terça-feira, 8 de agosto de 2023

Petro não sabia de dinheiro ilícito na campanha, diz filho

O deputado estadual Nicolás Petro, filho do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, afirmou neste sábado (05/08) que seu pai não tinha conhecimento dos fundos ilícitos que ajudaram a financiar sua campanha eleitoral à presidência.

Durante a semana, como parte de um processo de colaboração com a Justiça, Nicolás confessou que o dinheiro de um ex-chefe do narcotráfico recebido por ele teria chegado até o caixa da campanha de seu pai.

O deputado de 37 anos e sua ex-mulher Daysuris Vásquez foram presos no sábado passado por suspeita de crime de lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito.

"Nem meu pai nem o chefe da campanha, Ricardo Roa, sabiam dos dinheiros que recebemos, Daysuris e eu, de Santander Lopesierra e de Gabriel Hilsaca", afirmou Nicolás, que é o mais velho entre os seis filhos do presidente colombiano.

Na sexta-feira, ele recebeu liberdade condicional por colaborar com a Justiça no caso, sob a condição de não deixar a cidade onde mora, Barranquilla, não participar de eventos políticos e não manter contato com outras pessoas investigadas no processo.

O caso

No início do ano, Vásquez havia acusado o ex-marido de receber uma grande quantia de um traficante de drogas para a campanha de seu pai à presidência e de ficar com esse dinheiro.

O primogênito de Gustavo Petro rejeitou inicialmente as acusações, mas depois disse ser culpado e que iria cooperar com a Justiça. Segundo a imprensa colombiana, o promotor do caso, Mario Burgos, teria lhe oferecido um acordo para diminuir a pena resultante do processo em troca da colaboração.

Na confissão, Nicolás disse ter enviado para a campanha parte dos 400 milhões de pesos colombianos (R$ 483 mil) que o traficante Santander Lopesierra havia lhe entregado no ano passado. Lopesierra chegou a ser extraditado para os Estados Unidos em 2003 por tráfico de drogas, e está em liberdade desde 2021.

Segundo o promotor Burgos, o filho do presidente também teria recebido dinheiro do filho de Alfonso Hilsaca, conhecido como "El turco", um comerciante que já foi acusado de financiar grupos paramilitares e planejar homicídios. Burgos afirma que Nicolás ficou com uma parte da soma enquanto a outra foi investida na campanha presidencial.

O presidente "não sabia que parte dessas contribuições eu usei para a campanha. É importante fazer esse esclarecimento", declarou Nicolás neste sábado.

·         O que diz Gustavo Petro

O processo se inicia pouco antes de Gustavo Petro completar seu primeiro ano à frente da presidência, no dia 7 de agosto. Após a prisão de seu filho, ele garantiu que não iria interferir no processo.

O presidente não negou que sua campanha possa ter recebido financiamento ilegal, mas desmentiu algumas versões que afirmavam que ele teria conhecimento dos envios. Ele assegura não ter "sequer sugerido ou se tornado cúmplice" das ações de seu filho, e disse que, se isso tivesse ocorrido, ele teria de deixar o cargo.

O mandatário assegurou que vai continuar exercendo o seu mandato até 2026 e acusou a oposição de usar o processo contra seu filho para tentar removê-lo do poder. Ele disse que deve a sua eleição "ao povo e a mais ninguém". "É ao povo a quem devo responder", sublinhou.

"Tenham a certeza absoluta de que este governo termina por mandato popular [...] e é bom que fique claro na Colômbia: não há ninguém que possa acabar com este governo a não ser o próprio povo", enfatizou. "Vamos até o ano de 2026."

 

Ø  Nilo Meza: discurso da presidente do Peru é um tributo à impunidade

 

Somente no Peru:

– Os crimes contra a humanidade podem ficar impunes. Mais de 70 pessoas mortas nos recentes protestos populares e não há qualquer responsabilização política ou material, mesmo que 50 casos tenham registrado indícios de execução extrajudicial cometida pelas forças de segurança do Estado.

– Quem não ganha as eleições pode governar. A coalizão de ultradireita que governa nos dias de hoje já não fala da suposta fraude graças a qual teria perdido as eleições em 2021. Hoje, quando tudo está em suas mãos, a narrativa é de que o Peru "recuperou a democracia”.

– Pode haver um Congresso composto por estupradores, vigaristas, pessoas que têm contas a ajustar com a lei e que são membros de organizações criminosas. Transformaram o Congresso num balcão de negócios, onde o voto do parlamentar é vendido a quem paga mais.

– É possível eliminar o equilíbrio de poderes, golpe após golpe, e concentrar o poder no Legislativo sem qualquer contrapeso, onde se encontram as mais repugnantes alianças políticas de ultradireitistas e autoproclamados ultraesquerdistas.

– Pode haver seis presidentes em sete anos. Dina Boluarte, Pedro Castillo, Francisco Sagasti, Manuel Merino, Martín Vizcarra e Pedro Pablo Kuczynski.

– O Ministério Público e a Polícia Nacional podem ser politizados ao ponto de se tornarem operadores de uma vasta operação de lawfare, dispersada por todo o território nacional. O seu principal objetivo é criminalizar e perseguir todos os que se opõem ao regime.

– A “legitimidade” pode ser desconsiderada e a “legalidade” pode ser transformada em instrumento perverso a serviço do abuso, da corrupção e dos crimes executados pelo Executivo e pelo Congresso.

O discurso da presidente

Neste cenário, os peruanos esperavam, no dia 28 de julho, um discurso presidencial “inclusivo”, como diriam os nossos sociólogos da moda. Esperavam da presidente Dina Boluarte, em sua declaração em cadeia nacional, um sincero pedido de perdão pelos crimes contra a humanidade encorajados pelo seu governo, bem como um compromisso concreto a respeito da reparação aos danos causados e da punição aos responsáveis. 

De que outra forma se poderia entender a crueldade de pedir perdão e reconciliação, enquanto, ao mesmo tempo, as forças de segurança reprimem o povo mobilizado na Praça San Martin, nas ruas de Lima e em diversas regiões?

Era a prova de que a “legalidade” justificava todos os atos do governo, enquanto a legitimidade desaparecia neles. Max Weber, em 1921, chegou à conclusão de que governar apenas com uma “legalidade” questionável acaba por gerar um desgoverno. Este divórcio entre legalidade e legitimidade explica claramente a crise generalizada que o Peru atravessa atualmente.

Não interessa à presidente peruana o fato de que 82% dos cidadãos desaprovam a sua administração, enquanto 92% desaprovam o trabalho do Congresso. Mais de 80% da cidadania exige eleições antecipadas. Mais 70% dos peruanos pedem uma nova Constituição. Mas Boluarte prefere se ater à legitimidade e aceitar incondicionalmente a tutela das Forças Armadas e os “conselhos” intervencionistas dos Estados Unidos.

Em sua declaração, a presidente sequer se preocupou em ser fiel à verdade dos indicadores econômicos. Negou vergonhosamente a recessão que o país vive, dizendo que o PIB de maio passado teria registrado “0% de crescimento”, apesar dos organismos oficiais registrarem uma queda nesse mês, que atingiu um valor sem precedentes de 1,4%, e que a previsão para junho é de repetir essa tendência. A recessão brutal negada pela presidente atinge sobretudo os setores geradores de emprego, como a pesca (70%), a indústria de manufaturas (28%) e a construção civil (12%), segundo o Banco Central peruano.

A ironia do discurso foi o momento em que, com aquele cinismo magistral, Boluarte atribuiu todos os males do Peru ao “conflito social”. Ela esquece deliberadamente que as verdadeiras razões estão na política monetária recessiva e nas políticas públicas promovidas sob sua gestão, a partir do Ministério da Economia. Para Boluarte, não há impactos da guerra na Ucrânia e do El Niño.

Para fugir do tema recessão, a presidente ensaiou uma catarata de promessas e desfilou estatísticas que a distanciam da realidade. Disse, por exemplo, que o governo vai investir mais de US$ 6,5 bilhões em obras públicas até o final do ano, ignorando o fato de que, no primeiro semestre foi gasto apenas US$ 1 bilhão, segundo dados do Ministério da Economia. 

Como a presidente vai cumprir essa promessa? Poderia ela dizer aos peruanos quais serão as fontes de financiamento de que dispõe, quando os impostos caíram para níveis sem precedentes (13% do PIB)?

Executivo e Legislativo

Enquanto a presidente fazia o seu discurso, o Executivo e Congresso davam rédea solta aos seus apetites pessoais e aos dos grupos de poder. A ética e a moralidade na dinâmica parlamentar já perderam qualquer validez. Com exceção de alguns poucos parlamentares, a grande maioria negocia seu voto com um caderninho de condição debaixo do braço, seu preço para aceitar o sistema de partilha do poder.

Por isso, não é de se estranhar as alianças dos ultradireitistas (fujimoristas e aliados) com os que ainda se dizem de esquerda (Peru Livre e quejandos). Em tais acordos não há necessidade de princípios ou programas para o país. Basta uma declaração pública hipócrita dizendo que se estão unindo “em nome do interesse nacional”, quando na verdade o que fazem é proteger interesses e privilégios derivados da sua condição circunstancial de congressistas.

Em vez de um jogo democrático para encontrar correlações que garantam estabilidade e governabilidade, respeitando o povo que os elegeu, optam pelo “dar e receber” (uma versão local que ultrapassa a expressão inglesa), pela “vendeta”, espécie de acerto de contas “político” que amesquinha o apogeu de Al Capone, como se viu no cínico acordo de interesses que estabeleceu a permanência da presidente e dos atuais congressistas até 2026. 

Não se importam com a opinião de 90% dos cidadãos peruanos que desaprovam o seu desempenho, nem com os 80% que exigem eleições antecipadas.

 

Ø  Sair Sira: Boric e a geopolítica

 

A vitória de Gabriel Boric nas eleições presidenciais chilenas de 2021 sobre o candidato de extrema direita, José Antonio Kast, despertou um interesse especial na região, não apenas porque implicou uma "virada" nas políticas que Sebastián Piñera vinha implementando no país, mas também porque o Chile supostamente assumiria a agenda de integração regional que o governo anterior havia negligenciado.

Boric, em suma, agregava-se – ou assim afirmava – à tese da "nova onda progressista" na América Latina e no Caribe, após os triunfos de Andrés Manuel López Obrador (2018) no México e Alberto Fernández na Argentina (2019).

A imprensa e o establishment global retratam Boric como um fiel representante da nova esquerda, do atual progressismo na região, um representante de novo tipo, distanciado do populismo e que evita a confrontação com o status quo. Mas a verdade é que ele mantém uma narrativa que reivindica direitos que ele não conseguiu concretizar, o que já cobrou seu preço no processo constituinte, não apenas em sua coalizão governamental heterogênea, mas, fundamentalmente, na perda da base social que o levou a La Moneda.

A contradição que esse cenário implicaria, que para muitos gera problemas em um governo carente de identidade própria, tem sido funcional para a política externa que o governo de Joe Biden mantém tanto em relação à América do Sul quanto em assuntos globais de interesse geopolítico dos Estados Unidos.

O governo de Boric se tornou a caixa de ressonância que permite à Casa Branca terceirizar a condenação da Rússia e solicitar apoio para à Ucrânia na América Latina e no Caribe sem que nenhum funcionário do Pentágono ou do Departamento de Estado o faça diretamente, bem como para condenar governos que são inconvenientes para os interesses de Washington na região, executando essa tarefa a partir das fileiras "progressistas" e usando os mesmos argumentos de John Bolton ou Elliott Abrams, como nos melhores dias de Trump.

·         Uma janela para a Ucrânia

Vladimir Zelensky encontrou no Chile um importante aríete para apresentar na América do Sul a visão ucraniana da Operação Militar Especial Russa no Donbass. As conversas entre os dois líderes e a participação de Zelensky no parlamento chileno mostram como a "causa ucraniana" foi bem recebida por lá.

A insensatez do jovem presidente o levou a apoiar o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional contra o presidente Vladimir Putin e, embora o Chile não tenha se juntado ao envio de armas para a Ucrânia, um solicitação feita pelos Estados Unidos nos últimos meses, o país firmou-se como porta-voz da causa ucraniana em fóruns regionais, onde defendeu uma condenação regional da Rússia, como ficou evidente durante a mais recente Cúpula UE-Celac III, realizada no início de julho em Bruxelas, na Bélgica.

Na cúpula birregional, Boric discordou das posições que não queriam que a reunião entre os dois blocos se concentrasse em um conflito que é entendido de forma diferente pelas 33 chancelarias latino-caribenhas:

"É importante que a América Latina diga claramente, o que está acontecendo na Ucrânia é uma guerra inaceitável de agressão imperial, onde o direito internacional é violado, e eu entendo que a declaração conjunta está travada hoje porque alguns não querem dizer que é uma guerra contra a Ucrânia. Caros colegas, hoje é a Ucrânia, mas amanhã pode ser qualquer um de nós", disse Boric durante a cúpula.

E se a atitude do presidente foi elogiada pelas metrópoles europeias, destacando a harmonia que existia entre elas e o Chile, a ansiedade e a inexperiência demonstradas por sua atitude revelam uma falta de compreensão da divisão que estamos presenciando com a atual mudança na transição para uma nova ordem internacional, uma vez que ele continua analisando e assumindo a geopolítica mundial a partir das "lógicas" coloniais do direito internacional, e não assume que a complexidade atual exige ir além dos discursos dicotômicos de "bem e mal" no concerto mundial.

·         Sobre a Venezuela

Para o presidente chileno, na Venezuela e em outros países da região, há uma violação aberta dos direitos humanos e um declínio na qualidade da democracia nas instituições do país.

Boric prefere se apoiar na retórica do Grupo de Lima em vez de fazer o exercício crítico de questionar, "dadas as suas profundas convicções progressistas", uma narrativa hegemônica que valida e sustenta uma política de sanções abertamente contrária ao direito internacional e, paradoxalmente, violadora dos direitos humanos.

Na opinião do presidente chileno, não há construção de uma narrativa sobre a Venezuela, como Lula prudentemente assegurou depois de ele próprio ter sido vítima de uma ficção que o levou a ficar preso por mais de um ano. Para Boric, a violação dos direitos humanos na Venezuela "é uma realidade, é grave", e ele está consciente disso.

O chileno se esquece de que há processos de construção de sentidos que buscam moldar comportamentos, legitimar políticas e atribuir papéis a determinados atores, como apontam os pesquisadores Miskimmon, O'Loughlin e Roselle (2017). O presidente Gabriel Boric não leva em conta que os direitos humanos são uma "gramática em construção", um discurso em disputa ou uma arma usada pelas potências ocidentais para intervir em países – dezenas deles, só neste século, atestam isso: Iraque, Líbia, Síria, Haiti, e assim por diante.

O problema é que Boric continua a validar um enunciado que justifica, a partir da "esquerda", uma política agressiva contra toda uma população, sem condenar seus idealizadores, embora ela já tenha sido denunciada na Declaração Política de Quito no marco da IV Cúpula de Presidentes da Celac em 2016 e na Declaração Política da V Cúpula da Celac em Santo Domingo em 2017.

·         Muito mais do que coincidências

Como o Secretário de Estado dos EUA Antony Blinken mencionou durante sua visita a Santiago em outubro passado: com o Chile há mais do que coincidências, há valores compartilhados e uma harmonia que permite defender "princípios com os quais todos concordamos", sem blocos ideológicos mediando essa defesa.

Em um momento em que o confronto entre a China e os Estados Unidos se desenvolve no continente latino-caribenho e os recursos estratégicos em nosso solo se tornam uma questão de interesse geoestratégico para as grandes potências, a existência dessas afinidades com os Estados Unidos é um incentivo para o establishment de Washington e Nova York, que acompanha de perto os negócios do país austral com a China em matéria de investimentos, mas que o encara como aliado em sua política contra os países inconvenientes aos seus interesses.

Enquanto, por um lado, o Chile "progressista" de Boric continuará imaginando um "imperialismo russo" inexistente, por outro, continuará condenando "a violação dos direitos humanos" pelo governo do presidente Nicolás Maduro e fazendo tímidas menções à responsabilidade dos países agressores responsáveis pela crise socioeconômica e política na Venezuela.

O detalhe é que, no primeiro caso, não contribuirá para uma solução política, o que o distancia dos novos centros mundiais de tomada de decisão; no segundo, continuará "batendo" e recebendo a mesada que significa lucrar com a migração venezuelana, que até o final de 2020, segundo o INE chileno, chegava a 450 mil venezuelanos.

 

Fonte: Reuters/Opera Mundi

 

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