domingo, 27 de agosto de 2023

Situação de Bolsonaro é muito pior que a de Trump

O mal do imitador é que ele continua a imitar mesmo quando o plágio é desmascarado e deixa de surtir efeito. Bolsonaro atirou-se no mesmo magma espesso que engolfa Donald Trump. Esperneia da mesma maneira. O magnata americano diz sofrer uma “caça às bruxas”. O capitão alega ser vítima de “perseguição política”. A diferença é que Trump flutua no melado. Bolsonaro afunda.

Expurgados do poder pelo eleitorado, os dois tornaram-se colecionadores de processos judiciais. Na aparência, a situação de Trump é mais precária. Amarga quatro indiciamentos criminais. Coisa jamais vista em 234 anos no histórico dos ex-presidentes dos Estados Unidos.

Bolsonaro ainda percorre a conjuntura brasileira como um indiciamento esperando na fila para acontecer. Mas, diferentemente de Trump, que ostenta a condição de presidenciável com chances reais de prevalecer nas eleições de 2024, voltando a despachar na Casa Branca em 2025, o capitão tornou-se inelegível seis meses depois de deixar o Planalto. Foi banido das urnas pelo Tribunal Superior Eleitoral até 2030.

Trump foi indiciado pela primeira vez no último mês de março, em Nova York, num processo envolvendo o pagamento de suborno para ocultar um affair com uma atriz pornô. Três meses depois, sofreu novo indiciamento, dessa vez em âmbito federal, sob a acusação de roubar documentos ultra secretos e obstruir a Justiça.

Na última quinta-feira, sobreveio o indiciamento mais constrangedor e potencialmente mais ruinoso, no estado da Georgia. Ali, Trump é acusado de tentar fraudar a eleição em que foi batido por Joe Biden. Sua voz foi captada num diálogo telefônico vadio. Nele, Trump pede ao secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, para “encontrar” 11.780 votos a seu favor. Algo que reverteria fraudulentamente o resultado do pleito.

Além de indiciado, Trump foi submetido na Geórgia ao constrangimento de posar para sua primeira “mugshot”, a fotografia de réu. Passou alguns minutos na cadeia. Foi liberado mediante o pagamento de fiança de US$ 200 mil, o equivalente a quase R$ 1 milhão.

Na sua excursão a caminho do inferno, Bolsonaro também já poderia ter sofrido indiciamentos em série. Material não falta. Entretanto, a Polícia Federal age com método. Intimou o investigado para o seu quinto interrogatório, na próxima quinta-feira. Os investigadores colecionam provas enquanto aguardam estrategicamente pela substituição de Augusto Aras. Expira em setembro o mandato do antiprocurador-geral da República que forneceu a Bolsonaro quatro anos de blindagem.

Ironicamente, o que separa o destino de Bolsonaro do de Trump são as peculiaridades da legislação e do Judiciário brasileiro. Faltam aos Estados Unidos uma Justiça Eleitoral e uma Lei da Ficha Limpa. Prever a condenação de Trump antes da próxima sucessão exigiria um exercício de quiromancia. Porém, as leis americanas autorizam Trump a manter sua candidatura presidencial mesmo na hipótese de ser condenado e preso. Pior: nada impede que Trump governe desde a cadeia caso venha a ser eleito.

De resto, os processos contra Trump correm em diferentes estados, cada um submetido às suas próprias regras. As encrencas que assediam Bolsonaro estão concentradas, sob protestos da defesa, no Supremo Tribunal Federal, nas mãos de Alexandre de Moraes.

Liberado para fazer campanha, Trump dobra todas as apostas. Transforma os indiciamentos em peças do seu marketing eleitoral. Capricha na pose de vítima e na difusão de mentiras. Espalhou pelo cristal líquido da internet até mesmo a foto de réu em que fez careta de mau ao ser fichado na Geórgia. Paradoxalmente, seu prestígio eleitoral sobe à medida em que sua reputação afunda.

Em movimento inverso, Bolsonaro modula o linguajar. De repente, começou a dar ouvidos aos aliados que o aconselham a levar a língua na coleira. Atormenta-se com a ascensão nas pesquisas do arquirrival Lula. Irrita-se com o deslizamento do centrão bolsonarista para dentro do governo petista. Inquieta-se com a prisão de ex-auxiliares. Revela em privado o receio de receber uma visita matinal dos rapazes da Polícia Federal.

Ressoam nos ouvidos do capitão os termos do voto de Alexandre de Moraes que fechou no TSE o placar de 5 a 2 pela inelegibilidade. Moraes soou visceral e premonitório. O algoz de Bolsonaro votou de olho no retrovisor. Rememorou uma sessão de 28 de outubro de 2021. Nela, o TSE livrou a chapa Bolsonaro-Mourão da cassação. Mas Moraes avisou na época o que ocorreria com os políticos que repetissem em 2022 o modelo de difusão de mentiras que caracterizou a campanha bolsonarista em 2018: “Irão para a cadeia”.

Num prenúncio do que estava por vir, Moraes declarou que “a Justiça é cega, mas não é tola.” Insinuou que Bolsonaro já não poderia alegar que desconhecia os riscos. O magistrado releu trecho do voto de 2018 diante das câmeras da TV Justiça: “Se houver repetição do que foi feito, o registro será cassado, e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentarem contra as eleições e a democracia no Brasil”.

No poder, Bolsonaro seguiu as pegadas de Trump. Abriu nas redes sociais canais de comunicação direta com os eleitores, cultivou uma agenda paleolítica nos costumes, escorou-se no eleitorado religioso, ostentou uma retórica nacionalista, jogou no ventilador falsidades sobre o sistema eleitoral. Nos Estados Unidos, as mentiras desaguaram na invasão do Capitólio por hordas de fanatizados. No Brasil, desembocaram no quebra-quebra de 8 de janeiro.

Na Presidência, Bolsonaro declarou que o futuro lhe reservava três opções: a prisão, a morte ou a vitória. A maioria do eleitorado privou-o da vitória. O destino não lhe reservou a morte. Bolsonaro apressou-se em descartar a primeira alternativa: “Eu não vou ser preso”. Conspiram contra a assertiva as evidências que recheiam os inquéritos sobre joias, fake news, milícias digitais, incitação ao golpe e falsificação de cartões de vacina.

 

       Mulheres de Bolsonaro e Cid entram na mira

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu a comunicação entre o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e seu antigo chefe, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O novo desdobramento do inquérito das milícias digitais ainda estende o impedimento para outros investigados, como a mulher do ex-presidente, Michelle Bolsonaro (PL), e a de Cid, Gabriela.

Para Moraes, o veto à comunicação entre os investigados é fundamental para que a Justiça possa continuar a apuração dos fatos. “Evidentemente, neste caso, a incomunicabilidade entre os investigados alvos das medidas é absolutamente necessária à conveniência da instrução criminal, pois existem diversos fatos cujos esclarecimentos dependem da finalização das medidas investigativas, notadamente no que diz respeito à análise do material apreendido e realização da oitiva de todos os agentes envolvidos”, escreveu o ministro em decisão assinada na quarta-feira, 23, divulgada pela TV Globo.

A determinação ocorreu depois de a Polícia Federal descobrir novos indícios de crimes durante a análise do celular de Mauro Cid, inclusive com a revelação de novos fatos e agentes que estariam envolvidos em diferentes frentes investigadas pelo inquérito das milícias digitais.

O ex-ajudante de ordens foi preso no início de maio, suspeito de ter participado de uma fraude para inserção de dados falsos de vacinação da covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. A investigação envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro, que supostamente teve seu cartão de vacinação forjado antes de viajar aos Estados Unidos.

Mas a situação de Cid se complicou ainda mais depois da prisão. Com a investigação, descobriu-se indícios de sua participação em diferentes frentes investigadas pelo inquérito das milícias digitais. Sua impressão digital como ajudante de ordens de Bolsonaro aparece em tentativas de um suposto golpe de Estado e no desvio das joias e outros presentes recebidos pelo ex-presidente ou representantes dele em viagens ao exterior.

Nesta sexta-feira, 25, ele foi ouvido pela Polícia Federal no inquérito que apura as ações do hacker Walter Delgatti Neto, suspeito de ter invadido sistemas da Justiça a mando da deputada Carla Zambelli (PL), com envolvimento do ex-presidente Bolsonaro. Cid voltará a prestar depoimento à corporação na próxima segunda, dia 28.

Entre as descobertas feitas na incursão aos celulares de Mauro Cid e da mulher dele, Gabriela Cid, a Polícia Federal teria descoberto indícios da participação de militares da ativa na tentativa de golpe contra o Estado brasileiro depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.

Ao STF, a PF relatou que “foram identificadas, nos telefones celulares de Mauro Cesar Cid e Gabriela Santiago Cid, várias mensagens postadas em grupos e chats privados do aplicativo WhatsApp, em que os interlocutores, incluindo militares da ativa, incentivam a continuidade das manifestações antidemocráticas e a execução de um golpe de Estado após o pleito eleitoral de 2022, inclusive com financiamento aos atos ilícitos”.

A PF indica também que a atuação da “milícia digital” foi central para espalhar, sem provas, a ideia falsa de que as eleições presidenciais teriam sido fraudadas, “estimulando aos seus seguidores ‘resistirem’ na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para uma intervenção federal comandada pelas forças militares, sob o pretexto de aturarem como um Poder Moderador, com base em uma interpretação peculiar do art. 142 da Constituição Federal’”.

Dessa forma, a atuação dos investigados, segundo a Polícia Federal, “foi um dos elementos que contribuiu para os atos criminosos ocorridos no dia 08 de janeiro de 2023″, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília.

 

       Ex-assessora desmascara Zambelli

 

A mulher gravada em áudio falando sobre pagamento com o hacker Walter Delgatti é a melhor amiga da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP): a advogada catarinense Cristiane de Brum Nunes Marin, segundo cruzamento de dados feito pelo Metrópoles.

De acordo com a prestação de contas de Zambelli sobre a eleição de 2022, Cristiane está listada como “coordenadora de campanha”. Para os 47 dias do calendário oficial do primeiro turno, a deputada declarou gastos de R$ 30 mil com esse serviço, valor que equivale a cerca de R$ 638 por dia.

Segundo informações da Receita Federal, no entanto, Cristiane não parece ter aceitado a função pensando em dinheiro. A advogada tem ligação com firmas que superam, em muito, a despesa total da campanha de Zambelli, registrada em R$ 2,1 milhões.

A coordenadora de campanha é diretora de duas empresas em Santa Catarina, que, juntas, têm capital social de R$ 17,7 milhões, ambas presididas por seu marido. Se consideradas todas as relações societárias do casal, chega-se a um capital social total de mais de R$ 64 milhões. Como Zambelli explicou ao Metrópoles, Cristiane Marin é sua melhor amiga e participou da campanha por “amizade, idealismo político e amor”.

O áudio em que a voz de Cristiane é registrada foi entregue à Polícia Federal (PF) pela defesa de Delgatti, no dia 18 de agosto. O advogado Ariovaldo Moreira, que defende o hacker, alega tratar-se de uma prova contundente de que a parlamentar fez transferências financeiras em troca de serviços que envolveriam uma invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e até um grampo no ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A defesa de Zambelli, encabeçada pelo advogado Daniel Bialski, afirma que o hacker é um “mentiroso contumaz”. Diz ainda que a versão de Delgatti sobre o áudio está sendo desmontada nos autos do processo, com provas já entregues aos policiais, em caso que corre sob sigilo.

Bialski explica que, na gravação entregue à PF, Cristiane fala de pagamentos que seriam feitos por um suposto trabalho de gestão das redes sociais da parlamentar. O Metrópoles teve acesso ao catálogo de serviços que foi oferecido pelo hacker – material que, segundo Bialski, está em posse da PF.

Para um documento anexado em uma investigação sobre planos golpistas, a proposta de trabalho da Delgatti Sistemas traz um slogan peculiar: “Delgatti, inteligência a serviço da democracia”. No documento, o hacker enumera uma série de serviços, como “estratégia completa de engajamento de candidatos”, “administração e atualizações em websites” e “defesa de eventuais ataques cibernéticos”. Pelo pacote, com duração de 60 dias, ele sugere uma cobrança de R$ 10 mil.

Zambelli explicou que Delgatti foi contratado, mas não conseguiu entregar o que prometeu. “Não fez nada do combinado”. Nisso, a deputada e o hacker concordam. À Comissão Parlamentar (CPI) dos Atos Golpistas o hacker confirmou que veio a Brasília trabalhar nas redes sociais de Zambelli. Alegou, no entanto, que uma decisão judicial derrubando os perfis digitais da parlamentar atrapalhou o trabalho. O Metrópoles publicou uma reportagem com áudios e vídeo sobre o bastidor da atuação de Delgatti nesse período.

A principal prova usada pela PF para embasar o pedido de busca e apreensão contra Zambelli, no começo de agosto, é um extrato do banco digital Cora. No documento, entregue por Delgatti aos investigadores, há uma lista de quatro transações, via Pix, de pessoas próximas à deputada federal. O documento foi obtido em primeira mão pelo Metrópoles.

Os dados mostram que o programador recebeu ao menos R$ 13,5 mil nos meses anteriores e posteriores à invasão do CNJ. “Possivelmente como contraprestação pelos serviços prestados, por meio de interpostas pessoas próximas da deputada”, segundo a PF. No seu depoimento, Delgatti disse que foi “pago para ficar à disposição” de Zambelli.

Ao ser ouvida para esta reportagem, a deputada disse que seu assessor Jean Hernani Vilela resolveu aproveitar a proximidade com Delgatti e o chamar para cuidar, posteriormente, do site da deputada. Afirmou ainda que o assessor transferiu R$ 3 mil para Delgatti, no dia 9 de novembro de 2022, como uma espécie de ajuda de custo. “O Jean ficou com dó do Walter, que dizia que tinha muitas contas para pagar”, alegou a parlamentar.

Segundo Zambelli, esse é o único pagamento de sua equipe envolvendo a prestação de serviços de internet. E os demais, que somam R$ 10,5 mil, transferidos já neste ano, em fevereiro de 2023, seriam todos por um outro motivo ainda não revelado e que nada teria a ver com um golpe de estado: a compra de uísque. O advogado de Zambelli, Bialski, diz que já entregou aos investigadores prints e fotos que comprovariam o negócio etílico.

Esses três pagamentos vieram de Renan Goulart, servidor comissionado da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que atua como assistente parlamentar no gabinete do deputado estadual Bruno Zambelli, irmão da congressista. Goulart já foi secretário parlamentar de Zambelli, cargo em que foi sucedido por Jean, que fez o Pix de R$ 3 mil.

Procurada, Cristiane Marin não respondeu ao Metrópoles, apesar de ter visualizado a explicação do teor desta reportagem.

 

Fonte: UOL/Agencia Estado/Metrópoles

 

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