Diversão é menos “pensar” e mais “fazer”, diz cientista
Em uma sociedade que valoriza a produtividade, em que a ocupação se torna um ponto de orgulho e o “trabalho árduo”
um distintivo de honra, a diversão muitas vezes é deixada de lado.
Em seu livro “The Fun Habit: How the Pursuit of Joy
and Wonder Can Change Your Life” (na tradução livre: O Hábito da Diversão: Como
a Busca Pela Alegria e Admiração Pode Mudar Sua Vida), o psicólogo
organizacional e cientista comportamental Mike Rucker compartilha
evidências dos benefícios físicos e psicológicos de priorizar o prazer.
Um componente do nosso bem-estar depende de diversão, brincadeiras e lazer, argumenta Rucker. Seu
livro explica como o aumento intencional de momentos alegres pode melhorar
a saúde, os relacionamentos –e até a produtividade– e
oferece dicas práticas, ferramentas e táticas para incentivar atos de diversão
no dia a dia.
Diversão não é um “extra”, insiste Rucker. “É um
ato de autocuidado radical”.
LEIA A ENTREVISTA:
·
O que é diversão? Como é
diferente da felicidade?
Mike Rucker: A felicidade é focada em resultados. Muitas vezes, em vez de aproveitar
conscientemente o que a vida tem a oferecer, estamos usando energia para
desvendar por que somos ou não felizes. Podemos ficar presos ruminando sobre a
lacuna entre onde pensamos que estamos e como pensamos que a felicidade deve
ser.
Diversão é menos “pensar” e mais “fazer”. É
demonstrável, observável, real e imediatamente ao nosso alcance. Você é
atraído, encontra prazer e se envolve com uma atividade? Isto é diversão.
Disponível para qualquer pessoa a qualquer momento, a diversão oferece uma rota
neurológica direta para melhorar nosso bem-estar.
Também não precisa ser algo extravagante.
Atividades silenciosas e de baixa excitação que proporcionam equilíbrio e
renovação, como jardinagem, meditação ou leitura, contam como diversão.
·
Que efeito tem nutrir um
hábito divertido tem em nossas vidas?
Rucker: Muitas
vezes olhamos para nossas vidas pelas lentes da produtividade, em vez de nos
basearmos no que seria restaurador ou agradável.
Um hábito da diversão se alinha com ser mais
produtivo e viver uma vida significativa. Perguntar: “Como posso aproveitar
isso?” nos ajuda a identificar elementos que podemos manipular, incluindo nosso
ambiente, as pessoas com quem estamos e as atividades nas quais estamos
envolvidos.
Desenvolver uma tendência para a diversão pode
distorcer o equilíbrio de nossas experiências para mais coisas boas do que
ruins. O riso e o bom humor reduzem a ansiedade, diminuem o estresse, aumentam
a autoestima e aumentam a automotivação. Uma estrutura focada na diversão
também pode nos ajudar a aprender a nos divertir mesmo quando as coisas não
saem do nosso jeito.
·
Que medidas práticas podemos
tomar para nos divertirmos mais?
Rucker: O primeiro
passo para adicionar atividades novas e prazerosas à sua vida diária é auditar
seu calendário para diversão em vez de produtividade. Fazer isso revelará
oportunidades ocultas para aumentar sua diversão, mesmo sem sacrificar a
realização das coisas.
Por uma semana, você pode tentar registrar suas
atividades por hora. Em seguida, categorize como você está gastando seu tempo
usando um modelo simples de quatro quadrantes, que traça as atividades ao longo
dos eixos de diversão e esforço.
As atividades que são fáceis e altamente prazerosas
pertencem ao quadrante “agradável” superior esquerdo. Embora o tempo gasto aqui
muitas vezes seja classificado como frívolo, a pesquisa nos diz que essas
atividades criam a sensação de que nossa vida vale a pena e é gratificante.
·
O objetivo é passar toda a
nossa vida no quadrante “agradável”?
Rucker: De jeito
nenhum. Uma vida plena inclui altos e baixos, alegrias, dores e tédio. A
positividade tóxica refletida nas mensagens de “boas vibrações apenas”, “sem
dias ruins” de alguns no complexo industrial da felicidade reflete uma
problemática falta de flexibilidade emocional.
Ao contrário da felicidade, a diversão pode
coincidir com uma variedade de estados emocionais ou até mesmo transcendê-los
completamente.
·
Depois de rastrear como
estamos gastando nosso tempo, como podemos inclinar a balança para a diversão?
Rucker: O
rastreamento de atividades pode nos ajudar a ter uma agenda para liberar mais
tempo para diversão. Como é da natureza humana preencher rapidamente qualquer
espaço que criamos, sugiro criar o que chamo de arquivo divertido –uma lista
robusta de atividades divertidas que você gostaria de integrar aos seus dias.
A criação de listas ajuda a estimular nossa
curiosidade, além de nos fornecer um recurso para onde recorrer. Depois de ter
sua longa lista, divida-a em categorias e, em seguida, reduza-a a uma pequena
lista de oito a 15 opções alcançáveis. O cérebro funciona bem com tantas
opções.
·
Por que é tão importante
priorizar essas atividades em nossas vidas já carentes de tempo?
Rucker: Diversão é
o antídoto para aquilo que a vida nos joga. Uma ferramenta de enriquecimento e
uma válvula de alívio para as pressões da vida, a diversão nos mantém
saudáveis. Também nos ajuda a fazer melhor uso geral do tempo que temos.
Estudos sugerem que as pessoas que conseguem
reservar tempo para diversão, renovação e fazer coisas interessantes são as
pessoas mais produtivas. Além disso, as pessoas que não estão se divertindo
procuram formas ruins de escapismo.
Digamos que você se considere uma pessoa ativa que
trabalhe 60 horas por semana, gerando uma unidade de produção a cada hora.
Compare isso com pessoas que estão se divertindo –que sabemos, com base na
ciência– são mais produtivas. Elas podem realmente produzir mais unidades de
saída para cada hora de trabalho.
Além da quantidade, vemos que o trabalho mais
inovador e criativo vem de quem protege seu lazer. O tempo para diversão libera
a capacidade de pensamento não linear.
·
Quem tem acesso para
arranjar tempo para se divertir?
Rucker: Como
acontece com a maioria das coisas, o privilégio abre portas para a diversão. A
capacidade de trocar tempo por dinheiro, por mais eficaz que seja, está
enraizada no privilégio. Dito isso, os dados de uso do tempo mostram que mesmo
as pessoas com menos tempo geralmente têm períodos do dia em que têm algum
controle sobre o que estão fazendo. Se você for criativo, há uma série de
maneiras de aumentar sua riqueza de tempo sem precisar de dinheiro.
Agrupar atividades pode ser uma maneira de se
tornar mais eficiente. Por exemplo, uma médica com quem trabalhei gostava de
desenhar, mas tinha dificuldade em encaixar isso em sua agenda até começar a
desenhar enquanto fazia acompanhamento dos pacientes.
A colaboração com os membros da sua comunidade
também pode ajudar. Um esquema de rodízio de período para cuidar das crianças
com conhecidos pode liberar os pais para uma noite de encontro de baixo custo.
E os recursos online oferecem ótimas opções para atividades gratuitas com
pessoas que pensam como você.
·
Quanto tempo devemos gastar
com diversão todos os dias?
Rucker: A pesquisa
sugere duas horas por dia como o “ponto dos Cachinhos Dourados” para passar o
tempo se divertindo. Numa sociedade que exige tantas horas de trabalho e
desvaloriza a importância da diversão, isso pode parecer muito.
Se isso parecer um exagero, comece com uma a três
horas por semana para testar alguns dos itens da sua lista divertida. Não pense
que você tem um período de 14 horas imediatamente. Mesmo um aumento lento mostrará
os benefícios desse novo hábito. Uma vez que as pessoas percebem que serão
realmente mais produtivas se divertindo, essa abordagem se torna mais fácil de
entender.
·
Como um diário ajuda a criar
um hábito divertido? Quais práticas específicas ajudam mais?
Rucker: O registro
no diário nos ajuda a armazenar memórias e processar nossas experiências. As
entradas que se concentram em saborear ou relembrar amplificam o poder da
diversão que você já teve, porque você pode experimentá-la novamente.
A chave é incluir detalhes memoráveis sobre a
experiência que você está descrevendo. Por que foi divertido? Como você se
sentiu? E a memória te ilumina? Inclua detalhes sensoriais e, se puder, uma
lembrança –uma foto, letra de música ou videoclipe, por exemplo. Isso pode
ajudar nossa memória, trazendo de volta informações que foram codificadas em
nosso cérebro.
Lembre-se de que o registro no diário não precisa
necessariamente acontecer em papel e caneta. Um álbum de recortes, um frasco de
memória, todas essas coisas podem ser extremamente úteis. Não importa como você
catalogue, essas memórias podem atraí-lo de volta para mais do que você gostou
no passado.
Ao chamar nossa atenção para os bons momentos que
tivemos –e poderíamos ter novamente– relembrar aumenta nossa consciência de que
temos mais agenda e autonomia para afetar a maneira como nos movemos no tempo
do que às vezes pensamos.
A pesquisa mostra que documentar e ativar memórias
positivas traz benefícios de longo prazo e pode até ajudar a suprimir a
depressão. Além disso, memórias divertidas nos ajudam a construir recursos que
oferecem resiliência emocional em momentos não tão divertidos.
A diversão nos permite lidar com a dor da vida e,
às vezes, até transcendê-la, experimentando mais plenamente os presentes ela
nos dá.
Fonte: CNN Brasil
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