sábado, 26 de agosto de 2023

Kremlin espera testes para confirmar morte de líder do Grupo Wagner

O Kremlin manteve acesa a chama da pira de teorias conspiratórias em torno da morte anunciada do líder do grupo mercenário Wagner, Ievguêni Prigojin, ao dizer que a confirmação oficial do destino do antigo aliado de Vladimir Putin só será feita após a realização de exames genéticos.

O porta-voz Dmitri Peskov também rebateu a acusação de que Putin mandou matar na quarta (23) o ex-aliado, que liderou um motim contra a cúpula militar e constrangeu o russo há dois meses. "Há muita especulação em torno deste acidente de avião e as trágicas mortes dos passageiros, incluindo Ievguêni Prigojin. É claro que, no Ocidente, tudo isso é apresentado por um ângulo conhecido", afirmou.

Putin havia feito um pronunciamento citando a morte na quinta (24), no qual apresentou condolências e disse que Prigojin havia "cometido sérios erros". Nesta sexta (25), Peskov foi questionado por repórteres se havia enfim uma confirmação oficial da morte.

"O presidente disse que todos os testes necessários, incluindo genéticos, serão feitos agora. Os resultados oficiais serão publicados assim que eles estiverem prontos para serem publicados", afirmou.

É uma obviedade na prática, mas se encaixa na opacidade que acompanhou a vida de Prigojin, um ex-presidiário e vendedor de cachorro-quente que ascendeu na Rússia pós-comunista e virou um protegido do presidente encarregado de ações mercenárias, só para cair em desgraça.

Em 2019, Prigojin foi dado como morto após um avião em que supostamente estava cair na República Democrática do Congo, um dos vários países africanos em que prestava serviços com seu grupo. Ele reapareceu três dias depois, no melhor estilo Jesus Cristo.

A queda do jato executivo Embraer Legacy 600 pertencente a Prigojin na quarta, num curto voo entre Moscou e São Petersburgo, parece contudo ser mais tangível em termos de resultado. Além de o nome do mercenário estar no manifesto de passageiros, seu telefone celular foi encontrado nos destroços, segundo o canal afiliado ao Wagner no Telegram Greyzone.

Além disso, o canal e outros meios próximos do líder confirmaram seu desaparecimento. Aqui entra a teoria conspiratória mais interessante na praça, contudo: a de que Prigojin quis simular sua morte para não acabar morto seja por Putin, pela Ucrânia que ele atacou brutalmente com suas forças, pela cúpula militar russa ou algum cliente insatisfeito.

Há um elemento chave para a teoria: um segundo jato da Embraer, também pertencente ao Wagner, estava em voo na mesma rota quando o incidente ocorreu sobre a região de Tver, 160 km a noroeste de Moscou. Segundo dados impreciso de sistemas de monitoramento de voo na internet, ele deu meia-volta rumo à capital e não mais foi visto.

O mistério do segundo jato pode nunca ser confirmado. É sabido que Prigojin fazia alguns membros do Wagner adotarem seu nome e sobrenome para disfarçar, em documentos, suas movimentações pelo mundo.

Quando a polícia russa invadiu seu palacete em São Petersburgo depois do motim encerrado em 24 de junho, expôs à TV uma série de fotografias achadas dele em disfarces bastante cômicos, como um registro dele se passando por oficial líbio, com uma vasta barba.

A questão é que, mesmo que o Kremlin apresente exames definitivos de DNA, a secular tradição russa de desconfiar da versão oficial dos fatos deverá prosperar, não menos porque um mistério é sempre mais atraente do que a realidade.

Por isso, mesmo a batalha de Peskov contra a acusação de que Putin se livrou do incômodo ex-aliado, se sincera, é infrutífera. Nesta sexta, ele lembrou que não é a primeira vez que tem de defender o chefe desse tipo de alegação há uma longa lista de desafetos do presidente que ou foram mortos, ou morreram em circunstâncias nebulosas.

"Tudo isso é uma mentira absoluta, e quando você está cobrindo isso, é necessário se basear em fatos. Não há muitos fatos ainda. Eles precisam ser estabelecidos no curso das ações investigativas", afirmou.

A apuração da queda poderia envolver a Embraer, que de todo modo não prestava serviço à aeronave desde que ela entrou numa lista de sanções americanas em 2019. Só que a Rússia ainda não fez uma comunicação, que deveria ser de praxe, ao governo brasileiro pedindo a assistência.

O Legacy 600 é um avião muito seguro, e este foi o primeiro incidente com mortos a bordo de um desses modelos em mais de 20 anos de uso e quase 300 unidades fabricadas. Antes, um jato comprado por americanos abalroou no ar um Boeing-737 da Gol em 2006, causando a queda do avião comercial e a morte de 154 passageiros o Legacy conseguiu pousar.

O padrão de voo registrado no site Flightradar24 na quarta mostrou que o avião passou por instabilidade no ar por 32 segundos e depois caiu verticalmente. Um vídeo de celular mostrou esses momentos finais, com o aparelho aparentemente tendo uma de suas asas ainda parcialmente intacta, o que o fez girar no ar antes do mergulho final.

O Pentágono afirmou que, ao contrário do que disseram canais pró-Wagner, não há evidência de emprego de mísseis antiaéreos no episódio. O porta-voz militar não detalhou, mas os EUA podem dizer isso porque monitoram lançamentos de mísseis na Rússia, principalmente naquela região próxima das fronteiras com os Estados Bálticos e a Finlândia, integrantes da aliança Otan.

Pelos parâmetros disponíveis, tudo sugere uma explosão a bordo do Legacy, ou algum outro evento catastrófico. Além de Prigojin, foram dados como mortos seu número 2 no Wagner, Dmitri Utkin, e mais oito pessoas.

 

Ø  Como notícia de morte de Yevgeny Prigozhin foi recebida na Rússia

 

A Rússia é cheia de surpresas.

Pessoas por aqui ficaram chocadas nas diversas ocasiões em que drones atacaram o centro de Moscou, causando explosões e danos a edifícios nos últimos meses.

Depois, o rublo russo sofreu uma queda inesperada e se desvalorizou em relação ao dólar.

Acrescente a isso uma missão fracassada à Lua: o módulo de pouso 'Luna-25' da Rússia se perdeu no espaço, destruído depois de colidir com a superfície lunar na semana passada.

Mas, na quarta-feira (23/6), quando surgiu a notícia de que o avião de Yevgeny Prigozhin havia caído na região de Tver, na Rússia, a maioria das pessoas estava longe de estar chocada.

Na verdade, a maior parte dos russos provavelmente ficou surpresa por isso não ter acontecido antes.

Especulações sobre o que o futuro guardava para Yevgeny Prigozhin circulavam há semanas na Rússia.

Há dois meses, o chefe do Wagner lançou seu breve motim no país.

Seus mercenários tomaram uma grande cidade russa e marcharam em direção a Moscou. Quando a rebelião foi cancelada, muitos pensaram que os dias de Prigozhin estavam contados.

Afinal de contas, o motim foi uma humilhação significativa para o Kremlin, e o presidente Vladimir Putin não é o tipo de homem que perdoa e esquece.

Putin falou pela primeira vez nesta quinta-feira (24/8) sobre o acidente. O presidente russo foi muito cuidadoso na escolha de suas palavras e não chegou a confirmar diretamente a morte de Prigozhin.

Putin afirmou que a queda do avião deixou mortes, dizendo que "gostaria acima de tudo de expressar as mais sinceras condolências às famílias de todos aqueles que morreram".

Mas ele pareceu insinuar que não estava totalmente claro se os membros do grupo Wagner estavam entre os mortos, dizendo apenas que "as informações iniciais indicam" que eles estavam no avião.

"Eu conhecia Prigozhin há muito tempo, desde o início dos anos 90. Ele era um homem com um destino complicado e que cometeu erros graves na vida", afirmou sobre o líder do grupo.

"Ele era uma pessoa talentosa, um empresário talentoso, trabalhava não só no nosso país, mas também no exterior, na África em particular", disse ainda, afirmando que Prigozhin voltava da África quando o acidente ocorreu.

Cerca de uma hora após o acidente, a Agência Federal de Aviação Russa Rosaviatsiya divulgou um comunicado confirmando que o nome de Yevgeny Prigozhin estava na lista de passageiros.

Tudo foi particularmente rápido para Rosaviatsiya: a agência é normalmente muito mais lenta a responder a tais incidentes. Isso surpreendeu muita gente por aqui.

A TV estatal russa tem publicado poucas reportagens sobre o incidente, citando autoridades do governo, sem entrevistas. O principal boletim de notícias noturno, o Channel One, controlado pelo Kremlin, dedicou apenas 30 segundos à história.

É um fato bem conhecido na Rússia que os canais de televisão estatais muitas vezes esperam até receberem instruções oficiais sobre o tom da reportagem.

Quanto ao Grupo Wagner, canais do Telegram ligados aos mercenários alegaram que Prigozhin “foi morto… por traidores da Rússia”.

Na sede do Wagner, na cidade de São Petersburgo, um santuário improvisado foi criado. Imagens veiculadas pela mídia russa mostram pessoas trazendo flores e velas para o centro Wagner.

As atenções agora se voltam para o que aconteceu a bordo.

Segundo a imprensa russa, os investigadores estão avaliando uma série de possíveis causas, incluindo “ações externas”.

Comentando o incidente, a analista política Tatiana Stanovaya disse que a causa da queda do avião não é importante — mais significativa é a mensagem que ela envia a quaisquer outros potenciais rebeldes.

"Todos verão isso como um ato de retaliação e retribuição. Da perspectiva de Putin, assim como para muitos oficiais militares e de segurança, a morte de Prigozhin deve servir de lição."

·         Putin assina decreto que obriga paramilitares a prestar juramento à Rússia

O presidente russo, Vladimir Putin, assinou um decreto nesta sexta-feira (25) que obriga membros de grupos paramilitares a prestar juramento à Rússia, como fazem os soldados regulares do Exército, dois dias após a suposta morte do chefe do grupo Wagner, Yevgueni Prigozhin.

O decreto, publicado no site do governo, exige que jurem “fidelidade” e “lealdade” à Rússia e “cumpram rigorosamente as ordens dos comandantes e superiores”.

Devem também comprometer-se a “respeitar sagradamente a Constituição Russa”, “cumprir conscientemente as tarefas que lhes são confiadas” e “defender corajosamente a independência e a ordem constitucional do país”.

O texto foi assinado dois meses após o motim do grupo Wagner, que era liderado por Yevgueni Prigozhin.

Prigozhin supostamente morreu depois que o avião que o levava de Moscou para São Petersburgo caiu na noite de quarta-feira, junto com seu braço direito, Dmitri Utkin, e outros executivos de Wagner.

O Kremlin nega qualquer responsabilidade pelo acidente.

 

Ø  4 possíveis causas da queda do avião de Prigozhin

 

Investigadores estão vasculhando os destroços de um jato particular que supostamente transportava o líder do grupo mercenário russo Wagner, Yevgeny Prigozhin, e caiu na última quarta-feira (23/08) perto de Moscou.

A seguir, o jornalista da BBC Ros Atkins analisa quatro possíveis causas para a queda do avião.

·         1. Uma bomba

Um vídeo cuja autenticidade foi confirmada pela BBC Verify - unidade de checagem de informações da BBC - mostra o avião caindo rapidamente até o chão. Isso pode ter ocorrido por causa de uma bomba. 

Dados sobre os deslocamentos do avião de Prigozhin mostram que a aeronave não realizava voos havia mais de um mês e estava estacionada em Moscou - o que poderia ter facilitado o acesso ao avião.

É possível alterar esses dados, mas é provável que o avião estivesse mesmo parado em Moscou. 

·         2. Um míssil terra-ar

Se a queda do avião não foi causada por um bomba, é possível que tenha sido deflagrada por um míssil terra-ar.

A Rússia conta com muitos armamentos desse tipo, e dois funcionários do governo dos EUA disseram à agência de notícia Reuters que essa foi a causa do incidente.

Os Estados Unidos, no entanto, não se pronunciaram publicamente sobre o que levou à queda da aeronave.

·         3. Abatido por um caça

Outra possibilidade é que o avião de Prigozhin tenha sido atingido por um míssil disparado por uma aeronave de combate.

O avião do líder do grupo Wagner caiu perto de um vilarejo chamado Kuzhenkino, ao norte de Moscou. O local fica a 20 quilômetros da base aérea de Migalovo. Ou seja, um caça poderia alcançar a aeronave de Prigozhin rapidamente.

Mas, embora o avião do líder do grupo Wagner pudesse ser facilmente rastreado por centros de monitoramento, não é possível rastrear aviões de combate. Portanto, não se sabe se um caça está envolvido no incidente.

·         4. Um acidente

A última explicação é que houve um acidente. O avião de Prigozhin era um Embraer Legacy 600. Houve apenas um acidente envolvendo esse modelo de aeronave em mais de 20 anos. Esse caso, no entanto, não se deveu a falhas mecânicas.

Foi justamente o acidente em que um jato particular modelo Legacy 600 bateu em um voo de carreira da empresa Gol, enquanto ambos sobrevoavam a Amazônia - um dos maiores acidentes da história da aviação no Brasil, ocorrido em 2006.

O relatório final da investigação apontou que a culpa pelo acidente foi dos pilotos do Legacy e de falhas na comunicação com controladores de voo.

O jato particular conseguiu pousar após a colisão, mas o Boeing 737 da Gol caiu sobre a selva, matando todas as 154 pessoas a bordo.

O avião de Prigozhin estava voando a 28 mil pés de altitude, e esse é o momento menos provável para que um avião tenha problemas mecânicos ou estruturais.

Ou seja, é possível que a aeronave tenha caído por acidente, mas é bem mais provável que o avião tenha sido derrubado intencionalmente.

 

Fonte: FolhaPress/BBC News Mundo/IstoÉ

 

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