O
que é a Unasul, que Lula quer 'reconstruir'
No discurso de abertura da reunião com os
representantes dos países da América do Sul nesta terça-feira (30/5) em
Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falou em "voltar a
olhar coletivamente para a nossa região".
"Entendemos que a integração sul-americana é
essencial para o fortalecimento da unidade da América Latina e do Caribe. Uma
América do Sul forte, confiante e politicamente organizada amplia as
possibilidades de afirmar, no plano internacional, uma verdadeira identidade
latino-americana e caribenha", afirmou ele.
Lula também lembrou da criação da União de Nações
Sul-Americanas (Unasul) em 2008 e disse que o órgão "permitiu que nos
conhecêssemos melhor".
Após criticar a postura diplomática brasileira em
anos mais recentes, afirmando que o país "optou pelo isolamento do mundo e
do seu entorno", o presidente falou em "reavivar o compromisso com a
integração sul-americana".
"A Unasul é um patrimônio coletivo. Lembremos
que ela está em vigor. Sete países ainda são membros plenos. É importante
retomar seu processo de construção", disse Lula.
O governo federal já havia anunciado em 7 de abril o
retorno do Brasil à Unasul.
Na prática, Lula reverteu uma decisão do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que em 2019, retirou o Brasil, oficialmente,
da instituição.
Mas, afinal, o que é a Unasul e o que ela representa
para a região?
• Uma
cúpula regional
A criação de um grupo que reunisse países da América
do Sul começou a ser debatida em 2004, quando Lula estava em seu primeiro
mandato. A Unasul só foi estabelecida, porém, quatro anos mais tarde, em 2008.
O grupo foi inicialmente formado por doze países:
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru,
Suriname, Uruguai e Venezuela. Sua sede fica em Quito, no Equador.
De acordo com o seu tratado de criação, a Unasul tem
como objetivos criar um espaço de "integração e união no âmbito cultural,
social, econômico e político" entre seus países-membros e "com com
vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica" existente na região.
A presidência do grupo é exercida por nomes
indicados por seus países-membros em mandatos de um ano e trocados de forma
rotativa seguindo a ordem alfabética dos nomes dos países.
Entre as atribuições do grupo está a realização de
reuniões entre chefes-de-Estado para debater questões que possam afetar a
estabilidade da região e criar mecanismos que aumentem a integração econômica,
financeira, política e social dos países-membros.
Críticos, no entanto, argumentam que a Unasul tinha
pouca efetividade e suas funções seriam pouco concretas e que alguns dos temas
debatidos pelo grupo poderiam ser discutidos em outros fóruns já existentes.
Nos últimos anos, diversos países suspenderam suas
participações na Unasul ou deixaram a instituição. Até o anúncio do retorno do
Brasil, a Unasul contava com apenas cinco dos 12 integrantes originais:
Bolívia, Guiana, Suriname, Venezuela e Peru, que está suspenso.
Em 2017, o grupo viveu um impasse depois que a
Venezuela, com apoio da Bolívia, vetou o nome indicado pela Argentina para
assumir a secretaria-geral da Unasul, paralisando, em parte, as atividades do
organismo.
Em meio à controvérsia, Brasil, Peru, Paraguai,
Colômbia e Chile anunciaram a suspensão de suas participações na Unasul em meio
a disputas sobre os rumos da instituição, em abril de 2018.
O esvaziamento da Unasul aconteceu no mesmo momento
em que houve uma mudança no perfil dos líderes de alguns dos países que compõem
o grupo.
À época em que foi criado, parte significativa dos
países que compunham o órgão era comandada por políticos de esquerda ou
centro-esquerda como Lula (Brasil), Michelle Bachellet (Chile), Hugo Chávez
(Venezuela), Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia) e Rafael
Correa (Equador).
A partir de segunda metade da década do século 20,
líderes de centro-esquerda foram substituídos por políticos de direita ou
centro-direita.
Foi o caso, por exemplo, de Michel Temer (MDB) e
Jair Bolsonaro, no Brasil, Maurício Macri, na Argentina e Sebastian Piñera, no
Chile, em 2018.
Em 2019, foi a vez do Equador se retirar do grupo. A
situação ficou ainda mais sensível depois que o então presidente do país, Lenín
Moreno, pediu a devolução do prédio onde funcionava a sede da Unasul e anunciou
que não faria mais nenhuma contribuição financeira à instituição.
Moreno era um político de centro-esquerda, mas era
adversário político de seu antecessor, Rafael Correa, um dos fundadores da
Unasul.
A saída oficial do Brasil da Unasul aconteceu em
2019, durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro. Ele retirou o país
do grupo e endossou a adesão do Brasil a um outro organismo, o Fórum para o
Progresso da América do Sul (Prosul).
Ainda não está claro se, sob o governo Lula, o
Brasil continuará a fazer parte do Prosul ou não.
• Por
que Lula decidiu colocar o Brasil de novo na Unasul?
O retorno do Brasil à Unasul segue a mesma linha da
política externa dos dois primeiros governos do presidente Lula.
Nas últimas décadas, o petista frequentemente
defendeu uma maior integração dos países sul-americanos como uma forma de
trazer uma suposta autonomia da região em áreas como a economia, infraestrutura
e estabilidade política.
Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, em
janeiro deste ano, Lula já havia dado indicações de que o Brasil poderia
retornar à Unasul.
"Nosso protagonismo se concretizará pela
retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitalização da
Unasul e demais instâncias de articulação soberana da região", disse.
Durante seus dois primeiros mandatos, por exemplo, o
Brasil e outros países da região lançaram projetos para intensificar a criação
de projetos de infraestrutura na região como a Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IRSAA).
No artigo "Autonomia, integração regional e
política externa brasileira: Mercosul e Unasul", publicado em 2014, os
professores e pesquisadores de Relações Internacionais Tullo Vigenani e Haroldo
Ramanzini Júnior argumentam que o empenho do Brasil na formação da Unasul teria
como um dos focos a criação de uma "polaridade sul-americana" que
seja autônoma em relação a potências como os Estados Unidos.
"O forte interesse brasileiro na formação da
Unasul indica uma nova forma de compreender o que seja autonomia na política
externa. No período 1986-1999 prevalecia a ideia de que a integração
alavancaria a projeção conjunta, no mundo, da Argentina e do Brasil. Hoje, anos
2010, alguns objetivos estratégicos do país conectam-se com a cooperação na
América do Sul, entre eles o de uma polaridade sul-americana, não subalterna,
autônoma mas não antagônica aos países centrais, particularmente aos Estados
Unidos", escreveram os pesquisadores.
Os críticos da política externa do petista, no
entanto, argumentam que a política externa do Brasil na época era marcada por
um forte viés ideológico, uma vez que parte dos países da região eram
comandados por líderes de esquerda.
"Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das
relações internacionais com viés ideológico a que foram submetidos nos últimos
anos. O Brasil deixará de estar apartado das nações mais desenvolvidas",
disse Bolsonaro em um dos seus pronunciamentos logo após sua vitória no segundo
turno das eleições de 2018.
Além disso, há críticas sobre uma agenda marcada
pela criação de fóruns multilaterais em um momento em que diversos países do mundo
tentam dinamizar a integração regional a partir de acordos bilaterais.
A política externa de Bolsonaro, no entanto, também
foi criticada justamente pelo seu suposto componente ideológico. Durante sua
gestão, o presidente mostrou um alinhamento forte com os Estados Unidos
enquanto o país era comandado pelo republicano Donald Trump, além de demonstrar
e receber apoio de líderes de direita europeus como o primeiro-ministro da
Hungria, Viktor Orbn.
A expectativa nos meios diplomáticos, agora, é de
que a eleição de novas lideranças alinhadas à centro-esquerda em países como o
Brasil, Colômbia (com Gustavo Petro) e Chile (com Gabriel Boric) possa dar um
novo impulso a iniciativas como a Unasul.
Antes de o Brasil anunciar o seu retorno, a
Argentina, no final de março deste ano, já havia anunciado que tomaria
providências para regressar ao grupo.
Lula
diz que Unasul é “patrimônio coletivo” e defende retomada
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou
nesta 3ª feira (30.mai.2023) que a Unasul (União das Nações Sul-americanas) é
um “patrimônio coletivo” e defendeu a retomada do bloco.
A declaração foi dada durante a abertura da reunião
com os chefes de Estado de 11 dos 12 países sul-americanos. O encontro é
realizado ao longo do dia no Palácio Itamaraty, em Brasília.
Segundo o petista, a Unasul permitiu que os países
sul-americanos se conhecessem melhor por mais de 10 anos e contribuiu para
ganhos comerciais.
“Consolidamos nossos laços por meio de amplo diálogo
político que acomodava diferenças e permitia identificar denominadores comuns.
Implementamos iniciativas de cooperação em áreas como saúde, infraestrutura e
defesa”, disse Lula no discurso.
O presidente ponderou, no entanto, que a saída do
Brasil do bloco em 2019 interrompeu os avanços alcançados.
“No Brasil, um governo negacionista atentou contra
os direitos da sua própria população, rompeu com os princípios que regem a
nossa política externa e fechou nossas portas a parceiros históricos. Nosso
país optou pelo isolamento do mundo e do seu entorno”, afirmou.
Para Lula, a retomada da Unasul é importante, mas
também deve-se avaliar “criticamente” o que não funcionou antes.
“Precisamos de mecanismos de coordenação flexíveis,
que confiram agilidade e eficácia na execução de iniciativas. Nossas decisões só
terão legitimidade se tomadas e implementadas democraticamente. […] Seria um
erro restringir as atividades às esferas de governo. Envolver a sociedade
civil, sindicatos, empresários, acadêmicos e parlamentares dará consistência ao
nosso esforço”, disse.
Mais cedo, o ministro da Secom (Secretaria de
Comunicação Social da Presidência), Paulo Pimenta, afirmou que a reunião com os
chefes de Estados sul-americanos desta 3ª feira (30.mai) “marca o retorno do
Brasil à Unasul”.
“O mundo mudou e temos novos desafios pela frente.
Algumas das pautas da nova Unasul será a proteção da Amazônia, o combate ao
crime organizado e a criação de moedas comerciais que permitam importar e
exportar dos nossos vizinhos sem depender do dólar”, escreveu Pimenta em seu
perfil no Twitter.
A Unasul foi criada em 2008 como um projeto do então
presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em um período em que a maioria dos países
sul-americanos era governada por políticos de centro e de centro-esquerda.
O bloco visa a promover a integração dos países para
ajudar na redução da desigualdade socioeconômica, aumentar a inclusão social e
a participação popular, além de fortalecer a democracia e promover a
independência dos Estados-membros.
Logo no início do governo do ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), o Brasil deixou a Unasul depois que a Bolívia informou que
passaria temporariamente a presidência do bloco. A saída também ocorreu dias
depois que a Argentina e o Paraguai comunicaram que também deixariam o bloco.
Os primeiros países que formalizaram a saída do
grupo foram Colômbia e Peru. O Equador seguiu os passos dos vizinhos pouco
depois.
Em abril, Lula promulgou o Tratado Constitutivo da
Unasul. A medida marcou o retorno do Brasil ao bloco.
• Na
cúpula com chefes de Estado, Lula defende mercado sul-americano de energia
Um dia depois de se comprometer com o presidente da
Venezuela, Nicolás Maduro, a retomar a compra de energia do país vizinho, o
presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu um mercado
energético que integre toda a América do Sul.
“Precisamos lançar a discussão sobre a constituição
de um mercado sul-americano de energia, que assegure o suprimento, a eficiência
do uso de nossos recursos, a estabilidade jurídica, preços justos e a
sustentabilidade social e ambiental”, declarou o presidente do Brasil, na
cúpula com todos os chefes de Estado da América do Sul.
Lula reconheceu os efeitos desafiadores da guerra da
Ucrânia sobre o mercado de energia e alimentos, fator que, para ele, deve
motivar ainda mais a cooperação regional.
“Possuímos o maior e mais variado potencial
energético do mundo, se levarmos em conta as reservas de petróleo e gás,
hidroeletricidade, biocombustíveis, energia nuclear, eólica e solar e o
hidrogênio verde”, acrescentou o presidente brasileiro no encontro promovido
pelo governo brasileiro em Brasília.
De
moeda comum a mobilidade estudantil: as 10 propostas de Lula em fórum com
presidentes da América do Sul
O presidente Lula propôs 10 temas para discussão
entre os presidentes e representantes que participam da reunião da cúpula dos
países da América do Sul, em Brasília, nesta terça-feira (30).
Entre as questões para análise, estão medidas para
ampliar a integração dos países da região na área energética, em acordos
comerciais e na mobilidade de estudantes e pesquisadores.
Lula também reforçou o desejo de estabelecer uma
moeda local para o comércio na América do Sul, em vez do dólar (veja lista
abaixo).
Antes de sugerir as medidas, o presidente deixou
claro que as iniciativas eram apenas sugestões e que os temas ainda seriam
discutidos ao longo do dia pelos mandatários sul-americanos.
<<<< Veja abaixo a lista de propostas do
presidente:
1. "Moeda
comum": criação de uma "unidade de referência comum para o comércio,
reduzindo a dependência de moedas extrarregionais" e mecanismos de
compensação mais eficientes. Entenda melhor o projeto encabeçado pelo Brasil.
2. Economia:
colocar a poupança regional a serviço do desenvolvimento econômico e social,
mobilizando os bancos de desenvolvimento como a CAF, o Fonplata, o Banco do Sul
e o BNDES;
3. Regulação:
implementar iniciativas de convergência regulatória, facilitando trâmites e
desburocratizando procedimentos de exportação e importação de bens;
4. Atualização
da cooperação: ampliar os mecanismos de cooperação de última geração, que
envolva serviços, investimentos, comércio eletrônico e política de
concorrência;
5. Infraestrutura:
atualizar a carteira de projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e
Planejamento (COSIPLAN), reforçando a multimodalidade e priorizando propostas
de alto impacto para a integração física e digital, especialmente nas regiões
de fronteira;
6. Meio
ambiente: desenvolver ações coordenadas para o enfrentamento da mudança do
clima;
7. Saúde:
reativar o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, a fim de permitir
adotar medidas para ampliar a cobertura vacinal, fortalecer o complexo
industrial da saúde na região e expandir o atendimento a populações carentes e
povos indígenas;
8. Energia:
lançar a discussão sobre a constituição de um mercado sul-americano de energia,
que assegure o suprimento, a eficiência do uso dos recursos da região, a
estabilidade jurídica, preços justos e a sustentabilidade social e ambiental;
9. Educação:
criar programa de mobilidade regional para estudantes, pesquisadores e
professores no ensino superior, algo que foi tão importante na consolidação da
União Europeia;
10. Defesa:
retomar a cooperação na área de defesa com vistas a dotar a região de maior
capacidade de formação e treinamento, intercâmbio de experiências e
conhecimentos em matéria de indústria militar, de doutrina e políticas de
defesa.
• Reforço
à integração
Lula discursou na abertura do evento, no Palácio do
Itamaraty, nesta manhã. Na fala, o presidente sugeriu a criação de um grupo
formado por representantes pessoais de cada presidente, para aprofundar o
debate sobre as questões.
A proposta é que, com base nas decisões tomadas na
reunião desta terça, o grupo tenha 120 dias para apresentar propostas de
integração para a América do Sul.
Durante o discurso, Lula ressaltou o desejo de
aproximação entre os países da região para fortalecimento local.
"Enquanto estivermos desunidos, não faremos da
América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração
deve ser objetivo permanente de todos nós. Precisamos deixar raízes fortes para
as próximas gerações", disse.
• Divergências
ideológicas
Segundo o presidente brasileiro, a gestão anterior
permitiu que diferenças ideológicas afastassem o Brasil dos fóruns regionais de
integração.
"Na região, deixamos que as ideologias nos
dividissem e interrompessem o esforço de integração. Abandonamos canais de
diálogos e mecanismos de cooperação e, com isso, todos perdemos", disse
Lula.
"Tenho firme convicção de que precisamos
reavivar nosso compromisso com a integração sul-americana. Quando assumi a
presidência, em 1º de janeiro deste ano, a América do Sul voltou ao centro da
atuação diplomática brasileira", seguiu.
• Quem
participou da reunião?
Estiveram presentes no encontro os seguintes presidentes:
1. Alberto
Fernández, da Argentina;
2. Luís
Arce, da Bolívia;
3. Gabriel
Boric, do Chile;
4. Gustavo
Petro, da Colômbia;
5. Guillermo
Lasso, do Equador;
6. Irfaan
Ali, da Guiana;
7. Mário
Abdo Benítez, do Paraguai;
8. Chan
Santokhi, do Suriname;
9. Luís
Lacalle Pou, do Uruguai; e
10. Nicolás
Maduro, da Venezuela.
Fonte: BBC News Brasil/Poder 360/IstoÉ/g1
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