Forças Armadas procuram 'saída honrosa' após escândalos de Bolsonaro,
avalia historiador
A forma como membros das Forças Armadas estão
envolvidos nos recentes escândalos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro são
parte de uma série de "vexames" aos quais Bolsonaro submeteu os
militares, diz o pesquisador João Roberto Martins Filho, professor da
Universidade Federal de São Carlos, coordenador do arquivo de Política Militar
Ana Lagôa e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa.
Em entrevista à BBC News Brasil, o autor do
livro O Brasil e a Guerra das Malvinas: Entre Dois Fogos (Alameda)
analisa como as recentes
acusações contra militares que atuaram ao lado de Bolsonaro no governo e contra
o próprio ex-presidente abalam a
"aura" dos militares.
São casos como o que envolve o general Mauro
Lourena Cid e seu filho, tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de
Bolsonaro: os dois são acusados de ter participação em um esquema para vender
no exterior joias que foram dadas como presente a Bolsonaro enquanto ocupava a
Presidência.
Ou ainda o caso do "hacker da Vaza Jato",
Walter Delgatti, que disse à CPI dos Atos Golpistas ter sido orientado pelo
próprio Bolsonaro a tentar violar uma urna eletrônica para "testar a
segurança", posteriormente sendo encaminhado ao Ministério da Defesa, onde
foi recebido para conversas.
Todos os acusados negam ter cometido qualquer ato
ilegal.
Segundo Martins Filho, foi balançada a ideia de que
"militares são diferentes de políticos" e que eles "têm uma formação
que os torna mais capazes de resolver os problemas do Brasil".
Leia abaixo trechos selecionados da entrevista, em
que Martins Filho falou também sobre a estratégia de Lula para lidar com os
militares, a atuação do STF e da Polícia Federal e sobre o caminho que as
Forças Armadas podem seguir agora.
·
O senhor escreveu no ano
passado que Bolsonaro era uma aposta dos militares mas que ele não se comportou
exatamente como eles esperavam. Pode explicar essa ideia?
João Roberto Martins Filho - Já em 2019 eu dei uma entrevista dizendo que os militares estavam
passando um vexame, que Bolsonaro submete os militares a um vexame atrás do
outro. E é a mesma posição que eu mantenho até hoje.
Eu ouvi uma entrevista do general Santos Cruz, que
se envolveu diretamente com a campanha do Bolsonaro. Ele chegou a gravar
inclusive uma entrevista onde ele dizia que o (então candidato Fernando) Haddad
era o fascismo, o Haddad era o comunismo e o Haddad era a corrupção. E o Haddad
não era nenhuma dessas três coisas. E seis meses depois do começo do governo
Bolsonaro (o general Santos Cruz) foi demitido.
Eu também não acredito que ele foi demitido com uma
espécie de combinação entre generais. Ser demitido daquele jeito... Ninguém se
submeteria em nome de nada a passar pela situação que ele passou.
Depois disso vem uma sequência de episódios que
culminou nesse imbróglio das joias, que envolve um general respeitado de quatro
estrelas que já pertenceu ao Alto Comando do Exército (Lourena Cid).
Está errado essa coisa das Forças Armadas tomarem o
partido, de começar a se referir à esquerda como o outro lado. Agora, mais
errado ainda está tomar partido por Bolsonaro, personagem que eles sabiam que
era completamente tresloucado. E tem dados que comprovam o que eles acharam,
depois da eleição do Bolsonaro 2018, eles acharam que poderiam mudar o
Bolsonaro e ficar no confortável segundo plano. E o Bolsonaro fazendo o que
eles queriam. Hoje em dia acho que todo mundo sabe que não foi isso que
aconteceu. Eles sentiram esse baque.
·
Como isso se reflete na
imagem dos militares?
Martins Filho - Quando Bolsonaro perde eleição, eles acolhem os manifestantes (pedindo
um golpe militar)... Até chegar ao ponto em que o bom senso imperou em uma
parte do Alto Comando do Exército, que tem que pensar no longo prazo e eles não
deram o golpe que se esperava que dessem. Só que aí a coisa piorou ainda mais
para eles.
Quem estava achando que os militares iriam impedir
a posse do Lula ficou absolutamente revoltado que eles não fizeram isso, como
se essa fosse a função das Forças Armadas. Em qualquer país do mundo não é essa
função. Então, isso acaba levando ao que acaba levando à situação que nós vemos
hoje.
A pesquisa Quaest mostrou uma considerável queda de
popularidade das Forças Armadas. Isso já estava visível lá atrás, havia quedas
pequenas. Mas tudo indica que essa queda de popularidade que nós temos agora,
que dá 10% a menos de bom e 10% a mais de ruim, resumindo - é, portanto, uma
diferença de 20% - tudo indica que não foi a esquerda que mudou de opinião. Foram
os bolsonaristas que mudaram de opinião.
Mas por quê? Não foi porque houve as mortes
ocorridas na pandemia, não foi porque houve excesso do Bolsonaro, porque o
Bolsonaro xingou ministros. Foi porque os militares não impediram a posse do
Lula.
·
Não cumprir as expectativas
dos radicais de dar um golpe afetou mais a imagem deles do que esse escândalo,
por exemplo, das joias?
Martins Filho - No final do ano passado eu estava acompanhando o Twitter e eu percebi
uma mudança brusca da direita começando a xingar os militares. Cada post que o
Exército publicava, havia 1000 ataques. Então isso aconteceu e isso uma hora ia
aparecer nas pesquisas. Como a última pesquisa havia sido feita há seis meses e
não tinha aparecido ainda.
Mas é bom levar em consideração também que nos
últimos dias aconteceram coisas que pesaram muito para piorar essa imagem, não
sei se já chegaram a aparecer nessa pesquisa ou se ainda tem mais mais desgaste
pela frente.
Evidentemente que uma delas foi a revelação do
envolvimento direto do tenente-coronel Mauro Cid e do pai dele, general Cid, no
imbróglio das joias.
Os militares hoje em dia estão numa situação em que
é prioritário para eles e conseguir encontrar uma saída honrosa para uma
situação que eles ajudaram a criar. Porque nós sabíamos perfeitamente bem quem
era o Bolsonaro. Uma pessoa que tinha dado o voto dele contra a Dilma em
homenagem ao coronel Ustra. Então, se tem alguém que conhecia a trajetória do
Bolsonaro são os militares.
No arquivo digital do Arquivo Nacional você procura
a palavra “Bolsonaro" e vão aparecer os dossiês (relatando a
insubordinação de Bolsonaro no Exército e outros problemas) que foram feitos em
1987 e 1988. Durante muitos e muitos anos ele foi persona non grata nas
Forças Armadas. Até que chegou uma hora que passaram a não ter nada contra ele.
·
Então eles concluíram que
Bolsonaro foi uma aposta errada? Porque não manifestaram mais descontentamento?
Martins Filho - Os militares vivem num mundo à parte. O ser humano tem dificuldade para
reconhecer que está errado, mas eles têm mais dificuldade ainda, porque eles
têm uma certa arrogância de que o Exército não erra, o general não erra. Até
que eles tiveram que fazer uma opção de não dar o golpe.
Eu ouvi um cientista político de renome, que
politicamente é um homem de centro, dizer o seguinte: o assustador não é que
uma parte das Forças Armadas não apoiava o golpe. O assustador é pensar que uma
parte apoiava e que foi por um triz que nós não tivemos um golpe de Estado.
É que não havia condições internacionais para esse
golpe de Estado. Mas nós podemos afirmar que (os militares) estão numa situação
muito difícil. Tanto que nesse debate na Comissão de Justiça da Câmara o
professor Manuel Domingos fez uma crítica e eu nunca tinha ouvido alguém falar
o que ele falou na frente de um general. Os generais perderam a aura, aquela
coisa que ninguém ousava dizer nada para eles na cara.
Acho que eles não se manifestaram contra o
Bolsonaro não com medo do Bolsonaro, mas porque eles não queriam fortalecer a
esquerda. Qualquer coisa, menos ajudar o Lula. Por isso que demoraram tanto a
manifestar diretamente insatisfação. E depois o Bolsonaro nomeou o ministro da
Defesa, um bolsonarista de carteirinha que é o general Braga Netto. Não há como
negar que eles se envolveram no governo.
Mas o que eu dizia em 2019 eu digo em agosto de
2023: Bolsonaro faz os militares passarem uma situação vexaminosa atrás da
outra. Até hoje.
·
Mas e agora, que o Bolsonaro
está passando pelo pior momento, os militares vão continuar não renegando?
Martins Filho - Se você analisar a trajetória do general Santos Luz, ele demorou muito
para criticar diretamente o Bolsonaro. Ele criticou, no início, o entorno do
Bolsonaro, que era uma loucura completa. Mas agora ele falou que uma das
canalhices que Bolsonaro fez foi demitir os comandantes das Forças Armadas
durante seu governo.
Acredito que essa opinião ela é compartilhada por
outros generais de quatro estrelas. Mas eles tem um problema extra que o é fato
de que tem muito voto de apoio a Bolsonaro ainda no Exército. E eu não sei o
que foi conversado entre os três comandantes, o ministro da Defesa e o Lula nas
duas horas de reunião no sábado. Mas eu acho que eles devem ter mencionado o
fato de que a corda pode esticar... eles estão falando de dar aumento, de
aumentar os soldos, melhorar uma série de coisas. Eles estão conscientes de que
há muita insatisfação nas camadas mais baixas das Forças Armadas, que são mais
bolsonaristas.
Na questão jurídica, do general e do tenente
coronel Cid, eles vão procurar dizer sempre que está sub judice. E até onde
eles puderem eles não vão expulsar essas figuras do exército, porque aí é
cortar demais na própria carne.
·
O STF está tomando decisões
em que temos a justiça civil lidando com questões militares. O quão inédito é
isso? O senhor acha que isso se mantém?
Martins Filho - Algumas coisas são inéditas. Por um lado, a disposição que o Supremo
tem, através do ministro Alexandre de Moraes, de fazer cumprir a lei como
aqueles que atacaram os prédios públicos e também o prédio do Supremo Tribunal Federal.
E eles tem antigas queixas contra o Bolsonaro, que era na época que o Bolsonaro
não falava sem xingar algum ministro. Isso é imperdoável para eles.
E outro fato que é novo, que nunca aconteceu, é o
papel que a Polícia Federal está cumprindo. Nunca na história brasileira a
Polícia Federal investigou o Exército. E a Polícia Federal, enquanto
instituição, está disposta a investigar o Exército.
Evidente que ela recebe apoio do chefe da Polícia
Federal, que foi nomeado pelo presidente Lula e pelo ministro (Flávio) Dino.
Mas o Lula pode sempre dizer que não é ele que está fazendo. Mas essa
disposição da Polícia Federal. Eu acho que uma das questões que deve ter
necessariamente aparecido na reunião de sábado entre o Lula e os chefes
militares é até onde vai a polícia.
·
Você acha que os militares
podem escolher outra figura para representá-los da mesma maneira que eles
fizeram com Bolsonaro? Fazer uma nova aposta?
Martins Filho - Nós temos que entender que Bolsonaro é uma figura rara. É muito difícil
um líder carismático do peso do Lula ou do peso do Bolsonaro. Não se criam
Bolsonaros. Ele representa alguma coisa profunda que o eleitorado tem.
A professora Esther Solano deu entrevista dizendo
que os eleitores sentem nele uma coisa que ele efetivamente tem. Ele
autenticamente não gosta de feminismo, ele autenticamente gosta de
torturadores, autenticamente não gosta de democracia. Ele não está fingindo.
Ele é assim. E isso gerou muitos milhões de seguidores.
·
A gente viu que durante a
pandemia, uma boa parte da gestão ficou a cargo dos militares. O general
Pazuello foi ministro da Saúde e muitos dos cargos ali no ministério foram
preenchidos por militares. O que existe de diferente nesse escândalo agora
envolvendo o Cid, 8 de janeiro, as urnas, que faz com que a imagem dos
militares seja afetada quando a gestão da pandemia não afetou?
Martins Filho - Logo
depois que começou a pandemia, boa parte do centro político que tinha apoiado
Bolsonaro passou a bater panelas contra ele e caiu a popularidade dele.
Depois, com todas as medidas emergenciais que
puseram dinheiro no bolso das pessoas, começou a subir de popularidade. Mas é
evidente que 700 mil mortes não foram suficientes para abalar a popularidade
dele, o que é uma coisa inacreditável. Mas não podemos esquecer primeiro que
ele perdeu a eleição.
·
Mas e os militares em si, a
imagem deles?
Martins Filho - É porque agora nós estamos no processo de decadência do Bolsonaro. Ele
perde eleição, fica dois meses sem falar nada, foge para os Estados Unidos. E
depois teve o episódio do dia 8 de janeiro, que chocou muita gente. Os
bolsonaristas mesmo estavam sem saber o que fazer com aquilo. Foi uma coisa
absolutamente inacreditável. E agora surgiram as joias.
Evidentemente que estamos numa rota de prisão do
Bolsonaro, mas está sobrando para todo mundo. Me espanta até que aqueles outros
quatro generais que eu mencionei, ainda não tenha sobrado nada para eles. Eu
fiquei horas e horas e horas assistindo palestras do general Heleno e do
Mourão. Sempre elas começavam com: "o problema do Brasil são os políticos
e nós, militares, somos diferentes dos políticos. A nossa formação faz da gente
mais capacitado para resolver os problemas do Brasil. A nossa formação nos faz
pessoas éticas". Tudo isso foi balançado.
Quem é capaz de chegar no auditório hoje, seja qual
for, de direita ou de esquerda, e dizer que os militares são altamente
capacitados? Vai levar uma vaia. E não levava pouco tempo atrás.
·
Como o senhor avalia a
estratégia do presidente Lula para lidar com os militares?
Martins Filho - Com a nomeação do (José) Múcio (Monteiro, ministro da Defesa), ele fez
uma aposta de que era necessário passar por uma fase mais difícil do governo
para depois mexer com algumas coisas relacionadas a essa área de Defesa. Se foi
isso ele pode ser que tenha dado um golpe de mestre. Eu também não tenho
certeza se o Lula pretende mesmo fazer isso.
Eu reconheço a situação difícil em que ele está,
porque ele tem tantos problemas para ser resolvidos que são importantes... Por
exemplo, se o Lula conseguir estancar as queimadas na Amazônia, ele vira um
herói internacional. Acontece que estão surgindo provas e mais provas contra os
militares que não podem ser ignoradas. Não posso ignorar essas provas.
Quando o Estadão descobriu essa notícia de que
tinha essas joias, acho que a coisa mudou de figura. Descobriram uma bomba e
ninguém sabia que essa bomba ia comprometer da forma que comprometeu os militares
importantes.
Porque agora nós estamos perguntando: cadê o
Mourão? Cadê o Heleno? Cadê o Ramos? E cadê o Braga Netto? Que eram unha e
carne com o Bolsonaro? Sumiram?
·
Houve um momento em que o
presidente Lula ele decidiu retirar os militares do GSI da sua segurança e
depois voltou atrás. O senhor acha que ele não teve força ou que fez isso para
se manter nesse meio-termo que ele vem tentando alcançar?
Martins Filho - No
próprio dia 8 de janeiro, o Lula deveria ter extinguido GSI. Pode-se dizer que
o Lula pretendia não ter que administrar uma crise militar logo no começo do
seu governo. Mas eu acho que com os militares ou você manda ou você é
comandado. Eles entendem só essa linguagem.
Ele poderia ter usado esse momento do 8 de janeiro,
ele teria um apoio tremendo nacional, internacional e da imprensa. Não dá para
empurrar com a barriga. No momento, as Forças Armadas estão na defensiva. Mas
se elas se recuperarem... É necessário uma política de medidas corajosas para
haver controle civil.
·
Institucionalmente, quais
instrumentos Lula teria para fazer esse controle?
Martins Filho - Lula
não concorda com qualquer discussão pública da questão da Defesa. Ele deveria
apoiar a convocação de uma conferência nacional de Defesa composta por dezenas
de civis capazes de discutir isso. Isso seria a primeira medida.
A segunda medida é colocar os civis para discutir a
revisão da Estratégia Nacional de Defesa, que está sendo discutida
exclusivamente por militares.
Outra medida seria criar a carreira civil dentro do
Ministério da Defesa. O ministério hoje é praticamente um ministério militar.
Todas essas coisas poderiam ser feitas para avançar para uma direção
democrática das Forças Armadas. Se elas não forem feitas, o problema continua.
Ø Jeferson Miola: Acordão para livrar cúpulas militares é erro grave e
desperdício de oportunidade histórica
São visíveis as costuras do acordão para livrar a
responsabilidade das cúpulas fardadas e de altos oficiais das Forças Armadas
que cometeram crimes, criaram esquemas sistêmicos de corrupção e atentaram
contra a democracia. O site Metrópoles destaca
[24/8] que a blindagem das Forças Armadas une governo e oposição.
A senadora Eliziane Gama, relatora da CPMI dos atos
golpistas, em 16/8 antecipou que no seu relatório final ela não só isentará as
Forças Armadas pelo 8 de janeiro, como também deverá glorificar o papel dos
militares como salvadores da pátria e da democracia.
“Acho que as Forças Armadas no Brasil hoje, o Alto
Comando, a instituição Forças Armadas impediu um golpe no país”, ela declarou
há sete dias.
Depois de longo café da manhã que durou quase três
horas com o general Tomás Paiva no QG do Exército em Brasília, o deputado
bolsonarista Arthur Maia/PP, presidente da CPMI, também livrou as cúpulas
partidarizadas das Forças Armadas.
“O fato de alguns militares, pessoas físicas, terem
eventualmente se envolvido com essas movimentações antidemocráticas que
aconteceram e projetaram o 8 de janeiro, está totalmente separado das Forças
Armadas”, disse ele, em dissonância com tudo o que se conhece, que está
fartamente documentado e que integra inquéritos policiais.
“O papel das Forças Armadas foi fundamental para
preservarmos a democracia no nosso país”, ele complementou, a despeito dos
ataques das cúpulas ao sistema eleitoral e ao TSE.
Ufanista, Maia ainda declamou: “Eu reputo o
Exército brasileiro como uma instituição gloriosa, que tem um significado
indispensável não só para o Brasil”, sem esclarecer a qual outro país do mundo
nosso “glorioso Exército” também seria indispensável.
E viva, assim, o Poder Moderador!, que fica ainda
mais reforçado diante da ignorância, da covardia e do temor da representação
política e das instituições em relação aos militares.
No sábado, 18/8, por duas horas o presidente Lula
se reuniu com o ministro da Defesa e os comandantes das três Forças no Palácio
do Alvorada. Não se conhece o conteúdo do encontro.
O que se sabe, no entanto, é que depois deste
encontro o Exército continua não apurando a responsabilidade de nenhum dos
vários delinquentes fardados que cometeram crimes; bem como continua em vigor
a diretriz do general Tomás Paiva que prioriza a família
militar e a formação da associação de amigos do Exército em detrimento da
Defesa Nacional.
O governo ainda brindou as Forças Armadas com R$ 53
bilhões no PAC, patamar superior à previsão de investimentos no SUS, na
educação, ciência e tecnologia e muitas outras áreas.
Outra costura visível do acordão para safar os
militares é a inflexão do entendimento do ministro Flávio Dino sobre a atuação
desviante da cúpula militar.
Numa rede social [23/8] Dino enalteceu o papel das
Forças Armadas: – “Sem elas não estariam ocorrendo a desintrusão das terras e a
assistência em favor dos Yanomamis. E poderia citar outras atuações: segurança
da navegação, da aviação e das nossas fronteiras”.
O ministro da Justiça sabe que todas estas funções
citadas por ele como da “nobreza militar” são, contudo, totalmente estranhas à
missão primordial que os militares constitucionalmente deveriam desempenhar, de
defesa do país ante eventuais agressores estrangeiros.
Dino precisaria chamar o professor Manuel Domingos Neto para ouvir dele a
explicação sobre “o transtorno de personalidade funcional do soldado, que se percebe político, policial, empresário, assistente social,
administrador público, construtor de estradas, perfurador de poços no semiárido,
guarda florestal, vigia de fronteira, entendido em Segurança Pública,
controlador dos tráfegos aéreo, costeiro e fluvial, supremo avaliador da
moralidade e planejador do destino nacional”.
Ou seja, militar se dedica a tudo, inclusive a
roubo de jóias, privatizações e genocídio. Só não se dedica à defesa do país.
Múcio Monteiro, advogado e representante civil do
partido dos generais, fechou o circuito do acordão com um périplo pelas
instituições [23/8]: reuniu com o ministro Flávio Dino; com o Diretor-geral da
PF Andrei Rodrigues, e com o ministro do STF Alexandre Moraes.
Já não é hora de se continuar aceitando autoenganos
e miragens em relação aos militares.
Está amplamente documentado que as cúpulas fardadas
estão no centro do desastre provocado no país desde os preparativos do golpe
para derrubar a presidente Dilma.
Os generais-conspiradores Sérgio Etchegoyen e
Eduardo Villas Bôas participaram daquela trama golpista.
O acordão para livrar as cúpulas militares é um
erro grave. Além disso, significa o desperdício de uma oportunidade histórica,
nunca antes acontecida, de tamanha desmoralização e descrédito institucional.
Os militares são e continuarão sendo uma ameaça
latente à democracia, pois acalentam um projeto próprio de poder que é
contraditório com os interesses nacionais, populares e democráticos.
Repetir a anistia reforça o círculo vicioso de
impunidade e repetição de golpes.
O grande acordo necessário que o Congresso, o
governo Lula e as instituições deveriam fazer é em torno de uma reforma militar profunda e orientada pela visão
contemporânea do papel que as Forças Armadas devem desempenhar na Defesa
Nacional no século 21.
Fonte: BBC News Brasil/Viomundo
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