Alemanha caminha para eleições antecipadas
Após rompimento da
coalizão, Olaf Scholz anunciou o voto de confiança, o primeiro passo para novas
eleições no país. Mecanismo só foi aplicado três vezes.
Na noite de
quarta-feira (06/11), o chanceler alemão, Olaf Scholz, demitiu o ministro das
Finanças, Christian Lindner, encerrando a atual coalizão de centro-esquerda que
governa o país. Scholz anunciou que deve se submeter a um voto de confiança em
janeiro de 2025. Essa votação abre caminho para que eleições antecipadas sejam
realizadas até o fim de março. A crise ocorre depois que Lindner, que é
presidente do neoliberal Partido Liberal Democrático (FDP), escreveu um
documento com propostas para "uma reviravolta econômica com uma revisão
parcialmente fundamental das principais decisões políticas" – incluindo
redução de impostos para empresas, revisão de regulamentações climáticas e
cortes em benefícios sociais. As propostas foram vistas como uma provocação e
incompatíveis com os projetos de seus parceiros de coalizão, Partido Social
Democrata (SPD), de Scholz, e o Partido Verde.
Realizadas a cada
quatro anos na Alemanha, a próxima eleição federal está prevista para setembro
de 2025. Entretanto, eleições antecipadas podem ser realizadas durante crises
políticas, quando o chefe de governo, o chanceler federal, perde seu apoio no parlamento.
Entretanto, eleições antecipadas podem ser realizadas durante crises políticas,
quando o chefe de governo, o chanceler, perde seu apoio no parlamento. As
eleições antecipadas têm sido extremamente raras na Alemanha, mas são uma
medida democrática vital. Elas são regulamentadas pela Constituição alemã e
exigem a aprovação de vários órgãos constitucionais, inclusive do chefe de
Estado, o presidente.
<><> Dois
cenários possíveis
De acordo com a
Constituição alemã, a decisão de realizar eleições federais antecipadas não
pode ser tomada pelos membros da câmara baixa do parlamento, o Bundestag, nem
pelo chanceler. Uma dissolução antecipada do parlamento só pode ocorrer de duas
maneiras.
No primeiro caso, se
um candidato a chanceler federal não obtiver uma maioria parlamentar absoluta –
pelo menos 367 das 733 cadeiras do Bundestag – , o presidente alemão pode
dissolver o parlamento. Isso nunca aconteceu na história da República Federal da
Alemanha.
No segundo caso, um
chanceler pode solicitar um voto de confiança no Bundestag para confirmar se
ainda tem apoio parlamentar suficiente. Se o chanceler não conseguir obter a
maioria, ele pode pedir formalmente ao presidente que dissolva o Bundestag em
21 dias.
Após a dissolução do
parlamento, novas eleições devem ser realizadas dentro de 60 dias. Elas são
organizadas da mesma forma que as eleições federais normais. O superintendente
federal de votação e o Ministério do Interior são responsáveis por sua implementação.
Até o momento, foram realizadas apenas três eleições antecipadas para o
Bundestag na República Federal da Alemanha: em 1972, 1983 e 2005.
<><> Willy
Brandt
Willy Brandt, o
primeiro chanceler federal do SPD, governou em uma coalizão com o neoliberal
FDP a partir de 1969. Sua "Ostpolitik" (política voltada para o
Leste) levou a um voto de confiança em 1972. Brandt promoveu uma política de
reaproximação durante a Guerra Fria para facilitar as relações com o bloco
socialista do Leste Europeu, o que gerou polêmica na Alemanha Ocidental.
Surgiram grandes divisões dentro do governo, fazendo com que vários
legisladores do SPD e do FDP no Bundestag renunciassem. A maioria do governo no
parlamento foi drasticamente reduzida, e o apoio de Brandt caiu para os mesmos
níveis que os conservadores da oposição, a União Democrata Cristã (CDU) e a
União Socialista Cristã (CSU), uma sigla regional da Baviera, com cada lado com
248 representantes no Bundestag.
Esse impasse paralisou
os trâmites, então Brandt buscou uma solução. Em 24 de junho de 1972, ele
declarou que "os cidadãos" tinham o "direito de garantir que a
legislação não ficasse paralisada". Ele também disse que havia um perigo crescente
"de que a oposição se recusasse fundamentalmente a cooperar de forma
construtiva. Portanto, estou anunciando que estamos buscando novas
eleições".
Brandt solicitou um
voto de confiança no Bundestag com o objetivo de perdê-lo, para que seu governo
pudesse ser reconfirmado pelos eleitores em novas eleições. Esse movimento foi
duramente criticado, inclusive por advogados constitucionais, sob o argumento
de que perder deliberadamente um voto de confiança não estava de acordo com o
espírito da Constituição, a Lei Básica. Brandt manteve seu plano e convocou um
voto de confiança em 20 de setembro de 1972 – e perdeu, como havia planejado.
Isso definiu o caminho para a dissolução do Bundestag e novas eleições, que
foram realizadas em 19 de novembro de 1972. Brandt foi reeleito como chanceler
federal. O SPD recebeu 45,8% dos votos, seu melhor resultado até então. O
comparecimento dos eleitores foi o maior de todos os tempos nas eleições para o
Bundestag, com 91,1%.
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Helmut Kohl
Helmut Kohl, da CDU,
foi o responsável pela segunda eleição antecipada para o Bundestag, em 1983.
Kohl assumiu o poder após a saída do chanceler Helmut Schmidt (SPD) por meio de
um voto de confiança, em outubro de 1982. A maioria dos parlamentares rejeitou
Schmidt por divergências em relação à sua política econômica e de segurança.
Como a coalizão de Kohl, formada pela CDU/CSU e pelo FDP, chegou ao poder por
meio de um voto de confiança e não por uma eleição, Kohl desejava obter mais
legitimidade ao levar os alemães às urnas. Ele solicitou um voto de confiança,
que também perdeu deliberadamente em 17 de dezembro de 1982. Isso resultou na
dissolução do Bundestag. Kohl disse na época: "Abri o caminho para novas
eleições a fim de estabilizar o governo e obter uma maioria clara no
Bundestag".
Alguns membros do
Bundestag consideraram isso inaceitável e entraram com uma queixa no Tribunal
Constitucional Federal da Alemanha. Após 41 dias de audiências, os juízes de
Karlsruhe aprovaram o caminho de Kohl para novas eleições. No entanto, eles
enfatizaram que um voto de confiança só era permitido durante uma crise
"genuína". As novas eleições, realizadas em 6 de março de 1983,
confirmaram Kohl como chanceler, e seu governo pode continuar com uma clara
maioria.
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Gerhard Schröder
As terceiras eleições
antecipadas ocorreram no governo de Gerrhard Schröder, do SPD, em 2005. Na
época, ele liderava uma coalizão com os Verdes. O SPD estava enfrentando
dificuldades depois de uma série de derrotas nas eleições estaduais e do
declínio do apoio no Bundestag. A diminuição do apoio estava fortemente ligada
às polêmicas reformas da Agenda 2010 de Schröder, que alteraram drasticamente o
sistema social e o mercado de trabalho. Schröder solicitou um voto de
confiança, que perdeu deliberadamente em 1º de julho de 2005, provocando assim
novas eleições.
"Estou firmemente
convencido de que a maioria dos alemães quer que eu continue nesse caminho. Mas
só posso obter a clareza necessária por meio de uma nova eleição", disse
Schröder. Mas seu cálculo não deu certo. Quem levou a melhor nas eleições
antecipadas, em 18 de setembro de 2005, foi a CDU de Angela Merkel. Ela se
tornou chanceler federal, liderando uma coalizão formada por CDU/CSU e apoiada
pelo SPD. Esse foi o início de 16 anos de mandato para Merkel.
¨
Coalizão governante da
Alemanha implode: o que o futuro reserva a Olaf Scholz?
A postura antirrussa
da Alemanha durante a crise da Ucrânia levou a antiga potência industrial à
estagnação, com custos de energia crescentes e inflação paralisante causando
desindustrialização. Os índices de popularidade do chanceler Olaf Scholz foram
alguns dos mais baixos já registrados por um líder alemão, com apenas 18%.
A coalizão estava em
terreno instável em meio a crescentes disputas sobre gastos e reformas
econômicas. Com um déficit orçamentário grande para 2025, Scholz e Lindner
passaram a discordar em diferentes matérias, desde como fazer para cobrir os
gastos públicos, a enviar ou não mais ajuda à Ucrânia.
O chanceler havia
submetido um "plano abrangente" ao ministro das Finanças para fechar
o déficit orçamentário estimado em € 10 bilhões (cerca de R$ 61,4 bilhões). O
plano incluía mais empréstimos estatais para reduzir os custos de energia, resgatar
empregos na sitiada indústria automotiva alemã, oferecer incentivos fiscais
para empresas que fazem investimentos e aumentar o apoio à Ucrânia.
Scholz se recusou a
aceitar outras opções, insistindo que "este 'um ou outro' é um veneno —
segurança ou coesão, apoio à Ucrânia ou investimento no futuro da
Alemanha".
O orçamento de Scholtz
exigiria que Linder quebrasse o limite de gastos constitucionalmente consagrado
conhecido como freio da dívida que restringe o déficit federal a 0,35% do
Produto Interno Bruto (PIB). Mas ele rejeitou as propostas de Scholz, dizendo
que tal movimento teria "violado meu juramento de posse".
Scholz alegou que
Lindner "não demonstrou disposição para implementar nenhuma de nossas
propostas" e frequentemente "bloqueou leis de maneira
inapropriada", envolvendo-se em "táticas político-partidárias
mesquinhas". Já Linder argumenta que defendeu a contenção financeira, a
adesão a regras rígidas de gastos e o corte de impostos.
Um documento do
Ministério das Finanças vazado na semana passada listou uma série de propostas
financeiras e econômicas que incluíam o corte de pagamentos de assistência
social, a redução de medidas de proteção climática para estimular o crescimento
econômico e a oferta de cortes de impostos para empresas. Os parceiros da
coalizão do FDP se opuseram a tais medidas.
Após sua demissão,
Lindner disse que Scholz "há muito não reconheceu a necessidade de um novo
despertar econômico em nosso país" e "há muito tempo minimizou as
preocupações econômicas de nossos cidadãos".
O partido de oposição
eurocético Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) saudou a
implosão da coalizão governante que levou a Alemanha a um abismo econômico. "Após
meses de impasse e inúmeras sessões de terapia egocêntricas, agora precisamos
urgentemente de um novo começo político fundamental para tirar a economia e o
país como um todo da grave crise em que foi mergulhado pelas políticas
orientadas pela ideologia do Partido Social Democrata [SPD, na sigla em alemão]
Verdes e FDP", disseram os líderes parlamentares da AfD, Alice Weidel e
Tino Chrupalla.
<><> O que
acontece depois?
Scholz, que agora vai
liderar um governo minoritário com seu Partido Social Democrata (SPD) e os
Verdes, pediu um voto de confiança em seu governo, previsto para 15 de janeiro.
Friedrich Merz, líder do principal partido de oposição, a União
Democrata-Cristã da Alemanha (CDU, na sigla em alemão), está pressionando por
um voto de desconfiança imediato. "Nós simplesmente não podemos nos dar ao
luxo de ter um governo sem maioria na Alemanha por vários meses agora, e então
fazer campanha por mais alguns meses, e então possivelmente conduzir
negociações de coalizão por várias semanas", disse Merz.
Se Scholz perder a
votação, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier teria que dissolver o
parlamento e convocar uma eleição geral antecipada dentro de 21 dias.
Como líder da
oposição, Merz lideraria provavelmente o próximo governo como chanceler. Uma
pesquisa eleitoral do Politbarometer descobriu que 48% disseram que prefeririam
Merz e a CDU para liderar um governo. Apenas 28% apoiaram Scholz e 26% — os
Verdes liderados pelo ministro da Economia, Robert Habeck, enquanto 14%
apoiaram Alice Weidel da AfD. Merz apoiou o fornecimento de mísseis de cruzeiro
Taurus e caças a Kiev — algo que o atual governo tem resistido — insistindo que
a Ucrânia "deve vencer". Ele também se descreve como um "europeu
convicto" e um defensor ferrenho da União Europeia (UE).
A presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que é alemã, comentou a atual situação
política no país nesta quinta-feira (7), dizendo que é uma questão para o povo
alemão resolver. "O contexto alemão é para a Alemanha discutir agora. Em
democracias, temos eleições e temos a construção de governos. Para a União
Europeia, é importante manter o curso em que nos engajamos há tantos anos, e é
um curso bem-sucedido", disse von der Leyen em uma reunião da comunidade
política europeia em Budapeste, quando questionada sobre o papel das
instituições europeias na superação da crise alemã, causada em parte pelo apoio
de Berlim a Kiev.
A Alemanha, o segundo
maior fornecedor de ajuda militar a Kiev depois dos EUA, tem sido atormentada
por problemas desde que aderiu às sanções lideradas pelos EUA à Rússia. As
consequências levaram sua economia a uma recessão técnica no ano passado, marcada
pela desindustrialização e taxas de inflação paralisantes. A própria
popularidade do chanceler Olaf Scholz atingiu novas mínimas de 18%, de acordo
com uma pesquisa de setembro do Infratest dimap. O SPD obteve humilhantes 14%
dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu em junho, ficando atrás da
aliança conservadora CDU/CSU e da AfD.
¨ Como a coalizão de governo da Alemanha se desintegrou
"Com frequência,
acordos necessários foram abafados por disputas encenadas publicamente e
demandas ideológicas em voz alta. Com frequência, o ministro Lindner bloqueou
leis de forma inapropriada. Com frequência, ele se envolveu em táticas
político-partidárias mesquinhas, com frequência ele quebrou minha
confiança." A profunda frustração do chanceler federal alemão, Olaf
Scholz, ficou evidente quando ele anunciou oficialmente a demissão do ministro das Finanças, Christian Lindner, às 21h15
(horário local) desta quarta-feira (06/11). "Como chanceler federal, não
posso tolerar isso."
Nos últimos três anos,
durante os quais seu Partido Social Democrata (SPD)
governou ao lado dos verdes e do Partido Liberal Democrático (FDP),
de Lindner, ele apresentou diversas sugestões sobre "como uma coalizão de
três partidos diferentes pode chegar a bons acordos", disse Scholz. Isso
muitas vezes foi difícil e "às vezes levou suas convicções políticas ao
limite". Mas o dia decisivo para o início do fim da primeira aliança
de três partidos na história da República Federal da Alemanha foi bem antes, em
15 de novembro de 2023, quando o Tribunal Constitucional Federal declarou
inconstitucionais partes da política orçamentária do governo federal. Tratava-se
de cerca de 60 bilhões de euros que a Suprema Corte alemã proibiu de serem
usados. Durante a pandemia de covid-19, o Bundestag, a câmera baixa do
Parlamento, havia aprovado que o governo tomasse empréstimos extras
para atenuar os efeitos econômicos da luta contra o coronavírus, mas nem todo
esse dinheiro acabou sendo necessário.
Em uma de suas
primeiras decisões, a nova coalizão de governo decidiu usar a sobra de 60
bilhões de euros para financiar sua política climática e energética. Só que
isso era inconstitucional.
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Base financeira da coalizão
Eram esses bilhões que
tornaram possível encaixar dentro de um orçamento as convicções políticas de
partidos tão díspares. O SPD e o Partido Verde são
essencialmente partidos de centro-esquerda favoráveis a um Estado forte, e
defendem a emissão de dívidas para financiar políticas sociais e de proteção
climática. O FDP, economicamente liberal, é da opinião oposta. Os liberais são
favoráveis à diminuição dos gastos estatais e a cortes nos impostos. O Estado
só deve intervir na economia em casos excepcionais e conter os seus gastos o
máximo possível. Durante a campanha eleitoral, o partido prometeu reorganizar o
Orçamento e cumprir o chamado freio do endividamento, incluído em 2009 na Lei Fundamental (Constituição) alemã com o objetivo de reduzir a dívida pública. O fundo
emergencial de 60 bilhões de euros, que não fazia parte do orçamento federal,
preencheu a lacuna entre as posições opostas. Ele foi, na prática, a base
financeira da coalizão, pois possibilitou economizar dinheiro no orçamento e ao
mesmo tempo destinar recursos às políticas social e climática dos dois partidos
de centro-esquerda.
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Selfie selou a paz
Os planos do novo
governo eram ambiciosos: a Alemanha deveria se tornar pioneira na proteção
climática, e 400 mil novas moradias deveriam ser construídas. O Estado de
bem-estar social deveria ser modernizado, por exemplo com a ampliação da ajuda
aos desempregados e a garantia de renda básica para famílias pobres com
crianças. A relação entre o valor das aposentadorias e a renda média dos
cidadãos deveria parar de cair e ser estabilizada em 48%, o salário mínimo
deveria aumentar, e os gastos com pesquisa e desenvolvimento deveriam ser
ampliados.
A aliança, que começou
com uma selfie tirada pelo secretário-geral do FDP, Volker Wissing, e que
inclui ainda os então líderes dos verdes, Annalena Baerbock e Robert Habeck, e
o líder do FDP, Christian Lindner, funcionou bem no início. Alguns dias após a
eleição de setembro de 2021, os quatro políticos postaram a foto em suas contas
do Instagram ao mesmo tempo. A legenda dizia: "Na busca por um novo
governo, estamos sondando pontos em comum e divisões. E até encontramos alguns.
Tempos empolgantes". Verdes e liberais não poderiam ser mais diferentes em
suas convicções políticas fundamentais. O parceiro preferido dos verdes era o
SPD, que havia vencido a eleição. Porém, a dupla não tinha maioria parlamentar
e, portanto, precisava do FDP. Essa situação criou o primeiro obstáculo na
coalizão: os liberais sempre puderam agir com a autoconfiança de quem se sabia
indispensável.
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Nem cem dias de paz
Não faltou disposição
para acertar. Na apresentação do acordo de coalizão, ouviu-se que era
"enriquecedor" negociar com parceiros de posições tão diversas e que
"opostos podiam se complementar". Numa alusão ao nome pelo qual a
coalizão ficou conhecida na Alemanha, Scholz, que seria confirmado no
cargo pouco depois, lembrou o primeiro semáforo instalado na Alemanha, no largo
Potsdamer Platz de Berlim em 1924. "Os cidadãos também estavam céticos na
época – isso faz sentido, pode funcionar?", acrescentando que se tratava
de uma "coalizão de igual para igual".
A promessa inicial de
sempre conduzir discussões de forma confidencial e não tornar públicas medidas
provisórias não durou nem cem dias. É, porém, necessário dizer que nenhuma
coalizão de governo anterior havia enfrentado desafios tão grandes já nas primeiras
semanas no poder: a pandemia de covid-19 ainda não havia sido superada, a
Rússia invadiu a Ucrânia, e a Alemanha entrou numa crise energética.
A primeira rachadura
na fachada da coalizão surgiu em março de 2022, quando Lindner, o ministro das
Finanças, apresentou na mídia a ideia de conceder uma redução de impostos na
gasolina e no diesel devido à explosão nos preços dos combustíveis. O Partido
Verde, pego de surpresa, reagiu com irritação e rejeitou a ideia – também em
público.
A partir de então, o
tom mudou e foi ficando cada vez mais duro. A lei para modernizar o aquecimento
nas moradias, a remodelação da ajuda aos desempregados, o freio do
endividamento, refugiados e migração – tema após tema, as rivalidades se
tornavam mais visíveis e dificultavam o trabalho do governo.
A conta veio com a
queda dos índices de aprovação e popularidade do governo, e a primeira coalizão
de três partidos da história da República Federal da Alemanha se tornou também
a mais impopular. As discussões eram dominadas pela questão financeira. SPD e
Partido Verde tinham ressalvas quanto ao freio do endividamento, e a lista de
despesas urgentes não parava de crescer: ajuda à Ucrânia, acolhimento de
refugiados, reforma das Forças Armadas, investimentos em infraestrutura foram
apenas alguns dos tópicos. O FDP, porém, queria economizar.
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Eleições regionais selaram fim
Nem a sentença do
Tribunal Federal Constitucional de novembro de 2023 demoveu os liberais dessa
posição. A resistência do SPD e dos verdes às medidas de austeridade do
ministro das Finanças, porém, continuou a crescer, e a negociações sobre o
Orçamento de 2025 terminaram com a apresentação de um projeto com uma lacuna de
cerca de 12 bilhões de euros ao Bundestag, em setembro de 2024.
Nessa mesma época
foram realizadas três eleições estaduais no Leste Alemão. Nunca partidos no
poder em Berlim tiveram um desempenho tão ruim em nível estadual quanto SPD,
verdes e FDP tiveram na Turíngia e na Saxônia. O SPD ao menos conseguiu se sair
bem em Brandemburgo. Já os liberais foram duramente derrotados e ficaram fora
dos legislativos nos três estados.
Após as eleições,
Lindner disse que a coalizão de governo estava perante um "outono de
decisões" e elencou uma série de medidas que deveriam servir de orientação
para os parceiros. O clima dentro da coalizão piorou de vez. A copresidente do
SPD Saskia Esken o repreendeu no jornal Frankfurter Allgemeine
Sonntagszeitung, dizendo que o FDP estava "provocando" porque
estava "desesperadamente" tentando melhorar sua imagem. Ela acusou
Lindner, que havia falado sobre um "outono de decisões", de que
"esse malabarismo com datas e ultimatos é a expressão da natureza de um
jogador". No entanto, SPD e verdes também se concentraram em melhorar a
própria imagem. E, assim, a busca por compromissos necessária para o
funcionamento de uma coalizão de governo não era mais possível.
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O que acontece agora?
Um dia após a demissão
de Lindner, que é o líder da FDP, os outros ministros da legenda também
entregaram seus cargos, com exceção do ministro dos Transportes, Volker
Wissing, que decidiu deixar seu partido e continuar na equipe de governo. Já
Jorg Kukies, 56 anos, conselheiro próximo de Olaf Scholz, será o novo
ministro das Finanças alemão. O economista trabalhou por muitos anos no
banco de investimentos Goldman Sachs e também foi secretário-executivo no
Ministério das Finanças. Os substitutos para os ministros da Pesquisa e da
Justiça devem ser anunciados ainda nesta quinta-feira, segundo a agência
de notícias alemã DPA.
Até o final do ano,
Scholz quer colocar em votação uma série de projetos de lei urgentes, e em
janeiro se submeterá a um voto de confiança no Bundestag, previsto para 15 de
janeiro. "Isso permitirá que os membros do Bundestag decidam se querem
abrir caminho para eleições antecipadas." A eleição poderia então ocorrer
até o final de março, o mais tardar, em conformidade com os prazos estipulados
na Lei Básica alemã. A próxima eleição federal está prevista para setembro de
2025.
Fonte: DW Brasil/Sputnik
Brasil
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