Empresa de brasileiro usou contas falsas em eleições na América Latina
Durante os meses que antecederam as eleições
regionais venezuelanas em 21 de novembro de 2021, alguns candidatos de oposição
perturbavam a certeza de mais uma vitória do Partido Socialista Unido da
Venezuela (PSUV) – o partido governista – em vários governos.
Em dezembro daquele ano, um trabalho da Caçadores
de Fake News – uma mídia aliada da colaboração jornalística transfronteiriça
Mercenários Digitais – descobriu que contas denunciadas por publicar de forma
coordenada informação favorável aos candidatos do PSUV Jorge Arreaza, que
aspirava a governador de Barinas, Héctor Rodríguez, de Miranda, e Carmen
Meléndez, do Distrito Capital de Caracas, que tinham poucos seguidores, faziam
parte de uma fazenda de “trolls”, ou seja, formavam um grupo de contas
inautênticas que adotavam personalidades fictícias para contaminar secretamente
a discussão online.
Nesse estudo, a Cazadores identificou pelo menos
187 perfis ativos no Twitter – depois se descobriu que chegavam a 357 – que
participavam de forma inautêntica e coordenada da conversa eleitoral online,
exaltando candidatos governistas, rejeitando adversários ou instando estes a se
absterem de participar das eleições e aderir à decisão de alguns partidos da
oposição de boicotar o pleito.
No “mapa” a seguir de 211 perfis do Twitter, que se
assemelha a uma rede de pesca, cada ponto ou “nó” representa uma conta “troll”,
enquanto cada linha que conecta esses “nós” indica que uma conta era seguidora
da outra. As cores dos nós variam de acordo com o tema que cada conta estava
promovendo.
Assim, as contas magentas agiam como falsos
opositores espalhando propaganda encoberta; as amarelas promoviam conteúdos
favoráveis ao candidato Jorge Arreaza em Barinas e as vermelhas se coordenaram
para gerar conteúdos favoráveis ao candidato do estado de Miranda, Héctor
Rodríguez.
Em outro estudo, no mês de abril seguinte, a
Cazadores descobriu que havia pelo menos 357 contas falsas ou “trolls”
participando simultaneamente de discussões públicas em Venezuela, Panamá,
República Dominicana e Bolívia. Esse trabalho teve outra descoberta
surpreendente.
A partir de fevereiro de 2022, 147 das contas
“trolls” começaram a convidar – de forma suspeitamente coordenada – os cidadãos
a ingressarem na VenApp, uma rede social venezuelana até então desconhecida,
que havia aparecido dias antes em outdoors em Caracas.
Algumas semanas depois, confirmando o trabalho da
Cazadores, o Twitter retirou do ar 352 dos 357 perfis identificados naquela
rede social, e assim deixou claro que as contas denunciadas não eram utilizadas
por usuários comuns, mas que o mesmo agente ou empresa as operava de forma
coordenada não só para manipular o debate sobre as eleições na Venezuela, mas
também estavam envolvidos em campanhas na Bolívia, no Panamá e na República
Dominicana.
Agora, a Cazadores de Fake News, numa aliança com
21 meios de comunicação e quatro especialistas em investigação digital que
cobrem a região, coordenada pelo Clip (Centro Latino-Americano de Investigações
Jornalísticas, na sigla em espanhol), apurou que novas contas com
características semelhantes à fazenda suspensa pelo Twitter continuam apoiando
o presidente panamenho, Laurentino Cortizo, e seu vice, José Gabriel Carrizo.
Além disso, pudemos conhecer mais a fundo a empresa
de consultoria política Venqis, com sede no Panamá, que investigações
anteriores já apontavam como suspeita de manipular a rede de falsos formadores
de opinião, e seu proprietário, o brasileiro André Golabek.
Graças a alguns documentos que foram enviados
anonimamente a esta aliança jornalística, também levantamos a pergunta sobre o
risco de um aplicativo do governo eletrônico na Venezuela ser usado para captar
dados de cidadãos para fins eleitorais.
• O
falso apoio do PRD panamenho
Usuários do Twitter no Panamá denunciaram contas
que pareciam ser falsas, publicadas em maio e novembro de 2022 e em fevereiro e
abril de 2023. Seguindo o mesmo método que a Cazadores tinha usado para
localizar os perfis falsos que o Twitter havia suspenso, esta aliança
jornalística conseguiu identificar pelo menos outras cem contas “trolls” que
publicavam conteúdo favorável ao vice-presidente José Gabriel Carrizo, agora
candidato à Presidência nas eleições de 2024.
Vale ressaltar que algumas dessas contas
inautênticas da rede detectadas em 2021 e 2022 que o Twitter suspendeu também
tinham aplaudido Carrizo.
Desta nova geração com pelo menos cem novas contas
“trolls” ativas no Panamá, 15 foram criadas em novembro de 2022, 22 em janeiro
seguinte e 63 em março. Em média, elas têm menos de dois seguidores e tiveram
apenas duas “curtidas” no tempo em que estiveram ativas.
• Venqis
e Golabek
Esta investigação e as anteriores têm encontrado
indícios de que a Venqis SA, empresa panamenha de comunicação política, e seu
presidente, André Golabek Sánchez, originário do Brasil e procurador de outras
empresas do mundo digital, poderiam estar movimentando essas contas falsas.
Golabek Sánchez nasceu em São Paulo em 1977 e é
conhecido nos tribunais do país por diversos problemas no passado. Uma busca no
Tribunal de Justiça de São Paulo revela que ele tem pelo menos 18 ações – três
trabalhistas, nove tributárias e outras seis cíveis, sendo uma de despejo.
Ele também enfrentou processos criminais. Quando os
funcionários do tribunal foram intimá-lo por uma denúncia de agressão em 2010,
repetida em 2013, não conseguiram encontrá-lo.
Em 2022, o Tribunal de Justiça de São Paulo
declarou extinta a investigação pelo tempo decorrido, sem ser citado, já que a
pena máxima para esse tipo de crime no Brasil é de um ano. Os autos do tribunal
não especificam a que tipo de agressão o caso se refere. Golabek havia enviado
a vários meios de comunicação documentação de que estava em paz e tranquilo com
a justiça brasileira e de outros países.
Do lado dos negócios também há manchas em seu
percurso. Ele criou a Sauber Maxx Indústria e Comércio Ltda em 1995, encerrada
em 1998. Em seguida, constituiu a Jaguar Comércio Exterior Ltda, empresa que
foi declarada inapta em 2005 por “prática irregular de operação de comércio
exterior”.
Os documentos da Receita Federal, no entanto, não
detalham a operação irregular que levou ao fechamento do negócio. Em 2014
ingressou no mundo do software com a empresa Popstore do Brasil, que segue em
atividade sediada num bairro privilegiado da capital paulista.
Agora, esta investigação jornalística constatou que
há coincidências entre países e períodos em que a Venqis, empresa panamenha de
Golabek (ou outras relacionadas), assessorou atores políticos ou
institucionais, com as operações inautênticas e coordenadas detectadas pela
Cazadores e eliminadas pelo Twitter.
Na descrição de serviços para candidatos em processos
eleitorais disponível em sua página oficial, a Venqis oferece serviços de
planejamento estratégico, gestão de crises, gestão de campanhas – inclusive
digitais – e avaliação de desempenho.
Além disso, anuncia que faz análise de dados,
desenvolvimento de aplicativos, algoritmos e gerenciamento de big data, o que
sugere que possui recursos, ferramentas ou experiência para processar grandes
coleções com milhões de dados.
A empresa anuncia experiência no desenvolvimento de
aplicativos (apps) de governo eletrônico (e-government) que permitem que os
cidadãos se conectem com seus governos – para que escutem e atendam suas
necessidades com mais eficiência – e que também é capaz de armazenar grandes
volumes de dados de seus usuários.
Assim, por exemplo, os rastros digitais conectam a
Venqis e outras empresas relacionadas a Golabek com o desenvolvimento de um app
para o Provedor de Justiça do Panamá, dois para o Distrito Nacional da
República Dominicana (Planeamiento ADN e MiSantoDomingo) e também o já mencionado
VenApp da Venezuela, que, como dito acima, foi amplamente divulgado pela rede
de contas falsas do Twitter.
E é este último caso que começa a deixar pistas de
que a possível conexão entre as inautênticas operações coordenadas na Venezuela
e a Venqis poderia não ser apenas uma coincidência.
Em 19 de maio de 2022, o VenApp foi apresentado
pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, como uma ferramenta digital
“criada por venezuelanos”. Esta investigação jornalística, no entanto,
descobriu que o aplicativo poderia ser baixado dos perfis de outra empresa,
chamada Tech & People, na Play Store e na App Store. No mesmo ano, os
perfis mudaram de nome para Cyber Capital Partners Corp.
Procurando as políticas de privacidade da Tech
& People – o que todo usuário deve fazer ao baixar um aplicativo para o
celular, para garantir que não seja uma armadilha de captura de dados –,
descobrimos que estavam hospedadas no site de outra empresa, chamada Nolatech.
Precisamente por trás dessas empresas está Golabek,
presidente da Venqis, representante legal da Nolatech, empresa especializada na
criação de páginas web e aplicativos de governo eletrônico, com sede no Panamá.
Ele é diretor principal da Tech & People Solutions TPS, com sede na
República Dominicana, e ex-diretor da empresa panamenha Cyber Capital Partners
Corp. (esta mudou seu nome para Amyr Trading Company Inc. em setembro de 2022,
mas Golabek continua sendo seu representante).
Assim, o VenApp não foi desenhado por venezuelanos,
mas por uma empresa panamenha, ligada a outras da mesma nacionalidade e uma
dominicana, todas ligadas ao nome de Golabek, o chefe da Venqis.
Outdoors em Caracas e redes de propaganda
convidaram os venezuelanos a baixar o VenApp, uma ferramenta para que as
pessoas denunciem falhas nos serviços públicos e outros problemas da vida
cotidiana.
Esse aplicativo veio complementar o trio de
plataformas digitais controladas pelo governo Maduro – junto com o Sistema
Patria e o Sistema 1×10 del Buen Gobierno –, capazes de gerenciar e armazenar
grandes quantidades de dados dos cidadãos e que o governo tem apresentado,
segundo anunciou neste vídeo, como canais para governar de forma mais eficaz.
Levando em conta que o governo venezuelano já
enfrentou acusações anteriores por irregularidades em processos eleitorais e
por ter implementado táticas de autoritarismo digital, que incluem
cibervigilância, censura em redes sociais e monitoramento e compensação de
tweeters que amplificam a propaganda do governo, cabe perguntar se os dados que
a VenApp coleta poderiam ser usados para dar vantagem ao governista PSUV na
próxima disputa eleitoral.
• VenApp
é um aspirador de dados para ganhar eleições?
De acordo com sua política de privacidade, o VenApp
pode solicitar de cada usuário um volume considerável de dados pessoais,
incluindo elementos básicos de identificação pessoal, como nome, email e
telefone, até detalhes mais precisos, desde que sejam fornecidos pelo usuário
durante o envio de relatos ou denúncias, como seu endereço completo e a
localização exata do local de onde são enviadas denúncias pelo app, como falhas
em serviços públicos ou atos de corrupção.
Como essa enorme captura de dados ocorre num país
com um atraso significativo no desenvolvimento de leis de transparência e
proteção de dados, organizações não governamentais e ativistas digitais
venezuelanos expressaram sua preocupação de que possam ser usados para aumentar
a eficiência da máquina eleitoral chavista.
O acesso a grandes volumes de dados pessoais de
eleitores coletados pelo VenApp – que incluem incidentes geolocalizados de
serviços públicos – pode permitir ao governo venezuelano microssegmentar o
eleitorado, ou seja, dividi-lo em grupos muito pequenos para os quais mensagens
personalizadas poderão ser direcionadas em futuras campanhas eleitorais, com base
em seus interesses, preocupações e necessidades.
Ao dispor de informação específica sobre as
necessidades ou deficiências dos serviços públicos em determinadas localidades,
o partido governante poderia utilizar esses dados para potencializar a eficácia
de sua estratégia de campanha de forma localizada.
Um precedente ocorrido na América Latina sustenta a
preocupação de que um aplicativo de governo eletrônico funcione como um
“aspirador de dados” que poderia ser posteriormente oferecido a partidos políticos
durante um processo eleitoral.
É o caso do Sosafe, app que se alimenta de relatos
de cidadãos chilenos e foi desenvolvido pela Instagis, outra empresa
especialista em big data, como a Venqis, que também já foi fornecedora de
softwares e ferramentas no Chile em épocas eleitorais.
Segundo uma investigação da Ciper Chile, a Instagis
forneceu o software que serviu para georreferenciar as áreas onde a campanha de
Sebastián Piñera deveria se intensificar no porta a porta, para garantir votos
nos setores mais críticos.
A questão sobre o VenApp e o possível uso que
poderia dar aos dados até agora era meramente especulativa. No entanto, no
início de 2023, esta aliança jornalística recebeu um pacote de informações
anônimas da interface do hub VenApp, um vazamento composto por dezenas de
capturas de tela das diferentes seções do painel de administração.
Após um processo de verificação dos dados,
concluímos que se trata de um conteúdo autêntico e legítimo. O vazamento obtido
revelou que a informação que essa plataforma armazena sobre seus usuários
inclui outros dados sensíveis, de alto interesse partidário e eleitoral.
Estes podem ser cedidos por seus usuários e incluem
elementos como o número do Carnet de La Patria e o centro de votação atribuído.
Como pode ser visto no painel de moderação do
aplicativo VenApp, os usuários podem ser classificados de acordo com vários
campos, dois dos quais são de relevância organizacional e eleitoral para o
PSUV: a filiação do usuário às Unidades Bolívar Chávez (UBCh) e se o usuário é
“membro do partido”.
No entanto, as informações sobre a que partido
político os usuários pertencem não estão explicitamente listadas no hub do
VenApp.
No mesmo painel de moderação há uma seção na qual
13.469 centros de votação são identificados com suas coordenadas geográficas.
Essa lista foi incluída no aplicativo em novembro de 2021, três meses antes de
o nome VenApp ser mencionado no Twitter, de forma coordenada, pela rede de
contas falsas e seis meses antes de ser apresentado oficialmente, em rede
nacional, pelo presidente Maduro.
A participação da Venqis no desenvolvimento do
VenApp e também na campanha do PSUV para as eleições regionais de 2021 revelou
sua conexão com o partido no poder e levanta questões sobre possíveis conflitos
de interesse. Por isso, quando Nicolás Maduro garantiu que o VenApp havia sido
desenvolvido “por venezuelanos”, é possível que ele quisesse desviar a atenção
do fato de que uma ou mais das empresas relacionadas a Golabek haviam
participado do desenvolvimento do VenApp.
A criação ou operação de contas falsas não pode ser
atribuída com certeza à Venqis. No entanto, a revelação desse vazamento de que
os cidadãos podem ser classificados por seções eleitorais aumenta as dúvidas
sobre o tratamento ético dos dados pessoais dos usuários do VenApp e a
incerteza sobre se eles poderiam ser explorados em favor do PSUV nas próximas
eleições presidenciais.
• Venqis
na campanha presidencial boliviana
Mais uma polêmica em fevereiro de 2022 na Bolívia
envolveu a Venqis e uma consultoria sua em comunicação. Segundo informações do
Página Siete, a Venqis participou de uma licitação com vistas à obtenção de um
contrato para a realização de uma campanha publicitária no bloco exploratório
Astillero, área onde se concentram as reservas de gás natural que, ao menos
parcialmente, coincidem com a reserva natural de Tariquía, no departamento de
Tarija.
Um documento confidencial do processo de licitação
para a campanha revelou que um dos objetivos da estratégia de comunicação era
“promover uma mudança de percepção sobre as atividades de exploração em áreas
protegidas e comunicar o cumprimento da norma aplicável ao projeto Astillero e
os benefícios deste”.
Em Tarija, vários legisladores da oposição
expressaram preocupação por possíveis conflitos de interesses, devido à
participação da Venqis como assessora da campanha presidencial do atual
presidente boliviano, Luis Arce, em 2020. A referida investigação da Cazadores
de Fake News em abril de 2022 documentou como a fazenda de trolls tentou
manipular a conversa no Twitter para combater o conteúdo online anti-Venqis.
Um subgrupo de dez contas pertencentes à mesma
fazenda de “trolls” que havia postado conteúdo falso durante a campanha
eleitoral da Venezuela começou a tuitar mensagens em defesa da empresa panamenha.
As contas também atacaram meios de comunicação bolivianos que sugeriram que a
Venqis poderia estar envolvida num esquema de corrupção ou pagamentos
indevidos, destacando a “ignorância” dos deputados encarregados de investigar o
caso e sugerindo que os jornalistas locais “se deixam levar por propina”, entre
outras acusações.
Meses antes, algumas dessas contas falsas haviam
postado mensagens de apoio a Luis Arce, atual presidente da Bolívia, e
divulgado conteúdo relacionado ao programa Diesel Renovável da Yacimientos
Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB).
Mas a polêmica começou a se diluir quando Óscar
Salazar, diretor de comunicação da YPFB, garantiu que a Venqis não tinha sido
escolhida no concurso e que este tinha terminado sem contratação.
Golabek, o presidente da Venqis, admitiu ter
apoiado a campanha de Arce, dizendo acreditar em seu projeto político.
Ele garantiu que não recebeu nenhum pagamento pelos
serviços prestados durante aquela campanha e esclareceu que havia participado
apenas de um contrato de comunicação para a YPFB Chaco – a campanha “Diesel
Renovável” –, mas que esta foi concluída em março de 2021.
No entanto, esta investigação descobriu um
documento confirmando a participação da Venqis, pelo menos parcialmente, na
campanha presidencial em favor de Arce.
Em carta datada de 11 de novembro de 2020,
disponível no site de transparência da Direção Geral de Contratos Públicos do
Panamá e entregue como parte de uma proposta da Venqis para a reformulação de
um site do Ministério da Economia e Finanças daquele país, Antonio Jadue
Amarayo, presidente da Coletividade Palestina da Bolívia, assegurou ao
ministério panamenho que a Venqis desenvolveu o site da campanha
“luchopresidente.com”, “conforme o que foi solicitado”:
No perfil pessoal de Jadue no Twitter, ele aparece
em várias fotos na companhia de executivos da Venqis – entre eles André Golabek
– e do presidente Arce, poucas semanas depois de vencer a disputa eleitoral em
18 de outubro de 2020.
• Pegadas
digitais unindo campanhas
Existem outras evidências disponíveis em fontes
abertas que provam que a Venqis e outras empresas ligadas a André Golabek
Sánchez participaram de campanhas políticas e consultorias de comunicação
exatamente nos mesmos países e campanhas em que foi detectada a atividade de
dezenas de contas falsas no Twitter.
No site do arquivo de transparência da Direção
Geral de Contratos Públicos do Panamá, está disponível uma proposta apresentada
pela Venqis em outubro de 2020 – em meio à pandemia – à Universidade Autônoma
de Chiriquí, para desenvolver um programa estratégico de comunicação para
educação à distância.
Em sua proposta, ele informa que a empresa prestou
assessoria institucional a diversas entidades do governo panamenho, ao Partido
Revolucionário Democrático (PRD) – que levou Laurentino Cortizo à Presidência
em 2019 –, à própria Presidência panamenha e à Prefeitura do Distrito Nacional
da República Dominicana.
Em uma proposta de projeto que a Venqis entregou no
Panamá e disponível num arquivo de transparência, consta que a empresa prestou
assessoria institucional a vários ministérios panamenhos e à Presidência da
República Dominicana
Relatórios do Tribunal Eleitoral do Panamá revelam
que a Venqis foi contratada pelo PRD entre abril de 2018 e março de 2021 e que
recebeu 21 cheques no valor total de US$ 94.160 por “serviços profissionais de
comunicação e gerenciamento de redes sociais”, entre os quais tarefas de escuta
ativa em plataformas como Twitter, Facebook e Instagram.
As conexões entre as consultorias de comunicação e as
campanhas digitais da Venqis, Nolatech e Tech & People na América Latina
foram confirmadas por pegadas digitais deixadas por domínios de páginas da web,
obtidas de fontes abertas como SecurityTrails.com.
Coincidências em endereços IP associados a contratos
de comunicação digital, aplicativos de governo como VenApp e campanhas
eleitorais promovidas pela empresa deixaram evidências de seu trabalho no
Panamá, Venezuela, Bolívia, República Dominicana e Honduras.
No início de 2022, quando foi detectada a fazenda
de “trolls” promovendo secretamente propaganda e desinformação na Venezuela, e
depois de identificar essas coincidências com a atividade da empresa na
Venezuela, Bolívia, Panamá, República Dominicana e Honduras, surgiu a
necessidade de verificar se havia contas “trolls” no Twitter que pudessem ter
promovido – secretamente – campanhas para clientes da empresa na Bolívia,
Panamá, República Dominicana e Honduras.
O que de fato se confirmou, quase totalmente:
contas falsas da mesma fazenda de “trolls” publicaram conteúdo em apoio a Jorge
Arreaza, candidato do PSUV na Venezuela, e também ao presidente Luis Arce e ao
programa Diesel Renovável na Bolívia.
Outros trolls, igualmente ligados à campanha na
Venezuela, publicaram respostas dirigidas a David Collado, ex-prefeito do
Distrito Nacional e atual ministro do Turismo da República Dominicana, a José
Gabriel Carrizo, atual vice-presidente do Panamá, e ao Partido Revolucionário
Democrático do Panamá.
Por exemplo, contas que no final de 2021 se
identificavam como usuários de Barinas, na Venezuela, publicando conteúdo
sociopolítico para esse público, mudaram sua localização para o Panamá no
início de 2022, promovendo o Partido Revolucionário Democrático e o
vice-presidente panamenho, José Gabriel Carrizo.
Outros que atacaram a mídia boliviana em fevereiro
de 2022, levantando a voz durante a polêmica da Venqis no país, em abril de
2022 deletaram todos os seus tuítes, mudaram sua localização para Panamá e
seguiram ou foram seguidos por outras contas “trolls” que publicaram conteúdo
de propaganda do PRD.
A exceção à regra foi Honduras, onde não foram
encontradas contas falsas com características semelhantes.
• Os
desafios do Twitter diante das operações de manipulação
Aqueles que gerenciam redes sociais geralmente são
claros sobre atividades de manipulação em suas plataformas com contas falsas
para distorcer a conversa e espalhar desinformação.
Portanto, esta equipe entrevistou Yoel Roth, que
atuou como Diretor de Confiança e Segurança no Twitter – a equipe encarregada
de redigir e aplicar consistentemente políticas anti-spam e manipulação na rede
social – antes que Elon Musk adquirisse a plataforma.
Foi enquanto ele estava no cargo que a Cazadores de
Fake News publicou e enviou para o Twitter as duas reportagens da rede com as
357 contas de “trolls” que contaminaram a conversa online para audiências na
Venezuela, Bolívia, Panamá e República Dominicana.
Roth confirmou que estava ciente de vários casos
semelhantes ao relatado pela Cazadores em 2021 e 2022, mas como não conseguia
mais acessar os logs internos do Twitter não poderia fornecer contexto sobre a
suspensão da rede.
“Em pelo menos uma ocasião, o Twitter divulgou
oficialmente atividade originária da Venezuela que parece semelhante à citada
nessas reportagens. A atividade que identificamos não parou, mas nossas
investigações continuaram até que a equipe responsável por ela foi dissolvida
após a aquisição do Twitter por Elon Musk”, disse Roth na entrevista.
Ele renunciou ao cargo em novembro de 2022, em meio
a uma onda de renúncias e demissões.
Pedimos que ele nos contasse, com base em sua
experiência, como esse tipo de operação de influência afeta os cidadãos.
“As pessoas vão às redes sociais para falar de
política e atualidade, e devem poder fazê-lo sem se preocupar se o que veem é
produto de uma manipulação inautêntica”, afirmou, sustentando que são as próprias redes sociais
que estão na melhor posição para identificar e desmantelar essas operações
manipulativas em seus ambientes.
“Elas têm que fazer isso para promover um discurso
cívico saudável e confiável. Caso contrário, serão menos confiáveis, menos
seguras e podem levar à disseminação de desinformação que incita à violência.”
O diretor da Venqis, André Golabek Sánchez, foi
contatado por nossa equipe via email no dia 12 de julho com seis perguntas para
saber sua versão dos fatos aqui descritos. No entanto, até a data de publicação
deste texto, não recebemos uma resposta às nossas perguntas.
Fonte: Agencia Pública
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