Por que Brasil seguirá sendo campeão mundial 'disparado' de juro alto
Há grande expectativa entre os agentes econômicos
brasileiros que o Brasil comece nesta quarta-feira (2/8) um ciclo de corte na
sua taxa básica de juros — que está em 13,75% desde agosto de 2022.
Em março de 2021, o Brasil foi um dos primeiros
países entre as grandes economias mundiais a aumentar suas taxas de juros — que
passaram de 2% a 13,75% em um período de 18 meses.
Na época, o movimento foi elogiado por diversos
economistas, pois os juros são o principal instrumento para enfrentar aquele
que acabou virando o maior problema da economia global depois da pandemia de
covid: a disparada da inflação.
Agora, em meio a sinais de
enfraquecimento da inflação, a previsão é que o Brasil
comece a reduzir sua taxa básica de juros em um momento em que muitos países
ainda estão no seu ciclo de alta — na semana passada, o banco central dos Estados
Unidos aumentou a taxa básica americana.
No entanto, mesmo dando início ao movimento de
baixa, o Brasil segue liderando com folga o ranking de juros reais mais altos
no mundo — o que desperta preocupação entre governantes, empresários e
trabalhadores.
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Campeões do mundo
O Brasil ainda aparece com folga como campeão no
ranking das economias com o maior juro real do mundo.
O juro real é o juro "puro" que sobra
após o desconto do efeito da alta dos preços. A inflação usada nesse cálculo é
a prevista para os próximos meses, e não a inflação passada.
Em um exemplo simples: a previsão para os próximos
12 meses é de que a inflação brasileira gire em torno de 4%. A taxa Selic — que
baliza os juros no Brasil — está em 13,75%. Ou seja, o juro real que os brasileiros
pagam é, teoricamente, próximo de 9% a 10%.
Na prática, os brasileiros pagam juro praticado
pelo mercado, que é mais elevado que a taxa básica.
Há países com taxas básicas de juros muito maiores
do que o Brasil, mas nenhum deles pratica juros reais maiores do que a nossa
economia.
É o caso da Argentina, cuja taxa básica é de 97% —
sete vezes maior do que a do Brasil. Mas como a inflação lá nos últimos 12
meses foi de 116% e a previsão é de que ela siga em alta ao longo do próximo
ano, na prática, o juro efetivamente pago pelos argentinos — o juro real — é
muito inferior ao do Brasil (e negativo).
Para quem empresta dinheiro no Brasil, juro alto é
bom negócio. Um investidor que aplica seu dinheiro hoje pela taxa básica da
economia tem um ganho real em média 10% acima da inflação.
Mas isso também significa que os brasileiros que
pegam empréstimos precisam pagar muito mais caro do que no resto do mundo.
O Brasil tem os maiores juros reais entre 40
grandes economias, segundo ranking do site Moneyou de junho.
Antes da decisão do Copom de quarta-feira, o juro
real brasileiro era de 7,54% — acima de México (5,94%), Colômbia (5,16%) e
Chile (4,89%). Nos EUA e na China, os juros reais estão abaixo de 2%, e em
grande parte da Europa eles são negativos.
Neste momento, o Brasil está com uma inflação anual
abaixo de países como Alemanha, Reino Unido e França (algo raro nas últimas
décadas) — mas sua taxa básica de juros é maior do que a de todos esses países
somadas.
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Por que juro segue tão alto
se preços já pararam de subir?
Por que — mesmo se antecipando a vários países ao
cortar suas taxas — o Brasil segue com juros tão altos?
A queda da inflação ajuda a baixar os juros, mas
existe um limite de até onde eles podem cair.
Esse limite é conhecido como juro neutro ou juro de
equilíbrio — que é o patamar onde a economia estaria crescendo com seu maior
potencial, sem excesso de inflação.
Economistas estimam que o juro de equilíbrio do
Brasil é próximo de 4,5%. Ou seja, mesmo que o Brasil não tivesse nenhuma
inflação em um período de um ano (algo inédito no país), os juros nunca cairiam
para baixo desse patamar.
Esse juro neutro do Brasil é maior do que de quase
todas as grandes economias — mesmo as emergentes.
"Comparando o Brasil com outras economias
emergentes — como Chile, Colômbia, México, Peru e África do Sul — todos esses
países têm juros reais de equilíbrio na faixa de 2 a 3%. E, no Brasil, esse
juro real de equilíbrio é quase o dobro", disse à BBC News Brasil o
economista Braulio Borges, da LCA Consultores, e pesquisador do IBRE-FGV.
Os economistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem
que o juro neutro brasileiro é alto devido ao alto endividamento público
brasileiro.
O problema é que o governo toma muitos empréstimos
(emitindo títulos de dívida pública) para pagar suas muitas despesas.
"A dívida líquida do setor público brasileiro
é o critério mais acompanhado pelas agências de classificação de risco. A
dívida líquida brasileira fechou o ano passado em 57% do PIB e nesse ano deve
chegar perto de 61%", diz Borges.
Esse alto endividamento fez com que o Brasil
perdesse em 2015 o chamado "grau de investimento" — uma classificação
dada por agências internacionais de risco. Elas avaliam a capacidade que os
governos têm de pagar suas dívidas baseado no tamanho e na estrutura dessa
dívida e nas receitas do país.
Em países onde os riscos de não pagamento são
maiores, os juros sobem, para refletir esse aumento no risco. Afinal, os juros
também servem como um "prêmio" ao risco: quanto maior o risco de
calote, maior é o retorno que o credor espera por seu empréstimo.
Outros países emergentes — como Chile, México e
Colômbia — ainda possuem o grau de investimento (chamado por muitos economistas
de "selo de bom pagador"), e por isso seus juros são mais baixos do
que o brasileiro.
Historicamente, houve momentos em que o
endividamento brasileiro caiu — como logo depois de algumas reformas aprovadas
no Congresso, por exemplo — e isso ajuda a derrubar o juro neutro brasileiro.
"O juro neutro é sempre uma estimativa, e no
Brasil essa estimativa caiu para perto de 3% logo depois que foi aprovada a
reforma da Previdência. Ali nós tínhamos o teto de gastos — que controlava a
trajetória de dívida — e a reforma da Previdência, o que dava mais
credibilidade internacional", disse Myria Bast, economista do Bradesco, à
BBC News Brasil.
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Juro que dói no bolso
Mas não é só o juro neutro que faz do Brasil um
país mais caro do que os demais.
O Brasil é campeão de outro ranking mundial — um
que é particularmente dolorido para trabalhadores e empresários que precisam de
crédito no dia-a-dia.
Trata-se do "spread bancário" — a
diferença entre os juros que os bancos pagam e o que eles cobram de seus
clientes.
Os bancos tomam dinheiro emprestado pagando juros
próximos da Selic, em torno de 13%. No entanto, ao emprestar dinheiro — para
pessoas que querem comprar casas e carros ou empresários que querem investir em
seus negócios — os bancos cobram juros exorbitantes — acima de 30% ou 40%.
Um ranking do Banco Mundial de 2020 mostra que o
Brasil fica apenas atrás de Madagascar entre os países com maior spread
bancário do mundo.
No Brasil, as pessoas estão pagando juros de 26
pontos percentuais a mais do que a taxa básica da economia. A média dos países
emergentes é de apenas 6 pontos percentuais de diferença.
Borges, da LCA Consultores, diz que esse spread
bancário exagerado é uma "excrescência" da economia brasileira.
Economistas dizem que há diversos fatores para o
spread bancário ser tão alto, como a concentração do mercado bancário e a
ausência de reformas microeconômicas.
Segundo Borges, um dos motivos dos altos juros
bancários no Brasil é que, em situações de calote, os bancos brasileiros, em
geral, conseguem recuperar muito pouco do valor que foi emprestado, em
comparação com o resto do mundo.
Por isso, o risco de se emprestar dinheiro no
Brasil é maior, o que é refletido na taxa de juro maior, segundo esse
argumento.
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Disputa sobre juro alto
Os juros altos têm provocado um debate intenso na
sociedade brasileira.
O instrumento é usado para conter a inflação alta —
algo que traz problemas sérios para a população, que vê seu poder de compra ser
corroído pela alta dos preços gerais. Os salários geralmente não conseguem
acompanhar essa disparada, e todos ficam relativamente mais pobres.
Em 2021 e 2022, a inflação acumulada nos dois anos
foi de mais de 15% no Brasil.
Mas empresários, governantes e a população em geral
reclamam que uma dosagem exagerada de juro traz problemas tão ou mais sérios do
que a inflação. Os empréstimos ficam caros demais, as famílias e as empresas se
endividam mais, e o consumo e o investimento caem.
A taxa de juros é definida pelo Conselho de
Política Monetária do Banco Central, que desde 2021 tem autonomia em relação ao
governo federal.
Neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
tem atacado o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que mesmo
diante de sinais de arrefecimento da inflação, vinha defendendo a manutenção da
taxa Selic em um patamar alto.
Lula afirmou que não existe explicação para uma
taxa de juros que considera alta demais, que ela tem impedido o crescimento e
afirmando que a taxa é "parcialmente responsável" pelo desemprego no
país. E o Banco Central defende que a taxa precisa ser mantida neste patamar
senão a inflação sairia do controle.
"O juro alto tem esse custo financeiro para as
empresas, para as famílias e para quem está com alguma dívida. O governo acaba
refletindo estas angústias", diz Myria Bast, do Bradesco.
"Esse desconforto é sentido por vários agentes
econômicos. E isso é assim em vários outros países do mundo, que também têm
sofrido, porque estamos em um dos patamares de juros mais elevados em muitos
anos", diz. "Ninguém gosta do remédio de juros altos. Mas, no final,
ele é necessário para evitar essa consequência pior para todas as famílias que
é uma inflação mais elevada."
Economistas, no entanto, têm abordagens variadas em
relação a esse tema.
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Como baixar mais o juro
Braulio Borges, da LCA Consultores, lembra que o
Brasil já conseguiu baixar muito os juros no começo deste século — que na época
estavam em um patamar alto porque o país tinha alto endividamento externo.
Na época, o Brasil se tornou credor internacional,
em vez de devedor, e aumentou o tamanho de suas reservas — revertendo o cenário
adverso e baixando os juros.
Em comparação, a Argentina hoje tem juros e
inflação estratosféricos por conta desses problemas de contas externas, que o
Brasil resolveu há duas décadas.
Para baixar ainda mais os juros, acredita Borges, o
Brasil precisa se comprometer com o combate ao endividamento público e precisa
seguir com reformas microeconômicas, como o marco legal das garantias de
empréstimos (um projeto de lei que está tramitando e que pode reduzir o custo
de crédito no Brasil).
Mesmo com os juros básicos em queda, por conta da
desaceleração da inflação, economistas lembram que ainda há riscos no
horizonte.
Myria Bast, do Bradesco, lembra que no resto do
mundo, muitos países ainda não encerraram seus ciclos de aumento de juros.
Alguns — como Estados Unidos e Reino Unido — seguem subindo suas taxas, porque
as previsões de inflação não estão caindo.
Desde o fim da pandemia e o começo da guerra na
Ucrânia, o mundo vem enfrentando a maior onda inflacionária de décadas.
Segundo Bast, se a inflação mundial não desacelerar
e lá fora os juros não começarem a cair, dificilmente o Brasil conseguirá
baixar muito as suas taxas neste ciclo de baixa.
Ø Lula diz que BC deveria ter reduzido juros 'três reuniões atrás'
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou
nesta quarta-feira (2) esperar que o Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central reduza, nesta quarta, a taxa básica de juros da economia –
atualmente, em 13,75% ao ano.
O Copom está reunido desde esta terça (1º) para
definir, entre outras coisas, o patamar da Taxa Selic nas próximas semanas. O
resultado deve ser anunciado no fim da tarde, e o mercado financeiro espera uma
redução de 0,25 ou 0,5 ponto percentual.
"Esperamos que hoje o Copom tome a decisão que
já deveria ter tomado a três reuniões atrás de reduzir a taxa de juros, porque
não tem explicação. Vamos ver o que vai acontecer", declarou Lula em um
café com correspondentes estrangeiros.
Lula foi questionado pelos jornalistas sobre as
expectativas para o resultado do Copom – e, na resposta, voltou a atacar o
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro e com
mandato até o fim de 2024.
Desde janeiro, o governo trava uma batalha pública
com Campos Neto. Lula e ministros pressionam pela redução dos juros para
estimular a economia e a geração de emprego. Enquanto isso, o BC trata o assunto
com cautela e mantém os juros altos apontando um risco de descontrole da
inflação.
"Quando a inflação cai e o juros não cai
significa que aumenta a taxa de juros e o Brasil tem hoje a maior taxa de juros
real do mundo sem nenhuma explicação", afirmou Lula na manhã desta terça.
"Acontece que esse rapaz que está do Banco
Central, me parece que ele, não sei do que ele entende, mas ele não entende de
Brasil e não entende de povo. Então tem uma lógica, eu não sei a quem que ele
está servindo, não sei, sinceramente eu não sei. Aos interesses do Brasil, não
é", disse Lula.
"Vamos continuar crescendo mesmo assim. Essa
vai ser a boa surpresa. Nós vamos continuar crescendo mesmo assim. Por isso eu
estou tranquilo", completou.
Fonte: BBC News Brasil/g1
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