As cadeias alimentares curtas são mais
sustentáveis do que as longas?
Em o “O Dilema do
Onívoro: uma história natural de quatro refeições”, o escritor e jornalista
Michael Pollan descreve como nossa sociedade vem encarando o desafio de
escolher o que comer. Dado o vasto leque de possibilidades alimentícias, o
autor nos convida a reconstituir o passeio dos alimentos de nossas mesas até
suas origens. Nessa caminhada, percebemos o quão ignorantes somos a respeito do
que comemos. Para além das questões problematizadas por Pollan em seu livro
acerca do porquê alguns alimentos serem produzidos em larga escala enquanto
outros, a despeito de mais nutritivos, não receberem tanta atenção, o que as
evidências apontam para as emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE)
do que comemos? Por exemplo, há diferenças de emissões entre cadeias mais
alongadas em relação as curtas?
Paralelamente as
questões discutidas pelo autor, a identificação da origem geográfica dos
produtos vem sendo cada vez mais valorizada nas novas tendências de consumo
alimentar, pois possibilita ao consumidor escolher e valorizar a produção
local. Nesse caso, a virtude da eficiência logística passou a ser vista,
sobretudo por consumidores europeus, como fonte de desequilíbrios ambientais
associados à pegada de carbono decorrente do transporte a longas distâncias. Ao
mesmo tempo, tem-se que grandes conglomerados urbanos dependem fortemente do
abastecimento alimentar em grande escala, o que implica às questões logísticas
da participação decisiva no debate dos impactos ambientais do sistema
alimentar. No âmbito dessas discussões, o tema das cadeias curtas de abastecimento
alimentar e dos mercados locais e territoriais tem ganhado significativa
relevância. Nos mercados e cadeias mais encurtados, os alimentos percorrem
menores distâncias e os valores sociais co-compartilhados entre os agricultores
e os consumidores são o que estruturam e ditam as dinâmicas de funcionamento.
Para responder à
pergunta formulada no inicio da matéria, optou-se por analisar a pegada de
carbono dos processos de food miles das cadeias alimentares, que podem ser
definidas como as emissões de GEEs, que ocorrem durante a fase de distribuição
dos alimentos no sistema alimentar (transporte). De maneira genérica, a
literatura internacional demonstra que: a) são poucas as pesquisas e estudos
existentes e todos são internacionais. Isso abre uma enorme relevância de
pesquisas serem realizadas no Brasil, levando em conta nossas condições de
distribuição, transportes e tipos de cadeias alimentares; b) os estudos e
pesquisas são inconclusivos em relação aos efeitos dos dois tipos de cadeias em
relação as mudanças climáticas e a sustentabilidade. Especificamente, em
relação a emissão de carbono no processo de food miles, para a pergunta: as
cadeias curtas emitem menos que as cadeias longas? Não se consegue respostas
decisivas e completas na literatura, pois os estudos não possuem conclusões
seguras e consistentes nesta direção.
Buscando contribuir
com as discussões, em estudo inédito para o Brasil, a pesquisa “Gases de efeito
estufa em cadeias alimentares curtas, médias e longas: uma análise comparativa
do food miles de uma cesta de alimentos para o Brasil a partir dos dados do
PROHORT/Ceasas” apresenta comparações entre cadeias curtas de abastecimento,
médias e longas em relação às emissões de carbono (CO2) no transporte dos
alimentos. A análise foi baseada na ideia do food miles, a partir da
metodologia da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), no nível do produto, para
efetuar estimativas para uma cesta de alimentos que faz parte da dieta comum do
brasileiro (maçã, batata, tomate, cebola e laranja) e que circulam em
diferentes tipos de cadeias (longa, média e curta).
Tomando a distância
como principal variável para caracterização do tipo de cadeia de abastecimento,
a pesquisa utilizou os dados do Programa de Modernização do Mercado de
Horticultura do Brasil (PROHORT), das Centrais de Abastecimento (Ceasas),
veiculada a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), dado que as Ceasas
registram, por meio de notas ou registros de entrada (romaneios), o município
de expedição da produção que chegam a seus entrepostos, permitindo a estimação
da quilometragem percorrida pelos alimentos. Os dados são do ano de 2022 e
tomando por base o total de kg comercializado nas Ceasas proveniente do banco
de dados do PROHORT, juntos os cinco alimentos são responsáveis pela
comercialização de 4,07 milhões de toneladas, o equivalente à 32,59% do total
de kg comercializado nesses estabelecimentos.
Ao analisar os
resultados encontrados de forma fracionada, o que significa que as emissões de
gás carbônico referentes ao processo de transporte rodoviário dos alimentos nas
cadeias alimentares foram divididas pela tonelagem de produtos transportados em
cada uma das situações especificadas para as três cadeias, tem-se que as
emissões acumuladas no ano de 2022 da cadeia curta são de 93,09 g CO2/tonelada
(ton.) da cesta dos cinco alimentos. Enquanto, na cadeia média de
abastecimento, as emissões são de 391,84 e, por fim, na cadeia longa de
1.434,98 g CO2 por tonelada de produto. Comparativamente falando, as emissões
da cadeia média e longa de abastecimento alimentar são, respectivamente, 4,21 e
15,41 vezes maior que a cadeia curta de abastecimento. Dados que evidenciam as
menores emissões de CO2 ligado ao processo de food miles (transporte) das
cadeias curtas de abastecimento. Em relação a razão das emissões fracionadas da
cadeia curta com a média e longa, enquanto na cadeia média para a curta esta
razão, considerando-se uma média para os cinco alimentos analisados, é de 8
vezes, na razão entra a cadeia longa e a curta, esta chega a 22 vezes.
Sumarizando brevemente
os principais achados da investigação empreendida, destacam-se três grandes
frentes do estudo:
1. a) As cadeias curtas de abastecimento
emitem menos carbono nos processos de food miles que as cadeias médias e
longas: este achado científico é uma novidade importante aos estudos
brasileiros e contraria boa parte da literatura internacional publicada sobre o
tema, nas quais as cadeias curtas emitem taxas iguais e/ou superiores de CO2 em
relação as longas. Além disso, esta evidência científica é uma novidade para a
área de sistemas alimentares e mudanças climáticas no país.
2. b) As emissões da cesta dos cinco
alimentos estão de acordo com os dados contidos na literatura sobre food miles:
em termos dos cinco alimentos, os processos de emissões totais e médios do seu
transporte rodoviário, nas cadeias alimentares investigadas, demonstram que o
tomate é o alimento que mais emite CO2 da cesta. Em segundo lugar, estão
laranja, cebola e maçã com emissões intermediárias em termos de valores e, com
menores montantes, está a batata inglesa.
3. c) É preciso pensar o planejamento das
rotas, modal de transportes, tipos e tamanhos dos veículos utilizados para o
transporte dos alimentos: todos os cinco alimentos componentes da cesta
analisada, nos três tipos de cadeias alimentares, apresentaram emissões de
carbono dos processos de food miles mais elevadas nas cadeias longas em relação
as médias e, especialmente, em comparação com as curtas.
Com base nos
resultados do estudo, são traçadas algumas recomendações de ações práticas e de
políticas públicas a serem implementadas pelos atores sociais e pelo Estado (em
vários níveis territoriais: municípios, regiões/territórios e Estados). As
recomendações vão em seis frontes: 1) Incentivo à geração de pesquisas e dados
acerca da sustentabilidade ambiental dos processos produtivos do país para
desenvolvimento e coordenação de políticas públicas; 2) Incentivo à produção
local de alimentos saudáveis, diversificados e sustentáveis; 3) Implementar
políticas e programas públicos de apoio a produção alimentar local e regional;
4) (Re)conectar a produção local e regional com o consumo e os mercados
alimentares de proximidade social e territorial; 5) Produção local e regional
de alimentos atrelada ao aumento das compras públicas institucionais por
Estados e municípios; 6) Descentralização do sistema Ceasas para os níveis
locais e territoriais.
Lançado em 16/10/2024,
Dia Mundial da Alimentação, o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar
(Alimento no Prato) e a terceira edição do Plano Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica (Planapo) lançam luzes sobre o atual sistema nacional de
abastecimento alimentar. Combater a fome e fortalecer a soberania alimentar são
elementos centrais. O documento advoga que “o abastecimento alimentar conecta a
produção e disponibilidade de alimentos com o acesso, e permite influenciar
diretamente na dieta da população e nos sistemas alimentares, sendo fundamental
a promoção de hábitos alimentares saudáveis, práticas sustentáveis e a
sustentação da produção local e regional”. Nesse aspecto, interessa avançar nas
interconexões entre distribuição e comercialização de alimentos saudáveis,
através de seus programas e ações novos, sem esquecer a produção, enquanto
origem e ponto de partida daquilo que chega às mesas dos brasileiros.
É muito bem-vinda a
proposta de criação da Rede Varejo Saudável e sua intenção de requalificar e
aproximar estruturas de comercialização (mercearias, quitandas, açougues e
peixarias) para ofertarem alimentos saudáveis. Pretende-se que estes varejistas
sejam identificados e credenciados pela Conab e abastecidos por agricultores
familiares do entorno ou pelas Ceasas. Dessa forma, será preciso ir muito além
dos atuais esforços e avançar em estruturas que permitam a organização da
produção lá na origem, onde o alimento é produzido. Somente assim será possível
estabelecer relações sólidas e duradouras com os agricultores familiares e suas
entidades representativas nos âmbitos sociais, econômicos e políticos
fortalecendo a cooperação que inclui.
Fonte: Por Joelson
Santos, Marcelo Conterato e Marcio Gazolla, no Le Monde
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