Agamenon Menezes: "ONG pode entrar
aqui, mas não sai. A gente quebra no cacete"
Líder
ruralista de Novo Progresso (PA) diz que, há 20 anos, houve um plano para esquartejar
servidor da Funai
##
Radicado em Novo
Progresso desde os anos 1980, Agamenon da Silva Menezes se tornou
nacionalmente conhecido como a principal voz do agronegócio em uma região
marcada por graves conflitos socioambientais, como a exploração ilegal da
Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim por agropecuaristas. O município
registrou, ao longo dos últimos anos, diversas emboscadas e tiroteios com
forças de segurança e agências de fiscalização ambiental, como o Ibama.
Em entrevista
à Agência Pública no final de setembro em sua casa em Novo Progresso,
Menezes, que disse ter sido, durante 27 anos, o presidente do sindicato rural
do município e hoje é diretor da entidade, expressou seu ódio a respeito do
trabalho de organizações não governamentais ambientalistas na região, como o
Greenpeace.
Menezes: Eu nunca aceitei ONG aqui. Você pode ver que aqui não tem
nenhuma ONG. Ela pode entrar aqui, mas não sai. O Greenpeace quer morrer, mas
não quer me ver.
Pública: Por que ela não sai? O que acontece com ela?
Menezes: Porque a gente pega e… quebra no cacete. Outro dia eu dei
uma carreira naquele cara do Greenpeace aqui. Fui até no Guarantã [do Norte] atrás dele. O cara correu muito, viu, pra não
pegar ele. Se eu pego ele… [inaudível]
Menezes disse não se
recordar do nome do ambientalista. No contexto de sua fala, ele pode ter se
referido a uma viagem feita por ativistas do Greenpeace em 2005, quando
passaram por Novo Progresso e Guarantã do Norte a fim de denunciar o
desmatamento na região.
“Nós somos odiados
naquela região. A treta do Agamenon conosco é antiga. Não conseguimos
trabalhar. A gente evita principalmente Novo Progresso e Castelo dos Sonhos.
Tivemos problemas sérios de 2005 a 2013, pelo menos. Em 2013, ficamos presos
numa barreira de madeireiros em Trairão. A gente sempre teve problemas na
região e sempre fomos odiados. Já teve de tudo, até perseguição na rodovia”,
confirmou um ativista do Greenpeace.
Menezes, 73 anos,
disse ser portador da doença de Parkinson há cerca de 15 anos. Os sintomas
neuromotores, como tremores nas mãos e problemas de dicção, são perceptíveis,
mas o raciocínio de Menezes está intacto. Ele afirmou ter nascido em Campo
Grande (MS) em 1951 e se formado em engenharia agronômica em Novo Hamburgo
(RS). Lá foi convidado a trabalhar em Roraima, mas, devido às condições ruins
da estrada, acabou parando em Porto Velho (RO), onde chegou a trabalhar como
“secretário de Agricultura”, segundo ele.
Em novembro de 1985,
resolveu se estabelecer em Novo Progresso, depois que um conhecido lhe falou
sobre os negócios gerados pela exploração de garimpo na região. O município de
Itaituba (PA), hoje o principal centro de produção de ouro no país, é vizinho
de Novo Progresso. Menezes resolveu montar uma loja de venda de peças e
equipamentos para garimpo.
A Casa do Garimpeiro,
segundo Menezes, foi inaugurada em 1986. Vendia para garimpos de toda a região,
como Moraes de Almeida, Crepori e Creporizão. Naquela época, dando sequência à
política da ditadura militar, o ouro era todo vendido em agências bancárias
instaladas pelo próprio governo federal, que dava pleno incentivo à atividade
garimpeira.
Segundo Menezes, o
famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI) era presença constante na
região a título de “fazer pesquisas”. O município de Novo Progresso, hoje com
33,6 mil habitantes, nasceu no trecho da rodovia BR-163 aberto pela ditadura
militar a partir do início dos anos 1970.
Levas de colonos,
principalmente do Sul do país, começaram a chegar a Novo Progresso, que, até
então, segundo Menezes, “não tinha nada”. “Uma caminhonete do Incra”, o
instituto de colonização e reforma agrária do governo federal, “passava
dizendo: ‘Você desmata o que puder, que titulamos o dobro’”. Ao longo da
estrada, diz o ruralista, o governo “deu um lote de 100 hectares para cada
família”.
“Mais para o fundo,
quem pudesse desmatar mil hectares, ele [governo] dava o dobro. Então era essa
lei do Incra. Metade tinha que deixar de reserva [ambiental].”
Menezes disse que não
recebeu nenhum lote do Incra, mas depois comprou outro, com recursos próprios.
Segundo o ruralista,
essa política governamental também levou às primeiras ocupações da Flona do
Jamanxim e outras unidades de conservação na região. “O Jamanxim foi um grupo
de gaúchos, pessoal lá do Sul, com dinheiro. E vieram pra cá porque tinha essa história
de pegar terra, ‘derrubar tanto, e ter direito a meter o dobro’. Nessa onda,
eles vieram pra cá. E acharam uma gleba, Embaúba, onde não tinha ninguém.”
Hoje o governo estima
que mais de 180 mil cabeças de gado estejam sendo criadas ilegalmente dentro da Jamanxim.
Quando lançaram, em
2017, seu livro de referência sobre a região Dono é quem
desmata — conexões entre grilagem e desmatamento no sudoeste paraense,
os pesquisadores Maurício Torres, Juan Doblas e Daniela Fernandes Alarcon
usaram uma fala de Menezes como epígrafe da obra:
“Quem me garante que a
geração futura vai aprovar nós termos preservado a Amazônia? Quem me garante
que essa geração vai aprovar? Eu vou fazer só um exemplo: dinossauro faz falta
na sua vida?”
O livro descreve como
Novo Progresso foi um dos municípios paraenses em que o programa Terra Legal,
criado pelo governo Lula 2 em 2009 com o objetivo de “regularizar
terras”, “mais titulou terras e isso acendeu as esperanças de que todas as
terras – incluindo as griladas – seriam tituladas”.
“Quando da pesquisa em
campo, era dizer corrente que terras ilegalmente apropriadas e desmatadas
seriam legalizadas e que o parcelamento (em frações de até 15 módulos rurais,
tamanho compatível com os limites do programa) e o uso de ‘laranjas’ seriam práticas
plenamente aceitáveis no marco do programa”, diz a obra.
·
“Vamos deixar a cabeça
aqui, uma perna no fórum, outra na delegacia”
O livro descreve
também como os trabalhos executados pelo governo federal durante o governo Lula
1, em 2003, para a demarcação da Terra Indígena (TI) Baú, do povo Kayapó,
acabaram por consolidar Agamenon Menezes como uma liderança ruralista na
região. “Menezes tinha, no início dos anos 2000, a redução da TI Baú como
bandeira principal.”
Com a ativa
participação do então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, o território
acabou diminuído em cerca 17% (uma perda de 317 mil hectares). Essa redução,
segundo o livro, foi uma “decorrência da pressão de grupos locais ligados à
agropecuária e à grilagem de terras públicas, atuantes até hoje”.
Em 2003, o cacique
Megaron Txucarramãe, sobrinho do cacique Raoni, revelou que havia ameaças de
morte contra os Kayapó. “A população [de Novo Progresso] estava contra a
demarcação. Um homem ameaçou matar, ameaçaram fazer coisa feia. Então eles [os
líderes Kayapó] decidiram assinar o acordo.”
Na entrevista
à Pública no mês passado, Agamenon Menezes revelou que havia um plano
sinistro para impedir a demarcação da terra Baú: sequestrar e matar um
funcionário da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O órgão
havia mobilizado técnicos e agrimensores para demarcar a TI Baú.
O plano, segundo o
ruralista, foi comunicado extraoficialmente ao juiz do município depois que a
crise terminou. Ele disse que, em meio a muita tensão, que incluiu o bloqueio
da BR-163 durante 14 dias, os ruralistas sequestraram e atacaram cinco policiais
rodoviários. Na sequência, teria dito ao magistrado que, “amanhã”, ocorreria
algo ainda mais “grave que vocês vão se arrepender a vida toda de não ter
ajudado mais”. Eles queriam que o então ministro da Justiça revogasse a
portaria demarcatória de 1991 que designava à terra indígena um total de 1,85
milhão de hectares.
Menezes: Aí o juiz ligou lá para o ministro e o ministro mandou um
documento revogando a portaria dele. Foi aí que liberamos [a rodovia]. Aí
passou uns três dias e o juiz mandou me chamar lá [no fórum]. Ele falou:
“Rapaz, estou curioso, o que vocês iam fazer?”. [Respondi]: […] “No segundo
dia, nós íamos prender o rapaz da Funai, o representante da Funai, e
esquartejar ele, deixar a cabeça aqui, uma perna no fórum, outra na delegacia.
Esquartejar ele. No terceiro dia, eu não vou falar [o que íamos fazer] porque o
senhor se arrepia todinho”.
Pública: Mas era esse o plano mesmo?
Menezes: Era esse o plano.
Pública: E quem ia sequestrar?
Menezes: Mas já estava a turma ali, estava a turma grande. Tinha
mais de 300 pessoas no movimento. Nós dávamos um boi todo dia para dar de
churrasco. Catorze dias.
Pública: E quando não demarcou a área, o que aconteceu com essa área não
demarcada?
Menezes: Continuou do jeito que estava. Todo mundo ocupado, estava
tudo ocupado, tudo cheio de fazenda. Aí veio a equipe do governo para negociar.
Nós sentamos com os caciques e o pessoal do governo. Negociamos e acertamos. Eu
concordei em deixar 5 quilômetros do rio para cá. Concordei para deixar
preservado o rio. Aí todo mundo concordou. Porque essa faixa também não tinha
quase ninguém. […] Resolveu o problema.
Para os autores
de Dono é quem desmata, o episódio da redução da TI Baú teve uma
profunda consequência na região: as lideranças ruralistas saíram fortalecidas
da “‘didática’ experiência” e passaram a exigir também a diminuição da Flona
Jamanxim, inclusive por meio de um projeto de lei que está em tramitação no
Congresso Nacional.
·
“Dar uma surra boa”,
diz ruralista sobre “repórter da Globo”
Ao longo dos anos
2000, a destruição da Flona atraiu mais e mais a atenção de ambientalistas e de
jornalistas. Na entrevista à Pública, Menezes disse que anos atrás uma
repórter da TV Globo, cujo nome não soube dizer, escapou de ser
espancada. Segundo o ruralista, ela e sua equipe tinham acompanhado um
sobrevoo de fiscalização em um helicóptero do Ibama. Menezes disse que jogou
uma corrente sobre o helicóptero para evitar que decolasse de novo.
Menezes: E saímos em cima desses caras. Tiveram que pegar a proteção da
polícia para não pegar eles. Aí pegaram a proteção da polícia, pegaram um carro
que tinha levado para Guarantã, pra fugir. A repórter da Globo e o cara do
Greenpeace.
Pública: E você ia pegar também a repórter da Globo?
Menezes: Sorte deles [foi] que a polícia soube que eu tinha feito isso aí
[no helicóptero], foi pra cima e segurou eles.
Pública: Como era o nome dela, você lembra?
Menezes: Sei lá, nem me lembro. Faz muito tempo já.
Pública: Vocês iam fazer o que com ela?
Menezes: Rapaz, dar uma surra boa.
Pública: E o que aconteceu com essa operação que estava programada?
Menezes: Aí a operação acabou, porque teve que vir um outro
helicóptero da base aérea pra buscar esse pessoal. […] Ficou quatro dias
parada. Aí nesse dia criou-se um movimento para botar fogo no helicóptero. Aí
eu não deixei. A turma queria incendiar.
Ainda na entrevista
à Pública, Menezes afirmou que viveu “vários” episódios de enfrentamento
com ONGs e órgãos de fiscalização ambiental. Detalhou um caso que, segundo ele,
ocorreu em 2004, no qual confrontou e tomou equipamentos de um fotógrafo.
Menezes: Um dia nós estávamos numa exposição [de gado] e aí chegou
até mim uma conversa de que tinha um cara tirando foto de tudo quanto é coisa
aqui.
Pública: Na rua?
Menezes: É, filmando a rua, filmando as pessoas. Um francês lá. Aí
eu não achei os caras de noite. Mas amanheci o dia lá no aeroporto esperando
ele. Na hora em que ele chegou, eu encostei o carro. E eu conhecia o piloto. Eu
falei: “Você não vai voar enquanto eu não resolver esse negócio com esse
pessoal”. [O piloto disse]: “Pelo amor de Deus, seu Agamenon, o avião não é
meu’” [Eu disse]: “Não tem problema, não esquenta a cabeça, não tem problema
com o avião, não”. Aí chegou a repórter e esse cara, alto, magro. Falei
pra ele: “Me dá todo o seu material, filmadora”.Ele tava com uma jaqueta
daquelas cheia de filmes. “Me dá tudo, me dá tudo.” Ele não quis me dar. Eu
catei, arranquei dele. Peguei a lente dele. Taquei no canto do para-choque,
quebrei tudinho. Meti a mão na jaqueta dele. Tiramos a jaqueta dele, jogamos em
cima do carro. “Agora vocês dois sentam bem aí que eu vou dar uma inspecionada
em vocês. Quem é vocês?” Aí essa mulher, cearense, foi contratada por essa
empresa, essa ONG, para acompanhar esse francês. Aí eu falei pro piloto: “Bota
esses dois cabras dentro aí”. Ele tinha um [Cessna] Skylane. Eu tinha do
lado um Cessna 210, que anda mais que um Skylane. Eu falei: “Bota esse pessoal
para Santarém e manda eles sumirem. Se eu ver você fazer uma curvinha daqui
para Santarém, eu vou atrás de você”.[…] Falei pra ele, pra mulherzinha que
falava português: “Se você fizer qualquer denúncia, você pode abrir o chão,
onde você quiser, e entrar dentro que eu vou te buscar. Não tenha dúvida disso.
Aí chegaram lá em Santarém, fizeram uma BO [boletim de ocorrência], mas não deu
em nada.
Menezes alegou ter
descoberto depois que o fotógrafo havia pago R$ 2 mil para um morador derrubar
uma árvore a fim de que ele fizesse uma fotografia.
Em 2019, o líder
ruralista chegou a ser apontado como um dos organizadores do “Dia do
Fogo”, acusação que ele rechaça. O caso veio à tona por uma pequena nota publicada no veículo digital da cidade Folha do
Progresso, que informava que “Produtores planejam data para queimada na
região”. A publicação chamou atenção do correspondente da Folha de
S.Paulo em Manaus (AM), Fabiano Maisonnave, e depois ganhou enorme
atenção nacional e internacional.
No mês passado,
a Pública revelou que
os inquéritos abertos pela Polícia Federal foram arquivados sem identificar os
responsáveis pelas queimadas supostamente orquestradas.
Na entrevista
à Pública, Menezes negou ter existido o “Dia do Fogo”. Ele disse que é
alvo de “46” inquéritos e já foi prestar depoimento, por videoconferência, em
pelo menos seis casos, e em nenhum há provas contra ele. Disse que a própria
Polícia Federal já pediu para arquivar os casos sobre ele. “Eu já pedi lá pra
eles tirarem o meu nome de lá [dos inquéritos] porque está prescrito. Eu tenho
mais de 70 anos e tenho Parkinson. Tira, nem que eu for condenado eu vou ser
preso. Não tirou ainda. A Polícia Federal já pediu.”
Na entrevista
à Pública, Menezes usava um boné com a inscrição “O Quinto Movimento”,
título de um livro do ex-comunista e ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo. O
político tem feito, em palestras e entrevistas, ataques às ONGs que atuam na
Amazônia. Em março último, ele disse que o ex-presidente Jair Bolsonaro sofre
“perseguição”.
Em seu livro
recém-lançado O silêncio da motosserra (Cia das Letras), o
jornalista Claudio Angelo escreveu que Agamenon Menezes “encarnou a resistência
às unidades de conservação da BR-163, a oposição a Lei de Gestão de Florestas
Públicas (orgulha-se de ter proposto 303 emendas ao projeto) e a defesa dos
‘trabalhadores’ da Flona do Jamanxim”.
“A maioria das pessoas
que hoje se dizem donas de propriedades na Flona do Jamanxim chegou lá após a
criação da unidade de conservação. O nome disse, goste Menezes ou não, é
grilagem. Só que, no entendimento da turma de Novo Progresso, é olho por olho e
dente por dente.”
Fonte: Por Rubens
Valente, da Agencia Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário