quarta-feira, 31 de maio de 2023

Por que Reino Unido nega a Maduro acesso a ouro venezuelano depositado em Londres

O governo de Nicolás Maduro trava desde 2018 uma batalha na Justiça britânica para ter acesso a cerca de US$ 2 bilhões em barras de ouro mantidas nos cofres subterrâneos do Banco da Inglaterra em Londres.

O Superior Tribunal de Justiça da Inglaterra já se pronunciou sobre o caso em suas ocasiões e descartou o pedido do mandatário para ter acesso às riquezas, alegando na época reconhecer apenas Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Legislativa e líder da oposição venezuelana, como presidente legítimo da Venezuela.

Como consequência dessa decisão, quem teria autoridade sobre essa reserva de ouro seria o conselho do Banco Central da Venezuela (BCV) designado por Guaidó.

Após as deliberações do governo britânico, os advogados que representam o conselho indicado pelo BCV entraram com um novo processo no âmbito da justiça comercial.

Desde então Guaidó perdeu proeminência e, em uma carta enviada ao Superior Tribunal à qual a BBC News Brasil teve acesso, a advogada represente do Escritório de Relações Exteriores, Commonwealth e Desenvolvimento do governo britânico confirmou que o reconhecimento de Guaidó como presidente interino emitido anteriormente sobre o líder da oposição não reflete mais o posicionamento do Reino Unido.

No documento, o órgão também reafirmou um posicionamento feito pelo ministro para as Américas e Caribe da pasta, David Rutley, no qual ele afirma reconhecer uma decisão tomada por votação pela Assembleia Legislativa em dezembro de 2022 para dissolver o governo interino e o cargo de presidente interino de Guaidó.

Nesta semana, o caso voltou à tona com a visita de Maduro à Brasília. Após seu encontro com o venezuelano na segunda-feira (29/5), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu a legalidade da Presidência do contraparte e apoiou o seu direito de posse sobre as 31 barras de ouro.

"Em muitas discussões com meus companheiros europeus eu dizia que não compreendia como um continente que conseguiu exercer a democracia de forma tão plena como a Europa quando construiu a União Europeia poderia aceitar a ideia de que um impostos pudesse ser Presidente da República porque eles não gostavam do presidente eleito", disse Lula sobre Guaidó.

Entenda a seguir por que a Justiça britânica nega a Maduro acesso ao ouro venezuelano e qual o estágio atual das negociações.

•        O caso

A disputa se arrasta desde 2018 e em 2020 o BCV entrou com uma ação legal contra o Banco da Inglaterra para forçar a liberação do ouro. Na época, o governo de Nicolás Maduro alegou querer acesso às riquezas para vender e usar os fundos para combater a disseminação do coronavírus no país.

O caso foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça da Inglaterra, que rejeitou o pedido de Maduro pela primeira vez em 2020 e novamente em 2022, após uma revisão das circunstâncias.

Em janeiro de 2019, o então ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Alan Duncan, já havia dito que, embora a disposição do ouro tenha sido uma decisão do Banco da Inglaterra, "eles levarão em conta que há agora um grande número de países em todo o mundo questionando a legitimidade de Nicolás Maduro e reconhecendo a de Juan Guaidó."

Mas desde então, o líder da oposição perdeu apoio e não conseguiu renovar seu mandato como presidente do Legislativo e deputado federal. Guaidó foi reconhecido por mais de 50 países - entre eles todos os membros da União Europeia, Reino Unido, EUA e Brasil - como o presidente interino da Venezuela em 2019 após uma grande onda de protestos no país.

Em 2021, porém, as nações que fazem parte do bloco europeu disseram que não poderiam mais reconhecê-lo legalmente depois de ele perder a posição de líder do Parlamento, mas afirmaram que ele segue sendo um "interlocutor privilegiado".

Já os EUA afirmaram em junho passado que ainda reconhecem o ex-deputado como presidente interino, mas descartaram convidá-lo para a Cúpula das Américas realizada naquele ano em Los Angeles, pois nem todos os países da região compartilhavam dessa visão.

Em abril deste ano, Guaidó foi de surpresa à Colômbia para participar de uma conferência internacional convocada por Bogotá para desbloquear o diálogo na Venezuela, mas foi obrigado a se retirar do país porque teria entrada de 'forma irregular', segundo o Ministério as Relações Exteriores.

Em seu pronunciamento em Brasília nesta semana, Lula se referiu a Guaidó como "impostor" e disse que o não reconhecimento de Maduro como presidente da Venezuela, "eleito pelo povo", é um "absurdo", em clara oposição à decisão adotada em 2019 pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Sarosh Zaiwalla, advogado que representa o conselho do BCV indicado por Maduro, afirmou à BBC News Brasil que sua equipe ainda tem esperanças de reaver os fundos. Segundo ele, não há mais recursos disponíveis para apelar contra as resoluções anteriores do Superior Tribunal de Justiça da Inglaterra, mas um segundo processo aberto no âmbito da justiça comercial ainda está correndo e deve ter uma decisão anunciada em algumas semanas.

"Entramos com uma apelação com base no fato de que a situação mudou totalmente agora. Não há mais Guaidó como presidente interino e, portanto, o caso todo deve ser julgado novamente", afirmou, em referência ao novo posicionamento do governo britânico sobre o líder da oposição.

A expectativa do advogado é de que, com a decisão tomada pela corte comercial, o conselho indicado por Maduro possa abrir um novo processo no Superior Tribunal de Justiça para reaver o ouro. Ainda segundo Zaiwalla, os fundos pertencem à Venezuela e serão empregados em projetos para a população venezuelana. "O governo do presidente Maduro já disse que está preparado para envolver as Nações Unidas e garantir que o dinheiro seja usado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para o benefício do povo."

A BBC News Brasil procurou o Banco da Inglaterra para prestar esclarecimentos sobre a situação, mas a instituição afirmou que não comenta o caso. O Departamento Jurídico do Governo governo britânico também foi contactado, mas não respondeu ao pedido de comentário até a publicação desta reportagem.

Já o Escritório de Relações Exteriores, Commonwealth e Desenvolvimento afirmou que a questão é de responsabilidade do Banco da Inglaterra.

•        Estratégia convencional

O Banco da Inglaterra é o segundo maior detentor de ouro do mundo, com aproximadamente 400 mil lingotes de ouro. Apenas o Federal Reserve Bank, nos Estados Unidos, tem mais.

Um quinto do ouro dos governos do mundo está em Londres e a razão é simples: a capital britânica é o centro mundial do comércio do metal precioso.

O Banco da Inglaterra também possui um dos maiores cofres de ouro do mundo e se destaca porque em seus mais de 320 anos de história, nunca uma barra de ouro nunca foi roubada de suas instalações.

Portanto, os bancos centrais de várias nações o utilizam para armazenar suas reservas nacionais e a Venezuela é um deles.

"Não há nada de estranho que um país mantenha reservas de ouro e outros títulos em outros bancos", explica Luis Vicente León, economista venezuelano e presidente da consultoria Datanálisis.

Para ele, essa é simplesmente uma estratégia de proteção e garantia das reservas de ouro.

"Eu diria que é uma estratégia muito convencional entre países pequenos. Os países maiores têm capacidade para proteger suas próprias reservas, mantendo-as em seus cofres."

"É uma dor de cabeça para os bancos centrais, sobretudo quando não se tem capacidade de proteção, de medidas de segurança e de tecnologia para impedir que haja uma operação de roubo. Quando você coloca em um banco estrangeiro o seu ouro, você tem uma garantia. Se algo acontecer, você estará protegido porque está pagando por um serviço de custódia."

Em 2011, o então presidente Hugo Chávez repatriou cerca de 160 toneladas de ouro que estavam em bancos nos Estados Unidos e na União Europeia, citando a necessidade de seu país de ter controle físico de seus ativos.

"A Venezuela retornou ouro ao Banco Central, tirando de diferentes países, porque era um momento em que o governo temia a aplicação de sanções internacionais que pudessem congelar suas reservas lá fora", diz Leon. "O governo sentiu que manter reservas no exterior era uma estratégia perigosa e que ele poderia ter parte de seus recursos congelada."

No entanto, o ouro que a Venezuela tinha no Banco da Inglaterra, e que hoje é alvo de disputa, permaneceu lá.

•        Por que o ouro é tão importante agora?

Em meio à enorme crise econômica e humanitária na Venezuela, o ouro é uma das poucas alternativas de financiamento e liquidez para o governo de Maduro, sobretudo desde fevereiro de 2019 quando os Estados Unidos adotaram sanções contra a empresa estatal de petróleo PDVSA, responsável por muitos recursos nacionais.

O governo também está de olho em minas no sudeste do país, em uma vasta zona que se estende da fronteira com a Guiana até a fronteira com o Brasil. Trata-se de uma região estratégica. Em fevereiro de 2016, Maduro decretou que o chamado Arco Mineiro do Orinoco (AMO) será uma zona de desenvolvimento estratégico nacional.

Países como Rússia e China ampliaram sua presença em empresas mistas de extração, com participação do governo.

O AMO tem 111.846 quilômetros quadrados, cerca de 12% do território do país, e pode ser fonte de até 7 mil toneladas de ouro.

O BCV vem recebendo cada vez mais reservas do Arco, mas mesmo assim suas reservas estão em queda.

Um informe do Conselho Mundial do Ouro diz que o BCV foi a instituição bancária que mais vendeu ouro em 2017 e 2018.

Segundo a Reuters, o BCV tinha o equivalente a US$ 4,6 bilhões em barras de ouro em meados de 2019. A quantidade é 18,5% inferior ao volume do final de 2018 — e o nível mais baixo da Venezuela em 75 anos.

A Turquia é hoje o maior comprador do ouro venezuelano, com US$ 900 milhões importados em 2018. A princípio o ouro seria refinado na Turquia e devolvido para a Venezuela, mas não há registros dessa reexportação.

Nos últimos anos, navios iranianos com gasolina ctêm chegado à Venezuela. Acredita-se que a Venezuela esteja pagando o Irã com ouro.

 

Ø  Por que aluguel em Lisboa custa quase triplo do salário mínimo

 

"A dona da casa está atrás de mim desde 2018. Ela diz que precisa do meu apartamento e eu já recebi uma ordem de despejo."

Georgina Simões é cuidadora num lar de idosos na capital portuguesa, Lisboa. Ela ganha um pouco acima do salário mínimo.

Seu aluguel, de 300 euros (cerca de R$ 1.800) por mês, é baixo para os padrões atuais da cidade, mas ainda assim ela precisa trabalhar em dois empregos para pagá-lo.

E as condições da propriedade são ruins: você não pode tomar banho porque a água vaza para o apartamento dos vizinhos.

"Não vou embora porque quando procuro outras casas o meu salário não dá, nem para pagar a renda. As rendas são superiores aos salários que temos em Portugal", diz.

As circunstâncias de Simões estão longe de ser únicas. O aluguel médio em Lisboa é agora de cerca de US$ 2.140, enquanto o salário mínimo gira em torno de US$ 814.

·         As causas da crise

Portugal enfrenta atualmente uma grave crise imobiliária, causada em parte pelo aumento do investimento estrangeiro em propriedades e pela falta de novas habitações a preços acessíveis.

Mas não é apenas uma questão de oferta. A investigadora e ativista Rita Silva, que ajudou a criar o movimento habitacional Habita, afirmou que "há mais casas do que gente, mas os preços não baixam".

O especialista acrescentou que a situação atual, que levou a inúmeras campanhas reivindicando moradias mais acessíveis, se espalhou por todo o país por vários anos após a crise financeira de 2008.

O caso de Simões, a zeladora, já está na Justiça e ela espera ficar na propriedade por mais seis meses. Seu advogado está tentando ganhar esse tempo para você.

O que acontece se ele perder?, perguntou-lhe a BBC.

"Estarei na rua", respondeu ele.

"Não tenho chance, não sei o que vai acontecer. Só preciso de um teto para dormir, passo a vida trabalhando", acrescentou.

·         Sacrifícios extremos

Joelsy Pacheco, por sua vez, concilia dois trabalhos que consomem 16 horas do seu dia. Um dos seus empregos é numa unidade de cuidados intensivos de um dos principais hospitais de Lisboa e o outro numa ONG.

"A maior parte do meu salário vai para aluguel, sem contar contas, alimentação e transporte. Com apenas um emprego seria quase impossível", narrou.

O contrato de aluguel de Pacheco termina no final deste ano e ele teme que o aluguel suba.

"Para onde eu iria agora? Provavelmente terei que voltar a morar com minha mãe, longe do trabalho, e terei que reestruturar toda a minha vida", admitiu.

No início deste ano, o comediante e ativista português Diogo Faro inadvertidamente se tornou um dos rostos do movimento de habitação popular, depois de postar um vídeo nas redes sociais sobre o aumento dos preços dos aluguéis em Lisboa.

Logo, sua caixa de entrada foi inundada com mensagens.

"Há casais divorciados que não podem se mudar porque não podem pagar, o que acho brutal. Pessoas mais velhas que estão escolhendo entre pagar aluguel ou remédios, abreviam suas vidas para ter um teto", disse ele.

À medida que recebia mais e mais histórias como essa, o comediante se juntou a alguns amigos e deu início ao movimento Casa é um Direito.

Seu e outros movimentos planejaram uma manifestação que atraiu mais de 30 mil pessoas às ruas de Lisboa em abril passado. Os protestos estenderam-se depois a outras cidades, como Porto e Braga.

"Chamamos os protestos de 'Uma casa para morar', porque as pessoas estão desesperadas . As pessoas querem uma casa para descansar, brincar com os filhos, para morar", disse Faro, que vê isso como apenas o começo da luta.

·         Turismo é um dos culpados

O autarca de Lisboa, Carlos Moedas, qualificou o problema da habitação como "a maior crise da nossa geração".

Ele fez o comentário em abril, quando começou a construção de um novo empreendimento de aluguel acessível em Entrecampos, uma área central da capital portuguesa, que fornecerá 152 novas casas.

Também foram criados programas para ajudar quem não pode pagar os elevados preços dos arrendamentos, com as autarquias a oferecerem-se para pagar um terço do custo , disse a vereadora da Habitação e Desenvolvimento de Lisboa, Filipa Roseta.

Um terço do centro histórico de Lisboa está desocupado , segundo o geógrafo e investigador de habitação Luís Mendes, e casos recentes sugerem que o Estado está a agravar a situação.

Quando algumas favelas foram destruídas em março, oito famílias ficaram desabrigadas e tiveram que ser enviadas para acomodações de emergência.

"Estamos a falar de preços de aluguer em Lisboa que são mais elevados do que em algumas das zonas mais ricas de Berlim, por exemplo, onde existe um limite de renda. Sem falar na diferença salarial", disse Mendes.

"Em Lisboa há zonas onde uma casa de 80 metros quadrados custa 1.285 dólares por mês. Bem, esse é o salário médio de um lisboeta. Então, estamos a falar de valores proibitivos, diria mesmo obscenos", acrescentou o especialista.

Mendes afirmou que um dos factores para a actual crise habitacional que o país sofre é o que chama de "turistificação" e que ocorre quando, devido ao aumento do turismo, casas destinadas a habitação são utilizadas para alojar visitantes temporários.

Zonas como o bairro histórico de Alfama, conhecido como a casa do Fado, têm agora 60% das suas casas para arrendamento de curta duração.

"O que os turistas vão ver? Uns aos outros?" Faro brincou.

·         Investidores especulativos

Depois, há medidas do governo que visam atrair investimentos estrangeiros por meio de programas de isenção de impostos para fundos de investimento, nômades digitais e, acima de tudo, vistos gold.

"Os vistos gold permitem que investidores de fora da União Europeia (UE) obtenham um visto de residência em Portugal para investimento , e que lhes permite entrar no Espaço Schengen (os países da UE que não têm fronteiras entre si)", explicou Mendes.

"Muitas vezes, [os beneficiários do visto gold] reformam uma casa, mas não a ocupam. Muitas vezes essas propriedades são vendidas repetidamente, e isso cria uma distorção no mercado imobiliário e é uma das causas da crise. de habitação", disse o especialista.

Como parte de um novo programa habitacional, o governo está encerrando os vistos gold e as autorizações de aluguel de curto prazo, além de limitar o aumento do aluguel em 2%.

No entanto, para a maioria dos cidadãos, essas medidas são poucas e tardias.

 

Fonte:  BBC News Mundo

 

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