Claudia
Abreu: Não dá para enaltecer ditador
Não dá para passar batido diante da visita de
Nicolas Maduro ao Brasil. Muito se tem dito sobre a importância de retomar as
relações, principalmente as econômicas, com a Venezuela. É um país vizinho, com
quem dividimos longa fronteira e, por consequência, temos muitas questões em
comum a resolver.
Não estou sendo original ao afirmar que devemos
manter relações diplomáticas independentemente do regime e da orientação
ideológica de cada país, afinal temos negócios a fazer com o mundo todo. Nenhum
comerciante que quer vender seus produtos pede atestado de idoneidade ao
comprador, desde que ele demonstre condições de arcar com a despesa.
Dito isto, e continuando absolutamente sem
originalidade, questiono o excesso de deferência pública de Lula a Maduro. Que
eles tenham uma relação além da protocolar que seja celebrada em momentos de
intimidade.
Em seu discurso que precedeu a entrevista coletiva,
Lula afirmou que Maduro foi eleito em um pleito livre e democrático e que a
Venezuela tem imprensa livre. Maduro, em seu breve discurso, enalteceu a
importância de ser tolerante com quem pensa diferente, apesar de seu governo
claramente não permitir que a oposição avance.
Maduro é um ditador. A Venezuela não vive uma
democracia. A imprensa, o judiciário e o legislativo são controlados pelo poder
central. Os direitos humanos não são respeitados naquele país. Criticar os
embargos que os nossos vizinho sofrem é legítimo, uma vez que sacrificam o povo
muito mais do que o governo, mas não dá para dourar a pílula.
Lula foi eleito por uma frente ampla que englobou
uma grande parcela de eleitores mais ao centro, que certamente são críticos do
atual governo venezuelano, e sem os quais não sairia vencedor. Além disso,
muitas pessoas, talvez a maioria, que se alinham ideologicamente com a esquerda
não defendem o regime imposto por Maduro à Venezuela. Afinal, quem gosta de
defender a ditadura e maltratar a imprensa é Bolsonaro e seus discípulos.
Ao enaltecer Nicolas Maduro, Lula corre o risco de
diminuir sua própria história e a do PT.
Seus opositores e a famigerada extrema direita
gostam de dizer que Lula quer fazer do Brasil uma ditadura, apesar de nunca
termos chegado perto disso durante os governos petistas.
Lula sofreu críticas e processos durante o mensalão
e a operação Lava Jato, chegando a ser preso e a perder seus direitos
políticos. Dilma sofreu impeachment. Um opositor se elegeu e governou por
quatro anos. Lula voltou através de eleições livres e democráticas. Em todo
esse período, a imprensa fez seu trabalho livremente e os poderes legislativo e
judiciário funcionaram com independência.
Tomara que Maduro aprenda alguma coisa com Lula,
principalmente a ser democrático de verdade. E que Lula pare de passar pano
para ele.
Ø Homenagem patética de Lula a Maduro tem péssima repercussão aqui e lá
fora
Lula escolheu destacar, homenagear e cortejar o
ditador venezuelano Nicolás Maduro entre a dezena de governantes eleitos da
América do Sul que convidou para uma reunião, nesta terça-feira em Brasília.
“Momento histórico”, qualificou, ao indicar o resgate de uma “política externa
séria”.
Acrescentou: “Tenho ido a países que nem sabem onde
fica a Venezuela, mas dizem que a Venezuela tem uma ditadura. Eu sei muito bem
a narrativa que construíram contra a Venezuela durante esses anos. Maduro,
vocês têm que desconstruir essa narrativa.”
No realismo mágico de Lula, a ditadura de Maduro é
mera versão, invencionice esculpida pelo “preconceito” nos Estados Unidos e na
Europa, visível em “900 sanções” econômicas, para ele responsáveis pela
catástrofe humanitária venezuelana.
Preferiu abstrair o desastre que começou no Palácio
Miraflores, em Caracas, no governo do coronel Hugo Chávez, na época admirado
tanto por ele quanto pelo então deputado federal Jair Bolsonaro.
Chávez morreu em março de 2013, e deixou um país com
a moeda (bolívar) desvalorizada em nada menos que 992%. Maduro assumiu como
“presidente encarregado” e conduziu 80% da população às estatísticas de
pobreza, fez a inflação superar 400% ao ano e provocou êxodo de cinco milhões
na última década.
Lula sabe o que é uma ditadura. Tem todo o direito
de apreciar governantes autoritários que, de alguma forma, retribuíram
objetivamente a sua afeição, como foi o caso de Maduro, Chávez, Vladimir Putin,
Mahmoud Ahmadinejad, Teodoro Obiang ou Muammar Kadafi, entre outros.
O problema é que no século XXI já não consegue
reluzir na vitrine política com enredos negacionistas. A reação social ao
elogio da ditadura Maduro foi imediata e dura.
Organizações de defesa dos direitos humanos
responderam com vigor. Foi o caso da Human Rights Watch (HRW): “Como no caso da
Ucrânia, Lula deveria entender que, se quer que o Brasil tenha um papel de
liderança diante da Venezuela, deve começar por um diagnóstico acertado – e não
falseado – da realidade. O autoritarismo na Venezuela não é uma ‘narrativa
construída’. É uma realidade inquestionável.”
Em comunicado, a venezuelana Provea, de educação em
direitos humanos, lembrou a Lula que, neste ano, cerca de 8.900 vítimas da
repressão cobraram do Tribunal Penal Internacional celeridade na investigação
de Maduro por crimes contra a humanidade.
Parte dessas pessoas são sobreviventes das salas de
tortura que o Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) mantém em sua sede no
monumental Helicoide, antigo shopping center de Caracas, desenhado em forma de
hélice e construído no boom petroleiro dos anos 50. A Provea catalogou e
apresentou ao TPI milhares de denúncias.
“Não é uma ‘narrativa construída’, é parte de um
plano sistemático contra a população civil e dissidente, já alertado pela ONU”,
protestou, acrescentando: “Pedimos respeito a todas as vítimas, que merecem
justiça e reparação que o Estado venezuelano não dá.”
Misturar preferências pessoais com interesses de
Estado costuma custar caro. Há exatos 14 anos, na terça-feira 26 de maio de
2009, Lula assinou uma “carta de intenções” com o coronel-presidente Hugo
Chávez garantindo financiamento das exportações de bens e serviços para obras
consideradas prioritárias pelo governo venezuelano.
Lula preparava a sucessão, com Dilma Rousseff,
amparado na generosidade de empreiteiras amigas. Odebrecht, Camargo Correa e
Andrade Gutierrez foram regularmente financiadas pelo BNDES. A Odebrecht levou
75%, e todos os riscos de calote ficaram para o Tesouro Nacional.
Foram 1,6 bilhão de dólares em crédito ao governo
Chávez, segundo a calculadora do Tribunal de Contas da União — equivalentes a
8,2 bilhões de reais no câmbio atual.
Ø Lula e líderes da América do Sul lançam Consenso de Brasília: paz,
integração e progresso
Os líderes sul-americanos reuniram-se na capital
brasileira para trocar pontos de vista e perspectivas sobre a cooperação e a
integração na América do Sul. O encontro foi realizado a convite do presidente
brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), buscando fortalecer os laços entre
os países vizinhos e promover a paz, a integração e o progresso na região.
Durante o encontro, os líderes reafirmaram a visão
comum de que a América do Sul é uma região de paz e cooperação, baseada no
diálogo e no respeito à diversidade dos povos. Comprometeram-se com a defesa da
democracia, dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável, da justiça
social, do Estado de direito, da estabilidade institucional, da soberania e da
não interferência em assuntos internos.
Os líderes concordaram que o mundo enfrenta diversos
desafios, como a crise climática, ameaças à paz e à segurança internacional,
pressões sobre as cadeias de alimentos e energia, riscos de novas pandemias,
aumento das desigualdades sociais e ameaças à estabilidade institucional e
democrática. Diante disso, destacaram que a integração regional deve fazer
parte das soluções para enfrentar esses desafios compartilhados e construir um
mundo pacífico.
A promoção do desenvolvimento econômico e social, o
combate à pobreza, à fome, à desigualdade e à discriminação, a igualdade de
gênero, a gestão ordenada das migrações, o enfrentamento das mudanças
climáticas, a transição ecológica e energética, o fortalecimento das
capacidades sanitárias e o combate ao crime organizado transnacional foram
alguns dos temas abordados pelos líderes.
Os líderes se comprometeram a trabalhar para
aumentar o comércio e os investimentos entre os países da região, melhorar a
infraestrutura e logística, fortalecer as cadeias de valor regionais, facilitar
o comércio e a integração financeira, superar as assimetrias e eliminar medidas
unilaterais. Uma das metas é alcançar uma área de livre comércio sul-americana
efetiva.
Além disso, reconheceram a importância de manter um
diálogo regular para impulsionar o processo de integração da América do Sul e
projetar a voz da região no mundo. Para isso, foi decidido estabelecer um grupo
de contato liderado pelos chanceleres, responsável por avaliar as experiências
dos mecanismos de integração sul-americanos e elaborar um mapa do caminho para
a integração da região. Esse mapa será submetido à consideração dos Chefes de
Estado.
Para promover iniciativas de cooperação
sul-americana imediatamente, os líderes concordaram em focar em áreas que
atendam às necessidades dos cidadãos, especialmente aqueles em situação de
vulnerabilidade, incluindo os povos indígenas. Essas áreas incluem saúde,
segurança alimentar, meio ambiente, recursos hídricos, desastres naturais,
infraestrutura, interconexão energética, transformação digital, defesa,
segurança de fronteiras, combate ao crime organizado transnacional e segurança
cibernética.
Os líderes sul-americanos também planejam se reunir
novamente em uma data e local a serem determinados para acompanhar o progresso
das iniciativas de cooperação sul-americana e definir os próximos passos a
serem tomados. A intenção é manter o compromisso com a paz, integração e
progresso da região.
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Confira na íntegra
1. A convite do Presidente do Brasil, os
líderes dos países sul-americanos reuniram-se em Brasília, em 30 de maio de
2023, para intercambiar pontos de vista e perspectivas para a cooperação e a
integração da América do Sul.
2. Reafirmaram a visão comum de que a América
do Sul constitui uma região de paz e cooperação, baseada no diálogo e no
respeito à diversidade dos nossos povos, comprometida com a democracia e os
direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de
direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e a não
interferência em assuntos internos.
3. Coincidiram em que o mundo enfrenta
múltiplos desafios, em um cenário de crise climática, ameaças à paz e à
segurança internacional, pressões sobre as cadeias de alimentos e energia,
riscos de novas pandemias, aumento de desigualdades sociais e ameaças à
estabilidade institucional e democrática.
4. Concordaram que a integração regional deve
ser parte das soluções para enfrentar os desafios compartilhados da construção
de um mundo pacífico; do fortalecimento da democracia; da promoção do
desenvolvimento econômico e social; do combate à pobreza, à fome e a todas as
formas de desigualdade e discriminação; da promoção da igualdade de gênero; da
gestão ordenada, segura e regular das migrações; do enfrentamento da mudança do
clima, inclusive por meio de mecanismos inovadores de financiamento da ação
climática, entre os quais poderia ser considerado o ‘swap’, por parte de países
desenvolvidos, de dívida por ação climática; da promoção da transição ecológica
e energética, a partir de energias limpas; do fortalecimento das capacidades
sanitárias; e do enfrentamento ao crime organizado transnacional.
5. Comprometeram-se a trabalhar para o
incremento do comércio e dos investimentos entre os países da região; a
melhoria da infraestrutura e logística; o fortalecimento das cadeias de valor
regionais; a aplicação de medidas de facilitação do comércio e de integração
financeira; a superação das assimetrias; a eliminação de medidas unilaterais; e
o acesso a mercados por meio de uma rede de acordos de complementação
econômica, inclusive no marco da ALADI, tendo como meta uma efetiva área de
livre comércio sul-americana.
6. Reconheceram a importância de manter um
diálogo regular, com o propósito de impulsionar o processo de integração da
América do Sul e projetar a voz da região no mundo.
7. Decidiram estabelecer um grupo de contato,
liderado pelos Chanceleres, para avaliação das experiências dos mecanismos
sul-americanos de integração e a elaboração de um mapa do caminho para a
integração da América do Sul, a ser submetido à consideração dos Chefes de
Estado.
8. Acordaram promover, desde já, iniciativas
de cooperação sul-americana, com um enfoque social e de gênero, em áreas que
dizem respeito às necessidades imediatas dos cidadãos, em particular as pessoas
em situação de vulnerabilidade, inclusive os povos indígenas, tais como saúde,
segurança alimentar, sistemas alimentares baseados na agricultura tradicional,
meio ambiente, recursos hídricos, desastres naturais, infraestrutura e
logística, interconexão energética e energias limpas, transformação digital,
defesa, segurança e integração de fronteiras, combate ao crime organizado
transnacional e segurança cibernética.
9. Concordaram em voltar a reunir-se, em data
e local a serem determinados, para repassar o andamento das iniciativas de
cooperação sul-americana e determinar os próximos passos a serem tomados.
Fonte: Outras Palavras/Veja/Brasil 247
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