quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A Colômbia está do lado certo da história

Entrando agora em seu terceiro ano no cargo, o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, Gustavo Petro, recentemente chamou a atenção do mundo para o país diante do que ele descreveu como “o começo do golpe” contra sua administração. Enquanto Petro implementou com sucesso a reforma da previdência, uma reforma tributária de US$ 4 bilhões, uma nova estratégia de repressão às drogas e uma mudança sem precedentes na política externa da Colômbia, o esforço da esquerda para mudar a Colômbia tem sido ameaçado por uma barreira constante de desafios legais de forças e elites de direita.

Daniel García-Peña, o recém-nomeado embaixador de Petro nos Estados Unidos — um historiador, jornalista premiado, alto comissário para a paz sob o presidente Ernesto Samper e conselheiro da extinta Aliança Democrática M-19 — fala sobre esses desafios nesta entrevista para a Jacobin. Como o primeiro governo de esquerda da Colômbia se relacionará com os Estados Unidos, que há muito tempo conta com a liderança firmemente conservadora da Colômbia para salvaguardar seus interesses imperiais?

Em conversa com o fotógrafo Jesse Gwilliam e o pesquisador independente Luca DeCola, o embaixador García-Peña discutiu a questão da guerra jurídica contra o governo de Petro, as tensões internas e os desafios enfrentados pela esquerda colombiana, as perspectivas de paz em meio ao conflito armado interno e o rompimento dos laços diplomáticos do país com Israel.

LEIA A ENTREVISTA:

·        LUCA DECOLA - Quero começar perguntando sobre o que o presidente chamou de “avanço de um golpe suave” na Colômbia. Como você avalia o atual ataque da direita à administração de Petro na forma de campanhas de desinformação e lawfare?

DANIEL GARCÍA-PEÑA - O presidente Petro representa, sem dúvida, um desafio aos interesses da elite que governou o país por décadas. Sua administração e seus apoiadores estão assumindo um sistema político e um modelo econômico bem arraigados com práticas políticas que são muito difíceis de mudar da noite para o dia. Ninguém na esquerda esperava que isso fosse fácil.

Lawfare na Colômbia se tornou um obstáculo à mudança, um método desses interesses da elite para sufocar a agenda progressista do governo, mas também é um sinal do desespero da direita e, de muitas maneiras, de sua fraqueza. A eleição de Petro em 2022 foi um resultado indireto do acordo de paz de 2016 com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o ápice de uma luta constante pela democracia, direitos humanos e expansão da esquerda colombiana.

Portanto, lawfare era esperado de uma elite que, diferente de outras na América Latina, manteve as mesmas pessoas e famílias no poder por centenas de anos.

“A guerra jurídica na Colômbia se tornou um obstáculo à mudança, mas também é um sinal do desespero da direita e, em muitos aspectos, de sua fraqueza.”

·        JESSE GWILLIAM - Você acha que a coalizão do Pacto Histórico tem força interna e coerência política para atingir os objetivos ambiciosos de Petro contra o ataque da direita e um parlamento hostil? Ou é um momento histórico com fundações mais instáveis, possivelmente sem longevidade?

DGP - Esta é uma questão muito difícil, que tem a ver não apenas com a esquerda democrática colombiana, mas também com a esquerda internacionalmente. Como podemos reconhecer a diversidade de diferentes ideias e forças na esquerda e, ao mesmo tempo, a necessidade de uma estrutura política unificada e organizada?

Em seu estágio mais recente, o Pacto Histórico é essencial porque reúne uma ampla gama de grupos, movimentos sociais e partidos políticos. Ainda assim, o partido não tem uma organização ou estrutura coerente; a única coisa que mantém a coalizão unida é a figura de Petro, que está ocupado governando o país. Então, ainda estamos tentando alcançar um equilíbrio entre a diversidade política, que é necessária, e um programa político que possa vencer eleições. É nisso que tudo se resume.

No entanto, há uma agenda para mudança, um programa e ideias além do Petro. A Colômbia está mudando, e as realidades do nosso momento presente estão forçando as pessoas a lidar com a necessidade de se unirem nessa agenda para implementar reformas de previdência, saúde e educação, para desfazer as políticas neoliberais implementadas anteriormente na Colômbia e para alcançar uma paz duradoura.

·        LDC - No Tribunal dos Estados Unidos do Distrito Sul da Flórida, a Chiquita Brands International foi recentemente considerada responsável por financiar os paramilitares das Forças de Autodefesa Unidas da Colômbia (AUC). Você pode falar sobre o significado do veredito para os colombianos?

DGP -O veredito na Flórida sobre a Chiquita Brands é enorme por algumas razões. Primeiro, há a questão do sistema judicial colombiano. O presidente Petro abordou esse ponto quando tuitou : “Por que o sistema de justiça dos EUA foi capaz de determinar judicialmente que a Chiquita Brands financiou o paramilitarismo em Urabá? Por que o sistema de justiça colombiano não conseguiu fazer isso?”

Os paramilitares e a Chiquita Brands não operaram no vácuo; eles operaram muito próximos das elites econômicas na Colômbia. Mas quem são esses colombianos envolvidos? Quem são as elites colombianas que financiaram os paramilitares? Ainda há um caminho considerável a percorrer, e o sistema de justiça colombiano está longe de lidar com o envolvimento das elites no paramilitarismo.

O veredito sobre Chiquita também é um lembrete de como esses grupos paramilitares evoluíram. Hoje, as elites não precisam ter grupos armados; as pessoas que elas queriam assassinar foram assassinadas, e a terra que elas queriam tomar já foram tomadas. Em muitas partes da Colômbia, os paramilitares venceram a guerra. É triste e assustador dizer, mas é verdade.

Agora temos uma nova fase de consolidação paramilitar, uma nova geração: os filhos, os herdeiros dos paramilitares, que nunca pegaram em armas, mas foram enviados para estudar nos Estados Unidos e são todos empresários. E uma parte considerável do sucesso deles, digamos, vem da capacidade de dominar o sistema político e se infiltrar nos partidos políticos — a parapolítica .

·        LDC - Você pode falar um pouco sobre os esforços do governo para atingir sua agenda paz total (paz total) e negociar um acordo com atores armados, incluindo as guerrilhas do Exército de Libertação Nacional (ELN)? Quais são as perspectivas atuais para a paz?

DGP - Hoje, o obstáculo mais significativo para as negociações de paz são as tensões internas dentro do ELN que culminaram na recente divisão das guerrilhas do grupo na frente sudoeste e sua busca por negociações separadas com o governo. O ELN é uma organização muito diferente das FARC, com uma estrutura de comando muito mais descentralizada, e onde cada frente tem um grande grau de autonomia.

Dadas suas origens ideológicas e históricas na teologia da libertação, na qual pertencer ao ELN é quase como pertencer a uma organização religiosa, a questão da unidade é crítica. Então essas tensões internas geraram uma reação por parte do centro de comando do ELN, onde a divisão da frente sudoeste é vista como uma tentativa do governo de dividir as guerrilhas.

E ainda assim nenhuma negociação com o ELN avançou tanto quanto hoje sob o presidente Petro, de longe. Não só é a primeira vez que o ELN assina um processo de paz, mas vejo que a base social e política do ELN está, de fato, colocando pressão política sobre as guerrilhas para chegarem a uma resolução.

Outra parte deste conflito, que não é exclusivamente um problema para Petro ou seu governo, é a ineficiência e burocracia do Estado colombiano. Então, o ELN está, infelizmente, correto em muitos aspectos ao apontar para a incapacidade do Estado colombiano de implementar políticas em geral, o que é igualmente um problema considerável com o acordo de paz de 2016. O fato de que houve tantos signatários do acordo de paz de 2016 que foram assassinados é um sinal de que ainda não fomos capazes de superar o que aconteceu com o assassinato sistemático do partido União Patriótica nas décadas de 1980, 1990 e início dos anos 2000. É difícil entender como um país com tanta violência gerou ao mesmo tempo processos democráticos.

·        LDC - Você pode falar sobre o rompimento de relações diplomáticas do governo colombiano com Israel devido ao genocídio em Gaza, bem como sobre o futuro das relações entre a Colômbia e os EUA?

DGP - O fato é que a Colômbia está do lado certo da história. A decisão de Petro de romper relações diplomáticas com Israel é parte de um clamor internacional contra o governo israelense. O corte de vendas de armas de Israel para a Colômbia não terá um impacto substancial na economia israelense; eles poderão vender suas armas em outro lugar. Mas moral e eticamente falando, é a coisa certa a fazer. Estou orgulhoso de que nosso presidente e país tenham se tornado tão inflexíveis e vocais sobre essa questão.

Recentemente, fui convidado para um evento na Universidade da Califórnia em Santa Barbara. Pessoas de todos os lugares — do Sudão, do Egito e de outros lugares — disseram: “Ah, seu presidente é pró-povo palestino”, e eu fiquei tipo, “Uau, então está tendo um impacto!” De muitas maneiras, Petro é uma voz de liderança na América Latina em Gaza.

A política externa da Colômbia sempre foi muito tímida, e as administrações passadas nunca quiseram aborrecer os Estados Unidos. De fato, em Washington, um dos membros da equipe da embaixada colombiana me disse recentemente que era prática comum no passado o governo colombiano informar os Estados Unidos antes de fazer qualquer anúncio público sobre qualquer questão política.Mas desta vez, quando cortamos laços com Israel, não contamos aos EUA. Eles podem ler a manchete no New York Times como todo mundo. Esses são alguns dos sinais de um estado colombiano mais independente e soberano, e os Estados Unidos terão que lidar com isso.

 

¨      Quais as consequências do veto brasileiro à Venezuela no BRICS+?. Por Danilo Sorato

Na última semana de outubro ocorreu mais uma cúpula do BRICS+ na Rússia. Entre as grandes discussões colocadas na agenda do bloco, a adesão de países parceiros ganhou protagonismo pela falta de unidade em relação à participação da Venezuela. 

O BRIC surgiu em 2005, após a reunião de Brasil, Rússia, Índia e China, que acordaram uma aproximação por serem as economias emergentes daquela conjuntura mundial. Em 2009, a África do Sul passou a fazer parte do grupo, e transformou-se em BRICS. Na última década, o escopo do grupo aumentou com a criação de instituições, como o Banco dos BRICS, para consolidar o projeto de reforma das instituições multilaterais e do sistema financeiro internacional. 

Em 2024, o BRICS ganhou a entrada de novos países, como Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã. Assim, o grupo passou a ser chamado de BRICS+, e aumentou sua influência no Oriente Médio e na África. Após a entrada de países-membros, a segunda questão é a entrada de países parceiros, com responsabilidades menores em relação aos sócios.  

Na reunião do segundo semestre, na Rússia, apesar da não participação do presidente, Luís Inácio Lula da Silva, em decorrência de problemas médicos, o Brasil esteve nos centros das discussões do grupo por ter vetado a entrada da Venezuela e da Nicarágua no acrônimo. Essa postura é mais um capítulo da recente tensão diplomática entre os dois países.

Segundo o Itamaraty, as razões para a não participação da Venezuela estão amparadas nos recentes acontecimentos políticos internos. A pouca transparência nas eleições presidenciais com a não divulgação das atas, fez com que o Brasil não reconhecesse a vitória de Nicolas Maduro no pleito.

Se o Brasil defendeu um veto a entrada venezuelana no BRICS+, por outro lado a Rússia e a China deram apoio ao seu aliado político na América do Sul. Para além de questões internas, os dois países tinham interesse em ganhar dividendos geopolíticos a fim de aumentar a influência do bloco em relação aos Estados Unidos.

A postura brasileira gerou diversas críticas pelos grupos de esquerda que viram a posição pela ótica da submissão aos interesses dos EUAInclusive, sob essa mesma visão as notas oficiais da Venezuela sobre o assunto acusaram o Brasil de dar suporte aos estadunidenses na região. Para além dessa visão, quais as consequências do veto brasileiro à Venezuela no BRICS+?

Uma questão pouca abordada nas análises sobre o veto à Venezuela, é com relação as consequências internas dessa postura brasileira ao vizinho. Em governos anteriores do PT e do próprio presidente Lula, houve diversos questionamentos em relação a proximidade política entre os dois países. Inclusive, esse argumento foi utilizado por forças de extrema-direita para dizer que o PT e Lula da Silva representavam a volta do comunismo ao Brasil.

Entretanto, com a postura mais tensa entre os países e a opção do veto à Venezuela no BRICS+, criou-se uma carta na manga para que no momento eleitoral de 2026 não ocorra mais essas críticas em relação ao governo petista e à Venezuela. Essa é uma forma do presidente brasileiro e do PT conseguirem bloquear os discursos extremistas.

Além desse evidente ganho político-eleitoral, há outros pontos cruciais a serem analisados nessa tomada de posição brasileira: o distanciamento no BRICS+ deverá trazer consequências para outros espaços de integração entre os dois países, como a UNASUL e o MERCOSUL.

Possivelmente, o nível de relação ficará restrito. Há diversos acordos econômicos em que os dois países possuem conjuntamente, o que impede um distanciamento mais efetivo. Vale lembrar que Venezuela possui uma dívida de RS$ 780 milhões de dólares em virtude do não pagamento de empréstimos junto ao BNDES.  

Para finalizar, o veto brasileiro à Venezuela no BRICS+ é uma decisão que trouxe consequências políticas-eleitorais, e econômicas para os dois países. É mais um capítulo de uma relação instável que não deve retornar a normalidade nos próximos anos, salvo se os dois países decidirem tomar posturas políticas que visem acordos e superação das diferenças.   

 

Fonte: Entrevista com o embaixador Daniel García-Peña – tradução de Pedro Silva, em Jacobin Brasil

 

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