Petro não sabia de dinheiro ilícito na campanha, diz filho
O deputado estadual Nicolás Petro, filho do
presidente da Colômbia, Gustavo Petro, afirmou neste sábado (05/08) que seu pai
não tinha conhecimento dos fundos ilícitos que ajudaram a financiar sua
campanha eleitoral à presidência.
Durante a semana, como parte de um processo de
colaboração com a Justiça, Nicolás confessou que o dinheiro de um ex-chefe do narcotráfico recebido por ele teria chegado até
o caixa da campanha de seu pai.
O deputado de 37 anos e sua ex-mulher Daysuris
Vásquez foram presos no sábado passado por suspeita de crime de lavagem de dinheiro e enriquecimento
ilícito.
"Nem meu pai nem o chefe da campanha, Ricardo
Roa, sabiam dos dinheiros que recebemos, Daysuris e eu, de Santander Lopesierra
e de Gabriel Hilsaca", afirmou Nicolás, que é o mais velho entre os seis
filhos do presidente colombiano.
Na sexta-feira, ele recebeu liberdade condicional
por colaborar com a Justiça no caso, sob a condição de não deixar a cidade onde
mora, Barranquilla, não participar de eventos políticos e não manter contato
com outras pessoas investigadas no processo.
O caso
No início do ano, Vásquez havia acusado o ex-marido
de receber uma grande quantia de um traficante de drogas para a campanha de seu
pai à presidência e de ficar com esse dinheiro.
O primogênito de Gustavo Petro rejeitou
inicialmente as acusações, mas depois disse ser culpado e que iria cooperar com
a Justiça. Segundo a imprensa colombiana, o promotor do caso, Mario Burgos,
teria lhe oferecido um acordo para diminuir a pena resultante do processo em
troca da colaboração.
Na confissão, Nicolás disse ter enviado para a
campanha parte dos 400 milhões de pesos colombianos (R$ 483 mil) que o
traficante Santander Lopesierra havia lhe entregado no ano passado. Lopesierra
chegou a ser extraditado para os Estados Unidos em 2003 por tráfico de drogas,
e está em liberdade desde 2021.
Segundo o promotor Burgos, o filho do presidente
também teria recebido dinheiro do filho de Alfonso Hilsaca, conhecido como
"El turco", um comerciante que já foi acusado de financiar grupos
paramilitares e planejar homicídios. Burgos afirma que Nicolás ficou com uma
parte da soma enquanto a outra foi investida na campanha presidencial.
O presidente "não sabia que parte dessas
contribuições eu usei para a campanha. É importante fazer esse esclarecimento",
declarou Nicolás neste sábado.
·
O que diz Gustavo Petro
O processo se inicia pouco antes de Gustavo Petro completar seu primeiro ano à frente da presidência, no dia 7 de agosto. Após a prisão de seu
filho, ele garantiu que não iria interferir no processo.
O presidente não negou que sua campanha possa ter
recebido financiamento ilegal, mas desmentiu algumas versões que afirmavam que
ele teria conhecimento dos envios. Ele assegura não ter "sequer sugerido
ou se tornado cúmplice" das ações de seu filho, e disse que, se isso
tivesse ocorrido, ele teria de deixar o cargo.
O mandatário assegurou que vai continuar exercendo
o seu mandato até 2026 e acusou a oposição de usar o processo contra seu filho
para tentar removê-lo do poder. Ele disse que deve a sua eleição "ao povo
e a mais ninguém". "É ao povo a quem devo responder", sublinhou.
"Tenham a certeza absoluta de que este governo
termina por mandato popular [...] e é bom que fique claro na Colômbia: não há
ninguém que possa acabar com este governo a não ser o próprio povo",
enfatizou. "Vamos até o ano de 2026."
Ø Nilo Meza: discurso da presidente do Peru é um tributo à impunidade
Somente no Peru:
– Os crimes contra a humanidade podem ficar
impunes. Mais de 70 pessoas mortas nos recentes protestos populares e não há
qualquer responsabilização política ou material, mesmo que 50 casos tenham
registrado indícios de execução extrajudicial cometida pelas forças de
segurança do Estado.
– Quem não ganha as eleições pode governar. A
coalizão de ultradireita que governa nos dias de hoje já não fala da suposta
fraude graças a qual teria perdido as eleições em 2021. Hoje, quando tudo está
em suas mãos, a narrativa é de que o Peru "recuperou a democracia”.
– Pode haver um Congresso composto por
estupradores, vigaristas, pessoas que têm contas a ajustar com a lei e que são
membros de organizações criminosas. Transformaram o Congresso num balcão de
negócios, onde o voto do parlamentar é vendido a quem paga mais.
– É possível eliminar o equilíbrio de poderes,
golpe após golpe, e concentrar o poder no Legislativo sem qualquer contrapeso,
onde se encontram as mais repugnantes alianças políticas de ultradireitistas e
autoproclamados ultraesquerdistas.
– Pode haver seis presidentes em sete anos. Dina
Boluarte, Pedro Castillo, Francisco Sagasti, Manuel Merino, Martín Vizcarra e
Pedro Pablo Kuczynski.
– O Ministério Público e a Polícia Nacional podem
ser politizados ao ponto de se tornarem operadores de uma vasta operação de
lawfare, dispersada por todo o território nacional. O seu principal objetivo é
criminalizar e perseguir todos os que se opõem ao regime.
– A “legitimidade” pode ser desconsiderada e a
“legalidade” pode ser transformada em instrumento perverso a serviço do abuso,
da corrupção e dos crimes executados pelo Executivo e pelo Congresso.
O discurso da presidente
Neste cenário, os peruanos esperavam, no dia 28 de
julho, um discurso presidencial “inclusivo”, como diriam os nossos sociólogos
da moda. Esperavam da presidente Dina Boluarte, em sua declaração em cadeia
nacional, um sincero pedido de perdão pelos crimes contra a humanidade
encorajados pelo seu governo, bem como um compromisso concreto a respeito da
reparação aos danos causados e da punição aos responsáveis.
De que outra forma se poderia entender a crueldade
de pedir perdão e reconciliação, enquanto, ao mesmo tempo, as forças de
segurança reprimem o povo mobilizado na Praça San Martin, nas ruas de Lima e em
diversas regiões?
Era a prova de que a “legalidade” justificava todos
os atos do governo, enquanto a legitimidade desaparecia neles. Max Weber, em
1921, chegou à conclusão de que governar apenas com uma “legalidade”
questionável acaba por gerar um desgoverno. Este divórcio entre legalidade e
legitimidade explica claramente a crise generalizada que o Peru atravessa
atualmente.
Não interessa à presidente peruana o fato de que
82% dos cidadãos desaprovam a sua administração, enquanto 92% desaprovam o
trabalho do Congresso. Mais de 80% da cidadania exige eleições antecipadas.
Mais 70% dos peruanos pedem uma nova Constituição. Mas Boluarte prefere se ater
à legitimidade e aceitar incondicionalmente a tutela das Forças Armadas e os
“conselhos” intervencionistas dos Estados Unidos.
Em sua declaração, a presidente sequer se preocupou
em ser fiel à verdade dos indicadores econômicos. Negou vergonhosamente a
recessão que o país vive, dizendo que o PIB de maio passado teria registrado
“0% de crescimento”, apesar dos organismos oficiais registrarem uma queda nesse
mês, que atingiu um valor sem precedentes de 1,4%, e que a previsão para junho
é de repetir essa tendência. A recessão brutal negada pela presidente atinge
sobretudo os setores geradores de emprego, como a pesca (70%), a indústria de
manufaturas (28%) e a construção civil (12%), segundo o Banco Central peruano.
A ironia do discurso foi o momento em que, com
aquele cinismo magistral, Boluarte atribuiu todos os males do Peru ao “conflito
social”. Ela esquece deliberadamente que as verdadeiras razões estão na
política monetária recessiva e nas políticas públicas promovidas sob sua
gestão, a partir do Ministério da Economia. Para Boluarte, não há impactos da
guerra na Ucrânia e do El Niño.
Para fugir do tema recessão, a presidente ensaiou
uma catarata de promessas e desfilou estatísticas que a distanciam da
realidade. Disse, por exemplo, que o governo vai investir mais de US$ 6,5
bilhões em obras públicas até o final do ano, ignorando o fato de que, no
primeiro semestre foi gasto apenas US$ 1 bilhão, segundo dados do Ministério da
Economia.
Como a presidente vai cumprir essa promessa?
Poderia ela dizer aos peruanos quais serão as fontes de financiamento de que
dispõe, quando os impostos caíram para níveis sem precedentes (13% do PIB)?
Executivo e Legislativo
Enquanto a presidente fazia o seu discurso, o
Executivo e Congresso davam rédea solta aos seus apetites pessoais e aos dos
grupos de poder. A ética e a moralidade na dinâmica parlamentar já perderam
qualquer validez. Com exceção de alguns poucos parlamentares, a grande maioria
negocia seu voto com um caderninho de condição debaixo do braço, seu preço para
aceitar o sistema de partilha do poder.
Por isso, não é de se estranhar as alianças dos
ultradireitistas (fujimoristas e aliados) com os que ainda se dizem de esquerda
(Peru Livre e quejandos). Em tais acordos não há necessidade de princípios ou
programas para o país. Basta uma declaração pública hipócrita dizendo que se
estão unindo “em nome do interesse nacional”, quando na verdade o que fazem é
proteger interesses e privilégios derivados da sua condição circunstancial de
congressistas.
Em vez de um jogo democrático para encontrar
correlações que garantam estabilidade e governabilidade, respeitando o povo que
os elegeu, optam pelo “dar e receber” (uma versão local que ultrapassa a
expressão inglesa), pela “vendeta”, espécie de acerto de contas “político” que
amesquinha o apogeu de Al Capone, como se viu no cínico acordo de interesses
que estabeleceu a permanência da presidente e dos atuais congressistas até
2026.
Não se importam com a opinião de 90% dos cidadãos
peruanos que desaprovam o seu desempenho, nem com os 80% que exigem eleições
antecipadas.
Ø Sair Sira: Boric e a geopolítica
A vitória de Gabriel Boric nas eleições
presidenciais chilenas de 2021 sobre o candidato de extrema direita, José
Antonio Kast, despertou um interesse especial na região, não apenas porque
implicou uma "virada" nas políticas que Sebastián Piñera vinha
implementando no país, mas também porque o Chile supostamente assumiria a
agenda de integração regional que o governo anterior havia negligenciado.
Boric, em suma, agregava-se – ou assim afirmava – à
tese da "nova onda progressista" na América Latina e no Caribe, após
os triunfos de Andrés Manuel López Obrador (2018) no México e Alberto Fernández
na Argentina (2019).
A imprensa e o establishment global retratam Boric como
um fiel representante da nova esquerda, do atual progressismo na região, um
representante de novo tipo, distanciado do populismo e que evita a confrontação
com o status quo. Mas a verdade é que ele mantém uma narrativa que
reivindica direitos que ele não conseguiu concretizar, o que já cobrou seu
preço no processo constituinte, não apenas em sua coalizão governamental
heterogênea, mas, fundamentalmente, na perda da base social que o levou a La
Moneda.
A contradição que esse cenário implicaria, que para
muitos gera problemas em um governo carente de identidade própria, tem sido
funcional para a política externa que o governo de Joe Biden mantém tanto em
relação à América do Sul quanto em assuntos globais de interesse geopolítico
dos Estados Unidos.
O governo de Boric se tornou a caixa de ressonância
que permite à Casa Branca terceirizar a condenação da Rússia e solicitar apoio
para à Ucrânia na América Latina e no Caribe sem que nenhum funcionário do
Pentágono ou do Departamento de Estado o faça diretamente, bem como para
condenar governos que são inconvenientes para os interesses de Washington na
região, executando essa tarefa a partir das fileiras "progressistas"
e usando os mesmos argumentos de John Bolton ou Elliott Abrams, como nos
melhores dias de Trump.
·
Uma janela para a Ucrânia
Vladimir Zelensky encontrou no Chile um importante
aríete para apresentar na América do Sul a visão ucraniana da Operação Militar
Especial Russa no Donbass. As conversas entre os dois líderes e a participação
de Zelensky no parlamento chileno mostram como a "causa ucraniana"
foi bem recebida por lá.
A insensatez do jovem presidente o levou a apoiar
o mandado de prisão emitido
pelo Tribunal Penal Internacional contra o presidente Vladimir Putin e, embora
o Chile não tenha se juntado ao envio de armas para a Ucrânia, um solicitação
feita pelos Estados Unidos nos últimos meses, o país firmou-se como porta-voz
da causa ucraniana em fóruns regionais, onde defendeu uma condenação regional
da Rússia, como ficou evidente durante a mais recente Cúpula UE-Celac III,
realizada no início de julho em Bruxelas, na Bélgica.
Na cúpula birregional, Boric discordou das posições que não queriam que a reunião entre os dois blocos
se concentrasse em um conflito que é entendido de forma diferente pelas 33
chancelarias latino-caribenhas:
"É importante que a América Latina diga claramente,
o que está acontecendo na Ucrânia é uma guerra inaceitável de agressão
imperial, onde o direito internacional é violado, e eu entendo que a declaração
conjunta está travada hoje porque alguns não querem dizer que é uma guerra
contra a Ucrânia. Caros colegas, hoje é a Ucrânia, mas amanhã pode ser qualquer
um de nós", disse Boric durante a cúpula.
E se a atitude do presidente foi elogiada pelas
metrópoles europeias, destacando a harmonia que existia entre elas e o Chile, a
ansiedade e a inexperiência demonstradas por sua atitude revelam uma falta de
compreensão da divisão que estamos presenciando com a atual mudança na
transição para uma nova ordem internacional, uma vez que ele continua
analisando e assumindo a geopolítica mundial a partir das "lógicas"
coloniais do direito internacional, e não assume que a complexidade atual exige
ir além dos discursos dicotômicos de "bem e mal" no concerto mundial.
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Sobre a Venezuela
Para o presidente chileno, na Venezuela e em outros
países da região, há uma violação aberta dos direitos humanos e um declínio na
qualidade da democracia nas instituições do país.
Boric prefere se apoiar na retórica do Grupo de
Lima em vez de fazer o exercício crítico de questionar, "dadas as suas
profundas convicções progressistas", uma narrativa hegemônica que valida e
sustenta uma política de sanções abertamente contrária ao direito internacional
e, paradoxalmente, violadora dos direitos humanos.
Na opinião do presidente chileno, não há construção
de uma narrativa sobre a Venezuela, como Lula prudentemente assegurou depois de
ele próprio ter sido vítima de uma ficção que o levou a ficar preso por mais de
um ano. Para Boric, a violação dos direitos humanos na Venezuela "é uma
realidade, é grave", e ele está consciente disso.
O chileno se esquece de que há processos de
construção de sentidos que buscam moldar comportamentos, legitimar políticas e
atribuir papéis a determinados atores, como apontam os pesquisadores Miskimmon, O'Loughlin e Roselle (2017). O presidente Gabriel Boric não leva em conta que os
direitos humanos são uma "gramática em construção", um discurso em
disputa ou uma arma usada pelas potências ocidentais para intervir em países –
dezenas deles, só neste século, atestam isso: Iraque, Líbia, Síria, Haiti, e
assim por diante.
O problema é que Boric continua a validar um
enunciado que justifica, a partir da "esquerda", uma política
agressiva contra toda uma população, sem condenar seus idealizadores, embora
ela já tenha sido denunciada na Declaração Política de Quito no marco da IV Cúpula de Presidentes da Celac em 2016 e na Declaração Política da V Cúpula da Celac em Santo Domingo em 2017.
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Muito mais do que coincidências
Como o Secretário de Estado dos EUA Antony Blinken
mencionou durante sua visita a Santiago em outubro passado: com o Chile há mais
do que coincidências, há valores compartilhados e uma harmonia que permite
defender "princípios com os quais todos concordamos", sem blocos
ideológicos mediando essa defesa.
Em um momento em que o confronto entre a China e os
Estados Unidos se desenvolve no continente latino-caribenho e os recursos
estratégicos em nosso solo se tornam uma questão de interesse geoestratégico
para as grandes potências, a existência dessas afinidades com os Estados Unidos
é um incentivo para o establishment de Washington e Nova York,
que acompanha de perto os negócios do país austral com a China em matéria de
investimentos, mas que o encara como aliado em sua
política contra os países inconvenientes aos seus interesses.
Enquanto, por um lado, o Chile
"progressista" de Boric continuará imaginando um "imperialismo
russo" inexistente, por outro, continuará condenando "a violação dos
direitos humanos" pelo governo do presidente Nicolás Maduro e fazendo
tímidas menções à responsabilidade dos países agressores responsáveis pela
crise socioeconômica e política na Venezuela.
O detalhe é que, no primeiro caso, não contribuirá
para uma solução política, o que o distancia dos novos centros mundiais de
tomada de decisão; no segundo, continuará "batendo" e recebendo a
mesada que significa lucrar com a migração venezuelana, que até
o final de 2020, segundo o INE chileno, chegava a 450
mil venezuelanos.
Fonte: Reuters/Opera Mundi
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