Nuno Vasconcellos: Muito ajuda quem não
atrapalha
Um espectro ronda o
Partido dos Trabalhadores — o espectro do encolhimento. Com cerca de 1,7 milhão
de filiados e diretórios instalados em quase todos os 5.570 municípios
brasileiros, o partido é, no papel, o segundo maior do país. Na prática, porém,
o partido que em 2022, há apenas dois, portanto, saiu das urnas como uma
potência eleitoral de primeira grandeza, fortalecida pela vitória do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e uma bancada de 68 deputados federais, vem perdendo
fôlego e minguando. Tanto assim que seu desempenho nas eleições municipais
deste ano foi considerado pífio perto do que se previa.
“O PT é o campeão
nacional das eleições presidenciais. Mas, na minha avaliação, ainda não saiu do
Z4 em que entrou em 2016, nas eleições municipais”, declarou na semana passada,
em entrevista do jornal Folha de S. Paulo, o ministro das Relações Institucionais,
Alexandre Padilha. Z4 é a expressão usada no meio futebolístico para se referir
aos times que caminham para o rebaixamento.
A presidente nacional
do partido, deputada Gleisi Hoffmann, não gostou e reagiu. “Padilha devia focar
nas articulações políticas do governo, de sua responsabilidade, que ajudaram a
chegar a esses resultados”, disse ela. E ainda cobrou: “Mais respeito com o
partido que lutou por Lula Livre e Lula presidente, quando poucos acreditavam”.
Ao invés de reconhecer
que o desempenho nas urnas foi, de fato, acanhado demais para um partido de
tanta abrangência, força e tradição — para citar apenas alguns dos atributos do
PT — e abrir uma discussão para avaliar com sinceridade os motivos do desempenho
desprezível, Gleisi Hoffmann apenas demonstrou sua dificuldade de enxergar o
que está acontecendo a sua volta. Agiu como se ainda fosse a líder combativa
dos estudantes secundaristas que era no início de sua trajetória e não avaliou
o custo político de bater boca em público com o principal articulador político
do Planalto.
DE CIMA PARA BAIXO
Desavenças internas
não são uma novidade na história do PT. O partido foi criado em 1980 com a
proposta de representar as bases operárias e os movimentos populares. E de, em
nome deles, sempre tomar decisões de baixo para cima depois de um amplo
processo de discussão. E isso, no início, era levado a sério.
Nas eleições
municipais de 1988, por exemplo, a cúpula partidária, que incluía Lula, não
escondia sua preferência pelo advogado Plínio de Arruda Sampaio na disputa para
a prefeitura de São Paulo. As bases, no entanto, escolheram o nome de Luíza
Erundina — assistente social e líder de movimentos sociais na periferia — que
teve a candidatura confirmada e foi, depois, eleita.
Hoje, uma situação
como aquela parece cada vez mais impossível: o partido parece cada vez mais
viciado em tomar decisões de cima para baixo. E, pior, parece dominado por uma
cúpula retrógrada, cada vez mais aferrada aos dogmas da esquerda e incapaz de
dialogar ou até mesmo fazer qualquer aceno ao centro. Por haver se tornado um
partido que não fala a mesma língua da sociedade, o partido não tem conseguido
se renovar nem conquistar a simpatia do eleitorado mais jovem. Atenção: esse
ponto explica muito mais o desempenho eleitoral do PT do que as razões
apontadas por Gleisi em sua resposta a Padilha.
Nas eleições deste
ano, o PT conseguiu eleger prefeitos em 252 municípios, três deles no Estado do
Rio de Janeiro. Aliás, o desempenho do partido nas eleições fluminenses é o
reflexo da falta de renovação que tem marcado a trajetória recente do partido. O
deputado Washington Quaquá, um veterano que é uma das principais lideranças
nacionais do partido, voltará à prefeitura de Maricá com uma votação
consagradora.
Outra eleita pela
legenda foi Fernanda Ontiveiros, reeleita prefeita de Japeri, na Baixada
Fluminense. Em 2020, quando venceu a disputa pela primeira vez, ela era filiada
ao PDT. Ou seja, não se trata de uma petista raiz, formada na militância
partidária e que despontou na política com a ajuda dos companheiros.
O terceiro e último
nome é Andrezinho Ceciliano, eleito para a prefeitura de Paracambi, também na
Baixada. Embora seja ainda um político jovem, de apenas 26 anos de idade, não
se pode dizer que Andrezinho represente algum tipo de renovação — dado seu
parentesco com um dos principais políticos do estado. Ele é herdeiro político
de André Ceciliano, seu pai, que disputou uma vaga no Senado. Derrotado, foi
nomeado para a Secretaria Especial de Assuntos Federativos do Ministério de
Relações Institucionais.
Seja como for, os
números do PT este ano foram até mais expressivos do que as 182 prefeituras
conquistadas em 2020. Quem, no entanto, observar com atenção notará que a
grande maioria dos eleitos pelo PT governará municípios pequenos e de pouca
expressão eleitoral — a maioria deles, dependentes dos programas assistenciais
do governo. A exceção mais evidente é Fortaleza, única capital conquistada pelo
partido. Ali, o presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão,
conquistou a prefeitura com uma margem apertadíssima, de apenas 50,38% dos
votos válidos.
O exemplo mais
emblemático das prefeituras que estarão sob comando do PT a partir de 2025,
porém, vem também do Ceará. O pequeno município de Ipaporanga, no sertão do
Crateús, divisa com o Piauí, tem 11.937 habitantes de acordo com o último Censo
Demográfico e, de acordo com a Justiça Eleitoral, 8.731 eleitores cadastrados.
Ali, o prefeito Amaro Pereira, seu vice-prefeito e todos os nove vereadores
eleitos são filiados ao Partido dos Trabalhadores. Trata-se, como se vê, de uma
cidade onde Gleisi, que sempre atribuiu os erros de seu partido ao boicote dos
adversários, não terá a quem culpar caso Pereira fracasse e o PT perca as
próximas eleições...
CENÁRIO TENEBROSO
A impressão que se tem
é a de que partido vem definhando, respira por aparelhos com ajuda do Bolsa
Família e pode ficar ainda menor sem os programas assistenciais bancados pelo
governo federal. Para tornar a situação ainda mais preocupante para os petistas,
a legenda foi atormentada na semana passada pela mais preocupante das notícias
que poderiam chegar aos ouvidos de um militante petista.
A informação que vem
circulando é a de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não descarta a
hipótese de desistir da disputa da reeleição para a Presidência da República em
2026. Seria um cenário tenebroso para a legenda que, graças ao prestígio de Lula,
venceu cinco das nove eleições presidenciais diretas realizadas no Brasil desde
a redemocratização.
A possibilidade, no
entanto, é real. E antes que alguém levante qualquer suspeita infundada, a
decisão, caso venha a ser tomada, nada tem a ver com a saúde do presidente. No
último dia 27, Lula comemorou 79 anos esbanjando vitalidade e demonstrando
fôlego suficiente para encarar outros quatro anos no Palácio do Planalto. O
problema é de outra natureza.
Conforme revelou a
colunista Mônica Bérgamo, do jornal Folha de S. Paulo, na quinta-feira passada,
o presidente só encararia a sexta campanha eleitoral de sua vitoriosa carreira
política caso os índices de popularidade de seu governo invertam a tendência de
queda. Mais do que isso: caso ele não saia como franco favorito não está
disposto a encarar a disputa que deverá marcar sua despedida das urnas. Por
mais saudável e bem-disposto que demonstre estar, o presidente chegaria às
eleições de 2026 com 81 anos — o que, convenhamos, não é idade para ele ou
qualquer outra pessoa se lançar a qualquer tipo de aventura.
Aliás, 81 anos é, por
coincidência, a mesma idade que tem hoje o presidente dos Estados Unidos Joe
Biden, que meses atrás desistiu de disputar a reeleição e abdicou da
candidatura pelo Partido Democrata em favor de sua vice, Kamala Harris. Nelson
Mandela, o líder sul-africano que conquistou a presidência depois de passar 27
anos preso pelo regime segregacionista do apartheid, tinha 76 anos quando foi
eleito e não quis mais saber de política partidária depois de concluir seu
mandato em 1999. Ele tinha — veja só — 81 anos!
Numa circunstância
como essa, caso os índices de popularidade do governo não sejam suficientes
para garantir a Lula uma vitória tranquila ou, pelo menos, uma campanha que lhe
permita se esquivar dos ataques que certamente serão desferidos pelas novas lideranças
que a todo instante surgem na cena política dispostas a tudo para eliminar a
hegemonia do PT, é provável, justificável e sensato que o presidente não se
disponha a mais um confronto nas urnas. E mesmo que desista, continuará sendo o
político mais bem-sucedido eleitoralmente da história do Brasil.
RESPOSTA POLÍTICA
Essa é uma questão
delicada e qualquer comentário a respeito exige cuidado redobrado — a fim de
deixar claro que ninguém aqui está pondo em dúvida a capacidade do presidente
de governar o país por quatro anos além do atual mandato. Não é isso que está
em discussão! O que está em debate, aqui, não é o desempenho, mas a
popularidade do presidente. Para que não haja dúvidas a respeito do que está
sendo dito: o desempenho do governo é muito superior à forma como ele está
sendo percebido pela sociedade.
Quem analisa o
desempenho da economia sob o atual governo não vê razões suficientes para que
os indicadores do prestígio pessoal de Lula não estejam nas alturas. No início
deste ano, os economistas indicavam um crescimento do PIB em torno de 1%. As
previsões atuais apontam para 3%. A inflação registra 4,16% nos últimos 12
meses — abaixo, portanto, do teto superior da meta definida pelo Conselho
Monetário Nacional, que é de 4,5%. A taxa de desemprego medida pelo IBGE chegou
a 6,4% no terceiro trimestre de 2024 — a mais baixa desde o final de 2013. Os
investimentos estão a todo vapor e devem superar R$ 1,6 trilhão até 2029.
Esses números levam a
uma conclusão, além da constatação já mencionada de que os atuais índices de
popularidade do presidente Lula não fazem justiça ao desempenho da economia sob
seu governo. A conclusão é a de que, se a queda de popularidade do presidente
não decorre do desempenho de sua administração, o problema só pode estar na
gestão política. Ou, para ficar mais claro, na falta de capacidade do governo
de oferecer à sociedade as respostas que ela tem cobrado em relação à pauta
política.
Caso não consiga mudar
a imagem atual, de um partido preso a valores e princípios que eram modernos em
meados do século passado, e caso não consiga assumir um discurso adequado ao
Século 21, o PT tende a seguir o mesmo rumo do seu adversário histórico, o
PSDB, e se tornar uma sombra cada vez mais pálida do que foi no passado. Para
sobreviver, o partido precisa dar ouvidos à sociedade — ao invés de continuar
tentando impor a ela suas ideias, seus valores e suas conveniências.
O PT precisa abandonar
o compromisso com causas que têm gerado repulsa na sociedade — como a defesa do
aborto, da liberação do consumo de drogas, das invasões de propriedades e das
“saidinhas” de presos da cadeia durante os feriados. E, ao mesmo tempo, ocupar
o espaço de um partido progressista, democrático e defensor dos direitos da
sociedade.
O PT precisa
compreender que a sociedade hoje não aceita mais a doutrinação baseada em
dogmas antigos e que não aceitará abrir mão da liberdade que conquistou e que
lhe permite discutir todo e qualquer assunto por meio das redes sociais. A
sociedade não vai renunciar à liberdade que conquistou. A presidente nacional
do partido, deputada Gleisi Hoffmann, no entanto, pensa diferente.
Tanto assim que, após
o desempenho acanhado do partido nas urnas deste ano, defendeu a regulação das
redes sociais como uma forma de garantir que a esquerda deixe de ser
“massacrada” nas urnas. É isso mesmo. De acordo com Gleisi, o caminho para o
partido reconquistar o prestígio e o apelo eleitoral perdido é a restrição da
liberdade de expressão.
PARTIDOS ALIADOS
O que está em debate
aqui é o ambiente partidário que cerca o presidente. A impressão que se tem é a
de que o PT — que cresceu em torno da liderança e do prestígio que Lula, mas
nunca conseguiu ser maior do que ele —, ao invés de ser a principal peça de apoio,
acabou se convertendo numa fonte permanente de problemas para o presidente.
Isso mesmo: o governo tem sido acusado de falhas que não foram cometidas pelo
presidente, mas pelos aliados que se mantêm presos ao passado.
Quem olhar o cenário
com um mínimo de atenção notará que os “partidos aliados”, conquistados depois
das eleições para integrar o ministério em troca da garantia de apoio ao
governo nas votações no Congresso, têm causado menos dissabores ao presidente
do que o próprio PT. Quer um exemplo? Vamos a ele.
No início deste ano,
algumas pesquisas de opinião feitas com discrição detectaram que o apoio
incondicional que Brasília vinha dando ao ditador venezuelano Nicolás Maduro
vinha causando danos à popularidade de Lula e poderia comprometer o prestígio
do presidente. A estratégia e o bom senso recomendavam que Lula se afastasse ou
que assumisse uma posição mais crítica em relação a seu antigo aliado.
Pois bem. Em julho
passado, quando o governo brasileiro ensaiava as primeiras críticas, ainda
tímidas, à paródia eleitoral realizada na Venezuela, o PT resolveu se
manifestar. Quando o ditador Maduro se declarou vencedor da simulação de
pleito, contrariando todas as evidências de que tinha sofrido uma derrota
humilhante, o governo se calou. E condicionou o reconhecimento à apresentação
de atas que comprovassem o resultado.
Foi então que o
partido resolveu se manifestar. E soltou uma nota em que não só reconhecia os
resultados da farsa como também jogava nas costas da oposição a culpa pela
situação deplorável do povo venezuelano. É apenas um exemplo do descompasso que
tem marcado a atuação do partido e do governo. E que pode piorar caso o PT não
assuma suas responsabilidades. O partido que depende mais de Lula do que Lula
depende dele precisa fazer uma autocrítica profunda e passar a ajudar, ao invés
de atrapalhar o governo.
Fonte: O Dia
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