Aumento de casos de Autismo se devem a
mudanças no diagnóstico, explica médico
Estima-se que o
transtorno do espectro autista (TEA) atinge ao menos 6 milhões de brasileiros,
um número considerado expressivo. Conhecido anteriormente apenas como
“autismo”, hoje a sigla é considerada mais abrangente, e é justamente essa
mudança no diagnóstico que aumentou o número de casos.
“O termo autismo foi
consagrado desde as primeiras descrições, em 1943, mas o transtorno tem se
mostrado muito mais heterogêneo do que algo que se define como único termo.
Então o conceito mais moderno é realmente o transtorno do espectro do autismo”,
explica Barbosa. Como os sintomas apresentam uma variabilidade muito grande, o
uso da palavra espectro se mostra mais acertado.
Eles ainda ressaltam
que a mudança da classificação em 2013 foi um marco importante. “O TEA deixou
de ser ‘transtorno invasivo global do desenvolvimento’, do qual o transtorno
autista fazia parte, para ser o transtorno do espectro autista, em que há uma condição
dimensional, mais ampla. Essa dimensão aumentou também o número de pessoas que
entraram nesse espectro”, explica Sato.
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Sinais envolvem principalmente a comunicação social
“O prejuízo é
qualitativo da comunicação social, interpessoal”, diz Sato. “E, como todo
transtorno do neurodesenvolvimento, começa cedo. O diagnóstico é feito, de uma
forma geral, até os 4 anos de idade”, afirma ele, explicando que, às vezes, os
sinais podem aparecer antes do primeiro ano de vida.
Eles explicam ainda os
principais sinais: “A criança vai tendo alterações de desenvolvimento,
principalmente no que envolve a comunicação social. Existem as chamadas red
flags, que são pontos de interesse que a gente tem que prestar atenção. Então,
se até um ano a criança não responde pelo nome. Até 14 meses a criança, por
exemplo, não aponta objetos. Depois, mais do que isso, a criança não participa
das brincadeiras, não quer que os pais participem, fique num certo isolamento,
ou tem um atraso de fala. São marcos do desenvolvimento neuropsicomotor que
ficam deficitários ou atrasados”, afirma Sato.
Barbosa explica que
também há casos em que ocorre uma regressão. “Para alguns pacientes nós vemos
uma evolução mais próxima da normalidade, e numa fase que é crucial do
desenvolvimento, que seria do primeiro ao terceiro ano, nós podemos ver
regressões de habilidades que essa criança já havia adquirido. A gente sabe que
tem fatores genéticos que predispõem a isso. Mas talvez até o impacto ambiental
possa também estar relacionado a alguns desses casos”. Segundo os
especialistas, aproximadamente 25% dos casos podem se apresentar dessa forma.
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Trabalhar autonomia é fundamental para quem está no espectro
Profissionais que
trabalham no atendimento a esses pacientes e familiares que convivem com o
diagnóstico tem trabalhado cada vez mais para promover a autonomia destas
pessoas. “As escolas estão num processo de ter (preparo). Na verdade, acho que
está muito melhor do que era há 10 anos. Hoje as escolas conseguem ser mais
inclusivas, em algumas escolas existe um plano de inclusão, mas os casos são
muito heterogêneos. Hoje há, inclusive, preocupação nas graduações e nas
empresas”, afirma Sato, ressaltando que a existência de esforços para
adaptações e inclusão destas pessoas no no mercado de trabalho, por exemplo.
Mas ainda falta muito
para chegarmos em um bom patamar. “Os índices de bullying e assédio são
relativamente grandes. Ideação suicida em TEA adulto é três vezes maior e
acontece quase três vezes mais cedo também”, explica Sato. Segundo ele, isso só
faz aumentar os riscos de comorbidades do TEA, que já incluem, por exemplo,
depressão, ansiedade e TDAH. “Mais ou menos 50% das crianças com espectro
autista têm alexitimia, que é uma dificuldade de reconhecer e falar sobre os
próprios sentimentos. Se quase 50% têm, processar esses sentimentos,
principalmente de trauma de tristeza, é muito mais difícil”.
Para Barbosa,
violências trazidas pelo preconceito trazem sequelas a qualquer pessoa. “Mas na
população autista, que já é especialmente vulnerável ao stress, é muito pior”.
Ambos os especialistas
alertam que o acolhimento é fundamental. “Mais do que olhar para as
deficiências que essa população pode apresentar, a gente tem que olhar para os
potenciais que essas pessoas possuem. Muitos deles são brilhantes em diversas
áreas, mesmo aqueles que a gente tem um comprometimento comunicativo muito
significativo”, diz Barbosa. “Temos que batalhar para que a inclusão não seja
uma teoria, seja prática”, finaliza Sato.
• Entenda os diferentes níveis do Autismo,
subtipos e as formas de tratamento
Existem no Brasil,
atualmente, 36 mil alunos com autismo, também chamado de Transtorno do Espectro
Autista (TEA), segundo dados oficiais do Censo Escolar 2023, publicado em
fevereiro de 2024. O número de matrículas de pessoas com autismo no país quase
dobrou de 2022 para 2023. Apesar do aumento, ainda há falta de desenvolvimento
de intervenções personalizadas baseadas no perfil único de cada indivíduo com
TEA, a fim de oferecer melhor qualidade de vida.
Segundo o psicólogo
especialista em Transtorno do Espectro Austista Fábio Coelho, sócio-diretor da
Academia do Autismo, explica à CNN, o distúrbio não deve ser considerado como
“uma coisa só”. É fundamental entender que existem várias singularidades do transtorno.
O TEA é um distúrbio
que se caracteriza pela alteração das funções do neurodesenvolvimento,
interferindo assim na capacidade de comunicação, linguagem e traços
comportamentais do indivíduo. O especialista aponta que podem haver vários
tipos e subtipos da doença, cada um deles podendo receber uma forma de
tratamento. Na matéria abaixo, junto ao psicólogo, a CNN explica mais sobre as
particularidades da doença, assim como o cuidado mais indicado para cada uma
delas.
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Níveis de autismo
Os três níveis de
autismo, conforme definidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-5-TR), elaborado em 2013, classificam o Transtorno do
Espectro Autista (TEA) de acordo com a necessidade de suporte que o indivíduo
demanda para suas atividades diárias e sociais. Segundo o profissional, cada
nível indica a gravidade das dificuldades em comunicação social e a intensidade
dos comportamentos repetitivos e restritivos.
• Nível 1: Exigindo apoio
Este nível é
considerado o mais leve dentro do espectro autista. Indivíduos diagnosticados
aqui têm uma maior independência, mas apresentam dificuldades significativas
nas interações sociais e algum grau de rigidez comportamental. Eles podem ter
habilidades de linguagem desenvolvidas, mas a comunicação é superficial e
carece de profundidade e reciprocidade.
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• Nível 2: Exigindo apoio substancial
Apresenta desafios
maiores nas habilidades sociais e de comunicação, além de um padrão de
comportamento mais rígido e repetitivo. Indivíduos nesse nível precisam de mais
suporte do que aqueles no nível 1, pois apresentam dificuldades severas em se
ajustar a mudanças e interagir de forma espontânea com outras pessoas.
• Nível 3: Exigindo apoio muito
substancial
Nível mais severo do
espectro, com deficiências graves na comunicação e nos comportamentos
adaptativos. Indivíduos nesse nível possuem dificuldade acentuada tanto na
interação social quanto no controle de comportamentos repetitivos e restritos.
A capacidade de adaptação a novas situações é extremamente baixa, o que gera a
necessidade de suporte constante.
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Subtipos de autismo
Uma pesquisa
desenvolvida pela Brain & Behavior Research Foundation publicada na revista
Nature em março de 2023, classificou o Transtorno do Espectro Autista ainda em
quatro subtipos, a partir dos níveis apresentados anteriormente.
“Estudos como este são
essenciais para possibilitar, cada vez mais, a divisão do espectro e
proporcionar intervenções, ensinos e tratamentos personalizados. Quando
conseguimos entender padrões de comportamentos que se assemelham, conseguimos
produzir pesquisas para saber quais práticas, medicamentos, cuidados e
tratamentos que melhor refletem para aquele subgrupo, aumentando as chances de
mais pessoas terem qualidade de vida”, diz o especialista.
Os pesquisadores
descobriram que, apesar das semelhanças, existem variações significativas entre
os indivíduos, reunindo-as em dois grandes grupos. A tecnologia utilizada foi
similar à aplicada em estudos para mapear subtipos de depressão.
• Grupo 1: Nível de inteligência verbal
acima da média
Subtipo 1
Inclui dois subtipos,
abrangendo pessoas com um comprometimento social bastante acentuado e que não
tinham um repertório restrito e repetitivo de comportamento, ou seja, são
indivíduos que lidam bem quando estão inseridos em grupos e não apresentam
hábitos comuns, como agitação das mãos.
Subtipo 2
Já o outro subtipo
apresenta pessoas que não possuem um comprometimento social acentuado, mas que
apresentam mais comportamentos repetitivos. Assim como o subtipo anterior,
também lidam bem quando estão com outras pessoas, mas possuem maior repetição
de hábitos: agitação das mãos, alinhamento de objetos e brinquedos. Geralmente,
quando impedidos de exercer essas repetições, podem sentir ansiedade.
• Grupo 2: Nível de inteligência verbal
abaixo da média
Subtipo 3
Inclui indivíduos com
severo comprometimento social e comportamento repetitivo, que apresentam uma
perda significativa de habilidades previamente adquiridas. Ou seja: não se
sentem confortáveis quando estão em grupo ou em locais com outras pessoas e
podem, ao longo do tempo, perder hábitos e costumes que antes eram comuns, como
demonstrar emoções, sorrir ou olhar nos olhos.
Subtipo 4
Engloba pessoas com
comprometimento social e comportamentos repetitivos, mas que não se encaixam
claramente em outras categorias e não possui um comportamento uniforme. Neste
subtipo, os indivíduos podem apresentar características que estão inclusas em qualquer
um dos outros, como o desconforto em grupo ou a agitação das mãos, mas não se
restringe a isso.
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Tratamento
A intervenção adequada
no TEA se caracteriza por intervenção precoce de forma individualizada, através
de terapias que visam potencializar o desenvolvimento do aprendiz. O transtorno
pode ser identificado facilmente em um indivíduo a partir dos 2 anos de idade.
“As terapias com maior
evidência de benefício são baseadas na ciência da Análise do Comportamento
Aplicada (ABA), abordagem que envolve a avaliação, planejamento e orientação do
comportamento, associada à terapias auxiliares, como fonoaudiologia, terapia
ocupacional, entre outras. Outras abordagens devem ser orientadas de acordo com
cada caso individual. Algumas medicações são sempre recomendadas em casos de
presença de comportamentos agressivos ou hiperativos”, explica Fábio.
Indivíduos no nível 1
precisam de menos suporte, mas ainda enfrentam desafios nas interações sociais
e nas mudanças de rotina. “Os tratamentos são direcionados para melhorar as
habilidades sociais e a flexibilidade cognitiva”, diz Fábio. Nestes casos são
recomendadas, principalmente, ABA Naturalística, Treinamento de Habilidades
Sociais e Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).
Indivíduos no nível 2
requerem suporte substancial para interagir e adaptar-se a mudanças. Já o nível
3 necessita de apoio intensivo e contínuo. Para ambas, são recomendadas, ABA
intensiva, Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) e Terapia Ocupacional
com Integração Sensorial.
De acordo com o
psicólogo, mesmo com os estudos sobre as peculiaridades do transtorno cada vez
mais evidentes, especialmente no que diz respeito ao diagnóstico precoce,
intervenções baseadas em evidências, e à compreensão dos aspectos neurológicos
e genéticos do autismo, ainda há falta de conhecimento científico para
especificar ainda mais os tipos e subtipos do transtorno, como:
• Maior compreensão das causas do autismo
e da interação entre fatores genéticos e ambientais;
• Novos tratamentos farmacológicos para os
sintomas centrais do TEA, como a dificuldade de comunicação e interação social;
• Pesquisas sobre o autismo em adultos e
idosos, para melhorar o suporte e a qualidade de vida ao longo da vida;
• Mais foco no autismo feminino,
entendendo melhor como os sinais se manifestam nas mulheres e ajustando os
critérios de diagnóstico.
“Dessa forma, torna-se
viável entender como cada pessoa, de determinado grupo, irá reagir às
intervenções e aos métodos de ensino, desde que sejam feitos de acordo com suas
necessidades. Além disso, também conseguimos entender a expressão gênica
associada a cada uma dessas características e as conexões cerebrais associadas
a cada um dos subtipos. Isso nos permite pesquisar os genes envolvidos e
personalizar também os tratamentos medicamentosos”, conclui Fábio Coelho.
Fonte: CNN Brasil
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