Zonas de amortecimento e corredores reforçariam a conservação no Brasil
Ongs pediram esta semana ao Ministério do Meio
Ambiente e Mudança do Clima (MMA) um reforço na implantação de zonas de
amortecimento e de corredores ecológicos entre parques e outras reservas,
sobretudo no Cerrado.
“A grande maioria do sistema nacional de unidades
de conservação ainda não tem esses instrumentos previstos em lei federal”,
destaca a advogada Flávia Cantal, da Associação dos Amigos das Florestas (AAF).
Conforme o manifesto das entidades civis, isso tem
provocado “perdas significativas de biodiversidade, sendo possível prever que
espécies vulneráveis (…) poderão desaparecer em algumas décadas”.
As zonas de amortecimento, ou tampão, são faixas de
largura variável ao redor de unidades de conservação que filtram impactos
vindos de fora, como poluição, espécies invasoras e ocupação humana desregrada.
Já os corredores de biodiversidade unem fragmentos
de vegetação nativa que foram apartados por ações humanas, como abertura de
estradas, agropecuária e urbanização.
Assim, zonas tampão e corredores são entravados
sobretudo pelo intenso desmate, que fragmenta a vegetação no entorno das áreas
que resguardam ambientes naturais, mas também por burocracias jurídicas.
Desde 2006, a Advocacia-Geral da União (AGU)
entende que as zonas de amortecimento só podem ser definidas pelo mesmo
instrumento que criou a reserva que elas deveriam circundar, ou seja, por
decreto ou por lei.
A posição da AGU decorreu de uma consulta da Casa
Civil, logo após o Ibama ter fixado uma faixa tampão com 250 km de largura no
Parque Nacional de Abrolhos (BA), dificultando a carcinicultura e a exploração
de petróleo.
“Isso tem
causado muita dificuldade [para implantar zonas de amortecimento]”, avalia a
Secretária Nacional de Biodiversidade do MMA, Rita Mesquita.
A situação é similar para os corredores ecológicos,
que deveriam facilitar a movimentação e a troca genética entre animais e
plantas nativas, dentro e fora de áreas protegidas.
“As unidades de conservação estão virando ilhas,
mas a fauna de grande porte circula inclusive fora de zonas preservadas”,
lembra César Victor do Espírito Santo, coordenador de projetos da Fundação Pró
Natureza (Funatura).
Pós-Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela
Universidade de Brasília (UnB), José Luiz de Andrade Franco destaca que
paisagens fragmentadas são mais pobres em quantidade e em variedade de fauna
silvestre.
“Populações menores [de animais] são mais sujeitas
à extinção. A destruição de habitats é uma das causas principais da extinção
global em massa de biodiversidade”, explica.
Conforme Franco, isso exige que a conservação seja
pensada em grandes territórios cuja vegetação natural seja interligada por
corredores de biodiversidade.
“Garantir a circulação segura de ‘espécies
engenheiras’ como onças e queixadas é super importante para manter o equilíbrio
dos ecossistemas”, diz. “Isso depende de melhores políticas públicas”, avalia o
pesquisador.
• Foco
cerratense
Uma das áreas protegidas prejudicadas pela falta de
zona tampão e de grandes corredores seria o Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros, no nordeste do Goiás, destacaram as entidades civis ao governo
federal.
“Isso amplia impactos de agrotóxicos de lavouras
transgênicas e convencionais, de invasões de animais domésticos e da
proliferação de condomínios, tudo na borda do parque”, denuncia Flávia Cantal,
da AAF.
Veadeiros foi criado em 1961 e, desde os anos 1990,
não tem uma zona de amortecimento, como pede a lei do sistema nacional de
unidades de conservação, publicada em 2000.
Chancelado pela Justiça Federal, um acordo entre
ICMBio e Ministério Público Federal (MPF) definiu que a faixa tampão do parque
nacional será definida até fevereiro de 2025, mostrou ((o))eco.
Ambientalistas analisam que a demora pode aumentar
os danos à área protegida pela multiplicação de empreendimentos muitas vezes
desconectados da conservação do Cerrado regional.
Conforme o manifesto entregue no MMA, a situação
piorou porque o novo plano de manejo adotado pelo parque fez vista grossa à
legislação federal e sequer sugeriu limites para sua zona de amortecimento.
“[A] omissão se tornou ainda mais grave, [pois nem
foram] indicados os critérios de inclusão e exclusão ou principais ameaças a
serem mitigadas pela zona tampão”, destaca o documento.
O desmate em Veadeiros seria facilitado por leis
estaduais menos restritivas que as federais, dizem as ongs. Goiás perdeu 78 mil
ha de Cerrado em 2022, apontam alertas do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam).
“O estado está desafiando as normas gerais da área
ambiental”, diz Flávia Cantal, da Associação dos Amigos das Florestas (AAF).
• Curando
as feridas
Segundo maior bioma em área do país, após a
Amazônia, o Cerrado já perdeu mais da metade da vegetação original e ainda
enfrenta destruidoras taxas anuais de desmatamento.
Em 12 meses, de julho de 2022 a agosto deste ano,
os alertas do governo federal sobre desmate no Cerrado cresceram 16,5% em
comparação ao período anterior. Ano passado, o bioma perdeu 10,7 mil km².
Representantes de 10 estados do bioma se reuniram
esta semana, em Brasília (DF), para colocar as cartas na mesa e tentar reduzir
com ações conjuntas as perdas da “savana brasileira”.
“Os estados se comprometeram a apresentar os dados
referentes às autorizações de supressão de vegetação e às autorizações para uso
alternativo do solo”, diz em nota a Assessoria de Imprensa do MMA.
Outros meios podem azeitar a preservação e
recuperação do bioma em imóveis privados, como incentivos do Plano Safra pela
regularidade de Cadastros Ambientais Rurais (CAR), exigidos pela legislação
florestal.
“Isso ajudará na restauração da vegetação em
imóveis rurais, com potencial para formação de corredores ecológicos”, avalia a
secretária Nacional de Biodiversidade do MMA, Rita Mesquita.
Os corredores seriam estruturados pelo
posicionamento de Reservas Legais a serem recuperadas junto a outros maciços de
vegetação nativa preservada.
Para José Luiz de Andrade Franco, também professor
na pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável na UnB, as aceleradas perdas
mostram que o Cerrado merece políticas para desmate zero, não só a Amazônia.
“Passou da hora de frear essa devastação”,
ressalta. “A destruição do Cerrado e de outros biomas não pode ser um trade-off
[uma troca] pela preservação da floresta equatorial”, arremata o pesquisador.
Fonte: ((o))eco
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