quarta-feira, 31 de maio de 2023

Claudia Abreu: Não dá para enaltecer ditador

Não dá para passar batido diante da visita de Nicolas Maduro ao Brasil. Muito se tem dito sobre a importância de retomar as relações, principalmente as econômicas, com a Venezuela. É um país vizinho, com quem dividimos longa fronteira e, por consequência, temos muitas questões em comum a resolver.

Não estou sendo original ao afirmar que devemos manter relações diplomáticas independentemente do regime e da orientação ideológica de cada país, afinal temos negócios a fazer com o mundo todo. Nenhum comerciante que quer vender seus produtos pede atestado de idoneidade ao comprador, desde que ele demonstre condições de arcar com a despesa.

Dito isto, e continuando absolutamente sem originalidade, questiono o excesso de deferência pública de Lula a Maduro. Que eles tenham uma relação além da protocolar que seja celebrada em momentos de intimidade.

Em seu discurso que precedeu a entrevista coletiva, Lula afirmou que Maduro foi eleito em um pleito livre e democrático e que a Venezuela tem imprensa livre. Maduro, em seu breve discurso, enalteceu a importância de ser tolerante com quem pensa diferente, apesar de seu governo claramente não permitir que a oposição avance.

Maduro é um ditador. A Venezuela não vive uma democracia. A imprensa, o judiciário e o legislativo são controlados pelo poder central. Os direitos humanos não são respeitados naquele país. Criticar os embargos que os nossos vizinho sofrem é legítimo, uma vez que sacrificam o povo muito mais do que o governo, mas não dá para dourar a pílula.

Lula foi eleito por uma frente ampla que englobou uma grande parcela de eleitores mais ao centro, que certamente são críticos do atual governo venezuelano, e sem os quais não sairia vencedor. Além disso, muitas pessoas, talvez a maioria, que se alinham ideologicamente com a esquerda não defendem o regime imposto por Maduro à Venezuela. Afinal, quem gosta de defender a ditadura e maltratar a imprensa é Bolsonaro e seus discípulos.

Ao enaltecer Nicolas Maduro, Lula corre o risco de diminuir sua própria história e a do PT.

Seus opositores e a famigerada extrema direita gostam de dizer que Lula quer fazer do Brasil uma ditadura, apesar de nunca termos chegado perto disso durante os governos petistas.

Lula sofreu críticas e processos durante o mensalão e a operação Lava Jato, chegando a ser preso e a perder seus direitos políticos. Dilma sofreu impeachment. Um opositor se elegeu e governou por quatro anos. Lula voltou através de eleições livres e democráticas. Em todo esse período, a imprensa fez seu trabalho livremente e os poderes legislativo e judiciário funcionaram com independência.

Tomara que Maduro aprenda alguma coisa com Lula, principalmente a ser democrático de verdade. E que Lula pare de passar pano para ele.

 

Ø  Homenagem patética de Lula a Maduro tem péssima repercussão aqui e lá fora

 

Lula escolheu destacar, homenagear e cortejar o ditador venezuelano Nicolás Maduro entre a dezena de governantes eleitos da América do Sul que convidou para uma reunião, nesta terça-feira em Brasília. “Momento histórico”, qualificou, ao indicar o resgate de uma “política externa séria”.

Acrescentou: “Tenho ido a países que nem sabem onde fica a Venezuela, mas dizem que a Venezuela tem uma ditadura. Eu sei muito bem a narrativa que construíram contra a Venezuela durante esses anos. Maduro, vocês têm que desconstruir essa narrativa.”

No realismo mágico de Lula, a ditadura de Maduro é mera versão, invencionice esculpida pelo “preconceito” nos Estados Unidos e na Europa, visível em “900 sanções” econômicas, para ele responsáveis pela catástrofe humanitária venezuelana.

Preferiu abstrair o desastre que começou no Palácio Miraflores, em Caracas, no governo do coronel Hugo Chávez, na época admirado tanto por ele quanto pelo então deputado federal Jair Bolsonaro.

Chávez morreu em março de 2013, e deixou um país com a moeda (bolívar) desvalorizada em nada menos que 992%. Maduro assumiu como “presidente encarregado” e conduziu 80% da população às estatísticas de pobreza, fez a inflação superar 400% ao ano e provocou êxodo de cinco milhões na última década.

Lula sabe o que é uma ditadura. Tem todo o direito de apreciar governantes autoritários que, de alguma forma, retribuíram objetivamente a sua afeição, como foi o caso de Maduro, Chávez, Vladimir Putin, Mahmoud Ahmadinejad, Teodoro Obiang ou Muammar Kadafi, entre outros.

O problema é que no século XXI já não consegue reluzir na vitrine política com enredos negacionistas. A reação social ao elogio da ditadura Maduro foi imediata e dura.

Organizações de defesa dos direitos humanos responderam com vigor. Foi o caso da Human Rights Watch (HRW): “Como no caso da Ucrânia, Lula deveria entender que, se quer que o Brasil tenha um papel de liderança diante da Venezuela, deve começar por um diagnóstico acertado – e não falseado – da realidade. O autoritarismo na Venezuela não é uma ‘narrativa construída’. É uma realidade inquestionável.”

Em comunicado, a venezuelana Provea, de educação em direitos humanos, lembrou a Lula que, neste ano, cerca de 8.900 vítimas da repressão cobraram do Tribunal Penal Internacional celeridade na investigação de Maduro por crimes contra a humanidade.

Parte dessas pessoas são sobreviventes das salas de tortura que o Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) mantém em sua sede no monumental Helicoide, antigo shopping center de Caracas, desenhado em forma de hélice e construído no boom petroleiro dos anos 50. A Provea catalogou e apresentou ao TPI milhares de denúncias.

“Não é uma ‘narrativa construída’, é parte de um plano sistemático contra a população civil e dissidente, já alertado pela ONU”, protestou, acrescentando: “Pedimos respeito a todas as vítimas, que merecem justiça e reparação que o Estado venezuelano não dá.”

Misturar preferências pessoais com interesses de Estado costuma custar caro. Há exatos 14 anos, na terça-feira 26 de maio de 2009, Lula assinou uma “carta de intenções” com o coronel-presidente Hugo Chávez garantindo financiamento das exportações de bens e serviços para obras consideradas prioritárias pelo governo venezuelano.

Lula preparava a sucessão, com Dilma Rousseff, amparado na generosidade de empreiteiras amigas. Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez foram regularmente financiadas pelo BNDES. A Odebrecht levou 75%, e todos os riscos de calote ficaram para o Tesouro Nacional.

Foram 1,6 bilhão de dólares em crédito ao governo Chávez, segundo a calculadora do Tribunal de Contas da União — equivalentes a 8,2 bilhões de reais no câmbio atual.

 

Ø  Lula e líderes da América do Sul lançam Consenso de Brasília: paz, integração e progresso

 

Os líderes sul-americanos reuniram-se na capital brasileira para trocar pontos de vista e perspectivas sobre a cooperação e a integração na América do Sul. O encontro foi realizado a convite do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), buscando fortalecer os laços entre os países vizinhos e promover a paz, a integração e o progresso na região.

Durante o encontro, os líderes reafirmaram a visão comum de que a América do Sul é uma região de paz e cooperação, baseada no diálogo e no respeito à diversidade dos povos. Comprometeram-se com a defesa da democracia, dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável, da justiça social, do Estado de direito, da estabilidade institucional, da soberania e da não interferência em assuntos internos.

Os líderes concordaram que o mundo enfrenta diversos desafios, como a crise climática, ameaças à paz e à segurança internacional, pressões sobre as cadeias de alimentos e energia, riscos de novas pandemias, aumento das desigualdades sociais e ameaças à estabilidade institucional e democrática. Diante disso, destacaram que a integração regional deve fazer parte das soluções para enfrentar esses desafios compartilhados e construir um mundo pacífico.

A promoção do desenvolvimento econômico e social, o combate à pobreza, à fome, à desigualdade e à discriminação, a igualdade de gênero, a gestão ordenada das migrações, o enfrentamento das mudanças climáticas, a transição ecológica e energética, o fortalecimento das capacidades sanitárias e o combate ao crime organizado transnacional foram alguns dos temas abordados pelos líderes.

Os líderes se comprometeram a trabalhar para aumentar o comércio e os investimentos entre os países da região, melhorar a infraestrutura e logística, fortalecer as cadeias de valor regionais, facilitar o comércio e a integração financeira, superar as assimetrias e eliminar medidas unilaterais. Uma das metas é alcançar uma área de livre comércio sul-americana efetiva.

Além disso, reconheceram a importância de manter um diálogo regular para impulsionar o processo de integração da América do Sul e projetar a voz da região no mundo. Para isso, foi decidido estabelecer um grupo de contato liderado pelos chanceleres, responsável por avaliar as experiências dos mecanismos de integração sul-americanos e elaborar um mapa do caminho para a integração da região. Esse mapa será submetido à consideração dos Chefes de Estado.

Para promover iniciativas de cooperação sul-americana imediatamente, os líderes concordaram em focar em áreas que atendam às necessidades dos cidadãos, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade, incluindo os povos indígenas. Essas áreas incluem saúde, segurança alimentar, meio ambiente, recursos hídricos, desastres naturais, infraestrutura, interconexão energética, transformação digital, defesa, segurança de fronteiras, combate ao crime organizado transnacional e segurança cibernética.

Os líderes sul-americanos também planejam se reunir novamente em uma data e local a serem determinados para acompanhar o progresso das iniciativas de cooperação sul-americana e definir os próximos passos a serem tomados. A intenção é manter o compromisso com a paz, integração e progresso da região.

>>>> Confira na íntegra

1.  A convite do Presidente do Brasil, os líderes dos países sul-americanos reuniram-se em Brasília, em 30 de maio de 2023, para intercambiar pontos de vista e perspectivas para a cooperação e a integração da América do Sul.

2.  Reafirmaram a visão comum de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, baseada no diálogo e no respeito à diversidade dos nossos povos, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e a não interferência em assuntos internos.

3.  Coincidiram em que o mundo enfrenta múltiplos desafios, em um cenário de crise climática, ameaças à paz e à segurança internacional, pressões sobre as cadeias de alimentos e energia, riscos de novas pandemias, aumento de desigualdades sociais e ameaças à estabilidade institucional e democrática.

4.  Concordaram que a integração regional deve ser parte das soluções para enfrentar os desafios compartilhados da construção de um mundo pacífico; do fortalecimento da democracia; da promoção do desenvolvimento econômico e social; do combate à pobreza, à fome e a todas as formas de desigualdade e discriminação; da promoção da igualdade de gênero; da gestão ordenada, segura e regular das migrações; do enfrentamento da mudança do clima, inclusive por meio de mecanismos inovadores de financiamento da ação climática, entre os quais poderia ser considerado o ‘swap’, por parte de países desenvolvidos, de dívida por ação climática; da promoção da transição ecológica e energética, a partir de energias limpas; do fortalecimento das capacidades sanitárias; e do enfrentamento ao crime organizado transnacional.

5.  Comprometeram-se a trabalhar para o incremento do comércio e dos investimentos entre os países da região; a melhoria da infraestrutura e logística; o fortalecimento das cadeias de valor regionais; a aplicação de medidas de facilitação do comércio e de integração financeira; a superação das assimetrias; a eliminação de medidas unilaterais; e o acesso a mercados por meio de uma rede de acordos de complementação econômica, inclusive no marco da ALADI, tendo como meta uma efetiva área de livre comércio sul-americana.

6.  Reconheceram a importância de manter um diálogo regular, com o propósito de impulsionar o processo de integração da América do Sul e projetar a voz da região no mundo.

7.  Decidiram estabelecer um grupo de contato, liderado pelos Chanceleres, para avaliação das experiências dos mecanismos sul-americanos de integração e a elaboração de um mapa do caminho para a integração da América do Sul, a ser submetido à consideração dos Chefes de Estado.  

8.  Acordaram promover, desde já, iniciativas de cooperação sul-americana, com um enfoque social e de gênero, em áreas que dizem respeito às necessidades imediatas dos cidadãos, em particular as pessoas em situação de vulnerabilidade, inclusive os povos indígenas, tais como saúde, segurança alimentar, sistemas alimentares baseados na agricultura tradicional, meio ambiente, recursos hídricos, desastres naturais, infraestrutura e logística, interconexão energética e energias limpas, transformação digital, defesa, segurança e integração de fronteiras, combate ao crime organizado transnacional e segurança cibernética.

9.  Concordaram em voltar a reunir-se, em data e local a serem determinados, para repassar o andamento das iniciativas de cooperação sul-americana e determinar os próximos passos a serem tomados.

 

Fonte: Outras Palavras/Veja/Brasil 247

 

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