Ofensiva
antiambiental do Congresso preocupa investidores internacionais
Como já se esperava, a sanha “boiadeira” do Centrão
e dos ruralistas no Congresso contra o Ministério do Meio Ambiente (MMA) deixou
investidores internacionais mais ressabiados com o Brasil. Depois de se
animarem com o discurso pró-ativo do governo federal nessas áreas, após quatro
anos de desmonte e devastação, agora estão preocupados com a possibilidade do
Legislativo barrar esses esforços.
Na Folha, Alexa Salomão conversou com investidores e
analistas sobre a situação, especialmente sobre a ofensiva do Congresso contra
o MMA e sua ministra, Marina Silva. Vista como símbolo das pretensões do novo
governo na retomada da proteção ambiental, a ministra tem sido alvo de ataques,
inclusive dentro do próprio governo, depois do IBAMA vetar um poço de
exploração de petróleo no litoral do Amapá.
“Fragilizar Marina é dar munição a quem se opõe ao
acordo Mercosul-União Europeia, colocar em risco contribuições de outros países
para o Fundo Amazônia, piorar a imagem da marca Brasil e comprometer
investimentos de fundos, empresas e cadeias de fornecedores”, destacou Eduardo
Felipe Matias, advogado e especialista em direito internacional.
O prejuízo potencial à imagem internacional do
Brasil também foi apontado pelos ex-ministros das Relações Exteriores Celso
Lafer e Rubens Ricupero em artigo publicado no jornal O Globo. “O
enfraquecimento do MMA tramado no Congresso suprime no nascedouro a esperança
de que o Brasil se torne uma economia verde, acabe com o desmatamento e receba
do mundo reconhecimento sob a forma de investimentos e comércio”, argumentaram.
Já o professor Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de
Energia e Ambiente da USP, ressaltou à Deutsche Welle que uma possível saída de
Marina Silva do MMA, em virtude dos ataques sofridos nos últimos dias, seria um
“desastre internacional” para o governo, já que atingiria em cheio suas
pretensões de política externa e de atração de investimentos e recursos ao
país.
“Houve todas essas promessas ambientais, e ela
[Marina] é a pessoa que está ancorando, legitimando isso. Quem é Alexandre
Silveira [ministro de Minas e Energia] em termos internacionais? Mas quem é a
Marina, já sabemos. É alguém que tem uma história que vai desde a época do
Chico Mendes. Tem todo um reconhecimento”, disse Jacobi.
Enquanto isso, em Brasília, Marina reiterou que
pretende trabalhar junto aos parlamentares para explicar a importância de
manter a estrutura do governo federal para o meio ambiente da forma como ela
foi definida no começo da gestão e os riscos que mudanças impensadas podem
causar aos esforços internacionais do Brasil.
“Em uma democracia, nós dialogamos. Eu estou
preparada para o diálogo. (…) A política ambiental e a proteção dos Povos
Indígenas estão no coração do governo. Por isso, vamos trabalhar no diálogo
para, até a votação, recompor determinadas pautas e estruturas”, disse a
ministra na última 6ª feira (26/5), depois de participar de reunião no Palácio
do Planalto.
Em entrevista à CNN Brasil, a ministra do Meio
Ambiente reiterou que não pretende deixar o governo, mas reconheceu que a
situação política do Executivo no Congresso Nacional é difícil. “Infelizmente,
temos uma situação delicada no Congresso, em que há uma maioria de
parlamentares que gostaria de reeditar a estrutura e políticas do governo
anterior, e o governo está lutando muito fortemente para manter o seu programa,
aquilo que foi a decisão soberana da sociedade”, afirmou.
Projeto
do marco temporal tem brecha para garimpo, estradas e hidrelétricas em terras
indígenas
A Câmara dos Deputados pode votar nesta semana o
projeto de lei do marco temporal, ampliando a série de derrotas da política
ambiental que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sofre no
Congresso.
Além de instituir a tese do marco, o texto da
proposta, se aprovado, cria dispositivos que flexibilizam a exploração de
recursos naturais e a realização de empreendimentos dentro de terras indígenas.
Ambientalistas e o movimento indígena criticam o
projeto e veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura
de rodovias, linhas de transmissão de energia ou instalação de hidrelétricas,
além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.
Entidades do setor também entendem que a proposta
dificulta o processo de demarcação dos territórios, esvazia a consulta aos
indígenas e diminui os instrumentos de proteção a indígenas isolados.
Durante sua participação no Acampamento Terra Livre
deste ano, ocasião em que assinou a demarcação de seis novas terras indígenas,
Lula também ergueu uma faixa contra o marco.
Como mostrou a Folha, o projeto de lei do marco
temporal avançou como uma estratégia do presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), para se antecipar ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal)
sobre este tema.
A tese do marco, defendida pela Frente Parlamentar
da Agropecuária, institui que as terras indígenas devem se restringir à área
ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Os indígenas refutam a ideia e argumentam que, pela
Constituição, lhes é de direito seus territórios originais, não restritos a uma
determinada data.
Lira e a bancada ruralista tentam avançar com a
proposta via Legislativo antes do julgamento no Supremo, marcado para junho. Na
Corte, a tendência é que a tese seja refutada.
A urgência ao projeto de lei do marco temporal foi
aprovada na última quarta (24), no mesmo dia em que o Congresso impôs derrotas
à política ambiental das ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina
Silva (Meio Ambiente).
Na ocasião, parlamentares avançaram com a medida
provisória que desidrata as duas pastas e com o projeto de lei que afrouxa a
proteção à Mata Atlântica e amplia a anistia por desmatamento, além do marco
temporal.
A urgência ao projeto do marco foi aprovada com
facilidade por Lira, por 324 votos contra 131. O governo liberou sua bancada
-ou seja, não orientou como a base deveria se posicionar.
Lideranças indígenas cobram que Lula se posicione e
atue mais fortemente para evitar que a pauta avance. Também prometem protestos
em Brasília e em outras cidades contra a proposta.
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e
o ISA (Instituto Socioambiental) publicaram notas técnicas elencando uma série
de pontos críticos do projeto.
'USO E GESTÃO DAS TERRAS INDÍGENAS'
O texto do marco temporal, originalmente, não
tratava sobre a tese, mas sim transferia para o Poder Legislativo a
prerrogativa de demarcação dos territórios.
A ele foram apensadas (juntadas) propostas que
incluem, além do marco, a possibilidade de realização de empreendimentos e
exploração de recursos naturais das terras. A versão atual, que ainda pode ser
alterada, cria um capítulo sobre "uso e gestão das terras indígenas".
Nele, o Congresso poderá autorizar a exploração de
"recursos hídricos e potenciais energéticos", "pesquisa e lavra
das riquezas minerais", garimpo desde que "obtida a permissão da
lavra garimpeira" e "instalação em terras indígenas de equipamentos,
redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções
necessárias à prestação de serviços públicos".
A proposta permite ainda que esses empreendimentos
sejam "implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas
envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente". E prevê que, para
atividades econômicas, "inclusive agrossilvipastoris", será
"admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas".
Procurado, o relator do texto, Arthur Maia (União
Brasil-BA), não respondeu.
Segundo o entendimento da Apib, o projeto
"também autoriza qualquer pessoa a questionar procedimentos demarcatórios
em todas as fases do processo (inclusive os territórios já homologados),
flexibiliza a política indigenista do não contato com os povos indígenas em
situação de isolamento voluntário e reformula conceitos constitucionais da
política indigenista".
A nota técnica da articulação é assinada pelos
advogados Mauricio Terena e Thiago Scavuzzi de Mendonça.
Já o ISA diz que a proposta é "uma das mais
graves ameaças aos povos indígenas do Brasil" e "poderá inviabilizar
demarcações de terras indígenas".
O instituto elenca sete principais problemas do
texto, inclusive a instituição do marco temporal. A nota técnica é assinada por
Juliana de Paula Batista, Mauricio Guetta e Márcio Santilli, ex-presidente da
Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Fonte: ClimaInfo/FolhaPress
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