No Brasil, milionários pagam menos imposto de renda que professores,
médicos e policiais, mostra estudo
Contribuintes milionários pagam no Brasil alíquotas
menores de imposto de renda do que profissionais de renda média e alta, mostra
um levantamento inédito realizado pelo Sindifisco Nacional, sindicato que representa
os auditores-fiscais da Receita Federal, a partir de dados do Imposto de Renda
Pessoa Física de 2022 (ano calendário 2021).
Segundo esses dados, contribuintes que declararam
em 2021 ganhos totais acima de 160 salários mínimos (R$ 2,1 milhões no ano, ou
R$ 176 mil por mês) pagaram, em média, uma alíquota efetiva de Imposto de Renda
(IR) de menos de 5,5%.
É uma taxa menor, por exemplo, do que pagaram
professores de ensino fundamental (8,1%), enfermeiros (8,8%), bancários (8,6%)
ou assistentes sociais (8,8%) — profissionais que, na média, declararam
rendimentos totais (soma dos salários e outros rendimentos) abaixo de R$ 94 mil
naquele ano (menos de R$ 8 mil ao mês).
A alíquota efetiva dos milionários também foi menor
do que a dos policiais militares (8,9%), cuja renda média total em 2021 ficou
em R$ 105 mil (R$ 8.750 ao mês). Ou do que a de médicos (9,4%), que declararam
em média renda total de R$ 415 mil (R$ 34,6 mil ao mês).
A alíquota efetiva é o percentual da renda total
que de fato foi consumida pelo IR. Segundo o Sindifisco, o principal motivo de
os mais ricos terem uma alíquota menor é que uma parcela relevante de sua renda
vem do recebimento de lucros e dividendos das suas empresas - renda que é
isenta de imposto no Brasil desde 1996.
Já a classe média tem uma parcela maior de seus
ganhos proveniente de salários, que, em geral, são tributados na fonte, com
alíquotas progressivas que chegam a R$ 27,5% para ganhos mensais acima de R$
4.664,69.
Essas pessoas também têm parte de seu dinheiro
isento de imposto, mas, em geral, é uma parcela da renda menor do que a dos
milionários.
O levantamento do Sindifisco mostra ainda que a
alíquota efetiva paga pelos contribuintes de maior renda caiu por dois anos
seguidos, entre 2019 e 2021: como houve crescimento do pagamento de lucro e
dividendos nesse período, o topo da pirâmide ficou mais rico, ao mesmo tempo
que pagou proporcionalmente menos IR.
Os números da Receita Federal mostram que
contribuintes brasileiros declararam terem recebido em 2021, no total, R$
555,68 bilhões em lucros e dividendos, uma alta de quase 45% sobre o valor de
2020 (R$ 384,27 bilhões) e de 46,5% ante o de 2019 (R$ 379,26 bilhões).
Para o presidente do Sindifisco, auditor-fiscal
Isac Falcão, esse aumento reflete a expectativa de que os dividendos voltem a
ser taxados no país.
A volta desse tributação pode ser incluída pelo
governo de Luiz Inácio Lula da Silva em uma proposta de reforma do Imposto de
Renda que o Ministério da Fazenda pretende enviar no fim deste ano para o
Congresso.
O assunto, porém, enfrenta resistência no
Parlamento. Proposta semelhante enviada pelo governo de Jair Bolsonaro em 2021
não avançou.
"As empresas estão retendo menos dividendos
agora para não correr o risco de distribuírem quando já estiverem sendo
tributados. Essa é uma das razões pelos quais eu digo que o tema está na
agenda", acredita Falcão.
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IR subiu para grupos de
menor renda
Por outro lado, o levantamento mostra que
contribuintes pobres ou de renda intermediária (faixas que vão de um a 15
salários mínimos mensais) passaram a pagar uma alíquota efetiva média de
imposto de renda maior entre 2019 e 2021.
Segundo o Sindifisco, o fato de a tabela do Imposto
de Renda estar há muitos anos sem ser atualizada pela inflação explica o
aumento da alíquota efetiva para grupos de renda menor.
Como os salários costumam ter algum reajuste anual
para compensar a inflação, trabalhadores acabam subindo de faixa de
contribuição e passam a pagar mais IR, mesmo que seu poder de compra não tenha
necessariamente aumentado.
Por exemplo, contribuintes que declararam em 2021
renda mensal entre 5 e 7 salários mínimos (R$ 5.500 a R$ 7.700 em valores
daquele ano) pagaram alíquota efetiva média de 6% -- ou seja, mais que os
milionários.
Já dois anos antes, a taxa média para essa faixa de
renda estava em 4,5%.
Nesse contexto, Falcão defende que a taxação de
lucros e dividendos seja usada para compensar uma redução do Imposto de Renda
que incide sobre faixas de menor renda.
A expectativa é que a reforma a ser enviada por
Haddad ao Congresso tenha também algum aumento na faixa de renda que é isenta
de IR.
Lula prometeu na campanha ampliar essa isenção para
até R$ 5 mil ao mês. No entanto, o próprio Haddad já disse que é um missão
difícil de cumprir, pois pode custar dezenas de bilhões de reais em perda de
arrecadação anual do governo.
Hoje, o contribuinte brasileiro não paga IR sobre
ganhos mensais de até R$ 2.112. O governo Lula criou uma dedução simplificada
mensal no valor de R$ 528 que, na prática, eleva a isenção R$ 2.640 no caso de
pessoas de menor renda.
O mecanismo não beneficia contribuintes com ganhos
mais altos porque não pode ser acumulado com outras deduções que já são usadas
por esse grupo, como contribuição previdenciária, pensão alimentícia e
dependentes.
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Renda da classe média alta é
a mais taxada
Os contribuintes que pagam mais IR são aqueles com
renda mensal entre 10 e 40 salários mínimos (R$ 11 mil a R$ 44 mil em valores
de 2021), cuja alíquota média efetiva fica acima de 10%.
Nesse grupo, estão profissões com altos salários,
como o topo da carreira pública. Nesses casos, o percentual da renda de fato
consumido pelo IR é mais que o dobro que o pago por milionários, caso de juízes
(13%), servidores do Banco Central (14,5%) ou auditores-fiscais (15,6%).
São categorias que, embora não tenham rendas
milionárias, recebem uma remuneração bem acima da maioria dos brasileiros. Os
juízes, por exemplo, declararam em 2021 renda média total de R$ 729,6 mil (R$
60,8 mil ao mês).
Para o presidente do Sindifisco, auditor-fiscal
Isac Falcão, as alíquotas efetivas cobradas sobre essas categorias com altos
salários é justa. O problema, na sua visão, é os segmentos com rendas ainda
mais altas pagarem alíquotas menores.
Por outro lado, mostram os dados, há profissões com
renda alta na comparação com a maioria da população brasileira que pagam
alíquotas efetivas baixas, crítica Sérgio Gobetti, economista do Ipea
especializado em tributação e finanças públicas.
É o caso de advogados (5,2%), cuja renda média
total declarada em 2021 foi de R$ 223 mil (R$ 18,6 mil ao mês).
Ou dos decoradores (5,1%), que declararam em média
R$ 215 mil de renda total naquele ano (R$ 17,9 mil ao mês).
Em geral, são profissionais liberais, donos de suas
próprias empresas, que pagam alíquotas menores sobre os lucros obtidos porque
essas companhias se enquadram em regimes especiais de tributação, como o
Simples e o sistema de lucro presumido.
Contribuintes que se declararam ao Fisco como
dirigentes, presidentes ou diretores de empresas, por exemplo, tiveram alíquota
efetiva de apenas 4,14% em 2021, quando informaram renda total média de R$
267,8 mil (R$ 22,3 mil ao mês).
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O Brasil deveria voltar a
taxar dividendos?
O Brasil é um dos poucos países do mundo que não
taxa lucros e dividendos. Isso não quer dizer que o dinheiro que entra no bolso
do acionista nunca foi tributado.
Sobre o lucro das empresas incide, via de regra,
dois impostos: o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cujas alíquotas somam 34%.
Opositores da taxação de dividendos dizem que essa
alíquota de 34% é alta na comparação internacional.
Segundo Sergio Gobetti, a tributação dos lucros de
empresa em outros países realmente é menor, girando, em média, na faixa de 20%
a 25%.
Na prática, porém, as empresas brasileiras não
pagam a taxa cheia, já que há benefícios e isenções que permitem reduzir o
valor a ser cobrado pela Receita.
"Diversos estudos mostram que, em média,
companhias de capital aberto (com ações em Bolsa) pagam 24% de impostos sobre
seus lucros, e não 34%", ressalta.
Além disso, empresas com faturamento anual de até
R$ 4,8 milhões podem entrar no Simples, que tem alíquotas progressivas que
variam de 4% a 33% e englobam 8 impostos, entre eles o IRPJ.
Para Sérgio Gobetti, a volta da tributação dos
dividendos deveria vir acompanhada de uma reforma ampla da taxação das
empresas, que elimine as exceções que permitem a empresas pagar pouco sobre
seus ganhos.
Com isso, diz, seria possível reduzir a tributação
de IRPJ/CSLL de 34% para 25% e criar uma outra alíquota a ser paga sobre lucros
e dividendos, que poderia ser de 20% ou 25%.
"E poderia haver uma faixa de isenção. Por
exemplo, dividendos de até R$ 30 mil no ano não seriam taxados e valores acima
disso pagariam", exemplifica.
Por outro lado, outro argumento dos defensores do
fim da taxação de lucros e dividendos no Brasil é que esse imposto tinha baixa
eficiência tributária e gerava muitas disputas judiciais - ou seja, o Fisco
tinha dificuldade de cobrar esse tributo adequadamente.
Esse argumento foi defendido em um artigo por três
ex-secretários da Receita Federal: Everardo Maciel (governo FHC), Jorge Rachid
(governos Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer) e Marcos Cintra (governo Jair
Bolsonaro).
"Tomando por base o ano de 1995, a arrecadação
do IRPJ, ainda que não apenas em razão daquela opção, cresceu, em termos reais,
em todos os anos subsequentes — muitas vezes com percentuais superiores a 100%,
ao passo que a participação desse imposto no PIB aumentou em praticamente todos
os anos, chegando a exibir impressionante crescimento de 95%",
argumentaram no artigo publicado no ano passado, no jornal Folha de S.Paulo.
Gobetti, por sua vez, argumenta que a realidade de
hoje é diferente da de 1995 devido à internacionalização cada vez maior da
economia, o que dá mais liberdade para empresas escolherem onde investir no
mundo.
Na sua avaliação, esse é mais um fator a favor de
uma reforma que reduza a tributação direta sobre as empresas e tribute os
lucros distribuídos aos acionistas.
"Tributar diretamente o lucro da empresa sem
dúvida é mais simples, mas é incompatível com o mundo de hoje, onde todos os
países reduziram significativamente as suas alíquotas sobre as empresas. Então,
(o modelo atual brasileiro) não é só um problema pela falta de
progressividade", destacou.
Fonte: BBC News Brasil
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