terça-feira, 30 de maio de 2023

Luis Nassif: As esperanças na estratégia da Fazenda

Em “Xadrez do arcabouço e o nó da tática defensiva de Lula”, expus o que considero os problemas da economia:

  1. Há um boicote claro do Banco Central, mantendo a Selic a 13,75%.
  2. Com o arcabouço, pretendeu-se revogar os grilhões da Lei do Teto e apresentar uma alternativa para desarmar os álibis de Roberto Campos Neto para não derrubar a inflação. Sem o álibi, ficará exposto às pressões dos grandes grupos e do próprio mercado.
  3. Para a estratégia das certo, necessitaria de duas condições: a redução da Selic (que depende de Campos Neto) e o fim de inúmeros subsídios que beneficiam grandes grupos (que depende da parceria com o presidente da Câmara Arthur Lira).

A estratégia da Fazenda está diretamente ligada à fragilidade política do governo. Recém chegado da Bahia, sem conhecer as idiossincrasias da política da capital, o Ministro da Casa Civil, Rui Costa, tentou o decreto de saneamento, passando por cima da Câmara, e acabou atropelado. Perdeu chance de interlocução com o Congresso. Conhecedor de Brasília, mesmo assim o Ministro Alexandre Padilha não parece à vontade no seu papel de articulador político.

Nessa quadra, o único caminho a trilhar – pensa-se na Fazenda – seria buscar a interlocução com Artur Lira, trocando o Teto de Gastos por um novo modelo que, com o tempo, mostrará mais flexibilidade do que o nome sugere. Foi o que fez o Ministro Fernando Haddad. 

Sua estratégia consiste em aproximar-se do mercado, trocar a Lei do Teto pelo arcabouço, sem jamais deixar de lado a interlocução com o Congresso.

Após a aprovação do arcabouço, houve uma queda de 200 pontos básicos na curva longa de juros, mostrando que o mercado endossou o plano. Significa também que a Selic poderia estar pelo menos 2 pontos abaixo, chegando ao próximo ano na casa de um dígito. 

O desafio, portanto, é concluir o ciclo.

·         Os avanços iniciais

A cada dia, fica cada vez mais claro que Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, se meteu em uma enrascada, com sua insistência em Selic elevada. No almoço na casa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, houve um coro uníssono de empresários de todos os setores falando que já deu, a economia não pode mais suportar essa carga.

O grande nó nessa questão é a teimosia ignorante de Campos Neto, um absoluto jejuno em teoria monetária.

Há uma enorme crise no pensamento monetário. Antes da grande crise de 2008, consolidou-se a teoria das expectativas racionais, de Thomas Sargent, em colaboração com Christopher Sims, prêmio Nobel de Economia de 2011.

A crise de 2008 afetou profundamente a teoria, porque mostrou o poder incontrolável adquirido pelos mercados financeiros, tornando impossível seu enquadramento em modelos econométricos. A teoria das expectativas racionais perdeu legitimidade e a única alternativa apresentada foi a MMT, Nova Teoria Monetária, que não conquistou a maioria dos corações e mentes da economia. Há uma enorme interrogação pela frente e Campos não tem a menor ideia sequer sobre os dilemas da macroeconomia contemporânea, ainda menos sobre os caminhos a percorrer.

Agora, a indicação de Gabriel Galípolo para a Diretoria de Política Monetária do BC ajudará nesse processo de jogar para baixo as expectativas do mercado. Sem desrespeitar as leis de mercado, Galípolo tornará a política monetária mais efetiva, atuando no mercado de taxas de juros longas e de câmbio. Em todas as economias avançadas, uma das formas de induzir as expectativas inflacionárias é impedir a ação especulativa sobre ambos os mercados, reduzindo a volatilidade.

De qualquer modo, a pressão dos agentes econômicos sobre Campos Neto está nítida e tende a crescer.

·         Os avanços

Em cinco meses, conseguiu-se avanço na Petrobras. No Seminário da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Aloizio Mercadante e diretores do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) apresentaram algumas alternativas para driblar o custo do dinheiro, especialmente no financiamento da inovação e das pequenas e micro empresas. Sabe-se que a recuperação do papel histórico do BNDES demandará algum tempo, mas tenta-se contornar com a criação de fundos garantidores, que ajudarão no barateamento das obras de infra-estrutura. E Mercadante tem-se revelado um aliado relevante.

Em relação à melhoria da Receita, pela primeira vez se fará um ajuste fiscal em cima dos ricos – os beneficiados por subsídios e engenharias fiscais. Em 2015 o ajuste fiscal recaiu sobre os consumidores e destruiu a imagem do governo.

A Fazenda contabiliza dez vitórias expressivas nessa direção, como as questões da subvenção de custeio, preço de transferência, base PIS-Cofins, reoneração de combustíveis, MP para taxar offshores (contas no exterior) e a mudança no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), onde obteve até o apoio da OCDE para mudar a sistemática de um conselho paritário entre representantes do governo e das empresas, com o empate favorecendo as empresas.

A recente capa da Veja, com Haddad, seria a constatação de que conseguiu dar uma racionalidade às ações de governo.

O maior otimismo é com o quadro externo.

Está fácil para o Brasil, comenta-se na Fazenda. Nenhum país tem o potencial do Brasil para novos investimentos. Europa, Estados Unidos e China têm torque próprio, não dependem de nada. Ainda assim, a economia da Europa e Estados Unidos não vão bem e a China se embaralha com questões geopolíticas. A África está endividada e o Oriente Médio nada em dinheiro, mas não tem projetos de investimento. A Arábia Saudita dispõe de um trilhão de dólares para investir, sem dispor de alternativas na região.

O Brasil é candidato natural pela questão energética. Além de ter a matriz mais limpa do planeta, com 92% de energia renovável, tem uma série de produtos verdes prontos para serem desenvolvidos: aço verde, hidrogênio verde.

·         O reforço do MDIC

Na Fazenda, considera-se que Simone Tebet está se saindo bem, assim como os Ministros Renan Filho, da Infraestrutura, Alexandre Silveira, de Minas e Energia, e Nísia Trindade, da Saúde. O Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, padece da falta de uma equipe de peso. Preferiu se cercar de correligionários paulistas, com parco conhecimento sobre política industrial. Recebeu, agora, o reforço do economista Uallace Moreira, com amplo conhecimento sobre o tema, especialmente do modelo de desenvolvimento chinês.

Lula voltou bastante otimista de seu périplo internacional. Mas, agora, terá que se dedicar intensamente às articulações políticas. Nos últimos dias vazaram algumas implicâncias de Ministros com os almoços diários com a esposa Janja. Em qualquer circunstância, seria um gesto de carinho a ser festejado. Mesmo porque, o namoro com Janja rejuvenesceu Lula. Acontece que, no mundo político, os almoços têm um sentido especial. É através deles que se convidam aliados, adversários, parlamentares para o grande jogo de conquista de apoio para garantir a governabilidade. E, agora, Lula terá que entrar de cabeça no jogo político.

Há condições políticas e econômicas para superar a fase atual e permitir ao país voltar ao crescimento. Mas, no campo político, primeiro terá que se arrumar a casa. Com a casa arrumada, pode-se delegar.

 

Ø  A inteligência política de Lula regida pela pragmática tem seu preço. Por Maria Betânia Silva

 

Na semana passada Lula fez  um discurso na Fiesp para acalmar os corações e o ambiente. Mais precisamente, os corações dos defensores do meio ambiente.

Lançou a ideia de carro popular mais barato, menos poluente que é um projeto para impulsionar a economia, considerando a cadeia produtiva que envolve a fabricação de automóveis.

Ou seja, ele reedita uma política  baseada na indústria automotiva, como já fizera no passado, a isso agregando como se fosse acessório necessário, um carro menos poluente.

A preocupação com o ambiente natural no caso é contemplada na compra do veículo com um item  obrigatório vindo de fábrica: um dispositivo menos poluente.

Nessa esteira, Lula se alinha à lógica vigente nos países ditos desenvolvidos que incorporam a preocupação ambiental a uma sociedade cada vez mais tecnologizada no domínio da autonomia individual, sem que isso implique necessariamente redução de resíduos poluentes e um real compromisso com o planeta ou com as gerações futuras.

O carro continua a ser destaque e o seu  uso não tão poluente, uma conquista. A sua fabricação, contudo, não o é.  Mas isso é mero detalhe.

A diferença  entre o que pode ser feito no BR nesse aspecto e os países ditos desenvolvidos é que, nesses países, o transporte coletivo ainda resiste em condições razoáveis, como um legado do estado de bem estar social que tiveram e que o BR quase conheceu somente nos 13 anos dos governos do PT, como algo transitório e solúvel como um nescafé.

Para mim, ficou bem claro que Lula adota um modelo de desenvolvimento focado na conquista de bens materiais e baseado apenas no sucesso individual.

Não me surpreende que o faça, mas receio que esteja perdendo o bonde da História. O que seria uma grande pena dada a sua envergadura como líder humanista que é. A rigor, parece perder o bonde para  a História instauradora de um novo paradigma. Mas, seria muito esperar isso dele, né? Ele é o próprio sucesso individual a ser projetado em cada um de nós. E embora não haja  nada de errado nisso, trata- se de algo insuficiente.

Não há, no caso, uma concepção de desenvolvimento focada no coletivo como “a alma do negócio”.

O coletivo dependerá da felicidade individual de ter um carro na garagem enquanto o MST – se sobreviver à CPI e acho que vai – produz a comida orgânica em concorrência com a toxicidade do agro, importante peça na balança comercial do país. Estaremos, assim, na trilha de fazer com que nosso povo adquira o “padrão de vida europeu”. Essa é a aposta.

Só resta saber quanto tempo os recursos naturais do BR poderão sustentar esse modelo para o povo brasileiro e para as empresas européias que terão algum interesse em explorar/comprar matéria-prima e/ou exportar peças automotivas, para garantir sua manutenção nos seus próprios países.

Mais do que isso, o discurso de Lula revelou algo que talvez nem tenha chamado a atenção de  muita gente… Lula delegou  a Alckmin papel de empreendedor, ao dizer que caberia a ele, no próximo ano, sair pelo mundo “vendendo” “nossos  projetos”.

Particularmente, eu acho que Lula deixou claro qual é o lugar que a proteção ambiental ocupa no seu governo: uma proteção secundária, não é a prioridade. É uma agenda necessária, mas torná- la prioridade é coisa para o futuro. Ele poderá, assim, concluir seu mandato glorificado pela direita e por uma esquerda menos esquerdista.

Lula se mostra cada vez mais perspicaz com o seu pragmatismo político, evitando assumir que trilha o rastro do neoliberalismo, talvez porque esse sistema tenha chegado ao ponto de não retorno no mundo atual e nesse ponto permanecerá por décadas.

É como se a única saída para o Brasil fosse se tornar a Europa das Américas e não algo diferente daquele continente.

Não diria que Lula está totalmente errado. Não! Ele trilha o caminho que enxerga como o único possível.

Problema meu não ficar alegre com essa trilha.

Boa parte da sociedade, acredito, ficará realizada e feliz quando começar a adquirir  o seu carrinho ” verde”. Não importa que venha a se irritar com o tempo perdido  no engarrafamento ou com os alagamentos, ou com o aumento da temperatura, ou, ainda, com a perda da safra de uvas.

A irritação é passageira, o sentimento de sucesso material, não! Isso é o que dá a certeza de que a vida de trabalho individual vale e valeu a pena. O indivíduo é o cara como o Sujeito universal e potente.

Fico com a impressão de que o sonho de mudança para um mundo cuja construção coletiva possa ter, por exemplo, inspiração nas experiências de vida mais duradoura como aquelas de resistentes comunidades indígenas ou mesmo africanas, alimentadas na perspectiva decolonial, não é mais sustentável a médio prazo. Esse sonho não tem mais como prosperar.

As condições objetivas do mundo estão dadas: enquanto houver recursos naturais a serem explorados que os exploremos. Devo, por isso, me  resignar a essa realidade que não coincide com os meus sonhos e oscila entre eles e o pesadelo.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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