terça-feira, 8 de agosto de 2023

O dilema brasileiro: genocídio social e racial X democracia

Parece que as forças da extrema direita já preparam suas garras para 2024. Não existe dúvida de que vivemos o eterno retorno do espetáculo do genocídio social, racial e geracional. 

Os anos do golpismo, do bolsonarismo e da pandemia puseram o Brasil diante da violência extrema sem nenhum tipo de velamento. Vivemos uma conjuntura marcada com contornos próximos do velho fascismo colonizado sem máscaras. O Brasil sem véus mostrou sua crueldade de forma brutal entre 2013 e 2016(mesmo que desde  2010 novos movimentos e agendas de luta social por direitos tenham emergindo). A permanência da estrutura da forma social histórica perversa brotava com força do subsolo da sociedade.  

     A força do  excesso e da exceção se apresenta na atualidade como resultado da morbidez política na crise de hegemonia derivada do colapso das fórmulas de revolução passiva (revolução sem revolução e modernização autoritária do capitalismo dependente) . O declínio dos pactos constitucionais promovidos pela troca de direitos por medo foi sendo alimentado pela opção neoliberal, até o cenário atual do novo regime de guerra global e com o advento da pandemia. 

    A nossa miséria intelectual e moral, o gozo punitivo e a necropolítica superaram a tradicional razão cínica:  um elogio da ignorância gerou uma banalização da crueldade. A política do racismo se desdobra na forma de um tipo de "eugenia" onde racismo, religião e ódio de gênero, sexualidade e classe se alimentam perversão da pulsão de morte no plano da psicologia de massas. Vivemos uma naturalização da destruição dos laços sociais que se radicaliza pela adesão coletiva de parte da população a uma cruzada moralista de pequenos ego narcisistas. O extremismo de direita é inflamado com apoio na mistificação via redes sociais no ciberespaço, com apoio nos  discursos do punitivismo penal, do cruzadismo moralista e contra as ciências, que na ideologização de conjunto articularam os recalques de inúmeros grupos sociais reforçando sua submissão aos valores mais baixos do ethos dominante. O medo da multidão e da mobilidade social se amalgamam em discursos negacionistas que produzem uma fúria incontrolável que encenou o 8 de Janeiro em Brasília. 

    No Brasil a  impostura, instrumentalizada pelo golpismo e  a falsidade se armou de forma literal. Na guerra híbrida os movimentos golpistas liberaram as piores práticas. No governo das rachadinhas os pequenos ganhos de rapinagem foram liberados pela alto, desde um  governo baseado na irresponsabilidade social e ambiental e no desvio das funções, como aconteceu com os militares. Os saqueadores, justiceiros, predadores, linchadores e sicários saíram em marchas, bloqueios e motociadas que geraram o caos.  As hordas do fascismo conclamavam para a ruptura institucional e a violência política aberta.   Bandos armados, milícias e fanfarrões viraram lideranças de movimentos delirantes com efeitos nefastos, mas que acarretaram num efeito de transparência ao que até então parecia velado na democracia restrita, como um efeito paradoxal de verdade fática. 

Os exibicionistas alimentavam o narcisismo e apoiados no uso desastroso da cibernética se lançaram ao ataque aos direitos, valores e instituições. Aproveitando a crise de representação e a profundidade do impasse internacional e nacional do processo da democracia, navegando nos desastres provocados pelo neoliberalismo e a globalização financeirizada, as forças extremistas tornaram o discurso de  guerra sua verdade. A política virou caso de polícia. A questão social virou ação de extermínio, brutalidade, tortura e encarceramento. 

    Mas a vitória de Lula começou produzindo a esperança da construção de um véu necessário e simbólico de legalidade face ao golpismo e ao extermínio. Mas parece que rapidamente a ferocidade e o extremismo ainda predominam nas instituições policiais. O governo de morte tem base material, suporte político e visa naturalizar de forma mais aberta a tanato política. O governo da morte, da dor e do medo gera uma compensação para quem teme a mudança. A cultura da violência não quer ceder, mantendo os desmandos de uma lógica do crime de genocídio, com um resultado de contágio visível na sociedade brasileira do espetáculo individualista. 

    O discurso religioso da prosperidade e a hipocrisia da cruzada moralista retroalimentam a rebelião de capatazes, sicários e milicianos, que vem alimentando o fascismo social. O fracasso do capitalismo tardio, periférico e dependente e a contrarrevolução neoliberal global aprofundam nossa regressão, gerando forças e movimentos que buscam na apologia da morte repetir as práticas que aprofundam a morbidez política.  O que inverte e perverte a crítica ao sistema, alimentando a besta, o “moinho satânico” do novo fascismo nacional e global ampliado nas novas guerras quentes, nos etnicídios generalizados que servem de exemplo para a formação de sociedades de encarceramento, de campos de extermínio e de cemitérios clandestinos. 

    Os agentes funerários da ópera macabra se consideram heróis e realizam sua dança macabra por meio de banhos de sangue. A lógica da crueldade se torna o centro da política. As sociedade se dividem, os governantes se submetem  ou  lideram movimentos de ruptura buscando retomar o centro da política nacional através do fato consumado. 

    No mesmo momento em que o Ministro Flávio Dino busca repactuar e construir um véu de legitimidade e autoridade para uma política de segurança alternativa, as forças reacionárias repetem as chacinas e os massacres genocidas se sucedem, sempre sobre os corpos da população indígena,negra, pobre e dajuventude nos territórios de favelas e periferias. Não importa que seus efeitos repitam mais do mesmo fracasso, a brutalidade se retroalimenta e o ódio se contagia. A crise que vivemos é societária (como diria Ana Clara Torres Ribeiro) e civilizatória. A situação de destruição se repete. Estamos diante do inverso da hegemonia com a destruição de qualquer véu de consenso. 

    A análise da situação nos territórios de favelas e periferias marca a abertura da pressão para repetirmos o ciclo do fracasso bolsonarista. Aquele do eterno retorno da dialética da colonização, no fascínio pelo saque, pela destruição, pela violação e pelo gozo perverso com a passagem ao ato sustentado no elogio da morte. Os episódios perpetrados pelas polícias no Rio de Janeiro, na Bahia e em São Paulo lançam dezenas de cadáveres na porta do Ministério da Justiça, tentando impedir o estabelecimento de um modo de governar com base na Constituição.  Vivemos dilemas, escolhas decisivas devem ser realizadas como a de uma separação entre o  monopólio do uso legítimo da força X a guerra contra as populações, precisamos delimitar o espaço que separa a vida social colocando de um lado os sicários e milicianos e de outro os agentes públicos. 

    A questão que se recoloca é se a agenda criminosa da rebelião dos torturadores, capatazes e milicianos se imporá impedindo que se barre essa ação preliminar da retomada do  golpismo? Parece que as forças bolsonaristas estão forçando o início trágico da disputa de 2024. Parece que o processo de luta pelo governo começou impedindo que o país colha os frutos de resgatar a Constituição Cidadã, impedindo que o poder constituinte avance pela via democrática, insistindo em impedir que se faça justiça em relação aos crimes que tem no momento a marca política corporificada nos assassinatos de Marielle e Anderson. 

    Dois caminhos nos restam, conseguir barrar a nova onda exterminista ou aguardar que da destruição nasça um tipo novo de poder. A tentativa da frente única que nos governa é estabelecer o Estado de Direito e ampliar o processo de construção de reformas e o estabelecimento políticas sociais. Resta saber se temos capacidade de criar as alternativas ligadas ao direito à vida como critério de saúde, segurança e liberdade com justiça social, racial, de gênero e diversidade.

 

       Chacinas policiais não derrotam o crime organizado. Por Paulo Henrique Arantes

 

A polícia do governador Tarcísio provou ser vingativa, na pior acepção da palavra, em vez de eficiente. É notório entre a bandidagem que matar um tira, ainda mais de grupamento especial, gera reação igualmente mortal. Ocorre que o morticínio possui a face cruel de alcançar inocentes, além de, comprovadamente, não reduzir o poder das organizações criminosas - estas têm de ser atacadas nos seus cofres.

Quem entende de crime organizado no Brasil é o desembargador aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, que tem espaços no UOL e na rádio CBN e que já foi colunista de Carta Capital. Ano passado, Maierovitch ganhou o Prêmio Jabuti pelo livro “Máfia, poder e antimáfia - Um olhar pessoal sobre uma longa e sangrenta história”. É figura midiática.

Há alguns anos, este colunista entrevistou longamente o jurista, fundador do Instituto Giovanni Falcone de Ciências Criminais. A imersão no conhecimento de Maierovitch amplia a visão sobre o modus operandi do crime, e, hoje, faz com que a ineficiência de ações como a da polícia do governador Tarcísio no Guarujá - e das policiais brasileiras em geral - seja clara como água.

O Brasil está atrasado em termos de política criminal, especialmente em relação ao crime organizado, ensina-nos Maierovitch.  Verificadas a legislação europeia e a Convenção de Palermo, primeiro instrumento jurídico a tratar de “organizações criminosas”, percebe-se que o crime organizado é de difícil desmantelamento. Identificam-se facilmente associações delinquenciais comuns – quadrilhas e bandos -, mas apenas resvala-se da estrutura dos grupos mais complexos.

Organizações como o PCC controlam territórios, exercem domínio social e possuem grande poder econômico. O Primeiro Comando da Capital já adquiriu caráter transnacional - é uma máfia, portanto. Como combatê-la? Não é chacinando um bairro pobre.

“O mundo sabe disso, isso é preconizado no mundo, e no Brasil não se pratica: você só consegue combater crime organizado mexendo no bolso, mexendo no caixa da organização. Vale dizer: desfalcando-a. E o governo de São Paulo ainda não de preocupou em desfalcar o PCC. Quando um comércio ou uma indústria quebram? Quando não têm dinheiro”, dizia-nos Wálter Fanganiello Maierovitch no longínquo ano de 2014. Nada mudou.

É óbvio que se entranhar nas movimentações financeiras do crime organizado dá trabalho, requer preparo técnico, recursos tecnológicos, dedicação exclusiva, tempo e dinheiro. É disso que a polícia precisa, não de estímulos a um estúpido desejo de vingança.

 

       Empresa, dono e filhos que acusam filha de ministro do STJ acumulam ocorrências policiais e dívidas

 

Calote, estelionato, crimes contra o meio ambiente e injúria são alguns dos delitos descritos em ocorrências policiais e processos judiciais registrados contra a Indústria de Mineração e Construção Brasil Ltda., o sócio e os filhos dele.

A empresa acusou, recentemente, a advogada Catarina Buzzi, filha do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Buzzi, de receber R$ 1,1 milhão por “consultoria jurídica”, mas não prestar o serviço.

Sediada no Distrito Federal, a construtora figura como caloteira em processos judicias que tramitam na capital do país.

Em uma das ações, a Indústria de Mineração e Construção Brasil é acusada de dever R$ 165,7 mil em parcelas do condomínio de um apartamento no Bloco D da Superquadra Sul (SQS) 116, no Plano Piloto. O Edifício Porto Seguro processou a empresa no fim de maio de 2023, e a ação foi distribuída à 20ª Vara Cível de Brasília.

No último dia 27 de julho, a Indústria foi condenada, em outro processo, a ressarcir um médico neurocirurgião. Ele alugou da empresa um imóvel residencial, em Brasília, com problemas físicos, além de dívidas de condomínio que o impediam de usar as áreas comuns.

O médico alegou que pagou R$ 29,5 mil a título de caução, antes mesmo de entrar no imóvel, mas não recebeu o dinheiro após devolver as chaves. A 22ª Vara Cível de Brasília condenou a empresa a devolver ao morador R$ 23 mil, valor referente à caução, já com o desconto das despesas do fim do contrato.

A Indústria também é alvo de, pelo menos, três processos judicias de execução fiscal por dívida com o Distrito Federal.

•        Família encalacrada

Alberto Batista Chaves é o dono da Indústria de Mineração e Construção Brasil. O empresário foi apontado, em uma ocorrência policial registrada na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), em 2020, como autor de crime contra o meio ambiente.

O empresário é pai de Welington Batista Chaves e de Carlos Alberto Chaves. Os dois são donos da empresa Brasil 10, que responde a ação de busca e apreensão de veículo impetrada pelo Bradesco, por haver débito com o banco. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) determinou o bloqueio do veículo.

Em outro processo que tramita no TJDFT, foi determinada a penhora de R$ 7,3 mil das contas de Carlos Alberto para garantir o pagamento de um cheque sem fundo dado à empresa Mercato Comércios de Móveis S/A, referente à aquisição de móveis e acessórios.

Carlos Alberto é alvo de 14 ocorrências policiais por estelionato, ameaça, dano, injúria, vias de fato, calúnia e difamação. Os boletins de ocorrência foram registrados entre 1995 e 2021.

Welington aparece como autor em quatro ocorrências registradas na PCDF, entre 1996 e 2016, por estelionato, injúria e ameaça.

Em um dos casos que parou na delegacia, um homem disse que vendeu várias cabeças de gado para Carlos Alberto e Welington, mas os irmãos não pagaram. Por isso, decidiu processá-los na Justiça. Segundo a vítima, depois do início da ação judicial, os dois a ameaçaram de morte.

O vendedor do gado disse que os irmãos o xingaram de “ladrão, filho da puta, safado, vagabundo” e disseram que iriam “dar um tiro no meio da testa” dele, além de xingarem a filha do homem de “vagabunda”.

 

       Ministro do STJ contrariou interesses de empresa que cobra filha na Justiça

 

O ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), contrariou, em três julgamentos na Corte, os interesses da família que controla a Indústria de Mineração e Construção Brasil, empresa que acionou a Justiça do Distrito Federal para cobrar da filha dele a devolução de R$ 1,1 milhão supostamente pagos por uma “consultoria jurídica” que não teria sido prestada por ela.

A construtora afirma que contratou a advogada Catarina Buzzi, em novembro do ano passado, para atuar em uma ação na Justiça Federal em Minas Gerais, com valor de causa de R$ 6,3 milhões. Empresas da mesma família dona da construtora têm diversos processos no STJ. Pelo menos três desses processos no tribunal foram para julgamento na Quarta Turma, da qual o ministro Marco Buzzi faz parte.

Em duas das causas, de 2022 e 2023, o ministro, pai de Catarina, votou contra os recursos impetrados pela construtora. Um deles envolve uma disputa por um contrato milionário de venda de imóvel.

No terceiro processo, no qual a ex-mulher do dono da empresa briga contra a penhora de um imóvel, Marco Buzzi é o relator e também negou o recurso ao STJ. Depois, votou contra o mesmo requerimento em julgamento no qual foi acompanhado por unanimidade.

Embora não haja nada que desabone o ministro Marco Buzzi, a defesa pediu recentemente, nesse terceiro processo, a suspeição dele em razão do processo de cobrança que move contra a filha do magistrado. Em nota enviada ao Metrópoles, Catarina Buzzi afirma que “nunca advogou para a empresa”.

Também em nota enviada ao Metrópoles, a assessoria de imprensa do STJ afirma que “os recursos apresentados pela empresa foram negados, o que afasta, por completo, eventual suposição de favorecimento da parte”.

A nota acrescenta, ainda, que o processo movido pela ex-mulher do dono da empresa, do qual o ministro é relator, “teve o mérito julgado em colegiado em outubro de 2022, com decisão também desfavorável aos seus interesses”.

Por fim, a assessoria do STJ afirma que o pedido de suspeição do ministro Marco Buzzi “chegou ao gabinete apenas na tarde de hoje, e será oportunamente analisado pelo ministro”.

 

Fonte: Por Pedro Cláudio Cunca Bocayuva, em Brasil 247/Metrópoles

 

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