Almir Felitte: ‘Como agiu o “Partido da PM
Paulista” nas eleições’
No dicionário online
Michaelis, a palavra “previsão” é definida como a “antecipação de algo que
ainda não aconteceu; conjectura, suposição”. Apesar do título, este artigo não
trata de previsões. Ele é fruto de uma outra palavra, localizada antes de “previsão”:
a “observação”, definida no mesmo dicionário como “exame minucioso de fenômenos
ou fatos físicos ou morais”.
A participação das
polícias no cenário político brasileiro já está longe de ser uma mera
suposição. É fato dado e observável. Como é cada vez mais observável que o
centro estratégico desta perigosa politização policial no país tem seu QG bem
definido: a Polícia Militar do Estado de São Paulo, com destaque para seu
principal batalhão de elite. Então vamos às observações.
• O último (f)ato
Na manhã do último
domingo, logo após votar na Zona Sul de São Paulo ao lado de Nunes e seu vice,
o Coronel Mello Araújo, o governador Tarcísio produziu as manchetes que
tomariam os jornais em pleno dia de eleição.
Interpelado por uma
jornalista sobre o que teria acontecido em relação ao PCC e as eleições da
capital, sem apresentar qualquer prova, Tarcísio foi enfático: “teve o ‘salve’,
houve a interceptação de conversas e de orientações emanadas de presídios por parte
de uma facção criminosa orientando determinadas pessoas, em determinadas áreas,
a votar em determinados candidatos. Houve essa ação de inteligência, houve essa
interceptação”.
Foi o momento para uma
jornalista da Folha levantar a bola para o governador dar sua última cortada.
Ao perguntar qual era o candidato que a facção indicava para ser votado,
Tarcísio respondeu sem pestanejar: “Boulos”.
Já era o suficiente
para o famoso “jornalismo declaratório”, aquele tipo de jornalismo que se
limita a transcrever as falas das autoridades sem qualquer questionamento.
Quando o jornalismo crítico entrou em cena, as urnas já se encaminhavam para o
fechamento.
Difícil dizer o quanto
este acontecimento impactou nas eleições, mas não quero focar, aqui, no que
aconteceu depois. Quero falar dos acontecimentos anteriores que levaram a esta
declaração criminosa de Tarcísio.
• A PM roteirista e a imprensa como
folhetim
Não é novidade que a
PM, como instituição, e policiais militares individualmente se utilizem dos
veículos de imprensa para criarem suas próprias narrativas políticas. Na
verdade, este tipo de relação com a mídia é abertamente visto como uma
estratégia eficiente por policiais que queiram entrar no mundo da política.
Em junho, no “1º
Congresso Político” da Associação de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar
do Estado de São Paulo, o deputado federal Coronel Telhada discursou para um
grande grupo de policiais que sonhavam em seguir seu mesmo caminho: “a mídia,
sempre a mídia (…), mídia é uma coisa poderosa”. Citando vários policiais que
se elegeram através da exposição na imprensa, ele sugeria que os
candidatos-policiais buscassem o jornalismo para divulgar suas ocorrências,
como ele mesmo costumava fazer.
O próprio Coronel
Mello Araújo, eleito vice de Nunes por indicação de Bolsonaro, alcançou os
holofotes no fim de 2017, quando comandava a ROTA e deu a famosa entrevista ao
UOL/Folha defendendo uma abordagem nos Jardins diferente das periferias e
declarando voto em Bolsonaro. Meses depois, Jair lhe deu os parabéns. Em 2019,
um cargo na Ceagesp. Em 2024, a Vice-Prefeitura da maior cidade do país.
A questão é que a PM
paulista não usa a imprensa apenas para alavancar figuras individuais. Ela atua
para estabelecer narrativas completas que a impulsionem como grupo político,
coeso, coletivo.
Em 15 de agosto,
portais como UOL, Globo e Metrópoles prestaram, mais uma vez, o serviço de
jornalismo declaratório. Naquele dia, o coronel Pedro Lopes, chefe do Centro de
Inteligência da Polícia Militar de São Paulo, em meio ao 18º encontro do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, falou sobre a influência do PCC nas eleições
paulistas e cravou: “É bem maior do que eu imaginava”.
Vejam bem, não estou
dizendo que a notícia fosse inventada, muito menos que não fosse problemática.
Mas o tom de “nova bomba” dado à declaração do Coronel não tinha cabimento.
Na região
metropolitana de São Paulo, desde 2016 as eleições já foram marcadas pelas
suspeitas de que membros do PCC teriam sido eleitos. Tanto que, no começo de
2024, vereadores eleitos em 2020 (todos, diga-se, por partidos de direita)
foram presos por supostamente integrarem a facção.
Também já faz mais de
década que se fala na infiltração do PCC em contratos públicos, inclusive na
capital, principalmente no setor de transportes. As polêmicas que cercam Milton
Leite, por exemplo, remetem a fatos de 2006, a uma incorporação feita em 2015 e
a uma indicação feita em 2017. Qual a novidade que justificava a notícia ser
uma “bomba”?
Entre eleições e
indicações, todos os casos citados acima têm nomes e sobrenomes (busquem no
Google). As declarações genéricas do Chefe de Inteligência da PM, não. Mas elas
ganharam a mídia mesmo sem qualquer informação nova e deram um tom
“fantasmagórico” ao PCC, sem CPF, sem CNPJ, sem partido definido. Apenas um
espectro ameaçador que poderia ser representado por qualquer um nestas
eleições. Uma acusação sem acusados, pelo menos até este “primeiro capítulo”
apresentado.
Cerca de 2 semanas
depois, uma notícia antiga foi requentada. Um membro do PCC tinha sido preso
por roubos a bancos pelo COE (da PM) ainda em maio de 2024. Quatro meses
depois, em setembro, a Secretaria de Segurança Pública declarou que ele, na
verdade, integrava um grupo que tramava o assassinato do Capitão Guilherme
Derrite, ex-ROTA, atualmente deputado federal pelo PL de Bolsonaro e, ele
mesmo, secretário de Segurança do governo Tarcísio.
No portal Metrópoles,
de onde a maior parte dos furos aqui citados tem se originado, a notícia era
acompanhada pelo “currículo” de Derrite no governo: “ofensiva contra o
secretário ocorre em um momento em que as forças policiais impõem um prejuízo
bilionário ao PCC”, dizia o site.
Derrite vinha sendo
acossado por movimentos sociais e por parte da imprensa crítica como o grande
responsável por uma política de segurança desastrosa, que bate recordes de
morte sem diminuir a insegurança dos cidadãos. Mas no jornalismo declaratório
que não questiona qualquer informação oficial, ele se tornava automaticamente o
nome a ser defendido numa suposta cruzada contra inimigos da sociedade.
No começo de outubro,
os “salves”, comunicações feitas por membros presos do PCC para aqueles que
estão em liberdade, entraram em cena. No dia 11, o Metrópoles noticiou que um
“salve geral” circulava por presídios paulistas desde setembro pedindo o levantamento
de dados de policiais penais. Apenas uma carta supostamente assinada pela
“Sintonia Final” da facção na Penitenciária de Parelheiros foi mostrada.
Dias depois, ao Globo,
o GAECO, grupo de combate ao crime organizado do Ministério Público, desmentiu
que o salve tenha circulado em outras unidades prisionais. O Comandante da PM,
Coronel Freitas, também minimizou o caso e afirmou que “não há nada que indique
que está tendo ‘salve’ de organização criminosa”. Tarcísio sequer se
manifestou. Sem maiores declarações das autoridades, o jornalismo declaratório
pouco adicionou ao roteiro.
Mas dois pesos, duas
medidas. No domingo da eleição, Tarcísio deu uma coletiva após votar: outro
suposto “salve” declarava a candidata do PL em Santos como “inimiga nº 1” da
facção por ser próxima demais do secretário Derrite (sempre ele). Foi a deixa
para Tarcísio desferir, sem qualquer prova, o ataque final à campanha de
Boulos, incluindo-o na história dos supostos “salves” para favorecer seus
candidatos Nunes e Coronel Mello Araújo.
Sua declaração teve
pronto apoio da Secretaria de Segurança Pública, chefiada pelo Capitão Derrite
(ele de novo), que emitiu nota confirmando que a informação teria sido obtida
pelo Sistema de Inteligência da Polícia Militar. Não da Polícia Civil, a quem
incumbem investigações, nem da Polícia Penal, responsável pela custódia dos
presídios. Mas da Polícia Militar.
O TRE-SP desmentiu que
tenha recebido qualquer alerta do governador Tarcísio. O secretário Nacional de
Segurança Pública do Ministério da Justiça declarou não haver qualquer indício
de que facções criminosas estivessem lançando alguma orientação deste tipo. Até
o momento, nem Polícia Civil nem Ministério Público demonstraram haver uma
investigação concreta nesse sentido.
Nada disso agora
importa. Estava dada ali, por Tarcísio, por Derrite e pelo Sistema de
Inteligência da PM, a última manchete das eleições de São Paulo, referendada
pelo carimbo do jornalismo declaratório de grandes veículos. Somadas às
propagandas de Nunes que tentavam vincular Boulos ao crime organizado, exibindo
boletins de urnas em presídios, era o capítulo final do folhetim eleitoral
roteirizado pela máquina paulista.
• O que a Lava Jato ensinou, a PM paulista
faz melhor
Como disse,
instituições públicas usarem a imprensa na criação de narrativas que beneficiem
determinados grupos políticos não é novidade. O ponto central da “Vaza Jato”,
escândalo que deixou nua a “Lava Jato”, foi justamente mostrar a relação
promíscua que promotores e juízes mantinham com parte da imprensa para conduzir
processos judiciais de acordo com seus interesses.
Na origem dessa
relação, vale um mea culpa de nossa esquerda partidária. Lula sempre se
vangloriou de ter sido o presidente que mais deu autonomia à Polícia Federal e
à PGR, respeitando listas tríplices e garantindo independência funcional. Hoje,
creio que já seja mais aceitável dizer o quanto isso é um erro político que, ao
contrário do que muitos defendiam, só enfraquece a própria democracia.
Instituições com forte
poder de coerção sobre os cidadãos não devem ser autônomas. Elas precisam de
mecanismos de controle político e popular, sob o risco de que, sem controle, se
tornem poderosas demais e passem a utilizar seu poder de coerção na defesa de
interesses próprios. Vale para o Judiciário, vale para o Ministério Público e,
sem dúvida nenhuma, vale demais para as polícias. Principalmente para os
“pequenos exércitos estaduais” das PMs.
Em São Paulo, porém,
nós estamos vivendo o contrário: o inchaço funcional e o aumento da autonomia
da PM, principalmente desde que os policiais militares conseguiram emplacar um
companheiro de farda para o cargo de secretário de Segurança Pública pela primeira
vez na história.
Importante dizer que
este movimento de autonomização e falta de controle sobre as polícias é
nacional, e foi bem representado pela aprovação da Nova Lei Orgânica das
Polícias Militares no fim do ano passado. Já tratei deste tema em âmbito
nacional e, mais especificamente, de que forma a nomeação de Derrite aceleraria
esse processo em São Paulo. Mas vale falar de alguns novos capítulos dessa
história por aqui.
Em abril, a cúpula da
Polícia Civil de São Paulo reclamou publicamente de não participar e sequer ser
informada sobre a “Operação Fim da Linha”. Dias depois, Derrite provocou: “A
gente não vai só assumir, junto com o Ministério Público, o protagonismo no
combate ao crime organizado, como a gente vai falar que existe um serviço de
inteligência da Polícia Militar, existe um Centro de Inteligência”.
No mesmo mês, Derrite
articulou com Tarcísio para dar às PMs o poder de lavrar TCOs (espécie de
“mini-inquérito” para crimes menores). A Polícia Civil reclamou e Derrite
prometeu montar um grupo de trabalho para discutir o assunto. Porém, desde
agosto se tem notícias de que a PM já está recebendo treinamento para realizar
investigações ligadas à lavratura dos TCOs.
Na época da Ditadura
de 64, é interessante perceber que, mesmo que os militares tenham criado os
DOI-CODI e se utilizado, inicialmente, de um grande número de Inquéritos
Policiais Militares, eles logo perceberam que precisavam do “know how” da
Polícia Civil, especialmente dos DOPS, em manusear a burocracia dos inquéritos
policiais civis para a produção de “verdades” que revestissem a repressão da
ditadura com alguma legitimidade.
Os DOPS foram sendo
extintos ao longo dos anos 1980, mas, no apagar das luzes da Ditadura, em 1983,
o novo R-200 (Regulamento da PM) consolidou a integração das polícias militares
com o Sistema de Informações do Exército, o que, para a Comissão Estadual da
Verdade de SP, consolidou as P-2 (departamentos de inteligência da PM). Na Nova
Lei Orgânica aprovada em 2023, o trabalho de inteligência foi regulado
oficialmente como função das polícias militares estaduais.
Mesmo assim,
importantes associações representativas, como a FENEME e a DEFENDA PM, assim
como deputados policiais, querem mais, e defendem abertamente que a PM se torne
oficialmente uma polícia de ciclo completo. Aliás, como deputado, é de Derrite
o PL 2.310/2022, no qual propõe que a PM possa compor as informações de
inquéritos policiais, tomando na mão grande as funções de investigação hoje
exclusivas das Polícias Civis.
De certa forma, esse
“trabalho de inteligência” consagrado na Nova Lei Orgânica acalma a ânsia que
as Polícias Militares têm pela implantação do ciclo completo de policiamento no
Brasil. Oficialmente, a PM não faz investigações para além de crimes propriamente
militares. Na prática, sob a justificativa da “inteligência”, a investigação de
crimes comuns (e de desafetos) já não é uma exclusividade das polícias civis há
muito tempo.
Desta maneira, a PM
faz o que a Lava Jato fez, mas com muito menos e muito melhor. Com seus juízes,
promotores e delegados federais, a Lava Jato “construiu verdades” tendo a
caneta na mão para assinar inquéritos, mandados, decisões judiciais e sentenças
que chegavam à imprensa antes mesmo do diário oficial. A PM paulista “cria
verdades” sem a caneta na mão, só com as afirmações de um Centro de
Inteligência obscuro e a ingenuidade (ou conivência) do jornalismo
declaratório.
Este movimento de
inchaço da PM que, como um polvo, vai esticando seus tentáculos para se apossar
de funções alheias, é o resultado de uma instituição que conseguiu reunir
vultuosos recursos com uma autonomia sem precedentes, sem qualquer limite
imposto a ela pelo poder civil.
A PM paulista pode
ainda não ter todos os instrumentos que gostaria em suas mãos. Mas já tem um
verdadeiro partido para lutar por isso nos espaços de poder mais tradicionais
daqui pra frente.
• O Partido da PM Paulista
Atualmente, a PM
paulista conta com 3 deputados federais (Coronel Telhada, Capitão Augusto e
Capitão Derrite, este último, licenciado para ser Secretário Estadual), 3
deputados estaduais (Major Mecca, Capitão Conte Lopes e Capitão Telhada), 2
vereadores (Major Palumbo e Sargento Nantes) e 1 Vice-Prefeito (Coronel Mello
Araújo). Não fosse a morte precoce de Major Olímpio, teria ainda um senador.
Com exceção do Major
Palumbo, que é do corpo de bombeiros, do Capitão Augusto, que fez carreira em
batalhões do interior, e do finado Major Olímpio, que representava a AOPM,
todos os outros 7 nomes têm histórico pela ROTA. Alguns, como o Telhada pai e
Mello Araújo, chegaram a comandar o Batalhão. Dos 10 nomes, apenas um não faz
parte do oficialato da PM paulista.
Boa parte deles parece
manter uma relação umbilical. O Coronel Telhada, por exemplo, é pai do Capitão
Rafael Telhada e chegou a trabalhar com o pai de Mello Araújo, a quem chama
carinhosamente de Mellinho. Derrite, além de admitir ver Mello Araújo como uma
inspiração, considera Rafael Telhada seu afilhado de braçal, por ser um ano
mais velho que ele na Academia do Barro Branco. Quando um áudio de Derrite
reclamando da punição a PMs que matavam demais foi estrategicamente vazado em
2015, era justamente Rafael Telhada quem ele estava defendendo. Major Mecca,
por sua vez, é mais um que já figurou no canal de entrevistas no Youtube de
Derrite, assim como Telhada, Mello Araújo e o Sargento Nantes, o mais novo na
política, que chegou a trabalhar com Derrite na ROTA quando ainda era cabo.
Quando o Partido
Progressista ainda articulava para encaixar um nome como vice na chapa de
Nunes, seu filiado Coronel Telhada saiu em defesa do nome de Mello Araújo,
mesmo que o colega de farda fosse do PL. A movimentação despertou a fúria do
Delegado da Polícia Civil de São Paulo, Olim, deputado estadual pelo PP.
Toda esta base unida e
coesa de policiais militares na política paulista parece ser um dos principais
pilares de sustentação do governador Tarcísio. E essa base não esconde seus
desejos de aumentar de forma indefinida os poderes da PM paulista, mesmo que
passe por cima das demais instituições policiais.
Vale aqui até contar
um causo pessoal. Em 2018, fui o único candidato da esquerda convidado para um
evento organizado pelo sindicato e pela associação de delegados de polícia de
SP. Minha presença não agradou muito o restante dos candidatos, inclusive de
Telhada, que me interrompeu querendo que eu fosse retirado do evento.
Aparentemente, entre
os cerca de 40 candidatos, eu tinha sido o único a ler o termo de compromisso
redigido pelas associações. Um dos tópicos me chamou a atenção: os delegados
defendiam o ciclo completo de policiamento, desde que ele fosse discutido junto
com a desmilitarização. Quando apontei para todos na sala a existência deste
tópico, os discursos mudaram. Em sua fala, Telhada declarou aos delegados que
assinaria o documento em partes, porque discordava de alguns pontos.
Outra visão pessoal
envolve a GCM, mas não é exatamente um causo. Sabendo que integrei os grupos de
segurança pública das últimas campanhas municipais do PSOL em SP, amigos de
esquerda me perguntavam se valorizar e aumentar o efetivo da GCM não seria uma
proposta de direita. Aos mais chegados, eu respondia: “se é uma proposta de
direita, porque a direita não a fez em 8 anos?”
Era uma pergunta
retórica. Eu e muitos outros sabemos bem por que isso nunca foi feito pela
direita em SP. Há um lobby enorme da PM paulista para que os municípios
continuem realizando as “Operações Delegadas”, ou seja, a contratação de
policiais militares de folga para realizar a segurança municipal das cidades em
troca de um belo adicional.
Em outras palavras, o
sucateamento e o baixo efetivo das Guardas Civis Municipais permitem a
continuidade deste sistema de “bico oficial” para toda a cadeia hierárquica da
PM paulista por meio das “Operações Delegadas”, ampliando o poder da PM nas
cidades e ainda lhes garantindo um bom financiamento extra.
Aqui me dou o direito
de uma pequena previsão: na próxima gestão Nunes, com o Coronel de vice, não
esperem um grande aumento do efetivo da GCM. Aliás, acho importante dizer que
Nunes está terminando a sua gestão com um efetivo de cerca de 7 mil Guardas Municipais,
número um pouco maior do que os 6 mil e poucos Guardas entregues por Marta
Suplicy quase 20 anos atrás.
O concurso de 2 mil
novos Guardas realizado por Nunes no 1º mandato praticamente só recompôs a
perda de efetivo ao longo de 4 anos. Ao mesmo tempo, Nunes aumentou de 1 mil
para cerca de 2.500 o número de Policiais Militares realizando “Operação
Delegada” na cidade. Com um fuzil aqui, um blindado ali, Nunes talvez até dê um
afago à GCM, mas sua promessa sempre foi mesmo a de aumentar o número de PMs
realizando o “bico oficial” da atividade delegada em SP.
Duas situações que
expus aqui para mostrar que este grupo político da PM paulista tem projeto
próprio. E esse projeto se fortaleceu a partir do momento em que Tarcísio
eliminou intermediários civis e colocou um Capitão da ROTA para chefiar a
Secretaria de Segurança Pública de SP.
Em 22 de fevereiro a
Ponte me entrevistou para analisar as mudanças que Derrite estava promovendo no
alto escalão da PM paulista, trocando 34 de 63 coronéis em posições de
destaque. À época, eu respondi:
“Eu diria que é um
modus operandi para você trocar um comando em uma estrutura que é muito
hierarquizada, como é a Polícia Militar. Com a troca de posições, esses
militares perdem as funções de comando. Eles não chegam a sair da corporação,
mas isso pode gerar um descontentamento em coronéis que já estão no fim de
carreira. É muito provável que esses coronéis possam acabar, a partir de uma
desmoralização com a tropa por essa perda do cargo, indo para a reserva. Se
eles forem para a reserva, isso abre espaço para que Tarcísio e Derrite possam
fazer as promoções dos militares que sejam mais próximos à política deles”.
Nesse movimento,
Derrite e Tarcísio rebaixaram coronéis que eram favoráveis ao uso de câmeras
corporais e contrários à “Operação Escudo”, premiando seus coronéis mais
chegados. Pouco tempo depois, em 1º de abril deste ano, a Folha noticiou que
Derrite e Tarcísio preparavam um projeto que poderia aposentar compulsoriamente
até 40% da atual cúpula da PM. Recuaram com a má repercussão.
Com isso, vemos que a
PM paulista tem mostrado uma habilidade absurda de se movimentar, tanto
internamente, quanto externamente. Colada ao nome de Tarcísio de Freitas,
preferido da mídia tradicional como virtual candidato a presidente da República
em 2026, essa bancada policial-militar, que tem em Derrite seu principal nome,
vem agindo para expandir o seu poder e, cada vez mais, inflar o seu papel na
produção de fatos e “verdades” políticas.
A declaração sobre o
“salve eleitoral” prejudicando Guilherme Boulos, vinda diretamente da Central
de Inteligência da PM, foi apenas uma amostra. Se a “República de Curitiba”,
com seus juízes e promotores, já jogou o país no buraco uma vez, é difícil imaginar
o tamanho do estrago que a “República Militar do Pequeno Exército Paulista”
pode fazer ao país.
Fonte: Outras Palavras
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