MP das apostas esportivas é só o primeiro passo para regulamentação
A Medida Provisória 1.182/2023, publicada na última
terça-feira (25/7) no Diário Oficial da União, altera a Lei 13.756/2018 e prevê
que empresas operadoras de loteria de quota fixa, conhecidas como “bets”, serão
taxadas em 18% sobre a receita obtida com os jogos, descontando-se o pagamento
dos prêmios aos jogadores e o Imposto de Renda devido sobre a premiação.
Advogados consideram a medida o ponto de partida
para a regulamentação do mercado de apostas esportivas, mas lembram que muitos
detalhes ainda vão ser discutidos no Congresso e também dependem de
normatização do Ministério da Fazenda.
No entender do advogado criminalista André Damiani,
sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, a iniciativa do governo
federal é “um primeiro passo na busca da regulamentação das apostas esportivas
no país”.
Segundo o advogado, que é especialista em Direito
Penal Econômico, a partir do advento da Lei 13.756/2018, que permitiu a chamada
“aposta de quota fixa”, o mercado de apostas cresceu de maneira exponencial no
Brasil, que passou a ser o segundo maior mercado de apostas do mundo —
responsável por movimentar quantias bilionárias.
Até o momento, as casas de apostas operavam de
forma livre, sem regras específicas quanto aos seus direitos e deveres, como a
obrigação de adotar mecanismos de combate à lavagem de dinheiro, de pagamento
de impostos, regras de proteção aos consumidores. “Para além da questão
tributária, é positiva a proposta adotada pelo governo federal, na medida em
que sinaliza estar disposto a tomar as medidas necessárias para regulamentar,
de uma vez por todas, esse mercado extremamente lucrativo, mas que vem sendo
palco de escândalos nos últimos tempos”, ressalta Damiani.
Embora também considere “um avanço” a edição da MP
1.182, Danielle Franco, head de Direito Administrativo do GVM Advogados,
observa que a implementação das apostas de quota fixa ainda deverá demorar um
pouco para se concretizar, já que ainda dependerá de regulamentação específica
do Ministério da Fazenda, conforme artigo 29, parágrafos 2º e 4º da Lei nº
13.756/18, com redação dada pela mencionada MP.
• Manipulação
de resultados
“Dependerão de regulamentação pelo mesmo
ministério, ainda, as medidas mitigadoras à manipulação de resultados e de
corrupção em eventos esportivos — comuns em jogos de futebol e pauta de
recorrentes escândalos”, afirma Danielle Franco. Ela explica que “o operador da
casa de apostas deverá reportar qualquer suspeita de manipulação ao Ministério
da Fazenda em até cinco dias do conhecimento de qualquer ato suspeito”.
Anna Florença Anastasia, especialista em Direito
Administrativo no GVM Advogados, destaca que, apesar do avanço na tentativa de
“coibir a atuação ilegal de empresas que, muitas vezes, sequer repassam os
valores aos apostadores, a MP não indica quais meios (físicos e materiais)
serão utilizados para garantir a fiscalização destas atividades”. Ainda assim,
a especialista considera positivas “as elevadas penalidades previstas para as
empresas que continuarem operando sites de apostas esportivas de forma ilegal.
Penas baixas não bastariam para inibir essas operações ilegais”.
Anna Florença ainda considera desestimulante para
empresas que queiram atuar legalmente nessa modalidade de apostas o fato de a
MP dispor que o serviço poderá ser delegado por meio de concessão, autorização
ou permissão.
“As duas últimas formas, não se amoldam ao serviço
que o governo federal pretende delegar. Isso porque autorização e permissão são
atos unilaterais e precários da administração pública, o que significa a
flexibilidade para o poder público alterar ou encerrar a terceirização do
serviço, sem obrigação de indenizar o particular”, enfatiza.
Bernardo Freire, sócio de Wald, Antunes, Vita e
Blattner Advogados, considera a iniciativa do governo federal “extremamente
importante, solucionando uma questão que ficou em aberto por mais de quatro
anos na gestão anterior”. “A medida é salutar para todos os que atuam no setor,
que batalharam muito pela sua elaboração”.
Freire observa que os detalhes ainda vão ser
discutidos no Congresso, “mas já são trazidas previsões importantes para a
adesão do maior número de empresas, dentre as quais as proibições para aqueles
que pretendem permanecer na ilegalidade, que terão vedações de acesso a
tecnologia, a meios de comunicação, patrocínios e métodos de pagamento”.
“Contudo, a tributação ficou acima da que é
praticada em outros países, o que demandará a análise detalhada, eis que é uma
questão que tem potencial decisivo para afastar interessados de se legalizar,
tanto apostadores quanto empresas. Mas a importância é ainda maior no que
concerne ao posicionamento do governo, no viés de buscar a regularização de uma
atividade que pode gerar importante arrecadação fiscal", comenta.
• Definição
de competências
Camila Fernandes, sócia responsável pelo núcleo de
Contencioso Cível do Nelson Wilians Advogados, também destaca que a MP depende
da regulamentação pelo Ministério da Fazenda acerca da forma de autorização
para exploração da atividade.
“Da leitura dos dispositivos da MP, pode-se
entender que a autorização apenas poderá ser concedida pelo Ministério da
Fazenda. Contudo, em 2020, o STF decidiu que embora seja competência privativa
da União legislar sobre as atividades lotéricas, tal fato não impede a
competência material dos estados para explorar as atividades lotéricas e para
regulamentar essa exploração”, ressalta.
Camila lembra que a Constituição Federal dispõe no
seu artigo 25, parágrafo 1º, que “são reservadas aos estados as competências
que não lhes sejam vedadas por esta Constituição” e assim, não havendo nenhum
dispositivo que torne competência exclusiva da União a exploração de loteria,
nenhuma lei federal pode restringir a competência material de exploração de
serviço de loteria a determinado ente.
“O fato de a Constituição de 1988 ter atribuído à União
a competência legislativa sobre a matéria, não prejudica a exploração material
do serviço pelos Estados. Em síntese, a União edita diretrizes nacionais,
enquanto as legislações estaduais instituem loterias em seus territórios tão
somente veiculando a competência material que lhes foi franqueada pela
Constituição. A legislação estadual apenas ofenderia a Constituição Federal
caso instituísse disciplina ou modalidade de loteria não prevista pela própria
União, eis que não deve haver disciplinamento estadual que supere o que
previsto em âmbito federal”, complementa.
O criminalista Daniel Bialski defende “qualquer
legislação que venha regulamentar ou até aperfeiçoar omissões das normas
existentes”. “A regulamentação evita situações desagradáveis, fraudulentas e
até mesmo criminosas que possam ocorrer. Espero que essa tônica assim permaneça
e que não seja feita apenas e tão somente em situações pontuais, mas sim
globais, porque existem muitas leis no Brasil que precisam de um
aperfeiçoamento”, diz.
Bialski entende que atividades e empresas
esportivas, geridas por pessoas jurídicas e físicas, que exploram esse mercado
de forma direta e indireta, precisam, “de fato, ter órgãos fiscalizadores e
sancionadores em todas as esferas”.
MP de
Lula para taxar apostas esportivas já recebeu mais de 40 emendas no Congresso
Antes mesmo do retorno das atividades no Congresso
Nacional, após o recesso das últimas semanas, deputados e senadores já
apresentaram mais de 40 emendas à Medida Provisória 1.182, que regulamenta as
apostas esportivas no Brasil. A MP foi apresentada pelo governo Lula na última
semana e prevê a cobrança de um imposto de 18% sobre os rendimentos das
empresas de aposta. Os parlamentares têm 120 dias para analisarem o texto.
Pela proposta, que já entrou em vigor mas deve ser
avaliada pelo Congresso Nacional, os recursos serão repartidos entre o Fundo
Nacional de Segurança Pública (FNSP), os clubes esportivos, educação,
seguridade social e o Ministério do Esporte.
De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad (PT), a expectativa é que, em um primeiro momento, o governo federal
arrecade cerca de R$ 2 bilhões. Ao longo do tempo, o ministério aposta em uma
elevação das receitas entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões.
Algumas das emendas pretendem incluir novas
entidades na destinação dos recursos ou aumentar ou diminuir a participação das
que já fazem parte.
<<<< Entenda como será a divisão da
arrecadação com as apostas:
• Seguridade
social: 10%
• Fundo
Nacional de Segurança Pública (FNSP): 2,55%
• Educação
básica: 0,82%
• Ministério
do Esporte: 3%
• Sistema
Nacional do Esporte (clubes e atletas): 1,63%
>>>> Emendas
De acordo com emenda apresentada pelo deputado
Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF), a parte destinada para o Ministério do
Esporte deverá ser repartida às secretarias de Esporte dos estados e do
Distrito Federal. Caso a sugestão seja acatada, o ministério ficaria com 2% da
arrecadação total e, as secretarias, com 1%.
Já o deputado mineiro Cabo Junio Amaral (PL) quer aumentar
a fatia destinada para o FNSP - que terá como responsabilidade, a fiscalização
das empresas de aposta esportiva, de 2,55% pára 4,55%. Pela proposta do
parlamentar, as empresas, em vez de ficarem com 82% do total de seus
rendimentos, ficariam com 80% - e a diferença dos dois pontos percentuais
ficaria com o órgão ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
O deputado Fred Costa (Patriota-MG) pretende
incluir no texto um artigo em que obriga os aplicativos e sites de aposta
esportiva a comunicar o Ministério Público em casos de suspeita de manipulação
de resultados.
"Esta medida é crucial para garantir a
integridade e a transparência no setor de apostas esportivas, além de
contribuir para a prevenção e o combate a atividades criminosas, como a
manipulação de resultados e a lavagem de dinheiro", diz trecho da
justificativa da proposta apresentada aos outros parlamentares.
Já o ex-presidente do Flamengo e deputado federal
Bandeira de Mello (PSB-RJ) pretende incluir um mecanismo para regulamentar a
publicidade das casas de apostas - presentes em praticamente todos os clubes da
série A do Campeonato Brasileiro. Ele sugere mudanças na publicidade das
apostas para desestimular o vício no jogo.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP) pretende
incluir entidades organizadoras de esportes eletrônicos (e-sports) no bolo da
arrecadação destinada ao Sistema Nacional do Esporte.
A relação completa das emendas você pode conferir
no site do Senado.
Fonte: Conjur/Agencia Estado
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