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que Reino Unido nega a Maduro acesso a ouro venezuelano depositado em Londres
O governo de Nicolás Maduro trava desde 2018 uma
batalha na Justiça britânica para ter acesso a cerca de US$ 2 bilhões em barras
de ouro mantidas nos cofres subterrâneos do Banco da Inglaterra em Londres.
O Superior Tribunal de Justiça da Inglaterra já se
pronunciou sobre o caso em suas ocasiões e descartou o pedido do mandatário
para ter acesso às riquezas, alegando na época reconhecer apenas Juan Guaidó,
então presidente da Assembleia Legislativa e líder da oposição venezuelana,
como presidente legítimo da Venezuela.
Como consequência dessa decisão, quem teria
autoridade sobre essa reserva de ouro seria o conselho do Banco Central da
Venezuela (BCV) designado por Guaidó.
Após as deliberações do governo britânico, os advogados
que representam o conselho indicado pelo BCV entraram com um novo processo no
âmbito da justiça comercial.
Desde então Guaidó perdeu proeminência e, em uma
carta enviada ao Superior Tribunal à qual a BBC News Brasil teve acesso, a
advogada represente do Escritório de Relações Exteriores, Commonwealth e
Desenvolvimento do governo britânico confirmou que o reconhecimento de Guaidó
como presidente interino emitido anteriormente sobre o líder da oposição não
reflete mais o posicionamento do Reino Unido.
No documento, o órgão também reafirmou um
posicionamento feito pelo ministro para as Américas e Caribe da pasta, David
Rutley, no qual ele afirma reconhecer uma decisão tomada por votação pela
Assembleia Legislativa em dezembro de 2022 para dissolver o governo interino e
o cargo de presidente interino de Guaidó.
Nesta semana, o caso voltou à tona com a visita de
Maduro à Brasília. Após seu encontro com o venezuelano na segunda-feira (29/5),
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu a legalidade da Presidência
do contraparte e apoiou o seu direito de posse sobre as 31 barras de ouro.
"Em muitas discussões com meus companheiros
europeus eu dizia que não compreendia como um continente que conseguiu exercer
a democracia de forma tão plena como a Europa quando construiu a União Europeia
poderia aceitar a ideia de que um impostos pudesse ser Presidente da República
porque eles não gostavam do presidente eleito", disse Lula sobre Guaidó.
Entenda a seguir por que a Justiça britânica nega a
Maduro acesso ao ouro venezuelano e qual o estágio atual das negociações.
• O caso
A disputa se arrasta desde 2018 e em 2020 o BCV
entrou com uma ação legal contra o Banco da Inglaterra para forçar a liberação
do ouro. Na época, o governo de Nicolás Maduro alegou querer acesso às riquezas
para vender e usar os fundos para combater a disseminação do coronavírus no
país.
O caso foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça
da Inglaterra, que rejeitou o pedido de Maduro pela primeira vez em 2020 e
novamente em 2022, após uma revisão das circunstâncias.
Em janeiro de 2019, o então ministro das Relações
Exteriores do Reino Unido, Alan Duncan, já havia dito que, embora a disposição
do ouro tenha sido uma decisão do Banco da Inglaterra, "eles levarão em
conta que há agora um grande número de países em todo o mundo questionando a
legitimidade de Nicolás Maduro e reconhecendo a de Juan Guaidó."
Mas desde então, o líder da oposição perdeu apoio e
não conseguiu renovar seu mandato como presidente do Legislativo e deputado
federal. Guaidó foi reconhecido por mais de 50 países - entre eles todos os
membros da União Europeia, Reino Unido, EUA e Brasil - como o presidente
interino da Venezuela em 2019 após uma grande onda de protestos no país.
Em 2021, porém, as nações que fazem parte do bloco
europeu disseram que não poderiam mais reconhecê-lo legalmente depois de ele
perder a posição de líder do Parlamento, mas afirmaram que ele segue sendo um
"interlocutor privilegiado".
Já os EUA afirmaram em junho passado que ainda
reconhecem o ex-deputado como presidente interino, mas descartaram convidá-lo
para a Cúpula das Américas realizada naquele ano em Los Angeles, pois nem todos
os países da região compartilhavam dessa visão.
Em abril deste ano, Guaidó foi de surpresa à
Colômbia para participar de uma conferência internacional convocada por Bogotá
para desbloquear o diálogo na Venezuela, mas foi obrigado a se retirar do país
porque teria entrada de 'forma irregular', segundo o Ministério as Relações
Exteriores.
Em seu pronunciamento em Brasília nesta semana, Lula
se referiu a Guaidó como "impostor" e disse que o não reconhecimento
de Maduro como presidente da Venezuela, "eleito pelo povo", é um
"absurdo", em clara oposição à decisão adotada em 2019 pelo governo
do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Sarosh Zaiwalla, advogado que representa o conselho
do BCV indicado por Maduro, afirmou à BBC News Brasil que sua equipe ainda tem
esperanças de reaver os fundos. Segundo ele, não há mais recursos disponíveis
para apelar contra as resoluções anteriores do Superior Tribunal de Justiça da
Inglaterra, mas um segundo processo aberto no âmbito da justiça comercial ainda
está correndo e deve ter uma decisão anunciada em algumas semanas.
"Entramos com uma apelação com base no fato de
que a situação mudou totalmente agora. Não há mais Guaidó como presidente
interino e, portanto, o caso todo deve ser julgado novamente", afirmou, em
referência ao novo posicionamento do governo britânico sobre o líder da
oposição.
A expectativa do advogado é de que, com a decisão
tomada pela corte comercial, o conselho indicado por Maduro possa abrir um novo
processo no Superior Tribunal de Justiça para reaver o ouro. Ainda segundo
Zaiwalla, os fundos pertencem à Venezuela e serão empregados em projetos para a
população venezuelana. "O governo do presidente Maduro já disse que está
preparado para envolver as Nações Unidas e garantir que o dinheiro seja usado
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para o benefício
do povo."
A BBC News Brasil procurou o Banco da Inglaterra para
prestar esclarecimentos sobre a situação, mas a instituição afirmou que não
comenta o caso. O Departamento Jurídico do Governo governo britânico também foi
contactado, mas não respondeu ao pedido de comentário até a publicação desta
reportagem.
Já o Escritório de Relações Exteriores, Commonwealth
e Desenvolvimento afirmou que a questão é de responsabilidade do Banco da
Inglaterra.
• Estratégia
convencional
O Banco da Inglaterra é o segundo maior detentor de
ouro do mundo, com aproximadamente 400 mil lingotes de ouro. Apenas o Federal
Reserve Bank, nos Estados Unidos, tem mais.
Um quinto do ouro dos governos do mundo está em
Londres e a razão é simples: a capital britânica é o centro mundial do comércio
do metal precioso.
O Banco da Inglaterra também possui um dos maiores
cofres de ouro do mundo e se destaca porque em seus mais de 320 anos de
história, nunca uma barra de ouro nunca foi roubada de suas instalações.
Portanto, os bancos centrais de várias nações o
utilizam para armazenar suas reservas nacionais e a Venezuela é um deles.
"Não há nada de estranho que um país mantenha
reservas de ouro e outros títulos em outros bancos", explica Luis Vicente
León, economista venezuelano e presidente da consultoria Datanálisis.
Para ele, essa é simplesmente uma estratégia de
proteção e garantia das reservas de ouro.
"Eu diria que é uma estratégia muito
convencional entre países pequenos. Os países maiores têm capacidade para
proteger suas próprias reservas, mantendo-as em seus cofres."
"É uma dor de cabeça para os bancos centrais,
sobretudo quando não se tem capacidade de proteção, de medidas de segurança e
de tecnologia para impedir que haja uma operação de roubo. Quando você coloca
em um banco estrangeiro o seu ouro, você tem uma garantia. Se algo acontecer,
você estará protegido porque está pagando por um serviço de custódia."
Em 2011, o então presidente Hugo Chávez repatriou
cerca de 160 toneladas de ouro que estavam em bancos nos Estados Unidos e na
União Europeia, citando a necessidade de seu país de ter controle físico de
seus ativos.
"A Venezuela retornou ouro ao Banco Central,
tirando de diferentes países, porque era um momento em que o governo temia a
aplicação de sanções internacionais que pudessem congelar suas reservas lá
fora", diz Leon. "O governo sentiu que manter reservas no exterior
era uma estratégia perigosa e que ele poderia ter parte de seus recursos
congelada."
No entanto, o ouro que a Venezuela tinha no Banco da
Inglaterra, e que hoje é alvo de disputa, permaneceu lá.
• Por
que o ouro é tão importante agora?
Em meio à enorme crise econômica e humanitária na
Venezuela, o ouro é uma das poucas alternativas de financiamento e liquidez
para o governo de Maduro, sobretudo desde fevereiro de 2019 quando os Estados
Unidos adotaram sanções contra a empresa estatal de petróleo PDVSA, responsável
por muitos recursos nacionais.
O governo também está de olho em minas no sudeste do
país, em uma vasta zona que se estende da fronteira com a Guiana até a
fronteira com o Brasil. Trata-se de uma região estratégica. Em fevereiro de
2016, Maduro decretou que o chamado Arco Mineiro do Orinoco (AMO) será uma zona
de desenvolvimento estratégico nacional.
Países como Rússia e China ampliaram sua presença em
empresas mistas de extração, com participação do governo.
O AMO tem 111.846 quilômetros quadrados, cerca de
12% do território do país, e pode ser fonte de até 7 mil toneladas de ouro.
O BCV vem recebendo cada vez mais reservas do Arco,
mas mesmo assim suas reservas estão em queda.
Um informe do Conselho Mundial do Ouro diz que o BCV
foi a instituição bancária que mais vendeu ouro em 2017 e 2018.
Segundo a Reuters, o BCV tinha o equivalente a US$
4,6 bilhões em barras de ouro em meados de 2019. A quantidade é 18,5% inferior
ao volume do final de 2018 — e o nível mais baixo da Venezuela em 75 anos.
A Turquia é hoje o maior comprador do ouro
venezuelano, com US$ 900 milhões importados em 2018. A princípio o ouro seria
refinado na Turquia e devolvido para a Venezuela, mas não há registros dessa
reexportação.
Nos últimos anos, navios iranianos com gasolina ctêm
chegado à Venezuela. Acredita-se que a Venezuela esteja pagando o Irã com ouro.
Ø Por que aluguel em Lisboa custa quase triplo do salário mínimo
"A dona da casa está atrás de mim desde 2018.
Ela diz que precisa do meu apartamento e eu já recebi uma ordem de
despejo."
Georgina Simões é cuidadora num lar de idosos na
capital portuguesa, Lisboa. Ela ganha um pouco acima do salário mínimo.
Seu aluguel, de 300 euros (cerca de R$ 1.800) por
mês, é baixo para os padrões atuais da cidade, mas ainda assim ela precisa
trabalhar em dois empregos para pagá-lo.
E as condições da propriedade são ruins: você não
pode tomar banho porque a água vaza para o apartamento dos vizinhos.
"Não vou embora porque quando procuro outras
casas o meu salário não dá, nem para pagar a renda. As rendas são superiores
aos salários que temos em Portugal", diz.
As circunstâncias de Simões estão longe de ser
únicas. O aluguel médio em Lisboa é agora de cerca de US$ 2.140, enquanto o
salário mínimo gira em torno de US$ 814.
·
As causas da crise
Portugal enfrenta atualmente uma grave crise
imobiliária, causada em parte pelo aumento do investimento estrangeiro em
propriedades e pela falta de novas habitações a preços acessíveis.
Mas não é apenas uma questão de oferta. A
investigadora e ativista Rita Silva, que ajudou a criar o movimento
habitacional Habita, afirmou que "há mais casas do que gente, mas os
preços não baixam".
O especialista acrescentou que a situação atual, que
levou a inúmeras campanhas reivindicando moradias mais acessíveis, se espalhou
por todo o país por vários anos após a crise financeira de 2008.
O caso de Simões, a zeladora, já está na Justiça e
ela espera ficar na propriedade por mais seis meses. Seu advogado está tentando
ganhar esse tempo para você.
O que acontece se ele perder?, perguntou-lhe a BBC.
"Estarei na rua", respondeu ele.
"Não tenho chance, não sei o que vai acontecer.
Só preciso de um teto para dormir, passo a vida trabalhando", acrescentou.
·
Sacrifícios extremos
Joelsy Pacheco, por sua vez, concilia dois trabalhos
que consomem 16 horas do seu dia. Um dos seus empregos é numa unidade de
cuidados intensivos de um dos principais hospitais de Lisboa e o outro numa
ONG.
"A maior parte do meu salário vai para aluguel,
sem contar contas, alimentação e transporte. Com apenas um emprego seria quase
impossível", narrou.
O contrato de aluguel de Pacheco termina no final
deste ano e ele teme que o aluguel suba.
"Para onde eu iria agora? Provavelmente terei
que voltar a morar com minha mãe, longe do trabalho, e terei que reestruturar
toda a minha vida", admitiu.
No início deste ano, o comediante e ativista
português Diogo Faro inadvertidamente se tornou um dos rostos do movimento de
habitação popular, depois de postar um vídeo nas redes sociais sobre o aumento
dos preços dos aluguéis em Lisboa.
Logo, sua caixa de entrada foi inundada com
mensagens.
"Há casais divorciados que não podem se mudar
porque não podem pagar, o que acho brutal. Pessoas mais velhas que estão
escolhendo entre pagar aluguel ou remédios, abreviam suas vidas para ter um
teto", disse ele.
À medida que recebia mais e mais histórias como
essa, o comediante se juntou a alguns amigos e deu início ao movimento Casa é
um Direito.
Seu e outros movimentos planejaram uma manifestação
que atraiu mais de 30 mil pessoas às ruas de Lisboa em abril passado. Os
protestos estenderam-se depois a outras cidades, como Porto e Braga.
"Chamamos os protestos de 'Uma casa para
morar', porque as pessoas estão desesperadas . As pessoas querem uma casa para descansar,
brincar com os filhos, para morar", disse Faro, que vê isso como apenas o
começo da luta.
·
Turismo é um dos culpados
O autarca de Lisboa, Carlos Moedas, qualificou o
problema da habitação como "a maior crise da nossa geração".
Ele fez o comentário em abril, quando começou a
construção de um novo empreendimento de aluguel acessível em Entrecampos, uma
área central da capital portuguesa, que fornecerá 152 novas casas.
Também foram criados programas para ajudar quem não
pode pagar os elevados preços dos arrendamentos, com as autarquias a
oferecerem-se para pagar um terço do custo , disse a vereadora da Habitação e
Desenvolvimento de Lisboa, Filipa Roseta.
Um terço do centro histórico de Lisboa está
desocupado , segundo o geógrafo e investigador de habitação Luís Mendes, e
casos recentes sugerem que o Estado está a agravar a situação.
Quando algumas favelas foram destruídas em março,
oito famílias ficaram desabrigadas e tiveram que ser enviadas para acomodações
de emergência.
"Estamos a falar de preços de aluguer em Lisboa
que são mais elevados do que em algumas das zonas mais ricas de Berlim, por
exemplo, onde existe um limite de renda. Sem falar na diferença salarial",
disse Mendes.
"Em Lisboa há zonas onde uma casa de 80 metros
quadrados custa 1.285 dólares por mês. Bem, esse é o salário médio de um
lisboeta. Então, estamos a falar de valores proibitivos, diria mesmo
obscenos", acrescentou o especialista.
Mendes afirmou que um dos factores para a actual
crise habitacional que o país sofre é o que chama de "turistificação"
e que ocorre quando, devido ao aumento do turismo, casas destinadas a habitação
são utilizadas para alojar visitantes temporários.
Zonas como o bairro histórico de Alfama, conhecido
como a casa do Fado, têm agora 60% das suas casas para arrendamento de curta
duração.
"O que os turistas vão ver? Uns aos
outros?" Faro brincou.
·
Investidores especulativos
Depois, há medidas do governo que visam atrair
investimentos estrangeiros por meio de programas de isenção de impostos para
fundos de investimento, nômades digitais e, acima de tudo, vistos gold.
"Os vistos gold permitem que investidores de
fora da União Europeia (UE) obtenham um visto de residência em Portugal para
investimento , e que lhes permite entrar no Espaço Schengen (os países da UE
que não têm fronteiras entre si)", explicou Mendes.
"Muitas vezes, [os beneficiários do visto gold]
reformam uma casa, mas não a ocupam. Muitas vezes essas propriedades são
vendidas repetidamente, e isso cria uma distorção no mercado imobiliário e é
uma das causas da crise. de habitação", disse o especialista.
Como parte de um novo programa habitacional, o
governo está encerrando os vistos gold e as autorizações de aluguel de curto
prazo, além de limitar o aumento do aluguel em 2%.
No entanto, para a maioria dos cidadãos, essas
medidas são poucas e tardias.
Fonte: BBC
News Mundo
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