terça-feira, 8 de agosto de 2023

Com a maior renda por pessoa no país, cidade mineira vira canteiro de obras

Quem anda pelas ruas movimentadas da pequena São Gonçalo do Rio Abaixo, com apenas 12 mil habitantes, na Região Central de Minas Gerais, nem imagina que está pisando na cidade mais rica do país em termos de arrecadação por habitante. Os moradores do município, localizado a 86 quilômetros de Belo Horizonte, também não têm ideia dessa realidade econômica, mas sentem no dia a dia a pujança financeira, que destoa da maioria das cidades de Minas e do Brasil, inclusive das capitais, cidades com arrecadações tributárias elevadas, mas com baixa capacidade de investimento em função do tamanho da população e dos problemas.

São Gonçalo tem, de acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), o maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita (R$ 209 mil por habitante) e a maior arrecadação dos impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e sobre Serviços (ISS) do país por habitante (R$ 15.617).

Um contraste, por exemplo, com Esmeraldas, distante apenas 140km de São Gonçalo do Rio Abaixo, localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), município mineiro com a menor arrecadação per capita do estado, R$ 9,6 mil para cada um de seus 86 mil habitantes, onde falta emprego e esgotamento sanitário. Ou com a cidade de mais baixa arrecadação por morador no Brasil, o município de Araioses, no interior do Maranhão, que tem R$ 5,9 mil de PIB per capita, quase 35 vezes menos que São Gonçalo do Rio Abaixo, para gastar anualmente com cada um de seus cerca de 39 mil habitantes.

Toda essa dinheirama da cidade mais rica do Brasil vem, basicamente, dos royalties da mina de Brucutu, um dos maiores complexos de extração e beneficiamento de minério de ferro do mundo, explorado na cidade pela Vale. Vem também do ICMS e ISS das empresas que se instalaram lá para prestar serviços para a mineradora e também de outras indústrias que o município tem atraído, de olho na diversificação da economia. “Minério não dá duas safras”, afirma o atual prefeito de São Gonçalo do Rio Abaixo, José Raimundo Nonato (PDT), mais conhecido como Nozinho, em entrevista ao jornal Estado de Minas.

Mas enquanto vai rendendo dividendos, a cidade mais parece um canteiro de obras. No quadro de avisos de licitações da prefeitura não há espaço para nem mais uma tachinha. Informativo distribuído pela prefeitura lista 150 obras, entre realizadas, licitadas e em fase de execução e planejamento. O responsável por elas é o filho do prefeito, Diogo Henrique Barcelos, secretário de Obras da cidade.

A cidade tem três escolas integrais de fazer inveja a qualquer capital ou estabelecimento particular, onde são servidas seis refeições diárias. A totalidade dos estudantes das zonas urbanas e rurais é atendida por transporte escolar, realizado por ônibus novinhos. Os universitários residentes na cidade há pelo menos dois anos têm direito a uma ajuda de custo mensal de R$ 400, e os alunos da rede municipal recebem, no começo do ano, material escolar, 10 peças de uniforme e mochila. Nas escolas, além da grade curricular obrigatória, são ofertadas aulas de teatro, inglês, karatê e balé. “Aqui a escola particular não prospera”, afirma a secretária de Educação de São Gonçalo, Lucinda Imaculada de Barcelos Santos, irmã do prefeito Nozinho.

Na área da saúde, a cidade tem um pronto atendimento, com estrutura digna de hospital, que funciona 24 horas, e uma farmácia popular que vai ganhar sede nova, além de 16 postos de saúde. As vias de acesso à zona rural são asfaltadas e quase 70% da população é atendida por rede de esgoto.

A prefeitura vai retomar agora uma ajuda de custo de R$ 40 mil para o servidor municipal construir ou reformar sua casa. Tem ainda uma unidade do Corpo de Bombeiros, construída e mantida com recursos municipais, um estádio poliesportivo e um parque de exposições, onde são realizadas festas e eventos. Somente este ano, a cidade já recebeu shows de artistas de renome nacional como Zeca Baleiro, Nando Reis e Vanessa da Mata, todos bancados pelos cofres municipais.

GUARDA MUNICIPAL

A prefeitura vai implantar a Guarda Municipal, com 32 agentes concursados. O projeto já foi aprovado pela Câmara Municipal. Vai terminar também a construção da sede cidade administrativa, que fica no caminho do novo trevo na BR-381, obra que deveria ser de responsabilidade do governo federal, mas que é 100% bancada pelo caixa do município, que também pretende assumir totalmente o ensino fundamental do 6 º ao 9º ano, hoje sob responsabilidade constitucional do governo do estado.

Com tanta riqueza, a cidade está na lista dos municípios mineiros que vão ter sua arrecadação reduzida com a reforma tributária, já aprovada este ano pela Câmara dos Deputados e que será agora analisada pelo Senado. Nozinho disse que a cidade deve perder R$ 80 milhões dos cerca de R$ 400 milhões que arrecada anualmente, mas garante que não está preocupado, apesar de ainda ter esperança de que a reforma, aprovada, segundo ele, “goela abaixo”, seja alterada para que os municípios de elevada arrecadação, como o administrado por ele, não percam tanto.

FUTURO

Questionado sobre como a cidade vai manter toda essa estrutura quando acabar a “safra” única do minério, Nozinho também afirma não ter essa preocupação. “Vamos cuidar agora que temos uma receita boa para não virar uma Itabira no futuro”, afirma o prefeito, referindo-se à cidade vizinha, que há 80 anos vive sob a dependência econômica da mineração e agora corre contra o tempo para diversificar sua economia para enfrentar a exaustão das minas, prevista para ocorrer daqui a menos de uma década.

Nozinho disse que trabalha para diversificar a economia, atraindo para a cidade indústrias que gerem emprego, construindo toda a infraestrutura possível e investindo na educação, que ele classifica como “xodó”. O sonho do prefeito é levar para a cidade um instituto federal de educação tecnológica e uma universidade de grande porte. “Dinheiro ajuda, mas não é tudo. Eu conheço cidades aqui da região que têm um bilhão no caixa, não vou falar o nome porque seria antiético, e não fazem metade do que fazemos”, se vangloria.

 “PÃO E CIRCO”

Mas para a oposição, a situação não é bem essa retratada pelo prefeito. Para o vereador Cássio Silva (PTB), a população vive de “pão e circo”. “É um mar de dinheiro muito mal aplicado”, afirma o vereador, que critica, por exemplo, a aprovação pela Câmara do projeto da prefeitura para assumir os anos escolares que são de responsabilidade do estado. “Vamos ter um prejuízo de R$ 3,3 milhões por ano com essa municipalização. Será que o prefeito pensa que o minério é infinito, que o dinheiro nunca vai acabar? E quando acabar, o que faremos com todos esses elefantes brancos e com todos esses servidores e serviços públicos assumidos pelo município?”, questiona o vereador, citando o estádio poliesportivo que, segundo ele, consome R$ 100 mil por mês de manutenção.

O vereador também se diz contrário aos investimentos, segundo ele, milionários feitos pela prefeitura em festas. A última, de acordo com ele, durou quatro dias e custou R$ 3 milhões. Em abril, a prefeitura promoveu uma cavalgada com diversos shows, entre eles da dupla de renome nacional Fernando e Sorocaba.

Segundo Cássio Silva, a prefeitura não investe na diversificação econômica e gasta todo o dinheiro dando “migalhas” para a população. O vereador também acusa a prefeitura de nepotismo e disse que enviou para o Tribunal de Contas do Estado um relatório sobre obras paradas. Para ele, a prefeitura deveria investir em garantir esgoto e água tratada para 100% do município e buscar empresas que gerem emprego e receita para incentivar a diversificação econômica. “Se não, como faremos no futuro?”, indaga.

 

       Problemas se multiplicam na cidade com menor arrecadação por pessoa em MG

 

Cento e quarenta quilômetros separam a cidade mais rica do Brasil e de Minas do município de Esmeraldas, o mais pobre do estado em termos de arrecadação per capita. Uma das maiores em extensão territorial da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a cidade arrecada apenas R$ 9.608 por habitante, uma diferença exorbitante frente aos R$ 209 mil que entram no cofre de São Gonçalo do Rio Abaixo para investir em cada um de seus moradores. As escolas e o modesto hospital de Esmeralda, que está sendo reformado pelo governo do estado, em nada lembram a vastidão e a infraestrutura dos equipamentos públicos de São Gonçalo do Rio Abaixo, mas o maior problema mesmo da cidade é saneamento.

Com baixa industrialização e funcionando quase como uma cidade-dormitório, o município carece de emprego e esgotamento sanitário, que alcança hoje apenas 25% da população. A média do estado é de 77,9% da população atendida por esse serviço, segundo dados da plataforma Municípios e Saneamento, que reúne informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) do governo federal.

Os moradores da cidade estão até mesmo fazendo um abaixo-assinado para pressionar o poder público a resolver o problema. Eles querem que a Câmara Municipal aprove leis determinando a implantação do esgotamento em toda a cidade e também o asfaltamento das ruas, mas essa decisão não depende dos vereadores e sim de investimentos aportados pelo Executivo estadual ou municipal.

O prefeito de Esmeraldas, Marcelo Nonato (Solidariedade), foi procurado, mas não atendeu ao pedido de entrevista feito pela reportagem. O presidente da Câmara dos Vereadores, Klibas Andrade (Avante), também foi procurado, mas não retornou o pedido de entrevistas conforme prometido. O vereador Alan Delon Borges da Silva, conhecido como Alan do Açougue (PRB), afirmou ter ficado triste com a informação de que a cidade tem uma das mais baixas arrecadações do estado por habitante, mas disse que só poderia falar sobre o assunto pessoalmente.

A despachante imobiliária Sandra Nunes, de 52 anos, que trabalha em Belo Horizonte e mora em Esmeraldas, diz que só os bairros do “miolo” da cidade têm esgoto canalizado. “O resto é fossa”, afirma Sandra, que mora na região conhecida como Dumaville, loteada há cerca de 30 anos e até hoje sem esgoto tratado, que corre a céu aberto nas ruas sem calçamento.

Também morador de Dumaville, Geraldo Assis Alves, de 56, viúvo, cobra saneamento e ruas calçadas, mas sua maior preocupação mesmo é com emprego para os filhos, ao todo seis, quatro deles já adultos. “Aqui todo mundo sai para trabalhar fora, pois não tem emprego. Todos os meus filhos trabalham em Betim ou Contagem. Eu faço bicos”.

Nascido em Januária, no Norte de Minas, mas morando em Esmeraldas desde 1980, o radialista José Jorge Nunes Ribeiro, de 59, afirma que, apesar da carência econômica, “viver em Esmeraldas é muito bom”. “Mas nossa arrecadação de impostos é baixíssima, a gestão dos recursos dá piedade e os sucessivos governos não veem as prioridades para a cidade. Falta investimento em educação, saúde e empregos, quase não temos indústria, mas já tivemos uma grande extração da areia e fomos uma das maiores bacias leiteiras da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Hoje amargamos o fato de viver em uma cidade-problema, com crescimento desordenado, desemprego e loteamentos feitos à revelia”, critica.

•        Cofres vazios em delta turístico

Portal do Delta do Parnaíba, uma das maiores atrações turísticas da divisa com o Piauí, a cidade de Araioses, no interior do Maranhão, foi palco de uma das mais importantes revoltas populares do século 19 contra as péssimas condições de vida da população e que ficou conhecida como Balaiada. Hoje, apesar de ser uma das maiores produtoras da região de caranguejo e pó de carnaúba, usado para fabricação de ceras e plásticos para a indústria automobilística, amarga a mais baixa arrecadação per capita do Brasil e sofre com desemprego e um comércio fraco.

O vereador de Araioses José Arnaldo Souza, o Professor Arnaldo (Republicanos), atribui a baixa arrecadação ao sistema tributário do município, à guerra fiscal e à falta de preocupação de sucessivos governos em melhorar a captação de receitas. Segundo ele, os governos locais se contentam em viver do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma transferência constitucional de impostos feita com base na população de cada cidade. O código tributário municipal, de acordo com ele, também tem uma alíquota elevada de Imposto Sobre Serviços ISS) e uma fiscalização pouco efetiva, o que contribui para a baixa arrecadação. A prefeita Luciana Marão Felix (sem partido) não retornou o pedido de entrevista enviado por e-mail e também por meio da secretária dela.

Para o vice-presidente da Associação Comercial de Araioses, Francisco Fonseca dos Santos, falta planejamento, fiscalização e diálogo. Segundo ele, a cidade é o portal da maior atração turística da região, o Delta do Parnaíba, mas não arrecada nada com isso. As lanchas que fazem o passeio ao delta têm que passar pelo município, mas não é cobrado nenhum imposto. Mesmo caso na extração do pó da carnaúba e do caranguejo que, segundo ele, são coletados sem nenhum controle e vendidos para todo o Nordeste sem que a cidade receba sequer um centavo. “Já tivemos, anteriormente, um posto de fiscalização para evitar a saída dos caranguejos sem nenhum imposto, mas ele foi desativado”, afirma.

Ele também cobra uma maior fiscalização para combater a sonegação fiscal e apoio para o incremento ao comércio. “As pessoas saem da cidade onde elas moram para comprar nos municípios vizinhos, que têm maior variedade, grandes redes e preço muitas vezes melhor”. A cidade, avalia ele, tem um enorme potencial turístico, com locais lindos e uma das grandes atrações da região: a revoada dos guarás, aves de plumagem vermelha que se alimentam de caranguejos e têm na cidade de Araioses seu berço natural. (AM)

•        Tropeço no sistema tributário

Para Sérgio Gobetti, economista e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), responsável pelos dados sobre arrecadação per capicata dos municípios, a discrepância econômica entre os municípios é um dos problemas do sistema tributário brasileiro. “A opção por repartir as receitas tributárias com base no princípio da origem, dando os recursos ao local da sede das empresas e não ao local em que vivem as pessoas, gera essa gritante distorção”, afirma.

Para ele, essa extrema desigualdade, seja na sociedade, seja na Federação, “é algo muito ruim, não só do ponto de vista filosófico, mas pelo lado prático, porque afeta o ambiente social e econômico negativamente”. “E, no caso dessas enormes diferenças de receita entre municípios, é algo inadmissível se pensarmos que isso decorre simplesmente de decisões políticas sobre as regras de tributação e repartição de recursos”, afirma o economista, que já foi secretário adjunto de Política Fiscal e Tributária da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, durante o governo Dilma Roussef.

Segundo ele, a definição de mais pobre e mais rico feito pela Ipea tem como base a receita per capta por habitante, “seja considerando o ICMS + o ISS, seja considerando todas as receitas”.

 

Fonte: em.com

 

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