O dilema brasileiro: genocídio social e racial X democracia
Parece que as forças da extrema direita já preparam
suas garras para 2024. Não existe dúvida de que vivemos o eterno retorno do
espetáculo do genocídio social, racial e geracional.
Os anos do golpismo, do bolsonarismo e da pandemia
puseram o Brasil diante da violência extrema sem nenhum tipo de velamento.
Vivemos uma conjuntura marcada com contornos próximos do velho fascismo
colonizado sem máscaras. O Brasil sem véus mostrou sua crueldade de forma
brutal entre 2013 e 2016(mesmo que desde
2010 novos movimentos e agendas de luta social por direitos tenham
emergindo). A permanência da estrutura da forma social histórica perversa
brotava com força do subsolo da sociedade.
A força
do excesso e da exceção se apresenta na
atualidade como resultado da morbidez política na crise de hegemonia derivada
do colapso das fórmulas de revolução passiva (revolução sem revolução e modernização
autoritária do capitalismo dependente) . O declínio dos pactos constitucionais
promovidos pela troca de direitos por medo foi sendo alimentado pela opção
neoliberal, até o cenário atual do novo regime de guerra global e com o advento
da pandemia.
A nossa
miséria intelectual e moral, o gozo punitivo e a necropolítica superaram a
tradicional razão cínica: um elogio da
ignorância gerou uma banalização da crueldade. A política do racismo se
desdobra na forma de um tipo de "eugenia" onde racismo, religião e
ódio de gênero, sexualidade e classe se alimentam perversão da pulsão de morte
no plano da psicologia de massas. Vivemos uma naturalização da destruição dos
laços sociais que se radicaliza pela adesão coletiva de parte da população a
uma cruzada moralista de pequenos ego narcisistas. O extremismo de direita é
inflamado com apoio na mistificação via redes sociais no ciberespaço, com apoio
nos discursos do punitivismo penal, do
cruzadismo moralista e contra as ciências, que na ideologização de conjunto
articularam os recalques de inúmeros grupos sociais reforçando sua submissão
aos valores mais baixos do ethos dominante. O medo da multidão e da mobilidade
social se amalgamam em discursos negacionistas que produzem uma fúria
incontrolável que encenou o 8 de Janeiro em Brasília.
No Brasil
a impostura, instrumentalizada pelo
golpismo e a falsidade se armou de forma
literal. Na guerra híbrida os movimentos golpistas liberaram as piores
práticas. No governo das rachadinhas os pequenos ganhos de rapinagem foram
liberados pela alto, desde um governo
baseado na irresponsabilidade social e ambiental e no desvio das funções, como
aconteceu com os militares. Os saqueadores, justiceiros, predadores, linchadores
e sicários saíram em marchas, bloqueios e motociadas que geraram o caos. As hordas do fascismo conclamavam para a
ruptura institucional e a violência política aberta. Bandos armados, milícias e fanfarrões
viraram lideranças de movimentos delirantes com efeitos nefastos, mas que
acarretaram num efeito de transparência ao que até então parecia velado na
democracia restrita, como um efeito paradoxal de verdade fática.
Os exibicionistas alimentavam o narcisismo e
apoiados no uso desastroso da cibernética se lançaram ao ataque aos direitos,
valores e instituições. Aproveitando a crise de representação e a profundidade
do impasse internacional e nacional do processo da democracia, navegando nos
desastres provocados pelo neoliberalismo e a globalização financeirizada, as
forças extremistas tornaram o discurso de
guerra sua verdade. A política virou caso de polícia. A questão social
virou ação de extermínio, brutalidade, tortura e encarceramento.
Mas a
vitória de Lula começou produzindo a esperança da construção de um véu
necessário e simbólico de legalidade face ao golpismo e ao extermínio. Mas
parece que rapidamente a ferocidade e o extremismo ainda predominam nas
instituições policiais. O governo de morte tem base material, suporte político
e visa naturalizar de forma mais aberta a tanato política. O governo da morte,
da dor e do medo gera uma compensação para quem teme a mudança. A cultura da
violência não quer ceder, mantendo os desmandos de uma lógica do crime de
genocídio, com um resultado de contágio visível na sociedade brasileira do espetáculo
individualista.
O
discurso religioso da prosperidade e a hipocrisia da cruzada moralista
retroalimentam a rebelião de capatazes, sicários e milicianos, que vem
alimentando o fascismo social. O fracasso do capitalismo tardio, periférico e dependente
e a contrarrevolução neoliberal global aprofundam nossa regressão, gerando
forças e movimentos que buscam na apologia da morte repetir as práticas que
aprofundam a morbidez política. O que
inverte e perverte a crítica ao sistema, alimentando a besta, o “moinho
satânico” do novo fascismo nacional e global ampliado nas novas guerras
quentes, nos etnicídios generalizados que servem de exemplo para a formação de
sociedades de encarceramento, de campos de extermínio e de cemitérios
clandestinos.
Os agentes funerários da ópera macabra se
consideram heróis e realizam sua dança macabra por meio de banhos de sangue. A
lógica da crueldade se torna o centro da política. As sociedade se dividem, os
governantes se submetem ou lideram movimentos de ruptura buscando
retomar o centro da política nacional através do fato consumado.
No mesmo
momento em que o Ministro Flávio Dino busca repactuar e construir um véu de
legitimidade e autoridade para uma política de segurança alternativa, as forças
reacionárias repetem as chacinas e os massacres genocidas se sucedem, sempre
sobre os corpos da população indígena,negra, pobre e dajuventude nos
territórios de favelas e periferias. Não importa que seus efeitos repitam mais
do mesmo fracasso, a brutalidade se retroalimenta e o ódio se contagia. A crise
que vivemos é societária (como diria Ana Clara Torres Ribeiro) e civilizatória.
A situação de destruição se repete. Estamos diante do inverso da hegemonia com
a destruição de qualquer véu de consenso.
A análise
da situação nos territórios de favelas e periferias marca a abertura da pressão
para repetirmos o ciclo do fracasso bolsonarista. Aquele do eterno retorno da
dialética da colonização, no fascínio pelo saque, pela destruição, pela
violação e pelo gozo perverso com a passagem ao ato sustentado no elogio da
morte. Os episódios perpetrados pelas polícias no Rio de Janeiro, na Bahia e em
São Paulo lançam dezenas de cadáveres na porta do Ministério da Justiça,
tentando impedir o estabelecimento de um modo de governar com base na
Constituição. Vivemos dilemas, escolhas
decisivas devem ser realizadas como a de uma separação entre o monopólio do uso legítimo da força X a guerra
contra as populações, precisamos delimitar o espaço que separa a vida social
colocando de um lado os sicários e milicianos e de outro os agentes
públicos.
A questão
que se recoloca é se a agenda criminosa da rebelião dos torturadores, capatazes
e milicianos se imporá impedindo que se barre essa ação preliminar da retomada
do golpismo? Parece que as forças
bolsonaristas estão forçando o início trágico da disputa de 2024. Parece que o
processo de luta pelo governo começou impedindo que o país colha os frutos de
resgatar a Constituição Cidadã, impedindo que o poder constituinte avance pela
via democrática, insistindo em impedir que se faça justiça em relação aos
crimes que tem no momento a marca política corporificada nos assassinatos de
Marielle e Anderson.
Dois
caminhos nos restam, conseguir barrar a nova onda exterminista ou aguardar que
da destruição nasça um tipo novo de poder. A tentativa da frente única que nos
governa é estabelecer o Estado de Direito e ampliar o processo de construção de
reformas e o estabelecimento políticas sociais. Resta saber se temos capacidade
de criar as alternativas ligadas ao direito à vida como critério de saúde,
segurança e liberdade com justiça social, racial, de gênero e diversidade.
Chacinas policiais não derrotam o crime organizado. Por Paulo Henrique Arantes
A polícia do governador Tarcísio provou ser
vingativa, na pior acepção da palavra, em vez de eficiente. É notório entre a
bandidagem que matar um tira, ainda mais de grupamento especial, gera reação
igualmente mortal. Ocorre que o morticínio possui a face cruel de alcançar
inocentes, além de, comprovadamente, não reduzir o poder das organizações
criminosas - estas têm de ser atacadas nos seus cofres.
Quem entende de crime organizado no Brasil é o
desembargador aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, que tem espaços no UOL
e na rádio CBN e que já foi colunista de Carta Capital. Ano passado,
Maierovitch ganhou o Prêmio Jabuti pelo livro “Máfia, poder e antimáfia - Um
olhar pessoal sobre uma longa e sangrenta história”. É figura midiática.
Há alguns anos, este colunista entrevistou longamente
o jurista, fundador do Instituto Giovanni Falcone de Ciências Criminais. A
imersão no conhecimento de Maierovitch amplia a visão sobre o modus operandi do
crime, e, hoje, faz com que a ineficiência de ações como a da polícia do
governador Tarcísio no Guarujá - e das policiais brasileiras em geral - seja
clara como água.
O Brasil está atrasado em termos de política
criminal, especialmente em relação ao crime organizado, ensina-nos
Maierovitch. Verificadas a legislação
europeia e a Convenção de Palermo, primeiro instrumento jurídico a tratar de
“organizações criminosas”, percebe-se que o crime organizado é de difícil
desmantelamento. Identificam-se facilmente associações delinquenciais comuns –
quadrilhas e bandos -, mas apenas resvala-se da estrutura dos grupos mais
complexos.
Organizações como o PCC controlam territórios,
exercem domínio social e possuem grande poder econômico. O Primeiro Comando da
Capital já adquiriu caráter transnacional - é uma máfia, portanto. Como
combatê-la? Não é chacinando um bairro pobre.
“O mundo sabe disso, isso é preconizado no mundo, e
no Brasil não se pratica: você só consegue combater crime organizado mexendo no
bolso, mexendo no caixa da organização. Vale dizer: desfalcando-a. E o governo
de São Paulo ainda não de preocupou em desfalcar o PCC. Quando um comércio ou
uma indústria quebram? Quando não têm dinheiro”, dizia-nos Wálter Fanganiello
Maierovitch no longínquo ano de 2014. Nada mudou.
É óbvio que se entranhar nas movimentações
financeiras do crime organizado dá trabalho, requer preparo técnico, recursos
tecnológicos, dedicação exclusiva, tempo e dinheiro. É disso que a polícia
precisa, não de estímulos a um estúpido desejo de vingança.
Empresa,
dono e filhos que acusam filha de ministro do STJ acumulam ocorrências
policiais e dívidas
Calote, estelionato, crimes contra o meio ambiente
e injúria são alguns dos delitos descritos em ocorrências policiais e processos
judiciais registrados contra a Indústria de Mineração e Construção Brasil
Ltda., o sócio e os filhos dele.
A empresa acusou, recentemente, a advogada Catarina
Buzzi, filha do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Buzzi, de
receber R$ 1,1 milhão por “consultoria jurídica”, mas não prestar o serviço.
Sediada no Distrito Federal, a construtora figura
como caloteira em processos judicias que tramitam na capital do país.
Em uma das ações, a Indústria de Mineração e
Construção Brasil é acusada de dever R$ 165,7 mil em parcelas do condomínio de
um apartamento no Bloco D da Superquadra Sul (SQS) 116, no Plano Piloto. O
Edifício Porto Seguro processou a empresa no fim de maio de 2023, e a ação foi
distribuída à 20ª Vara Cível de Brasília.
No último dia 27 de julho, a Indústria foi
condenada, em outro processo, a ressarcir um médico neurocirurgião. Ele alugou
da empresa um imóvel residencial, em Brasília, com problemas físicos, além de
dívidas de condomínio que o impediam de usar as áreas comuns.
O médico alegou que pagou R$ 29,5 mil a título de
caução, antes mesmo de entrar no imóvel, mas não recebeu o dinheiro após
devolver as chaves. A 22ª Vara Cível de Brasília condenou a empresa a devolver
ao morador R$ 23 mil, valor referente à caução, já com o desconto das despesas
do fim do contrato.
A Indústria também é alvo de, pelo menos, três
processos judicias de execução fiscal por dívida com o Distrito Federal.
• Família
encalacrada
Alberto Batista Chaves é o dono da Indústria de
Mineração e Construção Brasil. O empresário foi apontado, em uma ocorrência
policial registrada na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), em 2020, como
autor de crime contra o meio ambiente.
O empresário é pai de Welington Batista Chaves e de
Carlos Alberto Chaves. Os dois são donos da empresa Brasil 10, que responde a
ação de busca e apreensão de veículo impetrada pelo Bradesco, por haver débito
com o banco. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)
determinou o bloqueio do veículo.
Em outro processo que tramita no TJDFT, foi determinada
a penhora de R$ 7,3 mil das contas de Carlos Alberto para garantir o pagamento
de um cheque sem fundo dado à empresa Mercato Comércios de Móveis S/A,
referente à aquisição de móveis e acessórios.
Carlos Alberto é alvo de 14 ocorrências policiais
por estelionato, ameaça, dano, injúria, vias de fato, calúnia e difamação. Os
boletins de ocorrência foram registrados entre 1995 e 2021.
Welington aparece como autor em quatro ocorrências
registradas na PCDF, entre 1996 e 2016, por estelionato, injúria e ameaça.
Em um dos casos que parou na delegacia, um homem
disse que vendeu várias cabeças de gado para Carlos Alberto e Welington, mas os
irmãos não pagaram. Por isso, decidiu processá-los na Justiça. Segundo a
vítima, depois do início da ação judicial, os dois a ameaçaram de morte.
O vendedor do gado disse que os irmãos o xingaram
de “ladrão, filho da puta, safado, vagabundo” e disseram que iriam “dar um tiro
no meio da testa” dele, além de xingarem a filha do homem de “vagabunda”.
Ministro
do STJ contrariou interesses de empresa que cobra filha na Justiça
O ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), contrariou, em três julgamentos na Corte, os interesses da
família que controla a Indústria de Mineração e Construção Brasil, empresa que
acionou a Justiça do Distrito Federal para cobrar da filha dele a devolução de
R$ 1,1 milhão supostamente pagos por uma “consultoria jurídica” que não teria
sido prestada por ela.
A construtora afirma que contratou a advogada
Catarina Buzzi, em novembro do ano passado, para atuar em uma ação na Justiça
Federal em Minas Gerais, com valor de causa de R$ 6,3 milhões. Empresas da
mesma família dona da construtora têm diversos processos no STJ. Pelo menos
três desses processos no tribunal foram para julgamento na Quarta Turma, da
qual o ministro Marco Buzzi faz parte.
Em duas das causas, de 2022 e 2023, o ministro, pai
de Catarina, votou contra os recursos impetrados pela construtora. Um deles
envolve uma disputa por um contrato milionário de venda de imóvel.
No terceiro processo, no qual a ex-mulher do dono
da empresa briga contra a penhora de um imóvel, Marco Buzzi é o relator e
também negou o recurso ao STJ. Depois, votou contra o mesmo requerimento em
julgamento no qual foi acompanhado por unanimidade.
Embora não haja nada que desabone o ministro Marco
Buzzi, a defesa pediu recentemente, nesse terceiro processo, a suspeição dele
em razão do processo de cobrança que move contra a filha do magistrado. Em nota
enviada ao Metrópoles, Catarina Buzzi afirma que “nunca advogou para a
empresa”.
Também em nota enviada ao Metrópoles, a assessoria
de imprensa do STJ afirma que “os recursos apresentados pela empresa foram
negados, o que afasta, por completo, eventual suposição de favorecimento da parte”.
A nota acrescenta, ainda, que o processo movido
pela ex-mulher do dono da empresa, do qual o ministro é relator, “teve o mérito
julgado em colegiado em outubro de 2022, com decisão também desfavorável aos
seus interesses”.
Por fim, a assessoria do STJ afirma que o pedido de
suspeição do ministro Marco Buzzi “chegou ao gabinete apenas na tarde de hoje,
e será oportunamente analisado pelo ministro”.
Fonte: Por Pedro Cláudio Cunca Bocayuva, em Brasil
247/Metrópoles
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