Você pode ler o quanto quiser, mas só vai entender Einstein se souber
Matemática, diz físico americano
Um gato que está vivo e morto ao mesmo tempo. Uma
pessoa para quem o tempo passa mais rápido do que para outra. Um tipo de
matéria invisível que preenche o espaço entre galáxias.
Se você gosta de Física e Astronomia, certamente já
se deparou com algumas dessas fascinantes metáforas com as quais os
especialistas tentam explicar vários dos enigmas da Ciência.
Para o astrofísico Sean Carroll, professor de
Filosofia Natural da Universidade Johns Hopkins (EUA) e acadêmico do Santa Fe
Institute, porém, muitas delas são "traduções aproximadas" do que
realmente acontece no universo.
Carroll é autor do livro As Ideias Fundamentais do
Universo, em que defende que, se alguém realmente quer entender a essência das
melhores explicações que temos da natureza até agora, precisa entender as
equações com as quais essas teorias são explicadas.
Em seu trabalho, ele explica a Matemática que
sustenta ideias como tempo, espaço, gravidade ou buracos negros.
Sua aposta é que, se um amador passar algum tempo
entendendo as equações formuladas por mentes brilhantes como Newton, Einstein
ou Schrödinger, ele entrará em um nível de compreensão muito mais deslumbrante
do que qualquer metáfora pode permitir.
A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC,
entrevistou Carroll, que é especialista em temas como Mecânica Quântica,
Cosmologia, energia escura, matéria escura e origem do universo.
• Quando
se tenta explicar Física para um público não especializado, é comum o uso de
muitas metáforas e analogias para esclarecer fenômenos complexos. Você diz que
muitos desses recursos são apenas “vagas traduções das equações”. Você acha
que, ao invés de esclarecer, esse tipo de explicação está confundindo as
pessoas?
Sean Carroll - Escrevi livros sem equações, nos
quais uso metáforas o tempo todo, analogias e anedotas, e acho isso bom. O que
acontece com as metáforas e analogias é que elas são uma forma de dizer:
"tem essa coisa que talvez você não entenda, vou comparar com uma coisa
que você entende".
No entanto, nem sempre fica claro para a pessoa
qual parte da metáfora é relevante.
É complexo. Na Física, existem muitas questões
intrigantes, mas há outras que parecem intrigantes simplesmente porque não
sabemos explicá-las bem.
• Existe
uma analogia que o incomoda particularmente, que acha que deveria ser
descartada?
Carroll - Há uma que não é tanto uma analogia, mas
uma afirmação que não é muito precisa, então tento refutá-la. Refiro-me à ideia
de que seu relógio funcionaria mais devagar se você se aproximasse da
velocidade da luz. Gosto de deixar claro que há duas coisas que são verdadeiras
simultaneamente. Uma é que, se você disparar na velocidade da luz e voltar,
terá experimentado menos tempo do que eu, mas ao longo do caminho seu relógio
continuará a funcionar da mesma forma, um tique por segundo. Tudo será
completamente normal.
Esses tipos de coisas complexas são o que você
precisa processar em sua mente, e acho que as equações ajudam você a
entendê-las melhor.
• É por
isso que você diz que alguém pode ler todas as palavras que quiser, mas
enquanto não entender as equações, não entenderá as teorias de Einstein...?
Carroll - Desde Isaac Newton, temos teorias físicas
muito rigorosas e exatas.
Antes só conhecíamos tendências, mas não era algo
quantitativo, então não podíamos fazer previsões. Por isso não podíamos levar
foguetes à Lua.
Com a Física moderna, podemos fazer previsões
quantitativas, mas ao mesmo tempo a Física moderna nos confronta com situações
que não são óbvias na vida cotidiana. A mecânica quântica, o Big Bang, mover-se
quase à velocidade da luz: são fenômenos fora de nossa experiência diária.
É por isso que os cientistas aprenderam a falar
sobre eles em termos matemáticos. Palavras e exemplos da vida cotidiana não são
suficientes para explicar exatamente os fenômenos, são coisas fundamentalmente
diferentes. Qualquer físico em qualquer lugar do mundo que tente explicar algo,
em algum momento dirá "está muito claro, basta olhar para as
equações!".
Se você não olhar para as equações, não tem escolha
a não ser confiar que os físicos estão dizendo a verdade, e a verdade é que
nenhum cientista gosta de dizer “confie no que eu digo”. Algo está errado se
você está explicando ciência e é forçado a usar essa frase.
Então, por exemplo, falar sobre a relatividade
geral nos dá uma ideia, mas só a equação nos diz o que realmente é, com
precisão.
• Outra
explicação famosa é o paradoxo do gato de Schrödinger, que está vivo e morto ao
mesmo tempo, e que é usado para explicar a superposição de estados, um dos
princípios da Mecânica Quântica. Como convencer alguém de que uma equação é
mais fascinante do que aquela história de gato?
Carroll - Esta é uma ótima pergunta e tem uma boa
resposta. Quando você conta a história do gato de Schrödinger, as pessoas ficam
surpresas por ele estar vivo e morto ao mesmo tempo, mas realmente não entendem
o que você está dizendo. Elas não conseguem entender como essa incrível
conclusão contra-intuitiva foi alcançada, a menos que conheçam a equação.
A propósito, Schrödinger era cético em relação ao
que se sabia então sobre a Mecânica Quântica. Na verdade, o ponto que ele
queria enfatizar com o experimento mental do gato era que não era possível
alguém acreditar em algo tão absurdo quanto um gato estar vivo e morto ao mesmo
tempo. A equação de Schrödinger é a equação mais fundamental conhecida pela
Física. Foi originalmente proposta no contexto de um modelo simples sem
relatividade, mas existe uma versão para qualquer teoria quântica específica,
incluindo o Modelo Padrão da física de partículas.
Atualmente, é nossa melhor aposta em como a
natureza funciona em um nível profundo.
• Então,
a Matemática é a melhor linguagem para descrever o universo?
Carroll - Parece que sim e acho que isso não
deveria nos surpreender. O mundo tem padrões. Por exemplo, toda vez que você
pegar uma xícara de café e deixá-la cair, ela cairá, não irá para cima. Se não
tivéssemos esses padrões o mundo seria completamente imprevisível, acho que nem
estaríamos aqui conversando. É por isso que a Matemática é tão útil, é a
linguagem que usamos para falar sobre esses padrões.
• Qual
é a sua posição em relação ao dilema clássico: inventamos a Matemática ou ela é
algo que já está na natureza e o que fazemos é simplesmente descobri-la e
expressá-la em equações?
Carroll - Estou a meio caminho entre as duas
posições. Não acho que ‘inventamos’, acho que existem padrões que descobrimos.
O que criamos é a linguagem matemática para falar sobre esses padrões. O mundo
simplesmente existe, não está interessado em Matemática, natureza, universo,
como você queira chamar.
• Em
seu livro, você faz uma distinção entre "ideias que temos motivos reais
para acreditar que são verdadeiras" e "especulações
promissoras". Pode citar alguns exemplos?
Carroll - Existem teorias científicas
estabelecidas, que ainda serão úteis daqui a mil anos. São ideias que não vão
embora. Refiro-me à relatividade geral, à teoria do espaço curvo de Einstein, à
existência dos buracos negros.
Mas também existem ideias que são especulações
feitas com base em pistas. Por exemplo, um físico moderno certamente especulará
sobre o que acontece quando um buraco negro evapora (perde energia e some).
Stephen Hawking, para citar um, argumentou que os
buracos negros emitem radiação e evaporam. Não sabemos exatamente como esse
processo acontece, então tudo o que falamos é divertido e emocionante. Eu vivo
disso, mas a verdade é que não sabemos com certeza o que realmente acontece.
Mas é algo que ainda não foi comprovado. Não há nada de errado em especular, é
assim que a pesquisa de ponta funciona. Mas existem coisas que sabemos com
maior confiança, capazes de prever fenômenos futuros, por exemplo.
• Quão
verdadeiro é o mito de que Einstein não era um bom matemático?
Carroll - Acho que a maneira correta de dizer isso
é que ele não era matemático. Não que ele não fosse bom, mas a sua forma de
pensar, as coisas que o interessavam eram de Física, não de Matemática. São
duas coisas diferentes. Em Matemática, o que você procura é provar teoremas que
vêm de axiomas. Praticamente não importa qual axioma você escolha, você apenas
tenta provar o que se segue deles.
Em Física, em vez disso, você se concentra na parte
da Matemática que lhe diz algo sobre o mundo real. Einstein nunca se interessou
por Matemática pela Matemática. Não consigo imaginá-lo sentado resolvendo
quebra-cabeças de Matemática para se divertir. O que ele gostava era de fazer
experimentos mentais sobre o universo. E quando Einstein precisou de Matemática
para seu trabalho em Física, ele a aprendeu muito rapidamente.
• Você
diz que “as equações sabem mais do que nós”. O que significa isso?
Carroll - Esse é um fenômeno extraordinário e um
exemplo do progresso que a Física fez.
Voltemos a Einstein. Digamos que você esteja
tentando entender melhor a gravidade e, desde que inventou a relatividade, sabe
que existe algo chamado espaço-tempo, que está de alguma forma relacionado.
Então você se esforça para desenvolver uma equação
que relacione espaço, tempo e gravidade. Isso é o que chamamos de equação de
Einstein. Hoje sabemos que, implicitamente, naquela equação existem conceitos
como o Big Bang, ondas gravitacionais, buracos negros. Todas essas coisas
surgem como consequência disso.
Mas Einstein não sabia de nada disso em 1915. Ele
apenas inventou a equação, então teve que trabalhar muito para entender o que
ela estava dizendo a ele.
Depois de formulá-lo, Einstein viveu por mais 40
anos e nunca ouviu falar de buracos negros.
Às vezes levamos tempo para entender a mensagem das
equações, e isso porque, como eu disse antes, a natureza obedece a padrões e
quando você decifra esses padrões nem sempre decifra todas as suas implicações.
• Um
dos grandes desafios dos físicos é chegar a uma Teoria de Tudo, uma equação que
explique como todo o universo funciona de forma unificada. Você acha que é
possível?
Carroll - Acho que deve haver uma teoria que
explique tudo. O que não sabemos é quão simples essa teoria será. Pode ser um
mosaico de diferentes regras que correspondem a diferentes situações. Ou pode
ser apenas um princípio geral que explica absolutamente tudo ao mesmo tempo.
Por enquanto não podemos decidir como será essa
teoria, que corresponde à natureza. Mas sim, acho que há uma descrição correta,
ou talvez muitas descrições corretas de como a natureza funciona.
• A
inteligência artificial pode nos ajudar a alcançar essa grande teoria
unificadora?
Carroll - Não sei, mas acho que a IA terá um grande
impacto nessa área. Com os mecanismos que temos agora é difícil treinar uma IA
para ser realmente criativa. As IAs hoje em dia são boas em pegar coisas que os
humanos disseram ou fizeram e misturá-las.
Com o tempo elas podem melhorar. Tem gente que já
começou a dar dados para a IA e pedir para ela encontrar os padrões escondidos
no meio desses dados.
Mas estamos em um estágio inicial e, embora pareça
que a IA pode fazer truques impressionantes, quando falamos de grandes questões
como o Big Bang, são os conceitos que são realmente difíceis, não é apenas uma
questão de ajustar um conjunto de dados.
Em questões como essas, você precisa pensar no que
está pensando, e ainda não temos como transformar essas ideias em um algoritmo.
• Para
muitos, a aversão à matemática vem da escola. O que você acha que poderia ser
feito para evitar que muitas crianças cresçam odiando matemática?
Carroll - De alguma forma, não sei bem como, temos
que permitir que os alunos pensem na Matemática como algo divertido, como um
jogo de quebra-cabeça a ser resolvido. Por exemplo, qual é uma atividade
popular entre os jovens de hoje? Os video games. A Matemática é como um jogo,
mas nós a tornamos muito séria, muito rígida, com muita memorização, fazendo
procedimentos que não entendemos muito bem. Isso torna os cálculos muito
intimidadores, então é normal que algumas pessoas queiram distância.
Acho que Matemática deveria ser ensinada de forma
divertida, toda Ciência deveria ser.
A Matemática é sobre tentar e falhar, hipotetizar,
errar e aprender, mas nós a ensinamos de uma forma repleta de verdades
estabelecidas que você precisa memorizar. Uma maneira de pensar orientada para
o processo seria muito valiosa para a educação.
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário