As histórias dos pais de crianças mortas em operações policiais na
Bahia
Em 2023, Joel da Conceição Castro teria 23 anos.
Poderia ter sido um grande capoeirista como o pai, Joel Castro, conhecido no
meio como Mestre Ninha. Talvez tivesse a oportunidade de conhecer outros países
pelo mundo graças à capoeira. Ou talvez tivesse se apaixonado por uma área
profissional totalmente diferente.
Todas essas possibilidades passam pela cabeça de
seu pai diariamente. "De vez em quando, viajo para fora do país pelo
trabalho da capoeira. Hoje, levo meninos da periferia para conhecer pela
primeira vez países como a França e a Alemanha. Fico olhando de longe,
lembrando do meu filho e que ele podia estar ali naquele momento", diz
Joel pai, hoje com 54 anos.
Mestre Ninha sabe que nunca poderá ver seu filho
crescido. O destino de Joel, o filho, foi interrompido tragicamente ainda
menino, aos 10 anos de idade, em 21 de novembro de 2010. Naquele domingo à
noite, Joel se preparava para dormir em casa quando foi baleado na cabeça por
um tiro disparado pela Polícia Militar da Bahia, que fazia uma operação no
Nordeste de Amaralina. Segundo a família, os policiais negaram socorro ao
menino, que não resistiu aos ferimentos.
Treze anos depois, Joel pai ainda não viu uma
resposta da Justiça. Até hoje, nenhum dos nove policiais militares denunciados
pelo Ministério Público do Estado (MP-BA) foi julgado. Enquanto isso, casos
como o do menino Joel se multiplicaram nesse período: crianças que estavam em
casa ou nas proximidades da residência quando foram baleadas e mortas em
operações policiais.
Foram casos como o de Mirella do Carmo Barreto, que
tinha apenas seis anos. Em março de 2017, a garota estava com a mãe estendendo
roupas no varal de casa, na localidade da Gomeia, em São Caetano, quando foi
baleada por um tiro que partiu da arma de um policial militar. Na época, a PM
alegou que seguia o GPS de um celular que tinha sido roubado e estaria em busca
de criminosos. Testemunhas, porém, contestaram a versão e afirmaram que os
militares já chegaram atirando.
A última criança a ser vitimada pela violência
policial foi Gabriel Silva da Conceição Júnior, que foi morto no dia 23 de
julho, em Portão, bairro de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de
Salvador (RMS). Assim como Joel, Gabriel tinha 10 anos. Ele estava na porta de
casa quando foi atingido por um tiro no pescoço.
"Isso é em todas as periferias, porque eu ligo
a televisão e vejo esses fatos acontecerem. E aqui no Nordeste (de Amaralina)
acontecem muitos fatos. Quando eles (famílias de crianças mortas pela polícia)
falam assim 'eu vou querer justiça, quero justiça', eu fico olhando. Só penso:
vai ser mais um igual a mim, mais um que vai sofrer igual a mim atrás dessa
justiça. Eu sofro com essas pessoas", diz Joel pai.
"Quando eles (famílias de crianças mortas pela
polícia) falam assim 'eu vou querer justiça, quero justiça', eu fico olhando.
Só penso: vai ser mais um igual a mim, mais um que vai sofrer igual a mim atrás
dessa justiça. Eu sofro com essas pessoas"
Enquanto isso, a polícia baiana desponta no topo de
um ranking amargo: o da polícia que mais mata no Brasil. De acordo com o último
Anuário Brasileiro da Segurança Pública, divulgado no fim do mês passado pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a polícia da Bahia ultrapassou o Rio de
Janeiro em 2022 e, pela primeira vez, se tornou a mais letal do país, com 1.464
mortes atribuídas a ela.
Em todo o Brasil, foram contabilizadas 6.430 mortes
por intervenção policial - o que significa que, apenas a Bahia responde por
22,7% desse total. Em 2010, ano da morte de Joel, foram 305 pessoas mortas pela
polícia. A Bahia estava atrás de São Paulo e Rio de Janeiro, que tinha quase o
triplo de ocorrências (855). Somente na última semana, foram 31 pessoas
assassinadas pela polícia baiana, além de casos como o do jogador de futebol e
do músico feridos por militares, em Lauro de Freitas e no Nordeste de
Amaralina, respectivamente.
Em 2022, ainda segundo o Anuário, 0,1% das vítimas
de policiais no país tinham entre 0 a 11 anos - o maior percentual de
assassinatos é na faixa etária dos 18 a 24 anos, com 45,4% do total. “Ter 0,1%
é muito. Só o fato de ter vítimas nessa idade mostra a falência do Brasil
enquanto sociedade na capacidade de proteger crianças da atuação policial. Isso
é inaceitável”, enfatiza o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, David Marques.
• Sem
reparação
Neste mês de agosto, Joel Castro vai passar seu 13º
Dia dos Pais sem o filho. Em todo esse tempo, a vida mudou muito. O mestre de
capoeira tem outros quatro filhos, mas vive apenas com dois, frutos de outro
casamento.
O filho mais velho, Jeanderson, que chegou a ajudar
a socorrer Joel em 2010, foi embora do Brasil. Segundo o próprio pai, o trauma
pelo assassinato do irmão teria mexido muito com ele. Quando recebeu uma
proposta para viver na Irlanda, há alguns anos, decidiu investir nisso. Desde
então, mora no país.
O casamento com a mãe de Joel, que já não ia bem,
não teria resistido ao sofrimento. "A gente vai passando, vai levando as
consequências da vida. Nós vamos passando e sentindo muita falta de Joel.
Quando a gente entra aqui em casa, tem uma lembrança dele. Eu ainda moro no
mesmo lugar e a lembrança é eterna", diz.
Para Joel pai, a situação da segurança pública no
país chegou ao limite. Mais de uma vez, ele reforça que acredita que a Justiça
tem muita responsabilidade nisso e teria deixado chegar a esse ponto.
"Sempre vai acontecer, porque nem o Estado nem
a Justiça funcionam. Se a Justiça funcionasse para valer, se assim como eles
matam a Justiça fosse rápida, eles iam pensar duas, três vezes antes de fazer
de novo".
O mês de novembro costuma ser o mais duro. À
reportagem, ele descreve a personalidade do filho: era um menino comunicativo, cheio
de energia e capaz de conversar com gente grande. Além disso, Estava dentro de
casa. Joel era tão bem cuidado que os pais tinham até medo de que ele fosse
sozinho à feirinha do bairro.
"Mas mesmo que estivesse na rua, não era para
acontecer uma ação desastrosa da Polícia Militar. Eles fazem uma coisa daquela
e ainda dizem que foi troca de tiros. A perícia mostra que não teve troca de
tiros. Eu perdi Joel, mas ele fica na minha memória todos os dias, todas as
noites", acrescenta.
Ele diz esperar que Deus conforte o coração dos
pais de Gabriel como teria confortado o seu próprio e de outros pais na mesma
situação. Por vezes, conversa com o pai de Mirella, Robenilton Barreto, de quem
ficou amigo. "Ele me liga e fica 'Joel, a justiça, a justiça'. Eu fico sem
palavras para dar a ele, porque são 13 anos lutando", desabafa.
Nesses anos, ele diz não ter recebido nenhum tipo
de reparação do Estado. Nesse mesmo tempo, também diz que não viu nenhuma
mudança na polícia. "Só vai ter mudança quando reunir toda instituição que
luta sobre isso e todos os advogados da periferia para procurar a ONU
(Organização das Nações Unidas) para abrir uma ação contra o governo do estado.
Aí vai ter uma reação, mas enquanto não bulir nos cofres públicos da Bahia, não
vai dar nada".
Joel pai diz que muitos policiais moram na favela e
conhecem bem a periferia. Afirma ser por isso que tem dificuldade para entender
a postura de alguns. "Que tanto ódio é esse? Eu não entendo. Eles são pais
de família, moram na periferia e fazem uma coisa dessas. Não entendo o que esse
governo está fazendo com a cabeça desses homens. Quem anda instruindo esses
policiais?", questiona.
Seria o caso de fazer uma "limpeza", nas
palavras de Joel pai. Assim como uma casa precisa ser limpa diariamente, ele
acredita que a PM e o próprio governo do estado deveria identificar o que está
errado na corporação. "Eu só sei que foi Joel, foi Micael, foi Mirella,
foi Gabriel. As crianças estão morrendo. Está demais e tem que dar um basta
nisso. Eu não sei como, mas já chega".
• Dossiê
Os nove PMs que são réus no processo de Joel serão
levados a júri popular. O MP-BA denunciou nove policiais militares que
participaram da operação, mas o soldado Eraldo Menezes de Souza e o tenente
Alexinaldo Santana Souza foram apontados pelas investigações, respectivamente,
como o autor do disparo que matou Joel e comandante da ação.
Além deles, foram denunciados os soldados Leonardo
Passos Cerqueira, Robson dos Santos Neves, Paulo José Oliveira Andrade, Nilton
César dos Reis Santana, Luís Carlos Ribeiro Santana, Juarez Batista de Carvalho
e Maurício dos Santos Santana.
O MP informou que, assim como a defesa, se
manifestou no último dia 14 de junho para apresentar a lista de testemunhas que
irá depor no plenário do Júri. Antes disso, o processo estava no Superior
Tribunal de Justiça (STJ), que negou o recurso especial da defesa.
De acordo com a advogada Lorena Pacheco, que
representa a família como assistente de acusação no processo, agora, a
expectativa é de que o julgamento seja finalmente marcado. Para a advogada,
casos como o de Joel evidenciam a prática de violência processual.
"Esses pais e mães estão em um processo de
luto há muito tempo. No caso de Joel, a família tem mais tempo lutando por
justiça do que o filho passou em vida", diz ela, que é advogada do projeto
Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar do Odara - Instituto da Mulher
Negra.
Os réus usaram recursos ao longo dos anos. Só
agora, em 2023, as possibilidades de recurso acabaram, restando apenas que o
juiz marque a data do júri. "Entendemos que o processo constitucional
penal, apesar de ter todas as ressalvas e garantias necessárias do
contraditório e do direito de defesa, tem que pensar na razoabilidade desse
tempo até para fazer sentido uma responsabilização", acrescenta.
"Entendemos que o processo constitucional
penal, apesar de ter todas as ressalvas e garantias necessárias do
contraditório e do direito de defesa, tem que pensar na razoabilidade desse
tempo até para fazer sentido uma responsabilização"
Em junho, as advogadas do Instituto Odara
participaram de uma reunião com uma representante da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), em
que fizeram denúncias referentes aos casos de crianças que acompanham.
Mas até o fim do ano, o Instituto deve apresentar
uma denúncia internacional a partir de um dossiê referente a mortes de crianças
por letalidade policial. "A ideia é que, ainda esse ano, a gente encaminhe
esse dossiê à ONU, para o fórum de combate à discriminação racial, entendendo
que essa violência tem um perfil e um território específicos. Aqui em Salvador,
essa racialidade e essa territorialidade se cruzam", adianta a advogada.
Para ela, a ênfase nos casos de criança tira a
possibilidade de usar argumentos de que as vítimas seriam pessoas envolvidas
com o tráfico de drogas. Essa justificativa é frequentemente apontada pela
polícia em casos de morte por intervenção policial.
Segundo a advogada, por trás do aumento do número
de mortes por violência policial pode estar o endosso das autoridades. Isso se
daria não apenas por meio de falas, mas também de concursos aumentando o
efetivo de praças ou mesmo do financiamento das corporações.
"A polícia elegeu os territórios e elegeu
também a população preta e pobre como um potencial inimigo que deve ser
exterminado. Quando se diz que tem uma guerra às drogas, a gente não vê um
extermínio de matagal de maconha, mas a gente vê pessoas morrendo",
pondera.
Ela cita, ainda, como esses processos afetam as
crianças que não morrem, mas vivem nas comunidades onde essas operações são
comuns. Um ano após Joel morrer, por exemplo, em 2011, seu primo Carlos Alberto
Conceição Júnior trabalhava em um hotel e estava de folga quando foi morto numa
operação da PM. Ele deixou um filho pequeno.
"A gente está falando de crianças que são
afetadas diretamente, mas e as que são afetadas de forma indireta? Elas
somatizam depressão, ansiedade, síndrome do pânico, insônia. Como essas mães,
famílias e comunidades podem ser tratadas depois dessas mortes violentas? Há
uma série de questões que se levantam depois do momento da morte violenta, mas
que o estado não se preocupa, pelo contrário, endossa, dizendo que são
artilheiros", diz, fazendo referência uma fala do então governador Rui
Costa, em fevereiro de 2015, quando 12 pessoas foram mortas pela Polícia
Militar no Cabula.
• Sonho
interrompido
No ano dessa declaração, a Bahia registrou 299
mortes por intervenção policial. Já o número contabilizado em 2022 é cinco
vezes maior - houve um aumento de 526,61%. Enquanto a letalidade policial
escalava, outras famílias passavam pelo mesmo drama de Joel Castro, o Mestre
Ninha.
Foi o caso do vigilante Robenilton Barreto, 41, que
em março de 2017 viveu o dia que mudaria para sempre sua vida. No dia 17
daquele mês, sua filha Mirella, 6, estava com a mãe estendendo roupas no varal
de casa, em São Caetano. Ele tinha saído para comprar ingredientes para um
cuscuz na mercearia próxima quando um sobrinho veio chamá-lo, aos gritos, para
avisar que algo tinha acontecido em sua casa.
Era Mirella que tinha sido atingida por um
policial. Robenilton saiu correndo e, ao chegar em casa, já encontrou a filha
caída no chão, baleada. A mãe da menina, sua esposa, nem conseguia carregá-la
de tão desesperada que estava. "Quando eles (os policiais) desceram a
ladeira da rua em alta velocidade, eu esperei fazerem o trabalho deles. Só não
imaginava que o trabalho deles era ir na minha casa matar minha filha",
conta.
Com a menina nos braços, saiu correndo para tentar
levá-la a um hospital. Na agonia e ao ver Mirella perdendo sangue, chegou a
cair algumas vezes. Ela foi levada a uma Unidade de Pronto Atendimento, mas não
resistiu.
Robenilton tem uma filha adulta, mas Mirella era a
única filha com sua esposa. A gestação tinha sido planejada. Apesar de bem
nova, Mirella dizia que queria ser fisioterapeuta. Na época, a mãe dela, esposa
de Robenilton, tinha passado por um acidente recente e fazia sessões de
fisioterapia na perna. Como a acompanhava, a profissão chamou a atenção da
garota, que passou a repetir que estudaria para trabalhar como fisioterapeuta.
Assim como Joel pai, Robenilton diz pensar que, às
vezes, parece que a justiça não vai chegar. "Essa morosidade nos coloca no
sofrimento, aguardando tantos anos para ter justiça enquanto o policial que
tirou a vida de uma criança fica indo, subindo e tendo uma vida normal. A
criança foi-se embora, perdeu todos os sonhos de ter alguma coisa na
vida".
Para ele, tanta demora é também uma estratégia.
Seria uma forma de vencer os pais pelo cansaço ou de tentar fazer com que
desistam. Hoje, ele diz não entender por que a Polícia Militar parece resistir
tanto ao projeto de instalar câmeras nos uniformes.
Robenilton também afirma não saber o que a polícia
representa - se segurança ou medo. "Se eu vou ali na Orla e vejo a
polícia, me sinto seguro porque acho que o marginal não vai se aproximar ali.
Mas no bairro periférico, eu tenho medo. A polícia se comporta na periferia
totalmente diferente de como se comporta na Barra, na Pituba, no Itaigara.
Muitos policiais nasceram e se criaram na favela, sabem que muitos ali são
pessoas de bem. Mas quando entram na favela, não lembram do vizinho",
completa.
"Se eu vou ali na Orla e vejo a polícia, me
sinto seguro porque acho que o marginal não vai se aproximar ali. Mas no bairro
periférico, eu tenho medo. A polícia se comporta na periferia totalmente
diferente de como se comporta na Barra, na Pituba, no Itaigara "
De acordo com a assessoria do MP-BA, o órgão
ofereceu denúncia contra o PM Aldo Santana do Nascimento em janeiro de 2018. O
processo corre no 2º Juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Salvador. No dia
30 de maio, foi encerrada a fase de ouvir as últimas testemunhas e interrogar o
réu.
A defesa do acusado requereu que fosse expedido um
ofício para a Corregedoria da PM encaminhar documentos que entende que devem
ser incluídos nos autos. Agora, o processo aguarda despacho pelo juízo. O MP
informou que, após a juntada da documentação requerida pela defesa no processo,
espera ser intimado para as alegações finais.
• Vitimização
Este ano, o Instituto Fogo Cruzado mapeou que
quatro crianças foram atingidas em ações e operações policiais em Salvador e na
Região Metropolitana. Desse total, uma morreu e três ficaram feridas.
Esses casos reforçam a percepção de que, ano após
ano, crianças têm sido vítimas de forma direta e indireta da violência, na
avaliação da pesquisadora Larissa Neves, da Rede de Observatórios da Segurança
na Bahia e da Iniciativa Negra, parceira do Instituto Fogo Cruzado na Bahia.
"Ações policiais são em territórios onde a
maioria é negra. Essas crianças deixam de ir para as escolas, porque as escolas
são fechadas justamente para prevenir ou por casos de tiroteio que chegam às
escolas. Nos momentos de lazer, as crianças também são alvo dessas balas tidas
como perdidas", pontua.
Assim, não é incomum que crianças fiquem com
traumas devido às rotinas de violência nas comunidades em que vivem. Segundo
Larissa, quando uma comunidade é alvo intenso de ações e operações policiais
com nível alto de violência, há consequências para toda a comunidade.
"E quando há a vitimização de uma criança, não
é somente a vida de uma criança que é retirada, mas o presente e o futuro de
uma comunidade. Essa violência tem sido tolerada, mas a gente não pode mais
deixar que seja. Essas crianças têm cor, porque são crianças negras em
territórios violentados pela falta de segurança e por um plano de segurança que
é mais letal", acrescenta.
A assessoria do Tribunal de Justiça da Bahia
(TJ-BA) informou que as ações referentes a todos os casos citados pela
reportagem já foram distribuídas. No entanto, por envolver crianças, os
processos tramitam em segredo de justiça.
Nem a PM nem a Secretaria da Segurança do Estado
responderam aos questionamentos da reportagem.
• Sistema
de segurança pública e justiça criminal contribuem para falta de
responsabilização
Das 6.659 mortes violentas registradas na Bahia no
ano passado, 22% foram cometidas por policiais. "Esses são indicadores de
um uso desproporcional da força enquanto forma de agir da polícia", diz o
coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David
Marques.
Nos últimos dias, operações muito letais no Guarujá
(SP), na Bahia e no Rio de Janeiro têm encontrado muito apoio de segmentos
sociais nas redes sociais e debates. De acordo com Marques, isso pode ser
associado a uma sensação generalizada de insegurança no país, com o crescimento
de várias modalidades de crimes.
"Tem modalidades de crimes se diversificando e
a atuação da polícia não vem acompanhando isso. A gente ainda aposta muito no
controle pela força policial, que vai dar conta de alguns casos. Mas quando se
fala de crime organizado, que é uma empresa transnacional, esse tipo de atuação
só produz vítimas dos dois lados sem prejudicar o negócio", explica.
No caso das mortes de crianças, ele acredita que a
falta de responsabilização também é um dos fatores que contribuem para que
crimes assim continuem acontecendo."A responsabilização, de fato, é muito
baixa e existe um apoio a essa letalidade, contanto que os envolvidos no
processo consigam dizer que a vítima era um bandido. Todo o sistema de
segurança pública e a justiça criminal contribuem para esse cenário".
Uma medida que pode ser adotada é a implementação
de câmeras, assim como a mudança do discurso. “O discurso político de
autoridades tem efeitos práticos. É muito importante a gravação das câmeras e o
retreinamento, no sentido de uma reciclagem contínua”.
Para a pesquisadora Larissa Neves, é preciso de um
plano com participação da sociedade civil. "A insegurança desses meninos e
dessas meninas é responsabilidade de todos. A gente não pode olhar para essas
crianças de maneira individualizada, mas precisa que a gestão pública olhe para
esses casos e pense políticas de prevenção mais eficazes".
>>>>>> Relembre alguns casos de
crianças mortas pela polícia na Bahia
• Mirella
do Carmo Barreto
Mirella tinha seis anos e foi atingida por um tiro
que saiu da arma de um PM, enquanto estendia roupas com a mãe no varal de casa,
em 2017. O MP denunciou o policial militar Aldo Santana do Nascimento em
janeiro de 2018. Já foram ouvidas as testemunhas na fase de instrução. Agora, o
MP aguarda ser intimado para as alegações finais.
• Geovanna
Nogueira Paixão
Aos 11 anos, Geovanna foi morta com um tiro na
cabeça enquanto a família tomava café da manhã, em 24 de janeiro de 2018, na
comunidade Paz e Vida, no Jardim Santo Inácio. A PM fazia uma operação no
bairro. O policial militar Nildson Jorge Sousa França foi denunciado pelo
MP-BA. O julgamento está previsto para o dia 21 deste mês.
• Micael
Silva Menezes
No dia 14 de junho de 2020, Micael, 11, tinha saído
para empinar pipa no Vale das Pedrinhas. Ele correu para se proteger quando a
polícia chegou atirando, segundo a família. Na época, a PM contestou e disse
que teria encontrado o menino caído depois de um confronto com homens armados.
Até hoje, a polícia não finalizou a investigação sobre o caso.
O MP-BA informou que aguarda a conclusão do
inquérito policial do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP),
cuja instauração foi requisitada pelo órgão à Polícia Civil em 5 de julho de
2022. Os autos do inquérito policial militar já foram remetidos ao MP.
• Gabriel
Silva da Conceição Júnior
Gabriel tinha 10 anos e foi morto no último dia 23.
Ele estava sentado na porta de casa, em Portão, quando foi baleado. A família
do menino acusa policiais militares, que faziam uma operação no local, de serem
responsáveis pela morte dele. Segundo a família, os PMs chegaram atirando.
Através da assessoria, a Polícia Civil informou que
a investigação está em andamento e detalhes não seriam passados para não
atrapalhar a apuração.
Fonte: Correio
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