terça-feira, 1 de agosto de 2023

Pedreiro brasileiro em Londres: 'Fui de pobre coitado a profissional valorizado'

Há mais de duas décadas, o pedreiro Oséas Andrade decidiu, como muitos brasileiros, tentar a sorte no exterior, mudando-se para Portugal.

Em 2013, fez as malas novamente e escolheu como destino Londres, no Reino Unido, onde já vivia seu irmão.

Na capital britânica, os irmãos se tornaram seus próprios patrões, abrindo uma empresa de serviços gerais, hoje com cinco funcionários.

"Era tratado como pobre coitado e aqui sou um profissional valorizado", diz Andrade, de 41 anos, sobre a vida fora do Brasil.

Para exemplificar tamanha mudança, ele relembra as circunstâncias em que trabalhava antes de sair do país: "Quando era jovem e ajudava meu pai nas obras, pintando a casa das pessoas, pedíamos para esquentar nossa marmita e tínhamos que comer do lado de fora. Aqui, nunca me aconteceu isso".

"Sou tratado aqui como um profissional como qualquer outro. Você entra no metrô e vê pintores, às vezes, com a roupa de trabalho, sujos de tinta, ao lado de executivos de terno e gravata. E ninguém dá a menor importância. No Brasil, muita gente nos olha com desdém", compara.

Recentemente, o governo britânico relaxou as regras de visto para pedreiros, carpinteiros e indivíduos que atuam no setor pesqueiro que queiram trabalhar no Reino Unido.

Reparadores de telhados e gesseiros também foram adicionados à lista de ocupações com escassez de mão de obra.

Pela medida, áreas nas quais há dificuldade para o preenchimento de vagas têm regras de visto temporariamente facilitadas.

Assim, profissionais que atuam nessas áreas com escassez de mão de obra podem solicitar um visto de trabalhador qualificado (skilled worker, no original em inglês) para atuar no Reino Unido.

Jaiderson Lacerda, de 30 anos, tem visão parecida à de Andrade.

Mineiro de Ipatinga, ele abandonou o trabalho de técnico de enfermagem e veio tentar a vida no Reino Unido em 2017.

Após um breve período como ajudante de cozinha, Lacerda hoje atua na construção civil e não se arrepende da escolha.

"No Brasil, tinha uma vida relativamente boa, ganhava um salário razoável comparado à média geral, mas cheguei a ter até três empregos, trabalhava bastante, em turnos muito exaustivos, mas não era sacrificante, pois sempre fui apaixonado pelo que fazia", conta ele em conversa com a BBC News Brasil em frente a um canteiro de obras no centro de Londres.

Ele diz que o principal motivo que o levou a mudar-se para o exterior foi a segurança.

"Não vim para cá só por causa do dinheiro, apesar de a libra valer muito mais do que o real. Minha maior preocupação no Brasil sempre foi a violência. Aqui, tenho a possibilidade de viajar e conhecer novas culturas. Também consigo ajudar minha família no Brasil quando necessário", acrescenta.

Lacerda nota também que, diferentemente de muitas obras no Brasil, "aqui cada um tem a sua função e ninguém trabalha além das horas combinadas".

"Meu pai trabalhava como pedreiro e posso comparar a minha realidade com a dele. Não tenho o que reclamar. Ele voltava para casa todo sujo, exausto, e fazia de tudo", diz.

"Por outro lado, aqui temos o que chamamos de 'obra limpa'. Trabalhamos seguindo regras muito rígidas", resume ele, em alusão ao conceito que combina segurança do trabalho e construção consciente, que busca minimizar o descarte de resíduos.

Apesar disso, Lacerda diz que cogita voltar a morar no Brasil temporariamente. Ele se queixa da falta de empregos — uma vez que é contratado como colaborador independente, por trabalho — devido à desaceleração da economia do Reino Unido.

"Encontrar emprego aqui tem sido mais difícil. Penso em voltar a morar no Brasil por um tempo, mas não permanentemente".

Tanto Andrade como Lacerda vivem no Reino Unido legalmente — ambos têm status de residentes (settled).

Eles contaram à BBC News Brasil que, diferentemente do passado, quando a contratação de brasileiros indocumentados era comum no setor de construção civil, hoje essa prática se tornou muito mais difícil.

Para ser contratado, o trabalhador precisa apresentar o chamado share code, um código virtual único para cada individuo, no qual consta sua situação migratória. Isso praticamente inviabilizou o uso de documentação física falsa, como ocorria com frequência anteriormente, segundo relato de trabalhadores do setor — uma medida do governo para coibir a imigração irregular.

•        Segurança do trabalho

Um consenso entre os entrevistados sobre o setor de construção civil no Reino Unido é a segurança do trabalho.

A paulista Raissa Schekiera, gerente de uma empresa especializada na logística da obra, diz que esse é um ponto crucial.

"Aqui no Reino Unido, nada pode ser feito sem um risk assessment (avaliação de risco), destaca.

"Nesse documento, estão listadas as atividades dos funcionários, o que ele pode ou não pode fazer, bem como os riscos envolvidos em sua função", acrescenta.

"Lembro-me de uma vez que um operário estava varrendo o chão, tropeçou e quebrou o pé. Caso ele não tivesse assinado o risk assessment, isso poderia causar problemas imensos para a empresa na Justiça".

Os profissionais ouvidos pela BBC News Brasil dizem que, na prática, não encontraram condições parecidas em suas experiências com obras no Brasil.

•        Novas regras

Para pedir o visto, o profissional precisa obter uma oferta de trabalho de um empregador no Reino Unido antes de dar entrada no documento, além de atender aos requisitos do idioma inglês, segundo o Ministério do Interior britânico.

O profissional interessado em migrar tem o benefício de pagar taxas de visto mais baixas. A categoria também segue regras mais flexíveis em relação ao valor do salário exigido para aplicar para o visto.

A lista de ocupações com escassez de mão de obra é revisada a cada seis meses pelo Migration Advisory Committee (MAC), órgão que aconselha o governo britânico para assuntos de migração. Uma nova revisão está prevista para ocorrer a partir de setembro.

O MAC recomendou cinco profissões para serem incluídas na lista:

•        Pedreiros

•        Reparadores de telhados e ladrilheiros

•        Carpinteiros e marceneiros

•        Profissões afins nos serviços de construção civil

•        Gesseiros

Atualmente, na maioria dos casos, os estrangeiros precisam ganhar pelo menos 26,2 mil libras (R$ 165 mil) para pedir um visto de trabalhador qualificado. Mas essa exigência pode cair para 20,96 mil libras (R$ 132 mil) no caso de emprego da lista de escassez.

•        Teoria x prática

Andrade e Shekiera acreditam que haja maior procura de brasileiros interessados em trabalhar no Reino Unido devido à flexibilização das regras.

Por outro lado, temem que a contratação dessa mão de obra se torne inviável pelo alto custo em trazer esses profissionais do Brasil e pelas exigências a serem cumpridas por eles, como falar inglês.

"Não conheço nenhum funcionário que não tenha inglês como língua materna nesse programa de patrocínio", diz Shekiera.

"Além disso, estes costumam reclamar que ganham menos do que outros empregados que não foram contratados por esse esquema", acrescenta.

"Vale lembrar também que o visto está atrelado à empresa, portanto, você não pode mudar de emprego quando bem entender", conclui.

 

       Reino Unido facilita visto para atrair pedreiros e pode beneficiar brasileiros

 

As regras de visto para trabalhar no Reino Unido estão sendo facilitadas para pedreiros, carpinteiros e indivíduos que atuam no setor pesqueiro no exterior, confirmou o Ministério do Interior britânico.

Reparadores de telhados e gesseiros também foram adicionados à lista de ocupações com escassez de mão de obra.

Pela medida, áreas nas quais há dificuldade para o preenchimento de vagas têm restrições de visto temporariamente reduzidas.

Assim, profissionais que atuam nessas áreas com escassez de mão de obra podem solicitar um visto de trabalhador qualificado (skilled worker, no original em inglês) para atuar no Reino Unido.

Para pedir o visto, o profissional precisa obter uma oferta de trabalho de um empregador no Reino Unido antes de dar entrada no visto, além de atender aos requisitos do idioma inglês.

O profissional interessado em migrar tem o benefício de pagar taxas de visto mais baixas. A categoria também segue regras mais flexíveis em relação ao valor do salário exigido para aplicar para o visto.

A lista de ocupações com escassez de mão de obra é revisada a cada seis meses pelo Migration Advisory Committee (MAC), órgão que aconselha o governo britânico para assuntos de migração. Uma nova revisão está prevista para ocorrer a partir de setembro.

O governo negou que a medida contradiz as tentativas de reduzir a imigração.

O Partido Conservador, vencedor das eleições gerais de 2019, comprometeu-se a reduzir o número de imigrantes, sem estabelecer uma meta específica. "Queremos garantir que tenhamos uma força de trabalho doméstica especialmente treinada", acrescentou o partido na ocasião.

O MAC recomendou cinco profissões para serem incluídas na lista:

•        Pedreiros

•        Reparadores de telhados e ladrilheiros

•        Carpinteiros e marceneiros

•        Profissões afins nos serviços de construção civil

•        Gesseiros

O parlamentar conservador Marco Longhi descreveu o anúncio do governo como "maluco", acrescentando: "O vício deste país na imigração como uma solução para tudo precisa parar".

“Precisamos reformar as universidades e treinar nosso próprio pessoal por meio de estágios e outros meios e produzir pessoas prontas para o trabalho”, acrescentou.

O Ministério do Interior também adicionou profissões associadas ao comércio de peixes à lista, juntamente com "ocupações agrícolas elementares".

O governo está reduzindo as restrições à indústria pesqueira como parte de uma reforma mais ampla no setor — que inclui um Fundo de Frutos do Mar do Reino Unido de 100 milhões de libras (R$ 630 milhões).

O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, já havia se queixado de que a migração para o Reino Unido é "muito alta", depois que a migração líquida (a diferença entre os migrantes que entram e saem) atingiu níveis recordes no ano passado.

Segundo o Escritório de Estatísticas Nacionais (ONS, na sigla em inglês), o IBGE britânico, o país ganhou mais de 606 mil imigrantes em 2022.

Em um discurso em maio, a secretária do Interior, Suella Braverman, pediu que as empresas do Reino Unido treinem cidadãos britânicos em áreas com escassez de mão de obra em uma tentativa de reduzir a imigração.

A revisão conduzida pelo MAC, publicada em março, constatou que as vagas aumentaram acentuadamente nos setores hoteleiro e construção, em relação aos níveis pré-pandemia.

Os conselheiros do órgão de migração não recomendaram a inclusão de nenhuma ocupação da indústria hoteleira, embora tenham dito que o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e a pandemia tiveram "efeitos significativos" em ambos os setores.

O número de vagas subiu 65% no setor de construção em comparação com os níveis pré-pandêmicos, segundo o relatório do MAC. Isso se compara a um aumento de 42% na economia como um todo.

Adicionar trabalhadores da construção à lista de escassez não faria uma grande diferença nos números gerais de migração, acrescentou o órgão de migração.

O comitê informou que sua revisão foi baseada em critério que avaliou se uma ocupação representou mais de 0,5% da força de trabalho de um determinado setor e se seus vencimentos ficaram abaixo do limite geral exigido para migrantes — segundo a regra geral, é exigido um salário de pelo menos 26,2 mil libras (R$ 165 mil) por ano para os vistos de trabalho.

O MAC disse que também considerou a "importância estratégica da construção para a economia do Reino Unido" e como sua força de trabalho provavelmente mudará na próxima década, com a previsão de que "a demanda provavelmente aumentará acentuadamente".

Em 3 de julho, um grupo de parlamentares conservadores defendeu políticas para reduzir drasticamente a migração, alertando que o não cumprimento delas "corre o risco de corroer a confiança do público".

Eles propuseram a concessão de vistos apenas para trabalhadores qualificados que ganham mais de 38 mil libras (R$ 240 mil) por ano.

Atualmente, na maioria dos casos, os estrangeiros precisam ganhar pelo menos 26,2 mil libras (R$ 165 mil) para pedir um visto de trabalhador qualificado. Mas essa exigência pode cair para 20,96 mil libras (R$ 132 mil) no caso de emprego da lista de escassez.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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