Pauta
nacional-desenvolvimentista petroleira do século XX versus agenda
socioambiental para o século XXI
A aprovação da MP 1150/22, que flexibiliza a Lei da
Mata Atlântica, e a aprovação da urgência para a votação do PL 490, sobre o
marco temporal das terras indígenas, na Câmara dos Deputados na semana passada,
indica “o avanço dos setores mais atrasados e mais à direita para contrapor os
avanços do poder Executivo”, destaca Carlos Frederico Marés de Souza Filho,.
Na avaliação de Bruce Albert, elas indicam uma
reação do parlamento à decisão técnica do Ibama de impedir a exploração de
petróleo na foz do Amazonas. O Congresso, sublinha, “retrucou à esta decisão
acertada do Ibama com uma saraivada de votações antiecológicas e
anti-indígenas: Mata atlântica, Marco Temporal, desmonte do Ministério do Meio
Ambiente – MMA e do Ministério dos Povos Indígenas – MPI”. A situação, observa,
“abriu uma crise política que colocou em plena luz a contradição embutida no
projeto de governo Lula 3, que pretende conciliar uma pauta
nacional-desenvolvimentista petroleira do século XX e uma agenda socioambiental
para o século XXI”.
Maurício Angelo destaca que as frustrações internas
no governo depois das votações e disputas em relação às pautas socioambientais
“mostram que estamos vendo, na prática, a dificuldade de cumprir o discurso que
Lula fez em 2022, o discurso feito na COP27, no Egito, no ano passado, o
discurso diário do governo em certas instâncias, na internacional
especialmente”.
<<<<< Confira as entrevistas.
Carlos
Frederico Marés de Souza Filho é graduado,
mestre e doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Paraná –
UFPR. É procurador do Estado do Paraná desde 1981. Integra o Programa de
Mestrado e Doutorado da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, onde é
professor titular de Direito Agrário e Socioambiental. Foi presidente da
Fundação Nacional do Índio – Funai, procurador-geral do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – Incra e diretor do Banco Regional de Desenvolvimento
do Extremo Sul. É sociofundador do Instituto Socioambiental – ISA.
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Na semana passada, a Câmara aprovou a MP 1150/22,
que flexibiliza a Lei da Mata Atlântica e aprovou a urgência para a votação do
marco temporal de terras indígenas. O que isso significa e indica no atual
contexto político?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho – A aprovação
da MP 1150/22, que flexibiliza a Lei da Mata Atlântica e a aprovação da
urgência para a votação do marco temporal das terras indígenas significa, em
última instância, o avanço dos setores mais atrasados e mais à direita na
Câmara justamente para contrapor os avanços do poder Executivo, ou seja, das
políticas públicas. Como houve, durante a campanha, uma polarização, e as
políticas públicas pró-indígenas, pró-meio ambiente e pró-agroecologia e
assentamentos de reforma agrária foram fortemente colocadas em discussão pelo
então candidato Lula, contra o risco de que elas efetivamente avancem, todos os
setores mais à direita e centro-direita da Câmara estão tentando mostrar que
não vão permitir isso. Na Câmara essas políticas encontram um atendimento
negativo. Então, a votação dessas medidas é um movimento político da Câmara.
A urgência em relação ao marco temporal é uma
resposta ao Supremo Tribunal Federal – STF, que acaba de pautar e complementar
a discussão. A tentativa da Câmara de aprovar a urgência e votar a matéria
rapidamente, antes mesmo que o STF decida uma lei que aprove o marco temporal,
é uma espécie de xeque-mate ao Supremo, uma espécie de pressão para que o
Supremo não avance. É uma pressão extemporânea porque o Supremo vai ter que
votar a matéria, isso já está marcado e, provavelmente, a discussão vai ter
desdobramentos nas próximas semanas.
A pressão ao Supremo não tem muita eficácia, tendo
em vista que a própria tese do marco temporal, caso seja aprovada, assim como a
transferência da demarcação das terras para o Congresso, não seriam aprovadas
como lei. Se forem aprovadas como lei, elas são claramente inconstitucionais e,
portanto, serão rediscutidas no Supremo. Tudo isso implica em mais trabalho,
mais discussões e mais complexidade para o reconhecimento dos direitos. É nesse
marco que estamos neste momento. Todas as pressões da Câmara são para que o
Estado brasileiro, no poder Executivo, não avance. E parece que não está
avançando mesmo.
·
De que forma essas medidas representam um
enfraquecimento da área socioambiental do governo?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho – As medidas
representam um enfraquecimento, sim, e esta é a tentativa da Câmara: enfraquecer,
dentro do governo, não só as áreas socioambientais, como também as áreas
ligadas à reforma agrária, que estão associadas ao processo socioambiental.
IHU – Como o governo está reagindo a essas
movimentações? Como avalia a postura do governo diante dessas medidas?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho – O governo
Lula, como reagiu durante os oito anos dos dois primeiros governos, reage
contemporizando. Assim foi, por exemplo, quando houve um avanço grotesco sobre
o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, com a Operação Agro Fantasma
[conduzida pelo então juiz federal Sérgio Moro, em 2013]. Lula recuou em muitas
questões e tentou deixar as políticas mais amenas para que fossem mais
acertadas, o que prejudicou muito o programa e os camponeses. É necessário
posições dos movimentos sociais para que o governo não ceda tanto.
·
Em que medida o governo pode vir a ceder a essas
pressões e mudar a condução de suas pautas socioambientais?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho – É muito
difícil responder a esta questão. A pressão é dos dois lados porque os
movimentos sociais também vão começar a pressionar. Os Movimentos da Terra já
começaram a dar mostras disso, os movimentos indígenas também, então, haverá um
embate que é mais ou menos previsto neste momento histórico em que vivemos. Não
há como não haver enfrentamento neste momento porque é certo que a direita que
perdeu a eleição – bem perdida porque apesar de todas as medidas tomadas pelo
governo Bolsonaro para influenciar a eleição e modificar o resultado dela, ele
foi derrotado nas urnas – está disposta a qualquer mobilização para não
permitir que haja um avanço das posições mais à esquerda; é isso que está
acontecendo. Mas os movimentos sociais também começam a se movimentar.
IHU – A ministra dos Povos Indígenas, Sonia
Guajajara, declarou que “há uma certa frustração” com esvaziamento da pasta. A
ministra Marina Silva está envolvida em disputas com o ministro de Minas e
Energia. O que esse cenário sinaliza? É possível um novo rompimento entre
Marina e Lula, como ocorreu no passado?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho – É bem
verdade que tanto Sonia quanto Marina têm posições muito firmes em relação ao
meio ambiente e aos povos indígenas, mas não acho que seja o momento de
rompimento agora. Este é um governo em disputa e as duas grandes mulheres que
hoje são ministras estão disputando espaço – que não é espaço somente no
governo, mas na política em geral – para avanços tanto em relação aos povos
indígenas quanto em relação ao meio ambiente. Agora, mais claro do que nunca,
essas duas pautas são pautas comuns, que se somam e sempre se somaram, embora,
às vezes, ficassem meio separadas. Hoje, as três pautas – reforma agrária,
povos indígenas e tradicionais e meio ambiente – estão sendo jogadas juntas e
isso representa um fortalecimento para as pautas sociais e populares. Quer
dizer, os movimentos populares hoje, ao se juntarem, estão muito mais fortes do
que eram no passado.
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Qual o papel de outros agentes, como a Igreja, que
celebrou a Semana Laudato Si’ nos últimos dias, e as organizações da sociedade
civil, na disputa pela condução da pauta socioambiental diante do atual
Congresso, que está atrelado a lógicas desenvolvimentistas do passado?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho – Cada agente
tem papéis diferentes. A Igreja sempre teve um papel importante nas disputas
sociais, seja pró ou contra. Não só a Igreja católica, mas ela tem, na
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, um marco de avanço. Hoje, o
Papa Francisco propõe pautas parecidas com as dos indígenas, as do meio
ambiente e da reforma agrária. O papel da Igreja é grande.
As demais organizações da sociedade civil têm
importância à medida que se articulam com os movimentos sociais. Sem dúvida a
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST têm um papel importante porque articulam
movimentos sociais, organizações da sociedade civil e movimentos ambientais. As
organizações que não articulam movimentos sociais diretamente não têm um papel
determinante no processo.
Entretanto, a influência dos movimentos sociais, das
organizações e da Igreja é menor no Congresso do que em outros espaços da vida
pública nacional. O Congresso é muito viciado do ponto de vista das
articulações da esquerda. A esquerda não tem maioria no Congresso, nunca teve.
Na lógica como se elegem os deputados hoje, inclusive na lógica de distribuição
espacial por estados, a esquerda não tem muitas condições de vir a ter um poder
muito forte. Por isso mesmo as organizações sociais têm menos influência no
Congresso. O Congresso será sempre o estamento que segura o processo de avanço
das pautas sociais.
Não acho que o Congresso esteja atrelado a lógicas
desenvolvimentistas. A pergunta refere-se a lógicas desenvolvimentistas do passado,
mas diria que são lógicas de um passado ainda mais distante. A ideia de
desenvolvimento atrelada ao Congresso ainda é a de desenvolvimento com grande
agressão à natureza, baseada no agronegócio de expansão e nas lógicas da
Revolução Verde, contra a natureza, os povos e o patrimônio cultural. Essa é a
pauta e o desenvolvimentismo do Congresso hoje. Isso significa um não
desenvolvimentismo porque não visa o desenvolvimento do país.
A lógica do Congresso é firmar o Brasil como
vendedor de commodities arrancadas da natureza, sejam minerais ou agrícolas.
Isto é um empobrecimento do país e não um desenvolvimento para o progresso.
Neste sentido, a disputa em determinados momentos, os avanços da reforma
agrária, a defesa do meio ambiente e das pautas dos povos indígenas e de outros
povos tradicionais, podem se somar ao governo como ele está composto hoje,
contra o desenvolvimentismo atrasado e dependente do Congresso.
·
Deseja acrescentar algo?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho – Estamos,
neste momento exato, em uma disputa. A Câmara, ao colocar essas discussões pelo
marco temporal e contra o meio ambiente, está claramente dando um recado ao
Supremo, o qual acredito que o Supremo não receberá. O Supremo vai ter
autonomia na decisão e um papel preponderante na decisão dessas pautas. O
recado da Câmara hoje não é um recado que tenha eco no Supremo, mas isso se
verá rapidamente quando, na próxima semana, o marco temporal será analisado no
Supremo. Imediatamente depois disso, independentemente da decisão do Supremo,
os movimentos sociais têm que repensar as estratégias que tinham até este
momento. As estratégias têm que ser outras. Se o Supremo decidir, por exemplo,
favorável aos movimentos indígenas e por restrição total ou parcial ao marco
temporal, a perspectiva de discussão legal vai ser diferente. Se o STF adotar
posições muito parecidas com as da Câmara e as do Congresso Nacional, a pauta
dos movimentos sociais também tem que ser recomposta para ver como poderão ser
articuladas com o governo federal. A discussão das pautas para o segundo
semestre em diante depende muito da discussão do Supremo sobre o marco
temporal.
***
Bruce
Albert é doutor em antropologia pela Universidade de Paris
X-Nanterre e pesquisador do Institut de Recherche pour le Développement. Trabalha
com os yanomamis do Brasil desde 1975 e é autor de A Queda do Céu, juntamente
com Davi Kopenawa, escritor, xamã e líder político yanomami. Em março deste
ano, Bruce Albert e Davi Kopenawa publicaram O espírito da floresta (São Paulo:
Companhia das Letras, 2023).
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Na semana passada, a Câmara aprovou a MP 1150/22,
que flexibiliza a Lei da Mata Atlântica e aprovou a urgência para a votação do
marco temporal de terras indígenas. O que isso significa e indica no atual
contexto político?
Bruce Albert – A decisão técnica, independente do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –
Ibama, de impedir a exploração de petróleo na foz do Amazonas (como é o caso na
Guiana Francesa vizinha) abriu uma crise política que colocou em plena luz a
contradição embutida no projeto de governo Lula 3, que pretende conciliar uma
pauta nacional-desenvolvimentista petroleira do século XX e uma agenda
socioambiental para o século XXI.
O parlamento retrucou à esta decisão acertada do
Ibama com uma saraivada de votações antiecológicas e anti-indígenas: Mata
Atlântica, Marco Temporal, desmonte do Ministério do Meio Ambiente – MMA e do
Ministério dos Povos Indígenas – MPI, incluindo a perda do poder do Ibama de
vetar “obras de interesse nacional”, é claro. Inacreditavelmente, isto
aconteceu com a cumplicidade e/ou a omissão da bancada do PT e com Lula
declarando que “se sentiu traído” pela Marina Silva!
Conclusão: temos agora um governo Lula 3 já, em
cinco meses, encurralado no parlamento, inclusive por boa parte de sua bancada,
e que parece preferir, neste contexto adverso, sacrificar “tudo que é
secundário” (!), leia-se a sua própria agenda socioambiental e a Amazônia, para
salvar seu projeto nacional-desenvolvimentista petroleiro.
Esta atitude configura, é claro, uma traição de
grande parte do eleitorado que votou em Lula em razão da agenda socioambiental.
Configura, em segundo lugar, uma renúncia política imperdoável de um governo
dito “de esquerda” frente ao retrocesso colonial e ecocida que incarna a maior
parte do Congresso.
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Agenda socioambiental do governo Lula 3
Porém, além disso, não estamos mais na primeira
década do século XXI (governos Lula 1 e 2). O suposto “desenvolvimento” movido
a grande obras, energia fóssil e agroindústria é hoje, como nunca, condenado
como socialmente desastroso e ecologicamente suicidário no contexto da crise
ecoclimática sem precedente na qual estamos engajados. Portanto, a agenda
socioambiental do governo Lula 3 não pode ser rifada hoje, como em 2008, sem,
desta vez, ter consequências políticas e econômicas nacionais e internacionais
muito sérias para o país.
Lula se reelegeu por causa desta agenda e começou a
recolocar o Brasil dignamente no cenário internacional por causa dela.
Escamoteá-la hoje, de repente, em busca de uma imaginária e improvisada
conciliação com um Congresso profundamente retrógrado, deixaria
retrospectivamente a possibilidade de avaliar estes cinco primeiros meses de
governo como o jogo de cena de um cínico estelionato eleitoral e diplomático.
Isso acabaria definitivamente com o novo governo, com a biografia do presidente
e, bem pior, com o crédito internacional do país em convalescência depois do
desastre bolsonarista. O governo perderia assim não só os anéis, mas também os
dedos, e até as mãos. Pior ainda, a honra, a sua e a do país.
Veremos se a contestação veemente das medidas
antissocioambientais do Congresso pela opinião pública, pela imprensa (nacional
e internacional) e pelas entidades da sociedade civil induzirão o governo a
tomar consciência da magnitude do leite derramado e a desistir de abandonar
covardemente as guerreiras heroicas, Marina Silva e Sonia Guajajara, aos
golpistas trogloditas do parlamento. A seguir.
***
Maurício
Angelo é repórter investigativo, fundador do Observatório
da Mineração, centro de jornalismo investigativo, análise crítica, pesquisa e
mentoria focado no setor extrativo, e pesquisador do Centro de Desenvolvimento
Sustentável na Universidade de Brasília (UnB).
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Na semana passada, a Câmara aprovou a MP 1150/22,
que flexibiliza a Lei da Mata Atlântica e aprovou a urgência para a votação do
marco temporal de terras indígenas. O que isso significa e indica no atual
contexto político?
Maurício Angelo – Estamos diante de um momento
histórico decisivo. Tenho dito e repito que 2023 não é 2015, 2010, 2003. Ou
seja, não estamos nos governos anteriores do PT nem sequer no governo Temer. A
crise climática causada pelos seres humanos – vide os relatórios do IPCC e tudo
que a ciência tem descoberto –, pela industrialização, pelo capitalismo, pelo
uso desenfreado dos recursos naturais, pela doutrina do desenvolvimento, que
inclusive é muito forte no governo, está mais do que provada. Temos menos tempo
hoje do que tínhamos dez, oito anos atrás.
O Congresso está tomado, como no passado – e não por
acaso o golpe contra a Dilma aconteceu – por deputados e senadores ruralistas,
aliados de mineradoras, da bancada da bala, da Bíblia, que atendem aos
interesses dos seus financiadores e aos seus próprios interesses porque muitos
deles são empresários desses setores. É muito difícil para o governo compor uma
coalizão. É claro que derrotar Bolsonaro foi essencial porque ele é
incomparável a qualquer governo do PT em termos políticos, práticos e humanos,
mas como se governa diante de um Congresso como esse? É preciso ceder e abrir
mão de algumas questões, é preciso compor com essa gente; é a chamada
realpolitik. O governo não vai conseguir fazer tudo que quer, do modo que quer,
no seu tempo e da sua maneira. Isso mostra a força da herança bolsonarista no
Congresso, que encurrala e chantageia o governo, colocando a faca no pescoço do
país. Essas medidas são uma hecatombe socioambiental se forem confirmadas, como
parece que serão.
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Como o governo está reagindo a essas movimentações?
Como avalia a postura do governo diante dessas medidas?
Maurício Angelo – O governo tem reações dúbias, como
a de liberar a bancada para votar como ela quiser. Como eu disse, 2023 não é
2008. Lula fez promessas na campanha e as cumpriu, como a criação do Ministério
dos Povos Indígenas. Conseguiu convencer a Marina Silva a voltar a fazer parte
do governo e ela montou uma equipe qualificada, com pessoas competentes e
técnicas.
Agora, o problema é que o governo não é só o
Ministério do Meio Ambiente, não é só a Marina, não é só Sonia Guajajara,
Silvio Almeida e Anielle Franco. O governo também é Alexandre Silveira,
Ministro de Minas e Energia, que tem um passado político fortemente financiado
por mineradoras. O governo também é Carlos Fávaro, ministro da Agricultura.
Além disso, o governo tem muita gente do Centrão. O governo é o próprio Geraldo
Alckmin, que é vice-presidente e se mostrou pró-desenvolvimento e pró-mineração
que impacta terras indígenas, como é o caso da empresa Potássio do Brasil, no
Amazonas. Alckmin, assim como Bolsonaro, se mostrou favorável em apoiar a
empresa Potássio do Brasil e a “destravar” o projeto dela.
Então o governo vive uma disputa permanente entre as
pautas ambientais e o lobby da indústria e da mineração. O Instituto Brasileiro
de Mineração (IBRAM), que representa as principais mineradoras do Brasil, está
muito próximo do governo. Sempre foi, mas agora está mais próximo. Raul
Jungmann, ex-ministro e político experiente, é o presidente do IBRAM, e o
vice-presidente é Fernando Azevedo e Silva, que era ministro do Bolsonaro e
está extremamente próximo do governo. Ele apoiou o lançamento da frente
parlamentar da mineração sustentável. Sempre digo que mineração sustentável não
existe e não conheço nenhum exemplo disso. Ninguém, até hoje, conseguiu me dar
um exemplo de mineração sustentável que ficasse em pé.
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A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara,
declarou que “há uma certa frustração” com esvaziamento da pasta. A ministra
Marina Silva está envolvida em disputas com o ministro de Minas e Energia. O
que esse cenário sinaliza? É possível um novo rompimento entre Marina e Lula,
como ocorreu no passado?
Maurício Angelo – Estamos em maio e ainda nem se
completaram cinco meses de governo. Então, as frustrações da Sonia e
possivelmente as da Marina e as do Rodrigo Agostinho, que está no Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, mostram
que estamos vendo, na prática, a dificuldade de cumprir o discurso que Lula fez
em 2022, o discurso feito na COP27, no Egito, no ano passado, e o discurso
diário do governo em certas instâncias, na internacional especialmente.
Pessoas do PT, como Randolfe Rodrigues, [Alexandre]
Padilha e Jean Paul Prates, se mostram a favor das questões do petróleo e da
mineração, por exemplo. Muitos, dentro do governo e do PT, são favoráveis a
pautas e projetos extrativistas que até hoje são vendidos como capazes de dar
soluções para todos os problemas do país. Qual é o legado dos projetos de
mineração? Mariana, Brumadinho, hecatombe socioambiental nas terras indígenas
yanomami, munduruku e kayapó. Estamos falando de alguns dos maiores desastres
ambientais do Brasil e do mundo. Esse é o legado recente. Essa indústria e esse
lobby são muito fortes e o governo de coalizão tem inúmeros problemas.
Arthur Lira é, de fato, um político experiente que
está tentando implementar, na prática, o parlamentarismo. Rodrigo Pacheco
também é a favor desses projetos e também é ligado à mineração direta ou
indiretamente. [Alexandre] Silveira inclusive foi assessor do Pacheco no
passado. A indústria é muito próxima de figuras centrais não só do governo, mas
do Legislativo, do Judiciário. Então, é possível, sim, uma ruptura [com
Marina]. Não sei em quanto tempo. Não sei até quando a equipe toda – e não só a
Marina – vai conseguir fazer esse embate vencer e como vai receber as derrotas
que inevitavelmente virão não só de dentro do governo, mas do Congresso. As
derrotas virão e isso é fato. A equipe não vai vencer todos e talvez não vença
a maioria dos embates, das pautas, dos projetos e políticas públicas. A bancada
ruralista e as mineradoras não estão aceitando nem que o governo reforme a
composição dos próprios ministérios de forma administrativa. Imagina se vão
aceitar o resto.
A tendência é que boa parte dessas questões parem no
Judiciário, como já aconteceu com o marco temporal e a mineração em terra
indígena, e acontecerá com o licenciamento ambiental, que é outra pauta bomba
em curso. O Supremo pode tomar várias decisões fundamentais, mas não dá para
contar com o Supremo. Não deveríamos ter que contar com o Supremo. Se o Brasil
quer, de fato, ser vanguarda e exemplo, ser um ator de referência e excelência
no combate à crise climática, vai continuar abrindo projetos de petróleo e de mineração
no país inteiro, não só na Amazônia, mas no Cerrado? Vai deixar que o
desmatamento ocorra e vai deixar o agronegócio mandar no país até secar a
última fonte de água, corroer a última montanha e destruir todos os recursos
que temos, os quais são fundamentais para a própria vida, usando o papel que a
Amazônia tem na questão do clima global? Esse debate é o debate sobre a própria
sobrevivência humana na Terra no médio e curto prazo porque os efeitos da crise
climática estão aí, no dia a dia, com desastres e pessoas sendo expulsas de
suas casas.
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Qual o papel de outros agentes, como a Igreja, que
celebrou a Semana Laudato Si’ nos últimos dias, e as organizações da sociedade
civil, na disputa pela condução da pauta socioambiental diante do atual
Congresso, que está atrelado a lógicas desenvolvimentistas do passado?
Maurício Angelo – O papel das organizações, da
academia, dos movimentos sociais, é, de fato, mostrar essas contradições,
prover estudos técnicos, incidir politicamente, pautar as questões na imprensa,
colocar questões que não estão sendo debatidas, mostrar os paradoxos,
interesses, e participar do debate de maneira importante. Outro papel
importante e feito há muito tempo – e que no governo Bolsonaro foi fundamental
– é o dos servidores de carreira, que têm um senso de cumprir a função para a
qual os órgãos foram criados, como o Ministério do Meio Ambiente – MMA, o
Ibama, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Funai. Isso tudo é muito
importante e tem a possibilidade de, pelo menos, barrar alguns retrocessos; não
todos.
Para resumir, esses são embates cruciais para o
Brasil e para o mundo, que vão se repetir com frequência e serão duríssimos. A
ala ambiental provavelmente vai perder muito mais do que que ganhar, mas este é
um debate e uma disputa que precisam ser feitos e não há outro modo de
fazê-los. É assim que funciona na democracia e na combalida democracia
brasileira, com todos os problemas e fortalecimento da extrema-direita e do
bolsonarismo, colimando com os ataques de 8 de janeiro, que estão muito longe
de serem esclarecidos e os responsáveis punidos. Estamos falando de algo
fundamental que vai render bastante.
Fonte: Entrevista com Carlos Marés, Bruce Albert e
Maurício Angelo, para IHU
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