sábado, 26 de agosto de 2023

Polícia não precisa de armas na maioria dos casos, diz professora de Yale

Nos últimos meses, os Estados Unidos testemunharam uma onda de casos de violência cujas motivações só podem ser descritas como banais. No Texas, duas líderes de torcida foram baleadas depois que uma entrou em um carro que não era seu em um estacionamento escuro. Algo similar ocorreu em Nova York, onde uma mulher foi morta a tiros depois de embocar o veículo na entrada errada enquanto procurava um amigo. Em outro episódio, um adolescente negro foi baleado na cabeça por um homem branco no Missouri depois de tocar sua campainha por engano.

Professora da faculdade de direito da Universidade Yale e uma das maiores especialistas em policiamento urbano dos EUA, Tracey Meares diz que esse cenário não é de todo surpreendente. Ela explica que há vários fatores que podem, de um lado, estimular a violência —como a sensação de insegurança e a presença de armas de fogo—, e de outro, contê-la, como o acesso a serviços básicos. E, durante a pandemia, parte da população americana não só experimentou um aumento de gatilhos de violência, como teve dificuldades para satisfazer suas necessidades básicas, completa.

A ideia se conecta a um dos principais argumentos da pesquisadora, que participa nesta sexta-feira (25) de um seminário organizado pelo IBCC (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) em São Paulo.

Meares defende que a polícia é acionada para lidar com situações de emergência quando as circunstâncias que permitiram que elas explodissem vêm de longa data. "O que as pessoas realmente querem são representantes do Estado trabalhando naqueles problemas no longo prazo. Não são questões que serão resolvidas de imediato."

Sua conclusão é fruto de uma década de estudos sobre a percepção que cidadãos comuns têm das autoridades nos EUA —país cuja história recente foi marcada por episódios de brutalidade policial, muitos deles motivados pelo racismo.

O mais emblemático deles foi provavelmente o assassinato de George Floyd em 2020. "Não consigo respirar", fala que o homem negro repetiu ao longo dos nove minutos em que teve a garganta pressionada pelo joelho de um policial branco, tornou-se a frase de ordem de um movimento que tomou o país e provocou um amplo debate sobre a urgência de uma reforma da polícia.

Para Meares, a recorrência de casos como o de Floyd nos EUA se relaciona ao fato de que a forma como a polícia é hoje concebida no país "não corresponde ao trabalho que muitos querem e esperam que ela realize". Um dos problemas, ela diz, é que os agentes se enxergam como "guerreiros contra o crime" quando o que a população deseja são "guardiões" que protejam suas comunidades. E não só de roubos ou estupros, mas também do abuso de poder por parte das autoridades.

Outro fator que prejudicaria o desempenho da corporação seria o aumento de contingentes como uma resposta automática para questões que, segundo a pesquisadora, têm origem em problemas estruturais. "Nos EUA, quando se pergunta o que o Estado deveria estar fazendo para o bem-estar de seus cidadãos, a resposta, historicamente, é mais polícia", diz.

Questionada sobre que tipo de mudanças poderiam ser feitas para tornar a polícia mais efetiva, Meares diz que a solução envolve duas frentes. Uma delas é de ações a curto prazo, como submeter os agentes a treinamentos e modificar o escopo de atuação da corporação como um todo. "Não há nada —nada— sobre algumas atribuições do trabalho que exijam a presença de um agente armado", afirma a pesquisadora, citando como exemplo a fiscalização do trânsito e a intermediação de contendas entre vizinhos.

Já um plano a longo prazo envolveria tentar entender as circunstâncias que culminam em situações de violência. Nesses casos, a solução provavelmente implicaria ações sociais, como oferecer moradia a pessoas em situação de rua e emprego para jovens desocupados. "Pode ser que a resposta seja que as escolas fiquem abertas por mais tempo e sirvam três refeições ao dia. Isso não tem nada a ver com a polícia, mas posso garantir que, se fizermos isso, haverá menos crimes", diz ela.

O argumento de Meares lembra o do movimento "defund the police", que ganhou força após o assassinato de Floyd. Seus integrantes defendiam que os governos tirassem verbas da área de segurança pública e as transferissem para áreas como saúde e educação.

À época, a pauta foi encampada pelo Partido Democrata, e alguns prefeitos e governadores chegaram a implementar medidas defendidas pelos ativistas. Com a Covid, porém, os índices de criminalidade dispararam nos EUA ao mesmo tempo em que agentes deixaram a corporação em massa.

Era o que os republicanos precisavam para acusar seus opositores de serem lenientes com a violência —mesmo que vários dos locais que segundo os conservadores se tornaram mais perigosos após aderirem ao "defund the police" na verdade tenham aumentado seus orçamentos destinados às forças de segurança, de acordo com um estudo divulgado pela emissora americana ABC em outubro passado.

De todo modo, os democratas, na época às vésperas das midterms, as eleições de meio de mandato que renovam parte do Congresso, decidiram se afastar da causa. Em fevereiro de 2022, a então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, disse que a proposta de cortar verbas para a polícia tinha morrido. Duas semanas depois, em seu tradicional discurso do Estado da União, o presidente Joe Biden disse que a resposta não era diminuir o orçamento das forças de segurança, mas aumentá-lo.

Questionada sobre como vê o "defund the police" hoje, Meares diz que o debate sobre segurança pública nos EUA no momento "é precário e míope", e "está focando o conjunto errado de perguntas".

Enquanto isso, casos de brutalidade policial contra homens negros seguem se repetindo. Em janeiro, cinco policiais de Memphis, no estado do Tennessee, foram acusados pela morte de Tyre Nichols, 29, após espancá-lo severamente.

Meares, que foi a primeira mulher negra a obter o título de professora titular da faculdade de direito de Yale, conta que o caso chamou muito a atenção nos EUA porque os agentes suspeitos pelo crime também eram negros. Ela afirma, porém, que o tipo de dinâmica racial por trás de episódios como esse não tem nada a ver com o que chama de "racismo à moda antiga". "É um tipo de racismo estrutural", diz ela.

A pesquisadora tem se debruçado cada vez mais sobre o tema por meio de pesquisas na área do "condicionamento racial". Um dos experimentos que realizou envolvia a divisão de voluntários em dois grupos. A um deles eram exibidas fotografias de homens negros e, a outro, de homens brancos. Em seguida, os pesquisadores apresentavam uma imagem do contorno de uma arma.

Segundo Meares, aqueles que tinham tido contato com os retratos de homens negros reconheciam o objeto muito mais rapidamente do que aqueles que viram fotos de homens brancos. "O que isso mostra é que, nos EUA, a raça está profundamente associada à criminalidade", diz ela. "Nunca me sujeitei a um experimento desses, mas não ficaria nem um pouco surpresa se reproduzisse esses preconceitos, porque eles são inconscientes."

 

       Cracolândia passa a migrar de rua durante o dia após sequência de protestos

 

A aglomeração de usuários de drogas conhecida como cracolândia ganhou nova dinâmica após a sequência de protestos organizados por comerciantes e moradores e, há pouco mais de uma semana, ocupa de forma alternada por turnos diurno e noturno duas ruas na região central de São Paulo.

A divisão foi a saída encontrada pela prefeitura junto com a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para reduzir o incômodo dos comerciantes da rua Santa Ifigênia durante o dia e dos moradores dos prédios residenciais durante a noite.

No turno da manhã, a partir das 6h, os dependentes químicos são escoltados por agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) até a rua dos Protestantes, onde devem ficar até as 18h, quando são levados para a rua dos Gusmões, no quarteirão entre a avenida Rio Branco e a Santa Ifigênia —via conhecida pelo comércio de produtos eletrônicos.

A estratégia foi pensada a partir do pressuposto de que os moradores da rua dos Protestantes saem de casa para trabalhar de manhã e só voltam no fim da tarde quando o fluxo é retirado de lá. Com perfil comercial, o trecho da rua dos Gusmões fica deserto após o horário comercial e, portanto, pode abrigar o fluxo durante a noite.

A nova dinâmica é entremeada por ações de zeladoria que recolhem o lixo acumulado e jogam jatos d'água para limpar as ruas assim que são desocupadas.

O rodízio de ruas ocupadas pela cracolândia começou a ser praticado cerca de 10 dias após manifestação organizada por comerciantes da Santa Ifigênia que fecharam as portas contra a presença dos usuários de drogas em trecho perpendicular à rua.

Diferente de protestos anteriores, que reuniam algumas dezenas de moradores e comerciantes, a manifestação teve a participação de centrais sindicais das categorias que trabalham na região. Funcionários com uniformes dos estabelecimentos comerciais usaram apitos e cartazes com as frases "Lute pela Santa Ifigênia" e "Lute pelo seu trabalho seguro".

No dia seguinte, a concentração de usuários foi deslocada para a rua dos Protestantes e foi a vez dos moradores de um condomínio residencial levantarem seus cartazes contra a permanência da cracolândia. O ponto de aglomeração fica a cerca de quatro quarteirões de distância e abriga ao menos três ferros-velhos.

Em nota, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou que "a movimentação das cenas de uso aberto tem dinâmica própria". A resposta tem sido repetida pela administração municipal quando questionada sobre ações para mover a cracolândia desde a operação que escoltou os usuários de drogas para debaixo de um viaduto no Bom Retiro, no início de julho. A movimentação foi organizada e comunicada pela gestão estadual a equipes das polícias Civil e Militar dois dias antes.

A dinâmica de mudar o fluxo de lugar duas vezes por dia foi comunicada pela GCM durante reunião com comerciantes da Santa Ifigênia na semana passada.

Na prática, porém, a movimentação dos usuários tem desafiado os planos da prefeitura e do governo. Nesta quarta-feira (23), lojistas da rua dos Gusmões relataram que a via foi ocupada por volta das 17h20, em vez das 18h, quando o comércio ainda estava aberto. Houve correria de clientes assustados com a migração em massa dos usuários, relatou a dona de uma loja.

Ainda havia três carros estacionados no trecho tomado pela cracolândia, e dois agentes da GCM fizeram escolta em volta do veículo até os donos aparecerem, contou a comerciante, que não quis ter o nome divulgado.

Há reclamações também do lado de quem mora na rua dos Protestantes. De acordo com um deles que não quis se identificar, a rua, curta e estreita, não comporta toda a aglomeração que acaba tomando as ruas Triunfo e parte da Gusmões a partir das 6h. As duas vias são caminho para os moradores acessarem a estação Luz do metrô.

Moradores também relatam que o efetivo policial reduz bastante a partir das 18h e, na maioria das noites, grupos de usuários se espalham por toda a Gusmões e não apenas no trecho delimitado entre a avenida Rio Branco e a rua Santa Ifigênia.

Houve confusão na frente de um dos prédios nesta rua no último dia 15. Moradoras relataram terem sido abordadas por dependentes químicos quando iam ao protesto organizado pelos comerciantes e tiveram os cartazes arrancados de suas mãos e rasgados. Parte do confronto foi registrada pelas câmeras de vídeo do prédio. De acordo com o morador que não quis se identificar, a Polícia Militar foi chamada, mas demorou cerca de 45 minutos para atender a ocorrência.

A gestão Tarcísio foi procurada por meio da secretaria de Segurança Pública (SSP), que afirmou ter investido em tecnologia e em inteligência policial para identificar foragidos da Justiça em meio aos frequentadores do fluxo e também infratores. Houve também aumento do efetivo policial no centro, segundo a pasta.

Em relação à ocorrência citada, a SSP afirmou que policiais compareceram ao local, colheram os relatos dos moradores e os orientaram. Não houve relato de agressões.

 

       Guatemala pune ex-militar por massacre indígena durante ditadura

 

Justiça condenou coronel aposentado a 20 anos de prisão por morte de 25 pessoas da etnia Maya Achi, a maioria era de crianças; episódio ocorreu nos anos 80, na fase mais sangrenta do governo do general Montt.Responsabilizado por um massacre na Guatemala que vitimou 25 pessoas da etnia indígena Maya Achi, a maioria crianças, o coronel aposentado Juan Ovalle Salazar foi sentenciado a 20 anos de prisão nesta quinta-feira (25/08) pelo episódio ocorrido nos anos 80, período em que o país vivia uma ditadura e uma guerra civil.

Cabe recurso da decisão, proferida por um juíz da Cidade de Guatemala, que deu a Ovalle prazo de 10 dias a partir de 5 de setembro para contestá-la.

O episódio, ocorrido em 29 de julho de 1982 em Rancho Bejuco – assentamento em uma montanha ao norte da capital –, vitimou 17 crianças e adolescentes. Outras quatro mulheres estavam grávidas; os filhos que gestavam não fazem parte da contagem oficial de mortos.

Naquela época, o período mais sangrento da guerra civil guatemalteca (1960-1996), o país era governado pelo ditador e general Efrain Rios Montt, que chegou a ser condenado por genocídio em 2013 – a decisão, porém, acabou revertida em uma corte superior.

Preso desde 2016, Ovalle Salazar também responde por outro massacre em 1982 em Pambach que deixou 64 mortos, mas o caso se arrasta na Justiça.

O coronel aposentado compareceu à audiência desta quinta e permaneceu calado. Segundo a acusação, ele teria ordenado o massacre em retaliação à recusa dos moradores do assentamento em juntar-se às milícias criadas pelo Exército à época para manter a população sob controle – à época denominadas "patrulhas civis de autodefesa".

•        Oito réus inocentados

A Justiça guatemalteca inocentou outros dois ex-militares acusados de coordenar ações do Exército e das milícias, bem como seis ex-membros dessas patrulhas, por entender que os réus haviam agido por ordem de Ovalle Salazar, que os teria ameaçado de morte em caso de descumprimento. Um advogado das famílias das vítimas anunciou que pretende recorrer da decisão.

Que pessoas estejam sendo levadas a julgamento na Guatemala por crimes cometidos na guerra civil é resultado do esforço de sobreviventes e parentes dos assassinados: os corpos de Rancho Bejuco começaram a ser exumados em 1999, mas o julgamento só começou quase 14 anos mais tarde, em 2023.

 

Fonte: FolhaPress/Reuters

 

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