Erdogan
é reeleito presidente da Turquia
O presidente da Turquia, Recep
Tayyip Erdogan, no poder há 20 anos, foi reeleito neste domingo
(28/05) para mais um mandato de cinco anos, em um pleito que representou um
referendo sobre seu longo governo.
O líder islâmico conservador recebeu 52,14% dos
votos, contra 47,86% de seu rival secular da oposição, Kemal Kiliçdaroglu,
segundo uma prévia da autoridade eleitoral turca com 99,43% das urnas apuradas.
Sua gestão vem promovendo transformações profundas
no país de 85 milhões de habitantes, incluindo uma guinada
autoritária e conservadora-religiosa, o afastamento do Ocidente e uma
aproximação da Rússia.
Mais recentemente, o líder de 69 anos vem
lidando com a maior crise econômica da Turquia em décadas e os efeitos de
um terremoto
devastador em fevereiro, que levou muitos turcos a
criticarem a atuação do governo. Neste pleito, ele enfrentou uma aliança
inédita de oposição que reuniu ex-adversários para tentar promover
uma alternância de poder.
Em sua primeira declaração após o fechamento das
urnas, Erdogan dirigiu-se a apoiadores em frente à sua casa em Istambul.
"Agradeço a cada membro de nossa nação por ter confiado a mim a
responsabilidade de governar este país mais uma vez nos próximos cinco
anos", disse. "O único vencedor hoje é a Turquia."
Em seguida, Kiliçdaroglu expressou
"tristeza" pelo futuro do país, mas não reconheceu formalmente a
derrota nas eleições, que classificou como "a mais injusta" em anos.
Os admiradores elogiam Erdogan por ter eliminado as
restrições religiosas no país que é oficialmente secular, mas majoritariamente
muçulmano, implementado ambiciosos projetos de infraestrutura e transformado a
Turquia em uma força geopolítica. Já os detratores o acusam de adotar práticas
autoritárias que lembram os sultões otomanos, abalando as bases democráticas da
Turquia e empobrecendo milhões de pessoas com políticas econômicas equivocadas.
Esta eleição foi considerada por muitos analistas
como a mais importante do país em seus cem anos de história republicana.
Kiliçdaroglu montou uma coalizão poderosa que agrupou antigos aliados
desencantados de Erdogan com nacionalistas seculares e conservadores religiosos
– uma combinação heterogênea que conseguiu empurrar a disputa para o segundo
turno.
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Kiliçdaroglu fez giro à direita no segundo turno
A mensagem de unidade social e defesa das liberdades
utilizada pelo candidato da oposição antes do primeiro
turno deu lugar, na reta final da campanha, a
discursos inflamados sobre a necessidade de expulsar os imigrantes e combater o
terrorismo.
Sua guinada à direita foi direcionada aos
nacionalistas que emergiram como os grandes vencedores das eleições
parlamentares realizadas junto com o primeiro turno do pleito presidencial, em
14 de maio.
Kiliçdaroglu, de 74 anos, sempre aderiu aos valores
nacionalistas de Mustafa Kemal Ataturk – um reverenciado comandante militar que
formou a Turquia e seu partido, o secular CHP. Mas até o primeiro turno
esses princípios tiveram papel secundário em relação à promoção de valores
socialmente liberais praticados pelos eleitores mais jovens e pelos moradores
das grandes cidades – uma aposta que muitos analistas questionaram se
funcionaria.
Sua aliança informal com um partido pró-curdo que
Erdogan retrata como a ala política de militantes proibidos no país o expôs a
acusações de trabalhar com "terroristas". Por outro lado, a recente
aproximação de Kiliçdaroglu com a extrema direita da Turquia foi prejudicada
pelo endosso que Erdogan recebeu de um ultranacionalista que ficou em terceiro
lugar no primeiro turno.
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Líderes parabenizam Erdogan
O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz,
parabenizou Erdogan pela vitória e disse que ambos os países são
"parceiros e aliados próximos", com povos e economias
"profundamente interligados". "Juntos queremos fazer avançar
nossa agenda comum com um novo ímpeto", escreveu Scholz no Twitter.
A presidente da Comissão Europeia, braço executivo
da União Europeia, Ursula von der Leyen, também parabenizou o presidente turco
pela reeleição. " Espero continuar a construir o relacionamento
UE-Turquia. É de importância estratégica tanto para a UE quanto para a Turquia
trabalhar para promover esse relacionamento, para o benefício de nosso
povo", escreveu ela Twitter.
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva,
também cumprimentou Erdogan pelo resultado eleitoral. "Desejo um bom
mandato, de muito trabalho para o melhor do povo turco. E conte com a parceria
do Brasil na cooperação global pela paz e no combate à pobreza e
desenvolvimento do mundo", escreveu Lula no Twitter.
O presidente russo, Vladimir Putin, parabenizou
Erdogan dizendo que sua vitória foi "o resultado lógico" de seu
trabalho, e elogiou sua "contribuição pessoal para o fortalecimento das
relações amistosas entre a Rússia e a Turquia".
O primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif,
descreveu o líder turco como um "pilar de força para os muçulmanos
oprimidos", bem como uma "voz ardente para seus direitos
inalienáveis".
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A trajetória política de Erdogan
Nascido em um bairro portuário da classe
trabalhadora de Istambul, Erdogan fez seu nome nos movimentos islâmicos
nascentes que desafiavam o regime secular, tornando-se prefeito da cidade em
1994.
Seu mandato de prefeito foi interrompido quando ele
foi condenado e preso por quatro meses por incitar o ódio religioso ao recitar
um poema inflamado que comparava as mesquitas aos quartéis do exército e
chamava os minaretes de "nossas baionetas".
Entre seus partidários, isso só parecia aumentar seu
apelo. Ao fundar sua legenda, o AKP, depois que um partido islâmico anterior
foi banido, Erdogan liderou uma vitória eleitoral esmagadora nas eleições
nacionais de 2002 e tornou-se primeiro-ministro menos de seis meses depois.
As conquistas iniciais de Erdogan incluíram uma
série de reformas que agradaram a União Europeia (UE), inclusive a abolição da
pena de morte e o início de um processo de paz com militantes curdos.
Os protestos em massa em 2013 sobre os planos de
transformar um parque de Istambul em um shopping center, no entanto, marcaram o
início de uma era mais divisiva, que incluiu alegações de corrupção contra seu
círculo íntimo.
A tentativa da Turquia de ingressar na UE fracassou
e as negociações de paz com os curdos implodiram em 2015, quando um partido de
oposição curdo ajudou a tirar de Erdogan o controle do Parlamento pela primeira
vez. As operações militares turcas contra as forças curdas na Síria e no Iraque
logo se seguiram, criando novas tensões com o Ocidente.
Em seus primeiros dias, o AKP, sem aliados e sem
experiência, forjou uma aliança com o líder islâmico Fethullah Gülen, que se
mudou para o exílio permanente nos EUA em 1999, mas manteve forte influência na
sociedade e no governo turcos.
Mais tarde, Erdogan culpou Gülen por arquitetar uma
sangrenta tentativa de golpe por uma facção renegada do exército em julho de 2016
– o que ele nega. Erdogan, que estava de férias no mar Egeu, apareceu na TV ao
vivo para incentivar seus apoiadores a irem às ruas.
Esse foi o momento decisivo de seu governo
subsequente. Erdogan revidou com expurgos abrangentes que levaram a 80 mil prisões,
colocou a maior parte da mídia sob influência do governo e criou uma sensação
de perigo iminente entre aqueles que se opõem ao seu governo. A hesitação de
Washington e da UE em apoiar abertamente Erdogan nas primeiras horas dessa
tentativa de golpe corroeu sua confiança no Ocidente, e criou atritos
diplomáticos que perduram até hoje.
Em 2017, Erdogan promoveu um referendo que aboliu o
cargo de primeiro-ministro e transformou a Turquia em um regime
presidencialista. Com isso, ele consegui concentrar mais poder e obteve a
permissão legal para disputar duas vezes a eleição para presidente.
Políticas econômicas pouco ortodoxas, incluindo a
redução das taxas de juros para combater a inflação crescente, que atingiu
oficialmente 85% em 2022, reverteram alguns ganhos de sua primeira década de
governo, mais próspera.
Os opositores também o acusaram de fazer vista
grossa à corrupção e aos padrões de construção frouxos que permitiram que
cidades inteiras desmoronassem no terremoto em fevereiro. Apesar da perda e da
raiva generalizadas, a popularidade de Erdogan se manteve em partes do sudeste
da Turquia devastadas pelo desastre, um testemunho de apoio leal ao líder.
Ø Turquia, o complicado aliado do Ocidente na Otan
A Turquia ingressou na Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan) em 1952, em plena Guerra Fria, num passo a
favor do Ocidente e contra a União Soviética.
Era, então, uma decisão a ser festejada pelo
Ocidente, que passava a ter um aliado de grande importância geopolítica, com
uma fronteira com o mundo comunista.
Mas, mais de 70 anos depois, muitos se perguntam se
a presença da Turquia na aliança ainda faz sentido ou se realmente traz mais
vantagens do que desvantagens para os países ocidentais.
Porque, se é inquestionavelmente importante do ponto
de vista geográfico, com a localização entre a Europa e a Ásia, a Turquia
também causa frequentemente problemas para os demais aliados.
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Objeções à Suécia e à Finlândia
Isso ficou novamente claro quando a Finlândia e a
Suécia apresentaram candidaturas conjuntas para ingresso na Otan, em maio de
2022, numa reação à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Depois disso, o processo se arrastou. O presidente
da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, bloqueou o ingresso dos dois países,
condicionando a sua aprovação a uma série de exigências, a maioria delas
relacionadas ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que Ancara
considera uma organização terrorista.
No fim de março de 2023, a Turquia
finalmente cedeu e deu seu aval para a adesão da Finlândia. Mas a entrada
da Suécia continua pendente.
A União Europeia e os Estados Unidos também
consideram o PKK, que oficialmente descartou as pretensões separatistas
iniciais e hoje luta por mais autonomia política para territórios de maioria
curda dentro da Turquia, uma organização terrorista.
Mas a Turquia acusa a Suécia, que, como a Finlândia,
é um país-membro da União Europeia, de ter uma posição menos rígida, afirmando
que o país serve de refúgio para terroristas, em referência a membros do PKK e
também a outros adversários políticos, e exige que estes sejam extraditados.
Para complicar ainda mais a situação, o governo
turco ficou furioso quando um extremista de direita sueco queimou uma cópia do
Alcorão diante da embaixada da Turquia em Estocolmo, no início de 2023.
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Longa lista de atritos e problemas
Essa não foi a primeira vez que o presidente da
Turquia desafiou o consenso dentro da Otan. Em 2009, ele bloqueou a indicação
do então primeiro-ministro da Dinamarca, Anders Fogh Rasmussen, para o comando
da aliança. Foi necessária uma conversa privada entre o então presidente dos
Estados Unidos, Barack Obama, e o líder turco para levantar o veto.
Em 2010, Turquia e Israel romperam relações, e
Erdogan bloqueou por seis anos uma parceria mais aprofundada entre a Otan e o
Estado judeu.
Em 2020, Turquia e Grécia, dois membros da Otan, se
envolveram numa disputa sobre direitos de exploração de petróleo e gás no Mar
Mediterrâneo. A França, outro membro da Otan, apoiou a Grécia, enviando navios
e aeronaves para a região.
A lista de atritos é longa. Embaixadores afirmam
que, não raro, a Turquia é o único país da aliança militar com uma posição
contrária à dos demais.
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Turquia, porém, é importante
Tudo seria mais simples se a Turquia não fosse um
membro de peso da Otan. A localização dela, ao sul da Rússia, com acesso ao Mar
Negro, fronteiras com a Síria, o Iraque e o Irã, e a longa costa mediterrânea
contribuem para a importância dela para a aliança militar.
A Turquia também tem o segundo maior exército da
Otan e dispõe de uma indústria armamentista desenvolvida. O país ainda abriga
uma base aérea dos Estados Unidos, na qual armas nucleares estão estacionadas.
Especialistas argumentam que seria muito pior ter a
Turquia fora da Otan do que dentro, principalmente se ela se sentir chutada
para fora da aliança e se voltar para a Rússia e a China.
E a invasão da Ucrânia pela Rússia sublinhou mais
uma vez a importância da segurança na fronteira leste da Otan, bem como a
importância da capacidade de mediação diplomática da Turquia – Erdogan costurou
um acordo para exportação de grãos ucranianos com Vladimir Putin.
A atual situação, após a invasão da Ucrânia pela
Rússia, só reforçou o interesse do Ocidente de manter a Turquia na Otan, assim
como o de mantê-la militarmente forte. E a recíproca também é verdadeira, pelo
mesmo motivo.
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Nacionalista e autoritário
Foi sobretudo com Erdogan, inicialmente como
primeiro-ministro e depois como presidente, que a Turquia foi se tornando um
problema para seus aliados ocidentais.
Especialistas afirmam que Erdogan tem afastado a
Turquia do secularismo introduzido pelo lendário líder Kemal Ataturk, o
fundador do moderno Estado turco.
Erdogan tem adotado um estilo autoritário, populista
e nacionalista, pelo qual já foi chamado de "o
primeiro sultão da Turquia moderna". Essa
tendência se fortaleceu ainda mais depois do fracassado golpe de Estado de
2016.
Mas analistas afirmam que o presidente turco colocou
a si mesmo num impasse no seu lance mais audacioso: contrariar a Otan e
adquirir armamento da Rússia.
Em 2017, Erdogan acertou com o presidente da Rússia,
Vladimir Putin, a aquisição de um sistema de mísseis antiaéreos S-400, apesar
das fortes objeções do governo dos Estados Unidos ao uso desse sistema dentro
da Otan.
O governo americano argumentou que o uso do sistema
S-400 pela Turquia permitiria aos russos obterem informações sobre o caça F-35,
em especial a sua capacidade furtiva, ou seja, a capacidade de um caça de não
ser corretamente detectado pelos radares. O S-400 foi, afinal, criado para
derrubar jatos como o F-35.
O F-35 é um dos caças mais modernos do mundo. Ele é
um projeto da Otan, capitaneado pelos Estados Unidos e com forte participação
da Turquia – ao menos inicialmente.
Porque, depois de Erdogan simplesmente ignorar os
apelos do governo americano, este retirou, após a efetivação da compra do
sistema antiaéreo russo, em 2019, a Turquia do programa conjunto de
desenvolvimento do F-35 e proibiu que os caças fossem vendidos ao país.
Além disso, o Congresso dos EUA impôs sanções à
Turquia, e congressistas americanos declararam que o país não podia mais ser
visto como um aliado.
Sem acesso ao F-35, a Turquia tenta agora adquirir
40 caças F-16 dos Estados Unidos. O governo de Joe Biden apoia o negócio, que é
bilionário, mas líderes congressistas dos dois partidos se mostram contra e
apontam para a imprevisibilidade de Erdogan, as violações de direitos humanos e
o sistema de governo cada vez mais autoritário na Turquia.
É possível, portanto, que os Estados Unidos consigam
concessões da Turquia para a venda dos jatos – o que pode justamente incluir a
aceitação dos ingresso da Finlândia e da Suécia na Otan, bem como uma negativa
a novas ações militares turcas contra os curdos no norte da Síria – os curdos
são aliados dos americanos na luta contra o grupo terrorista "Estado
Islâmico".
Ambos os lados negam que haja uma associação entre a
venda dos jatos F-16 e o ingresso da Suécia e da Finlândia na Otan, mas
especialistas americanos dizem que é exatamente isso o que deverá acontecer.
·
Erdogan também tem críticas
A Turquia também tem críticas à Otan, em especial
pelo que considera falta de reciprocidade, acusando a aliança militar de não
levar a sério os temores de segurança do país apesar de décadas de lealdade.
Washington levantou, em maio de 2022, sanções
econômicas à região administrativa autônoma curda no norte da Síria, na prática
permitindo a ela manter relações comerciais com o exterior.
Essa região controlada pelos curdos na Síria é um
pesadelo para Erdogan, que a vê como uma ameaça à integridade territorial da
Turquia. O apoio americano aos combatentes curdos na Síria é um dos principais
motivos de irritação do presidente turco com os Estados Unidos.
Além disso, os Estados Unidos abrigam o líder
religioso Fethullah Gülen, que Erdogan acusa de planejar o fracassado golpe de
Estado de 2016. Membros do governo turco já acusaram Washington de estar por
trás da tentativa de golpe.
A Otan sem a Turquia é um devaneio. A Turquia é um
ator fundamental na guerra na Síria e controla a entrada de navios no Mar Negro
a partir do Mediterrâneo, para citar apenas dois pontos.
Da mesma foram, a Turquia tem interesse no poder de
defesa oferecido pela participação na Otan – pelas regras da aliança militar,
quem ataca um membro, gera uma resposta de todos.
Fonte: Deutsche Welle
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