Mercado
vive a 'reversão das expectativas'
Roberto de Oliveira Campos, ministro do Planejamento
do 1º governo militar, comandado pelo marechal Castelo Branco, cunhou a
expressão “reversão das expectativas” quando as medidas reformistas do PAEG
(Plano de Ação Econômica de Governo) começaram a fazer a inflação baixar e a
roda da economia funcionar. Com a fina ironia, que lhe era peculiar, fustigou
os críticos, afirmando estar ocorrendo a “reversão das expectativas”
(pessimistas).
Pois seu neto, que exerce a presidência do Banco
Central desde janeiro de 2019, e ganhou autonomia com a Lei 179, de fevereiro
de 2021, chegou a cunhar a expressão “frustração das expectativas” para
justificar o primeiro dos sucessivos aumentos da Selic (de 2% ao ano para 2,75%
ao ano em março de 2021 até 13,75% em 3 de agosto de 2022, que se mantém até
agora) na tentativa de colocar a inflação dentro das metas de inflação. Não
adiantou.
Houve dois estouros seguidos no teto das metas de
inflação do BC (em 2021 o teto era de 5,25%, deu 10,06%; e se repetiu em 2022,
com teto de 5% e IPCA de 5,79%. A queda não veio dos juros, mas porque, com a
inflação em 12 meses em 11,89% em junho, o governo cortou impostos federais e
estaduais de combustíveis, energia elétrica e comunicações; o BC ainda elevou a
Selic de 13,25% a 13,75%). O estouro tende a ocorrer novamente este ano.
Campos Neto, ao inverso do avô, faz o papel dos
críticos do governo. O velho Roberto Campos punha fé em que as mudanças
estruturais em curso (correção monetária em mão dupla dos débitos públicos para
recuperar as finanças e o crédito público, com as ORTNs, abrindo espaço ao
financiamento de longo prazo no Sistema Financeiro da Habitação; o novo Banco
Central para frear as emissões sem lastro do Banco do Brasil e as reformas
bancárias e de mercado de capitais, além do FGTS) iam colocar a economia de pé.
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A surpresa de Campos Neto
Já o jovem Campos Neto, que foi escolhido no governo
Bolsonaro e segue sendo seu prolongamento, junto com a diretoria do Banco
Central, que ainda está desfalcada de dois dos oito diretores, porque Gabriel
Galípolo, indicado para a diretoria de Política Monetária, e Ailton dos Santos,
para a de Fiscalização, ainda não têm data de sabatina marcada no Senado (e
dificilmente farão parte da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco
Central em 20 e 21 de junho), sendo provável a presença em 1 e 2 de agosto.
Campos Neto sempre coloca um “mas, porém, todavia, contudo”, quando o mercado
vê sinais para o início da baixa da taxa Selic.
Entretanto, diante dos sinais positivos desta semana
– aprovação, com folgas na Câmara, do Arcabouço Fiscal, que projeta clima
favorável à tramitação da Reforma Tributária e a redução do IPCA-15 de maio,
para 0,51% (abaixo dos 0,62% esperados pelo mercado, com desaceleração nos
preços dos serviços) – Campos Neto, admitiu, em entrevista a Andreia Sadi, na
5ª feira, na GloboNews, que os indicadores do mercado o surpreenderam
positivamente.
Como não sou economista, mas apenas um jornalista de
Economia, com 51 anos de experiência na cobertura do mercado financeiro, não me
prendo a esta ou aquela teoria (que fracassam muitas vezes por causas externas,
um choque climático ou desavenças na área política). Dou peso (que os
economistas desdenham), aos impactos psicológicos que detonam a inflação para
cima ou para baixo. A gasolina sempre foi um “termômetro” para os profissionais
que atuam no mercado de serviços. O valor que pagam nas bombas de gasolina
serve parâmetro à formação dos preços que cobram cabelereiros, manicures,
eletricistas, pedreiros, marceneiros, bombeiros hidráulicos e pedreiros.
Não foi por outro motivo que o ex-ministro da
Economia, Paulo Guedes, assessorado pelo ministro das Minas e Energia, Adolfo
Sachsida, que foi chefe da Secretaria de Assuntos Econômicos de Guedes
(acompanhando inflação, contas públicas, PIB, desemprego e contas externas),
focou no corte eleitoreiro e provisório (até 31 de dezembro) de impostos da
gasolina, demais combustíveis, energia elétrica e comunicações para tentar
derrubar a inflação e reeleger Jair Bolsonaro, pois não acreditavam que o BC
teria sucesso com os juros altos. Só derrubaria o crescimento e pioraria as
chances de reeleição.
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Petrobras segura a inflação
Não é surpresa, portanto, que todos os bancos e
consultorias estejam revendo para baixo as suas previsões de inflação depois que
o governo Lula não reonerou em 100% os impostos cortados em 2022 e a Petrobras
aprovou sua nova política de preços dos combustíveis. A estatal adotou as
vantagens do custo mais baixo de extração do petróleo leve do pré-sal e a
otimização do uso de suas refinarias, sem a aderência 100% aos princípios do
PPI (paridade de preços internacionais), que vinculava, desde 2016, os
reajustes à variação câmbio e das cotações internacional da gasolina, diesel e
GLP, entre outros.
Como o câmbio ainda caiu 0,51% para R$ 5,01% hoje,
depois da leve subida ontem com os temores sobre o desmonte de ministérios (a
queda foi causada pelo Banco Central, ao formar a 3ª parcial da Ptax, a taxa de
referência cambial que se aplica às transações financeiras e aos contratos de
câmbio futuro que vencem dia 1º de junho na B3, fixou os valores em R$ 5,0099
para compra e R$ 5,0105 para venda), o próprio BC chancelou a mudança de
cenário.
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LCA prevê IPCA de 0,35% em maio
Depois da desaceleração no IPCA-15 de maio para
0,51%, a LCA Consultores está prevendo redução ainda maior no IPCA cheio, para
0,35%. Com esse índice, a inflação em 12 meses desceria dos 4,18% em abril para
4,05%. O IPCA cheio vai captar mais intensamente as reduções dos combustíveis e
uma desaceleração nos preços de Alimentos e Bebidas (após os 0,94% do IPCA-15,
o índice cheio ficaria em 0,57%). Seria o mesmo impacto esperado para
Habitação, com queda expressiva do GLP, mas altas em energia em algumas cidades
onde há reajustes anuais e tarifas de água e esgoto. Mas o item Transporte deve
ter queda de 0,43% (depois de apenas 0,04% no IPCA-15), jogando pra baixo o
IPCA.
Resta ver se o alívio na bomba de combustível será
repassado aos preços dos profissionais autônomos. A estabilidade já é um ganho.
A LCA prevê alta de 0,69% dos preços monitorados em maio (planos de saúde puxam
alta de 0,93% em Saúde e Cuidados Pessoais) e de 5,9% no IPCA de 2023.
Para o Bradesco, “a prévia da inflação de maio
sugere dinâmica mais benigna para os preços no curto prazo”. O banco assinala
que “das nove categorias pesquisadas, sete perderam força ante abril, com
destaque para transportes, vestuário e saúde e cuidados pessoais”. O banco
colocou viés baixista na sua projeção de 6,2% para o IPCA de 2023.
Já o Itaú considera que “o IPCA-15 de maio confirma
o cenário de desinflação em curso, embora as medidas centrais continuem acima
da banda da meta de inflação. Na margem, com dados ajustados sazonalmente e
anualizados, a inflação subjacente da indústria e dos serviços está a um ritmo
de 6%”.
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Para Itaú, inflação cairá a 3,7%
Para o Itaú, “nas próximas leituras, devemos
continuar vendo uma queda na inflação em 12 meses para cerca de 3,7%,
influenciada pelo efeito base dos cortes de impostos do ano passado e pelos
recentes cortes nos preços dos combustíveis nas refinarias”. O banco projeta
IPCA em 5,8% até o fim do ano e em 4,5% em 2024.
Já a Genial Investimentos considerou “a
desaceleração do IPCA-15 excelente notícia para Banco Central”. A gestora
assinala que, ao contrário de abril, o IPCA-15 de maio gerou algum alívio entre
os analistas, vindo abaixo das expectativas (0,51% contra 0,65%), com
“desaceleração em praticamente todos os segmentos. A média dos núcleos
desacelerou de 0,45% para 0,42%, os preços livres saíram de 0,31% em abril para
0,29% em maio, os preços dos produtos industriais passaram de 0,38% para 0,23%
preços dos serviços mostrou deflação de – 0,06% e serviços subjacentes
desacelerou de 0,51% para 0,45%”
Conservadora, a Genial considerou a “desaceleração
generalizada do IPCA-15 é uma excelente notícia, mas, diante dos ainda elevados
níveis de inflação e das expectativas para a inflação em horizontes mais
longos, ainda está longe de justificar o otimismo de alguns analistas que
voltaram a prever queda da SELIC já em agosto de 2023”.
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PIB pode crescer mais de 1,4% no trimestre
O Departamento de Estudos Macroeconômicos do Itaú
não escondeu sua surpresa com a “resiliência econômica nos três primeiros meses
do ano”, quando espera que o PIB cresça 1,4% sobre o 4º trimestre de 2022 e
3,4% frente ao mesmo período de 2022. O IBGE divulga os dados em 1º de junho.
Antes, o Itaú previa 1,2%, mas o excelente resultado da colheita de soja (24,7%
sobre 2022), deve elevar o PIB da agropecuária em 14%.
O Itaú viu surpresas positivas nos “números da
atividade e do mercado de trabalho”. O banco espera “um ganho de 3,0% no setor
de serviços (uma pequena desaceleração frente aos 3,3% do 4º trimestre),
impulsionado por "serviços de informação" (+9,1% contra 4,9% no 4º
trimestre), "outros serviços" (+6,7% X 8,3%) e "serviços de
transporte (+6,0% X 5,3%). A categoria "outros serviços", que inclui
os serviços prestados às famílias, continuou mostrando resiliência, enquanto o
transporte foi apoiado pelo agronegócio”.
Para o Itaú, “o PIB industrial provavelmente subiu
1,4% ao ano (desacelerando de 2,2%, contra 6% no 4º trimestre), liderado por
mineração e extração (aumento estimado de 5,0% X 1,4%). A manufatura
provavelmente desacelerou para 0,0% X 1,0%), afetada pela menor produção de
caminhões, em meio a mudanças nas regulamentações ambientais.
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Viés de alta no ano
O mais importante na análise do Itaú foi a
observação: “Se nossa estimativa para o PIB do 1º trimestre se confirmar, a
previsão para o ano inteiro de crescimento de 1,4% do PIB em 2023 terá um viés
de alta”. O Itaú está esperando crescimento de 0,3% no PIB do 2º trimestre
sobre o 1º. Isso elevaria a previsão do PIB do ano de 1,4% para 1,7%, se a
economia ficar estável no 2º semestre. Se crescer, com os estímulos do governo
e queda de juros, o avanço do PIB tenderá a se aproximar dos 2%. O Bradesco
prevê 1,8%.
No trimestre, de compondo o lado da demanda, o Itaú
vê “o consumo das famílias e as exportações se destacando positivamente”. Ele
estima “avanço de 5,4% a.a. nos gastos das famílias graças ao ímpeto fiscal (aumentos
do salário-mínimo mensal e das transferências de renda no âmbito do programa de
auxílio Bolsa Família) e a um mercado de trabalho resiliente. As exportações
provavelmente subiram 6,7% a.a., apoiadas pelo bom desempenho do PIB agrícola
no período”.
Ø Milhões de brasileiros estão com dificuldade de pagar suas dívidas
A mercadoria que garante o ganha-pão de Guilherme
Nogueira fica todos os dias, de segunda a sexta-feira, espalhada pelo chão de
uma calçada na rua Uruguaiana, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O jovem,
de 28 anos, tinha um emprego formal, com carteira assinada até 2020.
Com a chegada da pandemia de covid-19, ele foi
demitido e, desde então, tem que se virar como pode, para garantir o seu
sustento e o de seu filho. Atualmente, vende mochilas que ficam expostas em uma
lona para pessoas que transitam pela movimentada rua carioca.
“Tem dia que vende, tem dia que não vende. Tem dia
que vende cinco, oito mochilas. Em outros, vende duas. É difícil, os guardas
[municipais] querem pegar [apreender] as mochilas”, lamenta Guilherme.
A perda do emprego também o envolveu em uma situação
que atinge hoje 66 milhões de brasileiros, segundo dados da Confederação
Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL): o jovem não consegue pagar suas contas.
Sem uma fonte de renda estável, Guilherme não
consegue saldar suas dívidas com o cartão de crédito. “Eu não tinha condições
de pagar o banco. Fiz um cartão de crédito e não tinha dinheiro na hora pra
pagar. Tenho dívidas com cartão de dois bancos”, conta. “Não tenho nenhum plano
para conseguir pagar isso. Está difícil”.
A inadimplência, ou seja, as contas ou dívidas em
atraso, atinge, segundo o CNDL, quatro entre dez brasileiros adultos.
O número de dívidas em atraso no Brasil, em abril
deste ano, cresceu 18,42% em relação ao mesmo período do ano passado. A dívida
com os bancos é, segundo o CNDL, o principal motivo da inadimplência: 63,8% do
total.
E, assim como Guilherme, em média os brasileiros
inadimplentes devem a duas empresas. Quase metade dos brasileiros na faixa etária
a qual pertence o vendedor ambulante (25 a 29 anos) estão na inadimplência.
Mas não são apenas os jovens que enfrentam o
problema, nem os bancos são a única fonte das dívidas difíceis de pagar. Seu
José Raimundo, de 67 anos, também é autônomo. Trabalha há anos como engraxate,
a poucos metros de onde Guilherme vende suas mochilas.
E assim como o colega vendedor, foi muito impactado
pela pandemia. Ainda sem conseguir contar com uma aposentadoria – ele deu
entrada no Benefício Assistencial ao Idoso, mas ainda não recebeu o aval da
Previdência Social para receber o dinheiro – ele perdeu grande parte da
clientela que usava seus serviços antes da covid-19.
“Só por causa da pandemia, fiquei quase dois anos em
casa. Depois fiquei doente, sem poder fazer nada. Fiquei três anos e pouco sem
trabalhar. E aí foi atrasando tudo. Minha mulher sozinha pagando tudo: água,
luz, telefone. O que eu mais atrasei foi a conta de água. Na hora que sair o
benefício [da Previdência], eu vou conversar com a concessionária e parcelar.
Não quero ficar devendo nada a ninguém. Não tenho essa índole de mau pagador”,
conta o engraxate que retomou recentemente seu ofício.
Três em quatro idosos com 65 a 84 anos estão com
dívidas em atraso no país. Água e luz respondem por 11,1% das inadimplências,
percentual parecido com o do comércio, que representa 11,6% das dívidas não
pagas.
E a inadimplência não poupa nem quem tem emprego
formal. Alessandro Gonçalves tem 30 anos e trabalha como porteiro em um prédio
comercial no centro da cidade do Rio.
Todo mês, ele precisa fazer malabarismos para
garantir que seu dinheiro supra suas necessidades diárias. E isso envolve
atrasar o pagamento de algumas contas. “É aquela dificuldade rotineira. Você
tem uma conta pra pagar e não consegue. Chega no final do mês, pega o dinheiro
pra pagar a conta e não consegue. O salário nosso, a gente faz uma conta e,
quando chega no final do mês, não dá pra pagar. E aí a gente tem que atrasar as
contas”.
·
Renda
Segundo Merula Borges, especialista em finanças da
CNDL, a perda de renda é um dos motivos que levam as pessoas à inadimplência.
“Na pesquisa, quando as pessoas foram perguntadas
sobre o motivo de elas terem entrado na inadimplência, elas disseram que
tiveram perda de renda ou de si próprios, ou de alguém da família”, afirma
Merula. “Isso é natural já que, quando a renda é menor, o espaço que os itens
básicos ocupam no orçamento familiar é maior e as pessoas têm menos
possibilidade de lidar com algum imprevisto que aconteça”.
Segundo a especialista, quem tem renda menor também
precisa de mais disciplina financeira para evitar a inadimplência.
“Existe, sim, uma possibilidade de as pessoas se
manterem adimplentes, apesar da renda mais baixa, mas é muito mais difícil.
Então, o foco daquele que tem uma renda menor precisa ser em melhorar a
qualificação, procurar cursos gratuitos, possibilidades de melhorar a própria
renda para entrar em uma situação um pouco mais confortável”.
Merula diz que são necessárias políticas públicas
que ajudem os brasileiros a saírem dessa situação de inadimplência. O governo
federal prepara um programa, chamado Desenrola, que pretende renegociar até R$
50 bilhões em dívidas de 37 milhões de pessoas físicas.
A política está sendo preparada pelo Ministério da
Fazenda, que, em resposta à Agência Brasil, afirmou que “não se manifesta sobre
medidas em elaboração”.
Fonte: Jornal do Brasil/Agencia Brasil
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