
que o próprio Francisco Weffort chamou de “fascínio do Estado”. É impossível,
dessa forma, pensar os populistas de outrora sem considerar a sua relação com a
máquina pública.
Além disso, no caso
paulista, o peso do estado e da administração pública não se faz somente
presente na forma de se fazer política, mas também em um programa em comum de
seus representantes. De fato, de Adhemar a Maluf e Pitta – com o moralismo
janista como caso desviante em termos de agenda – é possível encontrar uma
agenda política similar.
Primeiramente, há o
que Boris Fausto chamou de “política da eficiência”, imortalizada
simbolicamente no dito “rouba, mas faz” e efetivamente concretizada em grandes
obras públicas. Em segundo lugar, há o assistencialismo como matriz de política
social para o combate à pobreza e à desigualdade. Por último, há o chamado
“populismo punitivo”, que basicamente reivindica a política de mão de ferro –
imortalizada no slogan de Paulo Maluf “pôr a rota na rua” – e punições pesadas
a criminosos como forma de combate a todo tipo de delito.
Novamente, estes três
traços apontam para a clara responsabilidade da administração pública para o
bem-estar comum, o que colide frontalmente com a agenda de Pablo Marçal. Na
verdade, é possível encontrar certa continuidade com este programa na última eleição
municipal não em Marçal e sim em José Luiz Datena (PSDB), representante em
especial do “populismo punitivo”, mas que tampouco nega a importância da função
social do Estado. Do mesmo modo, Datena também criou um vínculo direto com as
camadas populares por meio da presença diária em seu telejornal, mobilizando
uma retórica apelativa ao galvanizar toda a indignação popular perante crimes
hediondos – sintetizada em seu bordão “cadeia neles”.
Embora se valha de
estratégias populistas clássicas, principalmente no nível discursivo, Pablo
Marçal não poderia ser mais destoante de seus predecessores paulistas no que
diz respeito à sua relação com o Estado. Ao contrário de um prefeito que
tentaria servir-se do Estado para melhorar a vida do cidadão, Pablo Marçal se
apresenta como o candidato daqueles que pensam que o melhor prefeito é um
prefeito na prática inexistente.
Nesse ideário, cabe ao
“cidadão auto-governante” (a expressão se encontra no plano de governo de Pablo
Marçal) prosperar e melhorar sua condição de vida na metrópole. Nesse sentido,
embora compartilhe características de estilo político com nomes como Jânio
Quadros, pensamos que Pablo Marçal até pode ser considerado como um populista,
mas como um tipo novo de populista, que simboliza uma ruptura com os populistas
paulistas históricos e não uma continuidade.
Porém, se nossa tese
está correta, resta compreender o sucesso do coach em regiões
da cidade e camadas da população que tradicionalmente constituíram as bases
eleitorais dos populistas de tipo tradicional, as quais no geral buscavam uma
relação próxima com o Estado para melhorar suas vidas. Em relação a isso, temos
a impressão de que o conceito de “classes aspiracionais”, da antropóloga Rosana
Pinheiro-Machado, pode oferecer-nos algumas explicações nesse sentido.
O fato é que as
classes populares da zona norte e leste de São Paulo, pela desigualdade ainda
mais brutal prévia à certa inclusão social dos anos 2000, dependiam
inevitavelmente de políticas assistencialistas e da intervenção mais direta da
administração pública. Depois do “antimilagre” econômico petista, que conjugou
crescimento econômico com certa distribuição de renda – diferentemente do
milagre militar, como observa o economista Fernando Rugitsky –, essas classes
tiveram uma melhora social palpável e, na esteira dessa progressão, aspiram
individualmente a continuar melhorando.
Como indica
Pinheiro-Machado, após esse momento de inclusão via consumo, essas classes
passam a ver cada vez mais a propriedade privada como coroação de seu êxito.
Este, por sua vez, é visto como fruto de seu esforço individual e trabalho
duro. É nesse tipo de estado subjetivo que encontram terreno fértil o
bolsonarismo e o próprio Pablo Marçal com sua cartilha de “empreendedorismo
para prosperar” e “desbloquear a riqueza”.
À guisa de conclusão,
se voltarmos novamente à cena mais lamentável da eleição deste ano – a da
cadeirada –, podemos ver um gesto bastante simbólico. Em síntese, vemos o
possível elo perdido do populismo paulista (Datena) tentando, numa atitude
desesperada e irracional, ganhar de novo as camadas que anteriormente
representaria. Ao final, seu gesto é em vão, pois essas classes, hoje não
inteiramente à mercê do Estado após o breve período de inclusão dos governos
petistas, já têm um representante muito mais legítimo a suas atuais condições
materiais e aspirações subjetivas. Em outras palavras, a base social que
sustentava o populismo paulista não é mais a mesma, dando espaço a um novo tipo
de representante carismático, talhado à imagem e semelhança de suas autorrepresentações
e demandas correntes.
¨ Após indiciamento de Marçal, Boulos cobra punição a Tarcísio
O deputado federal e
ex-candidato à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (Psol), defendeu a
responsabilização do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas
(Republicanos) pelo crime eleitoral que cometeu no dia do segundo turno da
eleição municipal deste ano. Segundo Boulos, o indiciamento de Pablo Marçal por
publicar um laudo médico falso o associando ao uso de cocaína é apenas o
primeiro passo na resposta contra as fake news nas eleições da capital
paulista.
“O indiciamento de
Pablo Marçal é só a primeira resposta às fake news abjetas que contaminaram a
disputa eleitoral deste ano na cidade de São Paulo. Espero que a Justiça atue
com firmeza quanto ao uso criminoso da máquina pública por Ricardo Nunes e o crime
eleitoral cometido pelo governador Tarcísio em plena votação do 2º turno”,
escreveu Boulos em suas redes sociais.
No dia do segundo
turno das eleições, Tarcísio deu uma declaração falsa afirmando que a
organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) tinha recomendado voto
em Boulos no segundo turno da eleição. O governador estava ao lado do prefeito
Ricardo Nunes (MDB), que tinha seu apoio. Segundo especialistas em direito
eleitoral, a declaração de Tarcísio configura crime eleitoral grave, já que
usou a notoriedade de seu cargo para interferir no pleito.
¨ Fake news de Tarcísio sobre elo entre Boulos e PCC será
investigada pelo MP
O ministro Kassio
Nunes Marques, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou que a
Procuradoria-geral Eleitoral (PGE) analise a queixa-crime apresentada por
Guilherme Boulos (PSOL) contra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos). A decisão foi tomada após declarações falsas feitas por
Tarcísio durante o segundo turno das eleições municipais, em que ele associou
Boulos ao Primeiro Comando da Capital (PCC) sem apresentar provas,
conforme noticiado pelo Globo.
A controvérsia começou
no dia 27 de outubro, data do segundo turno, quando Tarcísio, após votar,
conversou com jornalistas e afirmou que interceptações de conversas do PCC
apontavam uma suposta orientação de voto em favor de Boulos. Essas declarações
geraram forte repercussão, levando Boulos a apresentar uma queixa-crime à
Justiça Eleitoral, na qual alega que o governador divulgou informações falsas
com o objetivo de influenciar a opinião pública.
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Impacto das declarações e queixa de Boulos
Na queixa-crime
enviada ao TSE, Boulos argumentou que as falas de Tarcísio já vinham sendo
disseminadas entre seus apoiadores, configurando uma estratégia coordenada para
manchar sua imagem e influenciar o resultado eleitoral. “O conteúdo da
entrevista já vinha sendo veiculado entre os respectivos apoiadores,
transparecendo uma ação coordenada no intuito de influenciar o eleitorado”,
disse Boulos no documento. Ele destacou ainda que as alegações eram
“sabidamente inverídicas” e que, considerando a importância do cargo ocupado
por Tarcísio e a repercussão de suas falas na mídia, o potencial de dano foi
elevado.
A denúncia também
inclui o prefeito reeleito Ricardo Nunes (MDB), aliado de Tarcísio, com a
solicitação de que ele seja investigado por possível participação na divulgação
da alegada desinformação durante o período de campanha.
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Andamento do processo
O envio do caso para
análise da Procuradoria-geral Eleitoral é uma etapa esperada no processo, pois
o relator precisa da manifestação da PGE antes de tomar uma decisão sobre o
prosseguimento do inquérito. Se a PGE considerar pertinente, poderá recomendar
a abertura de uma investigação formal para apurar a responsabilidade criminal
de Tarcísio e Ricardo Nunes.
A declaração de
Tarcísio associando Boulos ao PCC gerou polêmica e críticas, tanto de políticos
quanto de setores da sociedade civil, que viram na fala um exemplo de
desinformação que pode distorcer o processo democrático. A campanha de Boulos
reiterou a gravidade de uma acusação sem fundamento, ressaltando o risco de
deslegitimar adversários políticos por meio de fake news.
O TSE tem reforçado
nos últimos anos a importância do combate à desinformação, especialmente
durante o período eleitoral, para garantir a integridade das eleições. A
decisão de Nunes Marques de enviar a denúncia ao Ministério Público Eleitoral
sinaliza a continuidade dessa postura rígida. O desdobramento deste caso será
acompanhado de perto, tanto pelo impacto nas carreiras políticas de Tarcísio de
Freitas e Ricardo Nunes, quanto pelo exemplo que pode estabelecer no combate à
disseminação de fake news em campanhas eleitorais. A análise da PGE será
crucial para determinar os próximos passos e avaliar se a fala de Tarcísio
resultará em consequências legais.
Fonte: Por José Victor
Ferro e Vitor Henrique Sanches, em A Terra é Redonda/Brasil 247
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