O
que o discurso duro de Erdogan após sua vitória indica sobre seu novo governo
Não foi tão fácil como antes, mas ele conseguiu de
novo: o atual presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, foi reeleito. No segundo turno realizado no domingo (28/05), o político de 69
anos obteve mais de 52% dos votos e permanecerá no cargo por mais cinco anos.
Esta será sua terceira década no poder. Primeiro
como primeiro-ministro e desde 2014 como presidente, Erdogan moldou o país como
nenhum outro político.
Antes dessas importantes eleições, as pesquisas o
colocavam atrás de seu principal adversário, levando-o a buscar novos parceiros
para sua Aliança Popular, que obteve maioria conquistando 323 dos 600 assentos
nas eleições parlamentares de 14 de maio. O novo Parlamento é também o mais
conservador, nacionalista e islâmico da história recente do país.
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Vitorioso, apesar de várias crises na Turquia
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (Acnur), cerca de quatro milhões de pessoas em busca de
proteção vivem na Turquia – um enorme desafio. Soma-se a isso a crise
econômica, a inflação galopante, o alto desemprego, a pandemia e os dois grandes terremotos.
"Apesar dessas várias crises, os eleitores escolheram um presidente que esteve
no poder durante todas elas", lembra a cientista política Evren Balta, da
Universidade Özyegin, em Istambul.
Se por um lado o resultado foi uma surpresa para
muitos, por outro era de se esperar, diz a especialista. Isso porque, em tempos
de crise, os eleitores muitas vezes tendem a escolher um político que já
conhecem. Ela acredita que a confiança em Erdogan está um pouco enfraquecida,
mas que os eleitores mesmo assim preferiram votar nele em vez de escolher um
político sem experiência de governo.
Parece que Erdogan está muito ciente dessa
percepção. Em seu tradicional discurso da vitória na varanda de seu
palácio na noite da eleição, ele expressou gratidão a seus apoiadores. Cantou
canções com eles e prometeu estar junto "até o túmulo". Além disso,
convidou seus aliados um a um para o palco e os agradeceu por tornar possível
esta "vitória do século".
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O ataque de Erdogan à oposição
Ele não mostrou misericórdia à oposição. Acusou seu
concorrente Kemal Kiliçdaroglu de receber ordens da
sede da organização terrorista PKK e de implementá-las. Diante de mais de 350
mil apoiadores, disse que Kiliçdaroglu prometeu libertar o ex-presidente do
partido pró-curdo HDP, Selahattin Demirtas, e afirmou que nunca libertará o
"terrorista". A multidão então exigiu a pena de morte para Demirtas.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pediu
repetidamente a libertação do político da oposição curda – até agora em vão. Da
prisão, Demirtas tentou influenciar a campanha eleitoral e, por meio de seus
advogados, manifestou-se a favor de Kiliçdaroglou.
Ibrahim Uslu, pesquisador e especialista em
comunicação política, acredita que Erdogan vá continuar com a retórica mais
dura. Na opinião dele, Erdogan não vê razão para uma mudança, pois percebe sua
mais recente vitória como uma confirmação de sua linha anterior.
Uslu lembra que eleições locais serão realizadas na
Turquia em pouco menos de dez meses, e acredita que o país voltará ao modo de
campanha eleitoral em algumas semanas.
Erdogan também promove a polarização para desviar a
atenção da população de problemas reais, como a economia fragilizada e a
desigualdade social no país. Se o presidente turco fosse conciliador, acredita
Uslu, a população começaria a colocar o governo à prova e, sobretudo, a
questioná-lo. Por isso, de acordo com Uslu, Erdogan deve continuar a adotar
esse tom mais duro até depois das eleições locais na primavera europeia de
2024.
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Futuro da aliança da oposição é incerto
A questão é se isso será necessário, já que ainda
não é certo se a ampla aliança de oposição sobreviverá após esta derrota. O
grupo foi forjado há três anos pelo líder da oposição Kemal Kiliçdaroglu. Seus
seis partidos integrantes, que se dirigem a grupos-alvo muito diferentes,
fizeram concessões difíceis em prol da coesão. Mas será que essas partes
continuarão unidas?
Evren Balta acredita que a aliança durará pelo menos
até as eleições locais, uma vez que não há tantas concessões a serem feitas em
nível local quanto nas eleições parlamentares ou presidenciais. No entanto, ele
avalia que a oposição deveria lidar criticamente com a derrota atual e contar
com novas forças motrizes e atores se quiser ter sucesso.
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Legado de Erdogan
Enquanto a oposição lida com a derrota, Erdogan
comemora a vitória. Mas quanto ele realmente triunfou?
Henrik Meyer, diretor da Fundação Friedrich Ebert em
Istambul, vê as coisas de forma mais cética. "O fato de Erdogan ter que ir
para um segundo turno, que ele venceu por apenas quatro pontos
percentuais, provavelmente arranhará sua autoimagem", disse Meyer à DW.
Além disso, a disputa acirrada mostra, mais uma vez,
que a população está insatisfeita com Erdogan e seu governo. "Vamos ver
que conclusões ele tira de sua popularidade em declínio", continuou Meyer.
Em termos de direitos humanos, liberdade de
expressão e liberdade de imprensa, Meyer não espera melhorias, mas tem
esperança de que Erdogan pense em seu legado político no novo mandato.
Para Mayer, se Erdogan não quiser deixar para trás
um país dividido com instituições enfraquecidas e uma inflação galopante no
final de sua passagem pelo poder, terá que reconsiderar suas ações.
O sucessor
Se ele fará isso ainda é incerto. O pesquisador Uslu
está convencido de que Erdogan definitivamente cuidará de sua sucessão. Segundo
ele, uma das questões centrais deste mandato para Erdogan é justamente preparar
seu partido para o período depois que ele deixar o poder.
Porque, de acordo com a Constituição turca, Erdogan
não poderá se candidatar novamente após este mandato. Além disso, o político de
69 anos parece estar com a saúde debilitada. Mas Uslu também não descarta uma
possível emenda constitucional que possa permitir mais mandatos ao "eterno
presidente Erdogan".
Ø Após vitória eleitoral, Erdogan critica LGBTs em discurso
Antes mesmo de todas as urnas terem sido apuradas, o
presidente turco, Recep
Tayyip Erdogan, já se declarara vencedor. Falando a uma multidão
na capital Ancara, no fim da tarde deste domingo (28/05), ele agradeceu a todos
que lhe haviam possibilitado seguir
governando a Turquia nos próximos cinco anos.
Referindo-se a uma "vitória da
democracia", em que ninguém perdera, o político de 69 anos prometeu estar
do lado de seus apoiadores "até o túmulo". E, como durante a
campanha, passou a atacar lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.
"Meus irmãos, esse CHP não é a favor de LGBT?", incitou, referindo-se ao Partido Republicano do Povo (CHP), de
seu adversário no segundo turno do pleito presidencial, Kemal Kilicdaroglu. Em
sua própria aliança eleitoral, não há uma coisa dessas, frisou Erdogan.
O conservador muçulmano acusou os meios de
comunicação estrangeiros de propaganda política: periódicos alemães, franceses
e ingleses teriam tentado "derrubá-lo", mas não conseguiram.
"Vocês viram os joguinhos sujos!", afirmou aos cidadãos reunidos
diante do palácio presidencial.
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Kilicdaroglu: "eleição mais desleal em
anos"
Segundo os resultados parciais, Erdogan obteve mais
de 52% dos votos, contra cerca de 48% para o social-democrata Kilicdaroglu. A
oposição concorreu com uma aliança de seis partidos, inédita na história turca,
a qual, além da democratização do país, prometia adotar linha dura contra os
refugiados.
Antes, nunca houvera na Turquia um segundo turno numa eleição presidencial. No primeiro, duas
semanas antes, o mandatário ficou menos de cinco pontos porcentuais à frente de
Kilicdaroglu e pouco abaixo da maioria absoluta.
Na opinião do candidato do CHP, tratou-se do pleito
mais desleal em anos. De fato, além de deter o controle da mídia, Erdogan pôde
empregar recursos estatais. Houve ainda relatos de irregularidades no
escrutínio, que no entanto não alterariam os resultados.
Mais uma vez, o presidente acusou a oposição de
vínculos com o terrorismo, que agora ele pretende combater com mais rigor em
sua terceira década no poder. Também prometeu dominar a alta inflação no país –
pela qual, no entanto, economistas responsabilizam sua política econômica
antiortodoxa.
A moeda turca, que já se desvalorizou mais de 6%
desde o início do ano, seguiu caindo após o fechamento das urnas, chegando a
quase bater o recorde negativo, de 20,06 liras por dólar, registrado na
sexta-feira.
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Líderes mundiais saúdam
Entre os primeiros a saudarem o presidente reeleito,
esteve seu homólogo russo, Vladimir
Putin, chamando Erdogan de "querido amigo" e
definindo o resultado das urnas como confirmação de sua "política externa
independente". Estado-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan), mesmo após a invasão da
Ucrânia pela Rússia, a Turquia mantém
relações tanto com Moscou e Kiev quanto com a União
Europeia.
Em seguida, o chefe de Estado ucraniano, Volodimir
Zelenski, declarou que aposta na "parceria
estratégica" entre seu país e Ancara, esperando que, juntos, ambos
contribuam para o fortalecimento da segurança e estabilidade na Europa.
Ao congratular Erdogan no Twitter, o presidente dos
Estados Unidos, Joe Biden, evitou referir-se às tensões mais recentes nas relações bilaterais:
"Alegro-me de seguir cooperando, na qualidade de aliados da Otan, em
assuntos bilaterais e desafios globais comuns."
Também a Otan e a UE saudaram Erdogan por sua
reeleição. O secretário geral da aliança atlântica, Jens Stoltenberg, disse
estar antecipando a continuação da colaboração e os preparativos para a cúpula
da Otan em julho, na capital da Lituânia, Vílnius. Da pauta consta o bloqueio
do ingresso da Suécia no grêmio por parte de Ancara.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen, e o do Conselho Europeu, Charles Michel, asseguraram que pretendem
seguir impulsionando a consolidação das relações entre a UE e a Turquia. Isso é
de "significado estratégico" para ambas, "pelo bem dos nossos
povos", enfatizou Von der Leyen.
Fonte: DW
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