domingo, 27 de agosto de 2023

João Filho: Todos os problemas das mensagens golpistas de Bolsonaro para o dono da Tecnisa

AS PROVAS DOS CRIMES cometidos por Jair Bolsonaro estão se avolumando. A situação do ex-presidente vem se complicando em todas as muitas frentes de investigação abertas pela Polícia Federal. Do roubo de joias à incitação ao golpe, tudo já está comprovado pelos investigadores. Não há mais para onde correr!

Nesta semana, mais provas cabais surgiram para atormentar o bolsonarismo. Na investigação que apura o envolvimento de empresários com a tentativa de golpe de estado, a PF encontrou no celular do empresário Meyer Nigri, dono da empreiteira Tecnisa, mensagens enviadas por Bolsonaro com ataques ao STF e notícias falsas sobre as urnas eletrônicas. Ao final das mensagens, Bolsonaro ordenou: “Repasse ao máximo”. O empresário cumpriu a ordem e respondeu prontamente que já havia repassado a diversos grupos de Whatsapp. “O STF será o responsável por uma guerra civil no Brasil”, dizia uma das mensagens.

Um levantamento feito por Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP, revelou o caminho feito pelas mensagens enviadas pelo empresário. As informações falsas foram compartilhadas por pelo menos seis aliados de Bolsonaro e canais da extrema direita, que somam 320 mil seguidores. Isso significa que o então presidente da República foi o responsável direto por disseminar as mentiras que colocavam em dúvida a lisura do processo eleitoral. Foi ele o difusor inicial. Foram essas mensagens que ajudaram a insuflar o espírito golpista dos bolsonaristas que destruíram os prédios dos Três Poderes no 8 de janeiro. Encalacrado pelos fatos, Bolsonaro acabou confessando o crime com ar de deboche: “Eu mandei para o Meyer, qual o problema?”.  

Parte inferior do formulário

A descoberta de que o dono da Tecnisa espalhou as mensagens golpistas a mando de Bolsonaro fez o STF prorrogar a investigação sobre ele. Segundo um relatório da Polícia Federal, existe “uma relação entre a família do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e o empresário”. A relação entre os dois começou em 2016, quando Nigri fez a ponte entre o então candidato com a comunidade judaica e se dispôs a ajudá-lo com a pré-campanha presidencial. Quando Bolsonaro foi esfaqueado, foi Nigri quem providenciou um avião particular para levar um médico cirurgião para Juiz de Fora. 

Durante o mandato bolsonarista, a influência do empresário sobre o governo foi grande, tendo feito ao menos três indicações para cargos de alto escalão: Ricardo Salles para o ministério do Meio Ambiente, Nelson Teich para a Saúde e Fabio Wajngarten para a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência. O empresário também tinha trânsito livre com Paulo Guedes, para quem telefonava diretamente. 

Até mesmo a escolha de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República teve o dedo do dono da Tecnisa. No discurso de posse, Aras citou o empresário nominalmente, a quem agradeceu e chamou de “amigo”. Mas essa amizade, claro, não era pura e verdadeira. Na última quinta-feira, o UOL revelou o conteúdo de um diálogo interceptado pela PF no celular do empresário. Quando Nigri tomou conhecimento pelo noticiário de que era alvo de investigação por divulgar mensagens golpistas, acionou seu amigo Aras pelo Whatsapp. O procurador então mobilizou a cúpula da PGR para proteger o empresário. Três semanas depois, o órgão pediu ao STF o trancamento da investigação aberta contra Nigri e a anulação de uma operação de busca e apreensão deflagrada pela Polícia Federal. 

Foram também identificados diálogos do empresário com um assessor da PGR e a existência de um encontro dele com a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo. Ou seja, além de indicar ministros, ter acesso livre ao Ministério da Economia e atuar como garoto de recados golpistas do presidente, Nigri usava a estrutura da PGR para receber serviços particulares de advocacia. Era esse o nível de promiscuidade da relação entre o empresário e o governo. 

As provas levantadas pela PF não deixam dúvidas de que o então presidente se valeu do poder do cargo para liderar uma conspiração golpista. Foram os argumentos contidos nas mensagens disparadas por ele que sustentaram as ações violentas dos movimentos golpistas na reta final da eleição e no atentado de 8 de janeiro contra o governo eleito. 

A articulação golpista contou com o apoio de empresários, especialmente do empresário que tinha interesse na manutenção de um governo em que dava as cartas. Além deles, muitos outros personagens tiveram participação na trama golpista: as Forças Armadas, um hacker, a Polícia Rodoviária Federal, a PGR e parlamentares bolsonaristas. Quanto mais a investigação avança, mais claro  fica o papel de liderança de Bolsonaro na tentativa de golpe de estado.  

Diante de todas essas revelações, Bolsonaro pergunta: “Qual é o problema?”. Bom, certamente ele terá tempo de sobra na cadeia para encontrar a resposta. 

 

Ø  Para julgar Bolsonaro sem ter foro, o STF ainda necessita discutir uma brecha na lei…

 

Jair Bolsonaro não é mais presidente. Foi-se o mandato e com ele o direito de só ser processado por crimes no Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta instância do Poder Judiciário nacional. Mas Jair Bolsonaro segue sendo investigado pela Corte e o relator do inquérito é o ministro Alexandre de Moraes. Pode isso?

Parte do meio jurídico sussurra que as investigações contra o ex-presidente deveriam ter sido mandadas para um juiz de primeira instância. O caso permanece, no entanto, sob o pulso forte de Moraes, como também estão os 1360 presos pelos atos golpistas no 8 de janeiro.

Sob o argumento de atentado à democracia, ataque às instituições e tentativa de violação das regras constitucionais, todos eles, incluindo Bolsonaro, têm a vida devassada pela Polícia Federal sob as ordens do STF. Os fatos, diga-se, são graves.

E incentivar acampamentos na porta dos quartéis até transbordar na depredação das sedes dos Três Poderes deveria ser conduta reprovável o suficiente para tirar das ruas qualquer chefe de Estado em países democráticos.

Mas eis que em 2018 o STF estabeleceu um novo entendimento sobre quem deve ou não ser processado pela Corte Suprema. Uma questão de ordem no julgamento da ação penal 937 firmou a chamada jurisprudência balizadora para questões envolvendo o foro privilegiado de autoridades na Justiça.

O relator na época era o ministro Luís Roberto Barroso. Julgada a questão, ele registrou que a partir daquela data o Supremo entendia que era melhor “restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo”.

Seria assim enquanto a autoridade estivesse no exercício da função. Perdido o cargo, o acusado se junta aos demais mortais e vai ser investigado e processado na primeira instância do Judiciário.

No mesmo acórdão que registra esse entendimento do STF, Barroso escreve: “A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de prorrogação de competências constitucionais quando necessária para preservar a efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional”.

Numa tradução livre é como dizer que o STF poderia manter consigo um processo para barrar tentativas de fugir do foro mediante fraude. Ou seja, se uma autoridade corre para renunciar ao cargo para mudar de foro, a Justiça prefere proteger o processo e mantém o caso onde está.

Só que Bolsonaro deixou de ter direito a foro especial por “causas naturais” – perdeu a faixa presidencial no voto para o petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Tomando-se como referência decisões mais recentes do STF poder-se-ia dizer que o tribunal mantém sob sua guarda os tais inquéritos de atentados à democracia por ter sido alvo direto desses ataques. O 8 de janeiro, então, literalizou isso sob a forma da horda de criminosos destruindo o plenário do Supremo.

Há quem veja que a frase de Barroso registrada no acórdão possa ter interpretação mais larga. Tão larga que poderia caber o entendimento de que, no caso de atentados à democracia e ao STF, em particular, “para preservar a efetividade” da justiça, o Supremo também poderia manter os casos todos sob sua tutela e julgar todos os acusados.

Para além dessa brecha, para futuramente julgar o ex-presidente, o STF pode entender que, no exercício do cargo, Bolsonaro conspirou contra a democracia até levar aos atos extremistas de 8 de janeiro.

Depois que deixou o posto, seguiu como num crime continuado, mesmo que escondido numa casa em Orlando, nos EUA. Ou ainda, para simplificar as coisas, o processo pode ter entre os réus um deputado de quem Bolsonaro foi cúmplice ou mandante e, na qualidade de parlamentar com foro, tudo se processa no Supremo mesmo. Antes disso, as investigações terão que concluir formalmente pela culpa que o mundo leigo já acha que o ex-presidente tem.

 

Fonte: The Intercept/Agencia Estado

 

Nenhum comentário: