Petrobras prevê
recorde de petróleo e pode frear redução de emissão de gases estufa
Daqui
a seis anos, em 2029, o Brasil deve atingir um recorde ao mesmo tempo histórico
e problemático: a produção de petróleo no país pode chegar a um pico, com a
estimativa de 5,4 milhões de barris por dia (m/boed). A projeção é da Empresa
de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME).
O
número é histórico porque, hoje, o país produz cerca de 3 milhões de barris.
Mas é também problemático, pois o aumento na produção irá representar mais
emissão de gases que contribuem para o efeito estufa na atmosfera. Além disso,
a extração envolve riscos ambientais e sociais, por exemplo, em casos de
vazamentos. Esse é justamente um dos receios de ambientalistas sobre as
perfurações na foz do rio Amazonas, cujos projetos da Petrobras chegaram a ser
barrados pelo Ibama no mês de maio.
O
aumento na produção de petróleo pela Petrobras também gera outra questão: se
com isso será possível cumprir a meta de chegar a 2050 com emissão zero de
gases de efeito estufa em suas operações.
No
ano passado, 47,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono foram emitidos na
atmosfera pela Petrobras em suas operações absolutas. Deste total, 44,3 milhões,
ou seja 93%, vieram da exploração e produção de petróleo e gás natural,
incluindo o refino e o transporte marítimo.
De
2015 a 2022, a estatal brasileira reduziu em 23% as emissões de CO2 nos
chamados escopo 1 e escopo 2, que são os gases emitidos pelas operações diretas
da empresa e pela aquisição de energia elétrica e térmica. Não estão
contabilizadas aqui as emissões resultantes do uso desse combustível depois.
No
entanto, segundo a Agência Pública apurou, essa redução não deve se manter no
mesmo ritmo. A partir de 2023, de acordo com as projeções da empresa, a
tendência é que a curva das emissões com a extração dos combustíveis fósseis
deixe de cair, ficando em uma linha praticamente reta até 2030.
Além
disso, a Petrobras pode acabar indo contra a previsão de petroleiras gringas,
que prometem manter a redução das suas emissões.
Para
chegar a essa conclusão, a reportagem levantou os dados de emissões de CO2 de
cinco companhias estrangeiras de petróleo: Exxon Mobil, Shell, BP, Chevron e
Equinor ASA. Foram considerados os dados de emissão entre 2015 e 2022, assim
como as projeções para os anos futuros, dos escopos 1 e 2, apresentados nos
relatórios anuais de cada empresa. As emissões de escopo 3 — aquelas indiretas,
resultantes da queima do petróleo, por exemplo, como combustível — não precisam
constar em documentos publicados pelas petroleiras e, por isso, não foram
incluídas no levantamento.
• Petrobras prevê redução menor de
emissões comparada a petroleiras estrangeiras
É
justamente a Margem Equatorial — região marítima que vai do estado do Rio
Grande do Norte ao Amapá, onde está a foz do rio Amazonas — que guarda a
promessa de aumento da produção de petróleo pela Petrobras.
A
estimativa da Agência Nacional de Petróleo (ANP) é que os blocos exploratórios
operados pela Petrobras na região guardem uma reserva na camada pré-sal de
cerca de 16 bilhões de barris. Há também quem prevê um cenário de 11 bilhões,
numa analogia ao que já foi estimado com os poços perfurados no litoral da
Guiana, bacia que tem similaridade geológica com a área cobiçada pela
Petrobras.
Em
seu plano estratégico para os próximos cinco anos, a companhia prevê R$ 6
bilhões em investimentos exploratórios, e metade vai ser direcionada à Margem
Equatorial. Lá, a estatal tem o interesse de perfurar 16 poços em blocos
operados nas bacias Foz do Amazonas, Potiguar, Pará-Maranhão e Barreirinhas.
O
primeiro deles, o poço Morpho, no bloco FZA da Foz do Amazonas, é o que teve
seu pedido de licenciamento negado pelo Ibama em função de riscos ambientais e
agora está à espera de recurso. No melhor cenário estudado pela Petrobras,
serão necessários de quatro a cinco anos entre a descoberta de petróleo até a
produção em cada poço.
De
2015 a 2022, segundo a Pública apurou, a Petrobras reduziu em 39% a quantidade
de gases emitidos nas operações absolutas — elas são a soma de todas as
emissões de operações da empresa, incluindo as de termelétricas. Sem contar as
emissões das usinas, a queda foi de 23%. A previsão de 2022 para 2030 é que
essa redução fique em apenas 8,2%.
Em
contraste com os 8,2% da Petrobras, a Shell prevê uma redução no mesmo período
de 30%, a BP, 21%, a Equinor ASA, 36%, a Chevron, 29%, e a Exxon Mobil, 14,3%.
Com
isso, a Petrobras pode passar a Shell e a Chevron em quantidade de emissões,
tornando-se a terceira a mais emitir entre as seis grandes petroleiras —
atualmente é a quinta.
• Projetos da Petrobras para compensar
emissões não são milagre, diz especialista
O
plano estratégico da Petrobras referente aos próximos cinco anos foi apresentado
no fim de 2022. Ele mostrou que, dos US$ 78 bilhões em investimentos previstos
para todas as áreas da companhia, apenas US$ 4,4 bilhões, ou seja, 7%, serão
direcionados a iniciativas de baixo carbono.
Desse
total, a maior parte, US$ 3,7 bilhões, deve ir para o desenvolvimento e uso de
tecnologias conhecidas como CCS (em inglês, Carbon Capture and Storage),
capazes de capturar e armazenar o CO2 liberado na operação de exploração de
combustíveis fósseis.
Com
equipamentos desse tipo, em 2022 a Petrobras reinjetou 10,6 milhões de
toneladas de CO2 nos poços durante as operações de exploração e produção de
óleo e gás. A ideia é chegar a 80 milhões de toneladas de CO2 reinjetados até
2025 em projetos de CCS.
Embora
os números pareçam significativos, ambientalistas ponderam que o uso de CCS
resolve apenas uma parte do problema e será insuficiente se não houver corte
considerável nas emissões geradas pelo setor de combustíveis fósseis como um
todo — considerando também o próprio uso dos combustíveis, esse, sim,
responsável pela maior parte das emissões em todo o mundo.
“Essas
tecnologias podem ser uma alternativa. Mas tenho receio de que sejam vistas
como uma solução milagrosa para um problema tão complexo”, analisa Vinicius
Nora, gerente de Clima e Oceanos do Instituto Internacional Arayara.
“Precisamos mesmo é de mudanças profundas na matriz energética em escala
global”, critica.
A
Petrobras prevê também US$ 600 milhões para iniciativas de diesel renovável e
bioquerosene de aviação. E US$ 100 milhões para pesquisa e desenvolvimento de
energia renovável.
As
grandes petroleiras também têm investido no processo de mitigação e
descarbonização de suas operações por meio do CCS.
Só
em 2023, a Chevron pretende alocar US$ 1 bilhão em projetos de energia
renovável, dos R$ 14 bilhões previstos em investimentos totais. Já a Equinor
projeta para 2023 a 2026 destinar US$ 18,3 bilhões para novos meios de produção
de energia a partir de matriz limpa. A Exxon Mobil disse que serão R$ 17
bilhões para iniciativas de baixo carbono, e a BP pretende separar US$ 8
bilhões ao ano para energias renováveis. Já a Shell anunciou recentemente que
irá investir entre US$ 10 e US$ 15 bilhões em tecnologia de descarbonização nos
próximos anos, embora tenha decidido manter o nível de produção de petróleo até
2030.
“O
Plano Estratégico vigente da Petrobras, que foi aprovado no governo anterior, e
que a gente ainda não sabe se vai ser revisto, é muito tímido em investimento
em fontes renováveis. É quase nada. Que, no caso, é bem diferente do resto [das
petroleiras]. A turma está investindo em renováveis. Todas estão indo nessa
direção”, aponta André Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e
Meio Ambiente (Iema).
Segundo
Ferreira, projetos em eólica offshore e hidrogênio verde são os segmentos de
maior interesse em investimento pelas empresas de petróleo mundo afora. No caso
da Petrobras, há sinalizações de mudanças em seu plano estratégico, mas não
para diminuir os investimentos em extração de petróleo. “Há conversas sobre
investimentos em renováveis, que vai ser a coisa mais ousada, mas não está
deixando de investir em fósseis, de jeito nenhum. Isso vai se manter nesse
governo”, aponta.
Embora
possua uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, a gestão da Petrobras
dos últimos seis anos, sobretudo no governo de Jair Bolsonaro, focou na
exploração e produção de combustíveis fósseis, diz Mahatma dos Santos, diretor
do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(Ineep).
“No
caso da Petrobras, o recente processo de desmonte e desinvestimentos na estatal
brasileira, entre 2016 e 2022, associado a uma estratégia de negócios restrita
a rentabilidade no curto prazo, reduziu sistematicamente os seus investimentos
na transição energética, o que atrasou a companhia nessa corrida tecnológica e
geopolítica em relação a outras petroleiras”, explica.
Segundo
o especialista, nos últimos anos a Petrobras investiu apenas em soluções de
descarbonização e mitigação de emissões, o que representou entre 4% e 6% do seu
Capex total, enquanto outras empresas do setor avançam no desenvolvimento de
novas rotas tecnológicas e diversificação de portfólio, em especial, nos
segmentos de energia eólica e solar/fotovoltaica.
O
plano estratégico anterior à gestão passada estabelecia a necessidade de a
empresa avançar na diversificação rentável. Além disso, estavam sendo
realizados estudos de viabilidade de investimento no setor eólico offshore e na
produção energética através da molécula de hidrogênio, além de pesquisas para o
desenvolvimento do biorrefino.
Segundo
especialistas, se não fosse essa mudança de rota, o país seria hoje referência
em alternativas de energia sustentável. “As últimas gestões da Petrobras
focaram todos os seus investimentos nos ativos mais rentáveis economicamente e
perderam o horizonte de […] ser uma empresa de vanguarda na transição
energética, já que o Brasil tem características propícias para o
desenvolvimento de segmentos como eólico, solar e produção de hidrogênio
verde”, explica Mahatma dos Santos.
Com
a mudança para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi criada a
Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento, uma das primeiras
sinalizações de que pode haver uma tentativa de retorno à antiga estratégia de
negócio da Petrobras. Para comandar o setor, foi indicado Maurício Tolmasquim,
pesquisador que foi presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) nos
antigos governos Lula e Dilma Rousseff (PT).
Em
maio, durante evento nos Estados Unidos sobre tecnologias offshore, Tolmasquim
disse que a Petrobras está atenta “à diversificação do portfólio” da empresa,
mas também focou seu discurso na apresentação dos resultados da Petrobras com
os projetos de descarbonização – o CCS.
“A
Petrobras tem focado excessivamente nesse processo de descarbonização, migrando
quase todo o seu volume de investimentos, sua capacidade de inovação
tecnológica e de cooperação técnica com outras companhias”, alerta Mahatma. “A
gente vê que as empresas estão preocupadas com esse tema, mas elas têm
velocidade e priorizam de maneira diferente esse processo de transição.”
A
depender do posicionamento do atual presidente da Petrobras, Jean Paul Prates,
porém, a transição energética não deverá ser prioridade no momento. Em recente
entrevista concedida à Bloomberg, ele disse esperar que o Brasil seja o último
país do mundo a explorar petróleo. “Vamos ganhar participação no mercado”,
afirmou na ocasião. “Podemos ser os últimos a produzir petróleo no mundo.”
• Reduzir emissões mantendo produção de
petróleo é “enxugar gelo”
As
estimativas de emissão de CO2 consideradas nos escopos 1 e 2 são apenas uma
pequena fatia na extensa cadeia no processo do uso do petróleo. Isso porque a
queima do combustível fóssil é o maior responsável pelas emissões de gases de
efeito estufa no mundo. Essas emissões, contempladas no escopo 3, são as
provenientes da queima de derivados do petróleo, como a gasolina e o óleo
diesel, em veículos, e de processos industriais, como o aquecimento de
caldeiras com óleo combustível.
Mesmo
que o petróleo do pré-sal seja capaz de emitir menos CO2 (cerca de 10 kg por
barril, contra 17 kg por barril da média mundial) no processo de produção, a
redução dos riscos ao meio ambiente para por aí.
“Estamos
falando em uma diferença na ordem de 7 kg CO2e/barril, enquanto, no uso do
petróleo depois de transformado em combustíveis, a gente está falando de quase
meia tonelada de CO2e/barril. Ou seja, petróleo de baixa emissão é o que fica
embaixo da terra”, explica Amanda Ohara, coordenadora de Incentivos do
Portfólio de Energia do Instituto Clima e Sociedade. “Falar que transição
energética se limita a reduzir as emissões na produção de petróleo é como
enxugar gelo”, observa.
“Uma
visão estratégica do setor energético deve considerar as emissões da cadeia do
petróleo (e do gás) como um todo, desde a exploração, à produção, transporte,
processamento e queima do hidrocarboneto, que respondem pela maior parte das
emissões do setor”, defende Marcelo Laterman, porta-voz para justiça e clima do
Greenpeace Brasil.
A
meta do Acordo de Paris é conter o aumento da temperatura média do planeta em
menos de 2 ºC, com esforços para não ultrapassar 1,5 ºC. Quase 200 países se
comprometeram a reduzir a emissão de gases de efeito estufa para alcançar esse
objetivo.
Em
2018, a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) fez uma
proposta global de modelo de transição energética com a meta de reduzir para
zero as emissões de gases de efeito estufa em 2050. Em 2021, a IEA publicou um
estudo mostrando que, caso mais alguma reserva de combustíveis fósseis fosse
explorada a partir daquele ano, a chance de a temperatura global subir mais de
1,5 ºC com consequente aumento de desastres naturais é ainda muito maior.
“Para
se ter ideia, com aquecimento de 1,5 ºC estamos falando do risco de morte para
70% a 90% dos corais do mundo. É um cenário muito extremo já. Com o curso das
políticas atuais, não atingiremos essa meta”, alerta Vinicius Nora.
Fonte:
Por Janaína Camelo, da Agência Pública
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