'A Rússia vencerá': a visão de John Mearsheimer sobre o futuro do conflito
na Ucrânia
Em entrevista recente para mídias ocidentais, o
renomado pensador neorrealista John Mearsheimer avaliou o futuro do conflito na
Ucrânia. Segundo ele, a Rússia invariavelmente se sairá vencedora, frustrando
em definitivo as aspirações da OTAN no Leste Europeu e seu desejo de subjugar
Moscou no campo de batalha.
A afirmação de Mearsheimer ocorre em um contexto
muito peculiar. Vale lembrar que o atual secretário-geral da Organização do
Tratado do Atlântico Norte, Jens Stoltenberg, deixou bem claro que a Ucrânia
não seria admitida na aliança até que tivesse vencido os russos. Em outras
palavras, a Ucrânia necessita vencer a Rússia militarmente primeiro, antes de
poder ser trazida para o quadro da Aliança Atlântica. Em caso de derrota (como pontua
Mearsheimer), portanto, Kiev não terá nenhuma condição de ver seu desejo de
participação na OTAN atendido.
Como escolástico, John Mearsheimer é uma das vozes
mais respeitadas no estudo das relações internacionais e um dos principais
representantes do pensamento neorrealista, desenvolvido sobretudo a partir da
segunda metade da década de 1970. Desde então, o neorrealismo tornou-se a
teoria mais dominante na academia e em análises de conjuntura internacional,
muito por conta das contribuições de Mearsheimer e do também respeitado teórico
Keneth Waltz.
Segundo o postulado neorrealista, os Estados agem
de acordo com incentivos estruturais e materiais (como mudanças na balança de
poder) dentro do sistema. Logo, o comportamento de determinado Estado refletiria
sua posição dentro do jogo de forças global, ao mesmo tempo em que se basearia
na busca por poder e influência diante de seus rivais.
No mais, a compreensão neorrealista da realidade
internacional (defendida por Mearsheimer) fundamenta-se por cinco pressupostos
centrais. O primeiro é o de que não existe nenhuma autoridade acima dos Estados
nacionais, e, portanto, compete unicamente a cada governo a defesa de seus
interesses legítimos e de segurança.
O segundo pressuposto é o de que: por possuírem
poderio militar, os Estados representam naturalmente uma ameaça uns para os
outros. Em terceiro lugar, nenhum Estado detém a certeza quanto às intenções de
seus pares. Quarto, os Estados são motivados por uma preocupação com a sua
sobrevivência e integridade territorial perante ameaças externas. E por fim, os
Estados são atores funcionalmente racionais.
Dados todos esses pressupostos, Mearsheimer, com
razão, foi uma das principais vozes a condenar o comportamento da OTAN em
expandir o bloco militar para perto das fronteiras russas, imaginando que tal
avanço não teria quaisquer consequências para o sistema internacional. Em
entrevistas concedidas durante as primeiras semanas do conflito, Mearsheimer
chamou atenção para a falta de empatia do Ocidente para com as legítimas
preocupações de segurança de Moscou em relação à Aliança Atlântica.
Não por acaso, Mearsheimer frequentemente propunha
um exercício imaginativo no sentido de provocar o seu público. O exercício
consistia em perguntar a seus interlocutores sobre o que os Estados Unidos
achariam se, digamos, México ou Canadá resolvessem fazer parte de uma aliança
militar liderada pela Rússia ou pela China. Não é preciso aqui nem mesmo dizer
qual seria a resposta.
Com efeito, a mais recente cúpula da OTAN em
Vilnius apenas veio a confirmar a natureza agressiva do bloco, que planeja
aumentar suas tropas e infraestrutura militar em torno da Rússia. Em meio a
esse cenário, defende Mearsheimer, era de se esperar que Moscou reagisse (ainda
que por meio de seu hard power militar) para defender seus interesses de
segurança no espaço pós-soviético.
Afinal, segundo um entendimento neorrealista, a
expansão indefinida de blocos militares (como a OTAN) representa uma ameaça
potencial para aqueles Estados contra os quais esses blocos parecem se dirigir.
Foi nesse sentido que a partir dos anos 2000 Moscou passou a criticar veemente
a ampliação da Aliança Atlântica na Europa.
Todavia, o fato de o Ocidente considerar-se como o
legítimo "vencedor" da Guerra Fria resultou em sua ignorância diante
das demandas e das preocupações da Rússia no Leste Europeu, sendo essa uma das
principais razões pelas quais Moscou precisou empreender sua operação militar
especial em fevereiro do ano passado.
Sobre o conflito na Ucrânia, por sua vez,
Mearsheimer pontua que hoje ambos os lados estão profundamente comprometidos em
vencer o confronto pela via militar. Contudo, no começo a situação era bastante
diferente. De início, Zelensky mostrou-se propenso a iniciar tratativas com
Vladimir Putin, no sentido de encontrar caminhos para um cessar-fogo.
Todavia, conforme a participação — direta e
indireta — do Ocidente foi aumentando ao longo do tempo, a disposição de
Zelensky em negociar foi sendo paulatinamente minada, culminando no
enfraquecimento dos mecanismos de diálogo entre russos e ucranianos e na
sabotagem dos acordos de paz.
Disso seguiu-se que o Ocidente transformou o
conflito na Ucrânia em uma guerra por procuração contra a Rússia, ao custo das
vidas dos próprios soldados ucranianos e de legiões estrangeiras lutando em
favor de Kiev. Diante desse contexto, o único resultado atingido até o momento
pelo Ocidente é o do aumento no número de baixas ucranianas no âmbito de uma
atabalhoada contraofensiva, que já vem comprometendo seriamente as reservas
estratégicas de Kiev. Esta tem sido, como lembra Mearsheimer, uma situação desastrosa
para a Ucrânia, e que só faz aproximar uma vitória russa no conflito.
Nada mais inglório para os senhores da guerra em
Washington e Bruxelas. Ora, sempre esteve claro para o próprio John Mearsheimer
que os Estados Unidos foram os principais responsáveis por causar a crise na
Ucrânia. Isso porque a Casa Branca foi quem impulsionou as políticas de
expansão da OTAN para o Leste, fazendo com que a Rússia enxergasse nesse
movimento uma ameaça existencial para a sua segurança.
Em suma, como ponderou Mearsheimer, Moscou não
estava interessada em dominar a Ucrânia, mas sim em impedir que ela se tornasse
um trampolim de ataque contra a Rússia em sua fronteira meridional composta por
estepes. Afinal, o aspecto determinante para se entender as causas do conflito não
está na enganosa narrativa ocidental sobre a Rússia, mas sim nas interpretações
de Moscou quanto às ações da Aliança Atlântica durante os últimos anos. Seja
como for, independentemente dos motivos que levaram à eclosão do confronto, o
importante é que a Rússia se sairá vitoriosa no final das contas.
Ø Especialista: treinamento britânico de comandos ucranianos para tomar a
Crimeia 'é perda de tempo'
O Reino Unido tem fornecido treinamento para
comandos ucranianos para uma invasão da Crimeia, segundo a imprensa ocidental.
O plano vai voar?
Os militares britânicos estão treinando cerca de
2.000 soldados ucranianos de elite em um local remoto em Dartmoor para uma
operação que prevê ataques aéreos, terrestres e marítimos para paralisar as
forças russas na península da Crimeia. Ainda assim, é improvável que o plano
ousado funcione, de acordo com o ex-analista sênior de política de segurança do
Gabinete do Secretário de Defesa dos EUA, Michael Maloof.
"As forças russas estão muito entrincheiradas
na Crimeia", disse Maloof à Sputnik. "Simplesmente não vai acontecer.
E se você está falando sobre esses 2.000 soldados treinados no Ocidente, eles
podem ser dizimados muito, muito rapidamente em qualquer luta prolongada. Com
2.000 soldados, você não fará avanços, você não vai recuperar uma península
inteira; isso simplesmente não vai acontecer. O trem de suprimentos para
garantir que as tropas [ucranianas] tenham suprimentos e cuidados adequados é
tão insuficiente agora que, sob condições reais de combate de guerra, pode se
tornar ainda menos, especialmente quando os trens de abastecimento são
cortados. E, dado o número de tropas, não fará muita diferença em qualquer
contraofensiva eficaz. Eu não chamaria isso de contraofensiva. Mais uma vez,
eles terão sorte em segurar na defensiva para suas próprias posições, em vez de
avançar muito mais."
Além disso, é muito tarde para trazer uma nova cara
para o conflito, de acordo com o major-general reformado do Exército dos EUA,
Paul E. Vallely, presidente da Fundação Stand Up America dos EUA.
"Não vai funcionar", disse Vallely à
Sputnik. "Acho que é mais propaganda ocidental."
·
Treinamento da OTAN é eficiente?
Enquanto isso, surgem relatos dizendo que o tão
elogiado treinamento da OTAN não é tão eficaz quanto muitos acreditam. Soldados
ucranianos rendidos, treinados em países da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN), questionaram a eficácia do treinamento e reclamaram que era
insuficiente e não garantia vantagem no campo de batalha.
Os países ocidentais não participaram de conflitos
de alta intensidade desde a Guerra do Vietnã e treinaram principalmente de
acordo com os padrões das guerras do Iraque, Afeganistão e Síria.
Para complicar ainda mais, as tropas ucranianas
estão sendo treinadas por diferentes Estados-membros da OTAN, disse o veterano
da CIA, Larry Johnson, à Sputnik no mês passado, acrescentando que essa
abordagem mina o princípio da uniformidade do Exército. Segundo Johnson, um
soldado geralmente obtém o básico durante 13 semanas de treinamento e deve
passar por pelo menos dois a três meses de treinamento especializado para
aprender a operar armas de nível da OTAN.
Enquanto isso, a maioria das tropas ucranianas
treinadas pelo Reino Unido passou por cinco semanas de treinamento.
"O acampamento é apenas a primeira fase do
treinamento de soldados", explicou Vallely. "Os EUA exigem que os
soldados do campo de treinamento façam treinamento avançado por mais quatro
semanas para se especializarem e se tornarem mais competentes nas habilidades
de soldado. O moral dos soldados também deve ser testado. Em seguida, a
liderança da pequena unidade no pelotão, companhia e os níveis do batalhão
devem ser testados."
Cinco semanas obviamente não é tempo suficiente
para ensinar aos soldados a doutrina militar ocidental, especialmente para
complicadas operações de armas combinadas, repetiu Maloof.
"Os ucranianos sabem lutar defensivamente, mas
não ofensivamente, e acho que é aqui que eles não conseguem treinamento
suficiente para lançar uma contraofensiva de tropa para realmente tomar aquele
território", disse ele. "E eles não têm tropas suficientes — número
um. E número dois, os suprimentos de equipamentos não são consistentes. Eles
não são capazes de serem usados regularmente como suprimentos. E a taxa de
atrito do equipamento que eles têm é tão alto que os EUA não podem fornecer
rápido o suficiente."
·
Exército ucraniano é capaz de lutar em conflitos de
alta intensidade?
O outro elemento que falta completamente para que
os ucranianos possam lançar uma contraofensiva eficaz é o poder aéreo,
continuou Maloof.
"Os Estados Unidos nem pensariam em lançar uma
ofensiva sem poder aéreo para neutralizar as comunicações, controlar o comando
[de operações], todos esses elementos antes de introduzir tropas. E o que
estamos vendo aqui é quase uma repetição da Primeira Guerra Mundial, guerra de
trincheiras virtualmente. É incrível como eles ficam atolados no lugar. Quero
dizer, isso não é uma receita para uma contraofensiva eficaz", enfatizou o
analista de políticas de segurança.
Apesar das declarações da liderança militar
ocidental sobre as próximas entregas de F-16 e M1 Abrams e o aumento do número
de unidades ucranianas sendo treinadas de acordo com os padrões da OTAN, há
muitos problemas com a eficiência da ajuda militar ocidental. Simultaneamente,
os EUA e seus aliados se recusam a considerar um acordo de paz, insistindo que
o regime de Kiev deve obter uma vantagem no campo de batalha. Enquanto isso, as
Forças Armadas ucranianas sofreram pesadas perdas no terreno.
Desde o início da contraofensiva, as Forças Armadas
ucranianas perderam mais de 26.000 soldados, além de 21 aviões, cinco
helicópteros, cerca de 1.244 tanques e veículos blindados, incluindo 17 tanques
Leopard, cinco tanques franceses AMX sobre rodas, 914 unidades de veículos
especiais, dois sistemas de defesa aérea e 25 veículos MLRS, disse o ministro
da Defesa russo, Sergey Shoigu, no mês passado.
Nestas condições, nem um ataque
"blitzkrieg" (guerra-relâmpago) ucraniano à Crimeia nem uma
contraofensiva em larga escala parecem possíveis, de acordo com os
interlocutores da Sputnik.
Ø 'Não se vê isso': general polonês aponta que ações da Ucrânia não
correspondem a uma contraofensiva
A contraofensiva promovida por Kiev não se encaixa
nessa descrição, disse o general polonês Roman Polko em entrevista à agência de
imprensa PAP.
"Contraofensiva é uma palavra forte. Uma
contraofensiva é, por definição, uma ação em uma frente ampla com grandes
forças, a condução de operações que indicam claramente a tomada da iniciativa.
Isto não é muito visto", declarou o general.
Segundo observa Polko, neste momento as ações das
Forças Armadas ucranianas são limitadas, ele sugeriu que isso seria devido a
problemas de preparação, bem como à falta de aviação e artilharia. Ao mesmo
tempo, ele expressou esperança de que Kiev pudesse dar um "golpe
significativo" no outono europeu.
No final de julho, o ministro da Defesa ucraniano,
Aleksei Reznikov, disse que a contraofensiva estava atrasada relativamente ao
cronograma, mas que supostamente estava indo conforme planejado.
Ontem (31), o ministro da Defesa da Rússia, Sergei
Shoigu, disse que no mês de julho a Ucrânia perdeu 20.824 militares e 2.227
unidades de diversas armas, incluindo dez tanques Leopard, 11 veículos
blindados Bradley e dezenas de peças de artilharia ocidentais.
Fonte: Sputnik Brasil
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