Carlos
Wagner: Quem duvida que a CPI pode virar um palco para o MST brilhar?
Na noite de 30 de outubro de 1938, os americanos
entraram em pânico acreditando que o país estava sendo invadido pelos
marcianos. Na verdade, era uma dramatização do livro Guerra dos Mundos,
do escritor inglês H. G. Wells, narrada pelo ator e diretor de cinema George
Welles na rede de rádios CBS (Columbia Broadcasting System). Toda a história
foi resumida no dia seguinte na manchete do jornal Daily News: “Guerra falsa no
rádio espalha terror pelos Estados Unidos”. Essa história é famosa e existe um
farto material disponível na internet. Abri a nossa conversa contando esse
episódio porque vai me ajudar a explicar os motivos pelos quais a extrema
direita do interior do Brasil está apostando todas as suas fichas na Comissão
Parlamentar de Inquérito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a CPI
do MST, que foi instalada pela Câmara dos Deputados. Será presidida pelo
deputado gaúcho Tenente Coronel Zucco (Republicanos) e relatada pelo deputado
Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente (2019-2021) no governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Essa será a quinta CPI respondida pelo MST.
E a não ser que Zucco e Salles tenham alguma carta na manga que represente um
fato novo comprometendo o MST, a CPI será um desfile de antigas notícias de
jornal que serão requentadas e servidas ao público como se fossem novidades.
Por que faço essa afirmação?
Antes de responder à pergunta vou dar algumas
explicações que julgo necessárias para o leitor e os meus colegas. Tenho 72
anos, quase 40 como repórter, sou especializado em conflitos agrários,
migrações e crime organizado nas fronteiras. Sou dono de um currículo bem
nutrido e tenho 14 livros publicados. Portanto, o que vou falar não é opinião.
São fatos, muitos dos quais presenciei pessoalmente quando eles aconteceram.
Desde 1979 até os dias atuais acompanhei todos os grandes conflitos agrários no
Brasil e em países vizinhos, especialmente no Paraguai, onde hoje vivem mais de
1 milhão de agricultores brasileiros e seus descendentes, conhecidos como
brasiguaios. Voltando ao assunto e respondendo à pergunta que fiz no final do
primeiro parágrafo. O objetivo da CPI do MST não é cavar fatos novos. É usar os
que já existem e requentá-los com a finalidade de criar um ambiente de medo
entre as famílias rurais de que a qualquer momento os sem-terra possam atacar
seus filhos e propriedades. A extrema direita espera que essa estratégia
resulte em votos nas eleições municipais de 2024 e em generosas contribuições
em dinheiro para reativar a sua máquina de fakenews, formada por jornais,
revistas, noticiários (rádios e TVs), blogs, sites e outras plataformas de
comunicação. O dinheiro que financiava essa máquina vinha dos cofres públicos
durante o governo Bolsonaro. Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
essa torneira foi fechada.
Nunca coloquei em dúvida a competência dos
jornalistas, advogados, publicitários e outros profissionais que trabalham na
máquina de fakenews da extrema direita. Tanto que conseguiram mobilizar os
bolsonaristas radicalizados que realizaram o 8 de janeiro em Brasília (DF),
quando destruíram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do
Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas tenho muitas dúvidas se
conseguirão transformar a CPI do MST em um assunto do dia no meio rural. Vou
explicar o motivo da minha dúvida. Voltando à história dos americanos que
acreditaram estarem sendo invadidos por marcianos. Ora, em 1938 o rádio era o
meio de comunicação mais poderoso no mundo. E as teatralizações nos programas
radiofônicos, as novelas, eram campeãs de audiência. Nos dias atuais, a
possibilidade de que aconteça um episódio semelhante ao de 1938 é muito
pequena, porque existem centenas de plataformas de comunicação e aparelhos,
como o telefone celular, que nos colocam em comunicação por som e imagem de
maneira imediata. E o que considero o principal motivo pelo qual tenho dúvidas
do sucesso da máquina de fakenews da extrema direita na CPI do MST: os
deputados Zucco e Salles estão falando de uma realidade que não existe mais. Os
grandes confrontos agrários entre sem-terra, policiais militares, pistoleiros
de aluguel e fazendeiros aconteceram nos anos 80 e 90. Estive presente nos
principais, fazendo reportagens. Hoje, aqueles sem-terra estão assentados, têm
uma casa confortável, filhos nas universidades e fazem parte das comunidades
rurais. Claro, o problema da reforma agrária não foi totalmente resolvido no
Brasil. Mas a tensão no campo diminui muito porque a questão agrária vem sendo
equacionada desde os tempos da ditadura militar (1964 a 1985). Na época, o
governo apostou no povoamento das fronteiras agrícolas, como eram chamadas as
vastas áreas escassamente povoadas no Centro-Oeste e no Norte do país. Com a
redemocratização, em 1985, e a Constituição de 1988, a reforma agrária foi
regulamentada e, com isso, centenas de assentamentos foram criados – há números
disponíveis na internet.
Aluta pela terra ainda não terminou. Mas hoje a
principal bandeira do MST é outra. Como manter os assentados ganhando
dinheiro nas suas glebas. É uma luta difícil e dura, como foram as
dos anos 80. Conheço os principais assentamentos do Brasil e digo que há uma
fila enorme de problemas para serem resolvidos, como a questão das novas
tecnologias que respeitam o meio ambiente. Na época dos grandes conflitos, as
lideranças que estavam à frente na hora do confronto eram
chamadas de “capa preta”, que pode ser definido como corajoso. Hoje encontro
esse pessoal na função de executivos nas cooperativas
de assentados. E falando de estratégias comerciais para vender
os seus produtos. Vou enfileirar mais um fato que considero relevante na nossa
conversa. Nos anos 80 e 90, na cobertura dos grandes conflitos agrários, todos
os grandes jornais do Brasil e de países como Inglaterra, Itália e
Estados Unidos enviavam os seus correspondentes para
fazerem a cobertura. Por quê? A democracia brasileira estava se
consolidando. Nos dias atuais, a população das grandes e médias cidades do
Brasil está se lixando para o que acontece no meio rural. Só é manchete o
que acontece na Floresta Amazônica, porque é importante para o futuro
do clima do planeta, um assunto de interesse de todos. Por tudo que
falamos, a CPI do MST pode virar um palco para os sem-terra brilharem e
fazerem propaganda dos seus produtos. Temos que esperar para ver.
Ø Presidente da CPI recebeu líderes de 'movimento' acusado de atuar como
milícia contra o MST na Bahia
O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) recebeu em
seu gabinete coordenadores do autoproclamado "Movimento Invasão
Zero", acusado de usar táticas de milícia contra integrantes do MST na
Bahia.
Como mostrou o Brasil de Fato, o grupo, que
atua no sul do estado nordestino, espalhou terror entre centenas de famílias
integrantes do MST que estavam acampadas em fazenda que já tinha sido designada
para a reforma agrária. A ocupação aconteceu durante a Jornada Nacional de Luta em Defesa da Reforma Agrária, mobilização anual do MST em favor da redistribuição de terras.
No último dia 24 de abril, centenas de proprietários
de terra da região foram com seus funcionários e policiais militares para o
local da ocupação com o objetivo de expulsar os acampados. Houve algumas horas
de negociação e o grupo deixou o local sem confronto.
"O clima no acampamento é de muita apreensão,
porque [as pessoas que foram até a entrada do acampamento] são milicianos
armados a mando dos fazendeiros", disse na época uma pessoa acampada no
local ao Brasil de Fato. O nome não foi revelado, por questões de
segurança.
Encontro em Brasília
A reunião entre Zucco e representantes do
"Invasão Zero" aconteceu no último dia 9 de maio, quando Luiz Uaquim
e Dida Souza, empresários que se apresentam como "coordenadores do
movimento" estiveram na capital federal para conversar com parlamentares
de extrema direita que, àquela altura organizavam os últimos detalhes antes da
CPI, formalizada na semana seguinte.
A conversa foi destaque no site oficial do próprio
deputado, que citou uma suposta "escalada de violência no campo por conta
da invasão de propriedades privadas", sem citar fatos. A página oficial do
deputado disse ainda que os fazendeiros foram obrigados a "se defender por
conta própria".
"A Constituição não existe na Bahia. E também
não se prende ninguém pela invasão de propriedade. Dessa forma, tivemos que
reagir e nos organizar para expulsar os invasores por conta própria",
teria dito Uaquim, reconhecendo as práticas análogas às de atuação de milícias,
em fala replicada pelo site de Zucco.
"A ausência do Estado na resolução dos
conflitos agrários pode provocar uma tragédia se tivermos um enfrentamento mais
duro entre índios, sem-terra e agricultores", disse Zucco, em tom de
ameaça, em fala também publicada em seu site.
Ø Direção da CPI do MST trava informações e prejudica deputados pró-reforma
agrária
Uma comitiva de integrantes da Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
visitou o Pontal do Paranapanema, no município de Presidente Prudente (SP),
nesta segunda-feira (29). No entanto, apenas um deputado que apoia a reforma
agrária conseguiu participar: Nilto Tatto (PT-SP). O motivo foi a divulgação da
agenda em cima da hora por parte da presidência da CPI, a cargo do
oposicionista Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS).
Esse é apenas um dos sinais de que a presidência e a
relatoria do colegiado não têm se esforçado em divulgar os passos
concretos dos trabalhos de investigação com antecedência.
Com exceção de Tatto, de um assessor de Sâmia Bonfim
(PSOL-SP) e de um consultor da Câmara, o restante da comitiva foi integrado
apenas por congressistas da oposição - uma
composição ainda mais desfavorável que a da própria CPI.
Foram a São Paulo os seguintes deputados, além de
Tatto: o presidente da CPI, Coronel Zucco (Republicanos-RS); o relator, Ricardo Salles
(PL-SP); Capitão Alden (PL-BA); Caroline de Toni (PL-SC); Magda
Mofatto (PL-GO); Messias Donato (Republicanos-ES) e Rodolfo Nogueira
(PL-MS). A diligência se iniciou pela manhã com uma visita a delegados da
Polícia Civil na região. Outros trabalhos da Comissão no Pontal não foram
divulgadas pelos integrantes da CPI.
Coraldino Vendramini, advogado da União Democrática Ruralista, estava no local
da conversa entre os parlamentares e delegados. Questionado pela imprensa,
afirmou que estava na região para "fiscalizar a CPI". Zucco,
posteriormente, afirmou que a conversa envolveu delegados e também supostos
proprietários de terras.
Informações e planejamento
A viagem ao Pontal gerou críticas por parte dos
integrantes da CPI que apoiam a reforma agrária. "Nós contestamos isso,
porque é pouco tempo para gente poder se organizar", disse Sâmia Bonfim.
Um acordo estabeleceu que atividades externas ao Congresso deverão ser marcadas
com no mínimo 72 horas de antecedência.
Os problemas com o compartilhamento de informações,
entretanto, não se limitam à viagem. Até o fim da manhã desta segunda-feira
(29) nenhuma reunião da CPI aparecia como marcada para o dia seguinte (30), ao contrário do que acontecia em relação
a duas outras CPIs: das apostas esportivas e das Americanas. O agendamento
formal só ocorreria após o meio-dia. Assessores de deputados pró-reforma
agrária que integram a comissão afirmam que Zucco já havia sinalizado que uma
sessão ocorreria, mas que a pauta não havia sido antecipada.
Com o agendamento formal no início da tarde, a
sessão do dia 30 tem como pauta definida "audiência pública e votação de
requerimentos". A audiência se refere à realização de um dos primeiros
requerimentos aprovados, na semana passada. Ivan Xavier e Nelcilene Reis,
ex-acampados no Distrito Federal, deverão ser ouvidos nesta terça-feira (30).
Em relação aos requerimentos, vários novos pedidos
foram protocolados. Do lado dos congressistas alinhados ao ruralismo, há
pedidos para que Ronaldo Caiado (União Brasil), governador de Goiás, e Xico
Graziano sejam ouvidos. Os dois são adversários históricos da reforma agrária e
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Há também um
requerimento para que Geraldo Melo Filho, presidente do Incra, seja convidado.
Por último, o relator Ricardo Salles pede que integrantes da
Controladoria-Geral da União assessorem a CPI.
Os deputados governistas, por outro lado, pedem que
Raquel Rigotto, médica especialista no estudo do impacto do uso de
agrotóxicos, e o jurista José Geraldo de Sousa, ex-reitor da UnB, sejam
ouvidos. Os dois requerimentos têm como objetivo "contextualizar e
apresentar diagnóstico da situação agrária brasileira".
Fonte: Hisórias Mal Contadas/Brasil de Fato
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