Nicolás
Maduro: as acusações que pesam contra líder da Venezuela
Depois de oito anos e quatro meses de ausência, o
presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, está de volta ao Brasil.
Acusado de graves violações de direitos humanos pela
Organização das Nações Unidas (ONU) e de "narcoterrorismo" pelos
Estados Unidos, Maduro aterrissou em Brasília para uma reunião dos chefes de
Estado e de governo de 11 países latinoamericanos, a ser realizada na
terça-feira (30/05).
O venezuelano estava acompanhado da primeira-dama,
Cilia Flores, quando subiu a rampa do Palácio do Planalto para uma reunião
bilateral com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Maduro não vinha ao Brasil desde janeiro de 2015,
quando esteve na posse da ex-presidente Dilma Rousseff, também do PT.
Ao assumir o governo brasileiro em 2019, o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) rompeu relações com o governo de Nicolás
Maduro – que comanda de fato o país desde 2013 – e passou a reconhecer o
opositor Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, embora este nunca
tenha exercido o poder no país vizinho.
Em 2017, ainda no governo de Michel Temer (MDB), o
então encarregado de negócios da Venezuela no Brasil, Gerardo Antonio Delgado
Maldonado, foi considerado "persona non grata" no Brasil.
A medida foi uma resposta à decisão de Caracas de
fazer o mesmo com o embaixador brasileiro na Venezuela, o diplomata Ruy
Pereira.
E, em setembro de 2020, já sob Bolsonaro, o corpo
diplomático venezuelano no Brasil também deixou de ser reconhecido pelo
Ministério das Relações Exteriores (MRE) – os profissionais não foram expulsos
de Brasília, mas não tinham mais o status de representantes diplomáticos para o
governo brasileiro.
Sob o governo do ex-capitão, o Estado brasileiro
passou a relacionar-se com representantes indicados por Guaidó.
Na reunião desta segunda-feira, Lula e Maduro
trataram da normalização das relações entre o governo brasileiro e o regime de
Caracas. Segundo Lula, é "um prazer" receber Maduro novamente em
Brasília.
"É difícil conceber que tenham passado tantos
anos sem que mantivessem diálogos com a autoridade de um país amazônico e
vizinho, com quem compartilhamos uma extensa fronteira de 2.200 km", disse
Lula após o encontro.
O presidente brasileiro disse ainda que as acusações
de autoritarismo contra a Venezuela são apenas "narrativas".
"Você sabe a narrativa que se construiu contra
a Venezuela. Da antidemocracia, do autoritarismo… Então eu acho que cabe à
Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa efetivamente fazer as pessoas
mudarem de opinião. (...) E eu acho que, por tudo que nós conversamos, a sua
narrativa vai ser infinitamente melhor que a narrativa que eles têm contado
contra você", disse Lula em entrevista no Palácio do Planalto, ao lado de
Maduro.
Na prática, o governo brasileiro já havia retomado
as relações com o governo Maduro logo após a posse de Lula – na última
quarta-feira (24/05), o petista recebeu as credenciais do novo embaixador da
Venezuela no Brasil, Manuel Vicente Vadell Aquino. A cerimônia marcou o início
dos trabalhos do embaixador em Brasília.
·
As acusações contra o regime de Maduro
Entidades como a Anistia Internacional, a Human
Rights Watch e a Organização das Nações Unidas (ONU) acusam o governo comandado
por Maduro de ser uma ditadura que usa da violência para manter o poder.
Os métodos incluiriam execuções, sequestros,
estupros e prisão de opositores. Iniciado por Hugo Chávez, o grupo político de
Maduro - o chavismo - está no poder na Venezuela de forma ininterrupta desde
1999.
Segundo as entidades, o governo usaria o aparato de
inteligência civil e militar para vigiar a sociedade civil, inclusive
sindicalistas e membros da imprensa.
Em 2020, o governo dos Estados Unidos acusou Maduro
de envolvimento com o tráfico de drogas e de "narcoterrorismo" contra
a população americana – as acusações continuam em aberto, e há uma recompensa
pela prisão do chefe de Estado venezuelano.
Por fim, os principais índices que se propõem a medir
o grau de democratização dos diferentes países ao redor do mundo são unânimes
em considerar o atual regime venezuelano como uma ditadura.
Para o índice V-Dem, baseado na Suécia, a Venezuela
é hoje uma "autocracia eleitoral" – um regime autoritário, apesar das
eleições. Maduro foi eleito presidente em 2013 e reeleito em 2018.
A eleição vencida por ele em 2018, porém, foram
colocadas sob suspeita por diversos outros países.
Além disso, após ter sofrido uma derrota na eleição
de 2015 para obter maioria na Assembleia Nacional - o Legislativo unicameral da
Venezuela -, Maduro convocou uma Assembleia Nacional Constituinte.
Na prática, o movimento serviu para esvaziar o
Legislativo eleito e comandado pela oposição.
As últimas acusações de violação de direitos humanos
dirigidas contra o governo Maduro foram apresentadas em março deste ano pela
Missão das Nações Unidas para Verificação de Fatos sobre a Venezuela (FFMV, na
sigla em inglês).
A missão relatou a existência de pelo menos 282
presos por razões políticas no país, e apontou a permanência de um clima
generalizado de medo por parte da população.
"Num contexto de impunidade generalizada de
crimes sérios mencionados em nossos relatórios anteriores, os cidadãos que
criticam ou se opõem ao governo se sentem ameaçados e desprotegidos. O medo da
prisão e de torturas por parte do governo impedem as pessoas de se expressarem
ou protestarem", disse Marta Valiñas, a chefe da FFMV.
Em outro relatório, de setembro de 2020, a mesma
missão da ONU detalhou a forma como o governo venezuelano usava agências de
inteligência civis e militares para reprimir opositores.
"Ao fazê-lo (o governo) comete crimes graves e
violações de direitos humanos, incluindo atos de tortura e violência sexual.
Estas práticas precisam parar imediatamente", disse Valiñas na ocasião.
O relatório foi baseado em 245 entrevistas
confidenciais com cidadãos venezuelanos, além de análise de documentos.
No fim de março deste ano, a Anistia Internacional
estimou entre 240 e 310 o número de presos políticos na Venezuela, além de
destacar as dificuldades econômicas enfrentadas pela população.
A maioria dos venezuelanos sofre com "severa
insegurança alimentar e falta de acesso a cuidados médicos adequados",
enquanto o Estado trata de forma repressiva "jornalistas, integrantes da
mídia independente e defensores de direitos humanos", segundo a
organização.
A reportagem da BBC News Brasil procurou a embaixada
venezuelana em Brasília por e-mail no começo da tarde desta segunda-feira para
comentários sobre as acusações, mas até o momento não houve resposta.
Em 2020, porém, o então embaixador da Venezuela na
ONU, Jorge Valero, classificou a iniciativa das Nações Unidas como
"hostil" e disse que a produção dos relatórios fazia parte de uma
iniciativa dos Estados Unidos para atacar o governo de Caracas.
·
'Tradição brasileira'
A professora do curso de Relações Internacionais da
Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Carol Pedroso, diz que o Brasil
tem uma tradição de buscar relações com todos os países – mesmo os que são
considerados ditaduras.
"Existe uma tradição na diplomacia brasileira,
consolidada no começo do século vinte, de que o Brasil não se posiciona contra
governos. o Brasil (...) não faz críticas diretas à situação interna de outros
Estados. O entendimento é de que se nós (Brasil) nos posicionamos contra
questões domésticas de outro país, nós também nos colocamos em posição de
receber críticas dos outros", diz ela.
"E sendo o Nicolás Maduro o presidente de fato
da Venezuela, aquele que governa realmente o país, que controla as
instituições, ele deve ser recebida como chefe de Estado", diz.
"Agora, tem a questão simbólica, com todo esse
histórico recente. Há várias acusações graves de violação de direitos humanos
por parte do governo Maduro, e até questionamentos de se a Venezuela seria de
fato uma democracia", diz a pesquisadora à BBC News Brasil.
"Nessa dimensão simbólica, a recepção do Maduro
com honras de chefe de Estado pesa contra o Lula, sobretudo no âmbito interno
(ao Brasil)", completa ela.
Segundo Carol Pedroso, a aproximação de Lula com
Maduro pode estar relacionada à tentativa do brasileiro de trazer o regime
venezuelano de volta às negociações com a oposição.
"O Lula pode (tentar) ganhar uma projeção
internacional como mediador, assim como ele está tentando fazer no caso do
conflito da Ucrânia. A gente sabe que ele pessoalmente tem uma capacidade de
negociação grande, porém as condições atuais (na Venezuela) são muito
diferentes daquelas dos dois primeiros governo dele", diz ela.
Fonte: BBC News Brasil
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